INSOLVÊNCIA
RECLAMAÇÃO DE CRÉDITOS
IMPUGNAÇÃO DO CRÉDITO
ÓNUS DA PROVA
Sumário

I - Em sede de reclamação de créditos apresentada em processo de insolvência, compete ao reclamante, caso ocorra impugnação, provar a existência do seu crédito.
II - Em caso de dúvida sobre a prova do crédito, a mesma tem de ser ponderada em desfavor do mesmo credor – artigo 414.º, do C. P. C.
III - Existem fortes dúvidas sobre a efetiva contratação de um colaborador da empresa insolvente quando: o mesmo é filho do sócio-gerente da insolvente, é contratado quando assumidamente a empresa já estava em extremas dificuldades, se aproveitou a sua contratação para aquele poder ter um primeiro emprego, não há comprovação do efetivo recebimento de qualquer importância a título de retribuição nem do concreto exercício de funções para que alegadamente teria sido contratado.

Texto Integral

Processo n.º 3407/18.3T8STS-A.P2.

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1). Relatório.
Por apenso aos autos principais em que foi declarada insolvente «B…, Lda.», pelo Administrador da Insolvência foi apresentada relação de créditos reconhecidos em 02/02/2019 conforme artigo 129.º, do C. I. R. E..
A tal lista foi apresentada impugnação em 11/02/2019, pelo credor C… relativamente ao crédito reconhecido a D….
Alegou o impugnante que o crédito reconhecido a esse credor D…, no valor de 6250 EUR não existe e foi simulado pelo sócio gerente da insolvente e o referido D…, pai e filho, respetivamente.
Terminou pedindo a procedência da impugnação, declarando-se que o reclamante não é titular de qualquer crédito sobre a insolvente e o seu nome ser eliminado da lista definitiva de credores.
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Respondeu o Administrador da insolvência, informando que o trabalhador esteve inscrito e a efetuar os respetivos descontos obrigatórios desde abril de 2017 a novembro de 2018, não vendo motivo que colocasse em causa a reclamação apresentada pelo trabalhador.
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O credor impugnado respondeu em 05/03/2019 defendendo que foi efetivamente trabalhador subordinado da insolvente desde 01/04/2017 até ao encerramento do estabelecimento da insolvente.
Pede a improcedência da impugnação.
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O credor impugnante impugnou documento junto referente ao contrato de trabalho em causa.
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Em 27/03/2019 foi proferido despacho a determinar: a junção aos autos da reclamação de créditos apresentada pelo credor impugnado, e todos os elementos que a instruíram; a notificação do impugnado para juntar aos autos os documentos referentes às remunerações por si recebidas da ora insolvente; e a notificação ao Administrador da insolvência para que esclarecesse se dos elementos a que tinha acesso e referentes à contabilidade da ora insolvente, resultava que esta efetivamente tinha pago salários ao impugnado.
Foram então juntos documentos.
O Administrador da insolvência informou que da análise dos documentos contabilísticos pode retirar-se que os vencimentos do impugnado foram contabilizados como gastos nos períodos contabilísticos de 2017 e 2018 e que quanto ao pagamento dos vencimentos mensais, já tal não resulta, pelo menos na sua totalidade, da contabilidade, pois o impugnado obteve vencimentos pela insolvente no período compreendido entre abril de 2017 e outubro de 2018, nos termos que descreve, sendo que o valor líquido totaliza o valor de 10513,27 EUR mas que a conta 2312 em outubro de 2018 apresenta um saldo contabilístico de 9451,88 EUR.
Assim, pelo menos a diferença, (1061,39 EUR), foi liquidada pela sociedade, estando o denominado saldo em crédito a favor do impugnado.
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Atendendo a que os restantes créditos reconhecidos pelo Administrador da insolvência, não foram impugnados, foi proferida decisão em 23/01/2020, mediante a qual, e ao abrigo do disposto no artigo 136.º, n.º 5, do C. I. R. E., foram declarados verificados os créditos incluídos na referida lista de créditos de fls. 3 verso e seguintes, de 02/02/2019, com exceção do crédito reconhecido a D….
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Foi proferido despacho saneador; despacho a determinar a adequação formal, a simplificação ou a agilização processual; despacho a fixar o objeto do litígio destes autos e os temas da prova.
Realizou-se audiência de julgamento.
Proferiu-se sentença a julgar improcedente a impugnação do crédito em causa.
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Interposto recurso pelo impugnante dessa decisão, foi proferido por este tribunal da relação Acórdão datado de 25/02/2021 onde se decidiu julgar parcialmente procedente o recurso, anulando-se a sentença recorrida quanto ao seguinte:
. alíneas h), j) e k) dos factos provados;
. a alínea i), dos factos provados na parte em que se menciona que o que foi declarado ao Fisco e Segurança Social adveio da celebração do contrato referido em g) bem como a classificação de D… como trabalhador;
. todos os factos não provados;
. fundamentação de facto quanto a tais pontos provados e não provados;
. toda a fundamentação de direito.
O tribunal recorrido, em 06/04/2021, profere despacho no sentido de as partes juntarem aos autos os elementos de prova suplementares que entendam pertinentes, nos termos e para os efeitos considerados no referido Acórdão.
O credor D… alega em 12/04/2021 que os pagamentos da retribuição aos trabalhadores da insolvente , incluindo o contabilista e ao senhorio do local arrendado, sempre foram em numerário e a retribuição por si recebida era utilizada em despesas imediatas, não a depositando em qualquer instituição bancária as suas declarações de parte e uma testemunha, E….
O impugnante, também em 12/04/2021, indica como prova uma testemunha que posteriormente pretendeu substituir, o que foi indeferido em 12/05/2021.
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Em 22/04/2021 o tribunal exorta o impugnado a diligenciar pela junção dos meios de prova relativos à factualidade relativa a sabe de onde saiu o capital que lhe foi entregue e onde o depositou e marcou audiência de julgamento.
O impugnado, em 22/04/2021, menciona que os pagamentos da retribuição a si bem como ao credor impugnante, e ainda pagamento dos serviços ao contabilista e rendas ao senhorio, foram sempre em numerário sendo que a sua retribuição não era depositada em nenhuma instituição bancária sendo utilizada em despesas correntes e imediatas.
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Realizou-se audiência de julgamento tendo sido ouvidos em declarações de parte o credor impugnado (D…) e seu pai, E….
Em 22/08/2021 é proferida sentença onde se decide julgar improcedente a impugnação apresentada pelo credor C…, ao crédito reconhecido pelo Sr. Administrador da insolvência ao credor D… e, consequentemente, manter tal crédito na relação de credores, no valor e natureza que da mesma constam.
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Inconformado, recorre o credor impugnante, C…, formulando as seguintes conclusões:
«1ª Pelas razões expostas na alínea A) do corpo destas alegações, deve a sentença ser revogada, por estar ferida de nulidade, e em consequência ser revogada e substituída por outra que julgue procedente a impugnação do crédito reclamado pelo recorrido.
2ª Nos autos já foi proferido Acórdão datado de 26/02/2021, que considerou existirem dúvidas acerca da existência e efectiva celebração do contrato de trabalho junto aos autos pelo recorrido.
3ª Assim, e em cumprimento da decisão acima mencionada foi o impugnado/recorrido notificado, por diversas vezes, para juntar aos autos comprovativos de pagamentos de salários, ou caso não existissem comprovativo de depósito dos salários na sua conta pessoal.
4ª O recorrido nunca juntou aos autos documentos comprovativos de pagamentos de salários, para além de existir dúvidas acerca da contratação desta pela insolvente, porque a B…, Lda já se encontrava insolvente, tinha dívidas junto da banca, fornecedores, antigos trabalhadores e não tinha bens.
5ª A actividade da insolvente decresceu nos últimos anos, tendo sido mais evidente nos anos de 2017 e 2018, e o recorrido foi, supostamente, contratado no ano de 2017 e para responder a um acréscimo excepcional da actividade.
6ª Pelas razões expostas na alínea B.1) do corpo destas alegações deve a matéria de facto provada ser alterada e ser considerado como não provado, que: “g) Entre o D… e a ora insolvente foi celebrado um acordo, que designaram de “contrato de trabalho por tempo indeterminado”, datado de 01-04- 2017, ali se estipulando que tal contrato teria início naquela data, que se destinava a satisfazer um acréscimo excepcional e transitório da actividade da empresa e justificada pelo aumento de trabalho, “o que leva à contratação de mais empregados, a fim de satisfazer as necessidades comerciais relativamente a elas”. Mais ali se previa as funções a exercer pelo referido D…, o local de trabalho, o horário de trabalho e a retribuição a receber pelo trabalhador, nos termos que constam do documento cuja cópia se encontra junta a fls. 36 verso a 37, que aqui se dão por integralmente reproduzidos.”
7ª Pelas razões expostas na alínea B.2) do corpo destas alegações deve a matéria de facto provada ser alterada e ser considerado como não provado, que: “h) O referido D… foi contratado ao abrigo e benefício para a empregadora de 1.º emprego, com a inerente redução de encargos, tendo sido o mesmo inscrito na Segurança Social nessa modalidade (de 1.º emprego ou jovens à procura de 1.º emprego em contribuição com ou sem fins lucrativos, denominado ..-AH-…);”
8ª Pelas razões expostas na alínea B.3) do corpo destas alegações deve a matéria de facto provada ser alterada e ser considerado como não provado, que: “i) Na sequência do aludido em g), o referido D… encontrou-se inscrito e a efectuar os respectivos descontos obrigatórios desde abril de 2017 a novembro de 2018, através da empregadora para a Segurança Social, como beneficiário, e declarou junto do Serviço de Finanças os seus rendimentos auferidos como trabalhador por conta de outrem. Mensalmente, as respectivas folhas de remunerações foram entregues no sistema informático da Segurança Social, informando entre outros os valores base das remunerações auferidas pelo dito trabalhador”
9ª Pelas razões expostas no Ponto B.4) do corpo destas alegações deve a matéria de facto provada ser alterada e ser considerado como não provado, que: “Na sequência do acordo aludido em g), desde 01-04-2017 até à data da caducidade do contrato, a 29-11-2018, o referido D… exerceu funções por conta da insolvente, nomeadamente fazendo gestão de stocks, inserindo informaticamente os produtos adquiridos, introduzindo os códigos de barras; dando a relação das compras e das vendas à contabilidade no final de cada mês; atendendo clientes; contactando fornecedores, bem como recebia os electrodomésticos para vender e colocava-os em local próprio para exposição e venda, tudo no ramo de comércio de electrodomésticos, no estabelecimento comercial da ora insolvente, sito na Av. …, Santo Tirso;”
10ª Pelas razões expostas no Ponto B.5) do corpo destas alegações deve a matéria de facto provada ser alterada e ser considerado como não provado, que: “k) Na sequência do aludido em g) e j), foi fixado ao referido D…, pela sua entidade patronal, um horário de trabalho, que cumpria das 9h às 12h30 e das 14h30 às 19h de segunda-feira a sexta-feira, e aos sábados das 9h às 13 horas, e aquela pagou ao impugnado retribuições, em pelo menos alguns meses, até Julho de 2018, e em montantes que concretamente não foi possível apurar;”
11ª Pelas razões expostas no Ponto C.1) do corpo destas alegações deve a matéria de facto não provada ser alterada e ser considerado como provado, que: “1) O credor impugnado e a insolvente não tivessem pretendido celebrar um contrato de trabalho verdadeiro e genuíno, mas antes, perante terceiros, nomeadamente o Fundo de Garantia Salarial e demais credores, a fim de os enganar, instruir uma reclamação de créditos, para obter um enriquecimento indevido e ilegítimo e um prejuízo para os demais credores, com o aumento do volume de créditos reclamados na insolvência, e para o Fundo de Garantia Salarial, bem como, perante a Segurança Social, e para o Fundo de Garantia Salarial, bem como, perante a Segurança Social, por forma a obter Subsídio de Desemprego;”
12ª Pelas razões expostas no Ponto C.2) do corpo destas alegações deve a matéria de facto não provada ser alterada e ser considerado como provado, que: “O D… nunca foi trabalhador da insolvente.”
13ª Pelas razões expostas no Ponto C.3) do corpo destas alegações deve a matéria de facto não provada ser alterada e ser considerado como provado, que: “ 3) A insolvente e o impugnado combinaram a celebração do referido “ contrato de trabalho” para obter da Segurança Social valores não devidos, nomeadamente a título de indemnização e salários que nunca existiram, com o inerente prejuízo daquela;”
14ª Pelas razões expostas no Ponto C.4) do corpo destas alegações deve a matéria de facto não provada ser alterada e ser considerado como provado, que: “6) O referido D… não tenha recebido qualquer salário da insolvente durante o período em que prestou trabalho para a mesma;”
15ª Pelas razões expostas no Ponto C.5) do corpo destas alegações deve a matéria de facto não provada ser alterada e ser considerado como provado, que: “A insolvente não teve necessidade de contratar o D….”
16ª “Impugnado um crédito constante da lista (apresentada pelo administrador de insolvência) de credores reconhecidos, o ónus da prova dos factos constitutivos de tal crédito pertence ao credor reclamante” – Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 24-03-2015, Processo 78/13.7TBNLS-D.C1.
17ª De todos os elementos e provas documentais carreadas para os autos, quer pela insolvente, quer pelo impugnante / recorrente resulta que o D… nunca foi trabalhador da B…, Lda, que era visto nas instalações da B…, Lda, por ser filho do dono da ora insolvente,
18ª Nunca foram juntos aos autos documentos comprovativos de salários e não é normal que se diga que foi tudo sempre pago em dinheiro, e num momento em que a B…, Lda, conforme afirmado pelo seu legal representante já vinha a dar prejuízos e não tinha capacidade financeira para pagar dívidas aos bancos e a fornecedores.
19ª O contrato de trabalho celebrado serviu apenas como forma de receberem um benefício ilegítimo, criando a aparência de um contrato de trabalho, do Fundo de Garantia Salarial e da Segurança Social. A sentença recorrida violou o disposto nos art.ºs, 240º, 342º do CCivil.».
Termina pedindo que se revogue a sentença sendo substituída por outra que julgue procedente a impugnação apresentada pelo recorrente, com todas as devidas consequências legais, assim se fazendo inteira e sã justiça.
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Contra-alegou o recorrido pugnando pela manutenção do decidido, pedindo a condenação do recorrente em multa de 2 UC e numa indemnização de 500 EUR por litigar de má-fé.
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As questões a decidir são:
. respeito pela decisão proferida por este tribunal da Relação no sentido de se procurar aferir do efetivo recebimento de retribuição pelo credor reclamante.
. apreciação da impugnação da matéria de facto que concluiu no sentido desse efetivo recebimento;
. análise do ónus da prova em relação ao apuramento do crédito reclamado e consequências jurídicas da conclusão sobre tal apreciação.
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2). Fundamentação.
2.1). De facto.
Foram julgados provados os seguintes factos:
«a) Os autos principais de insolvência foram instaurados a 27-10-2018, por “B…, Lda.”, requerendo esta que fosse declarada a sua insolvência, nos termos e pelos fundamentos que constam do requerimento inicial ali apresentado e que aqui se dão por reproduzidos;
b) No articulado do requerimento inicial apresentado nos autos principais, alegava a referida “B…, Lda.”, além do mais, que “… a requerente deixou de ter capacidade financeira para pagar a fornecedores… Para tal contribuiu a crise na venda de electrodomésticos tradicionais, rádio, televisor, fogão, etc., e a agressiva concorrência das grandes superfícies comerciais instaladas na área onde se situa o estabelecimento comercial da requerente, e onde estão domiciliados os seus clientes”… “há cerca de pelo menos três anos que a empresa vem acumulando prejuízos, quer devido à falta de clientela e diminuição drástica da faturação, perda de clientes…”;
c) Por sentença de 30-10-2018, foi declarada a insolvência da referida “B…, Lda.”, nos termos e fundamentos que constam de fls. 19 e seguintes dos autos principais, que aqui se dão por reproduzidos;
d) Neste apenso de reclamação de créditos, foi apresentada pelo Sr. Administrador da insolvência nomeado, a lista definitiva de credores, nos termos que constam de fls. 3 verso e seguintes, de 02-02-2019, que aqui se dão por reproduzidos;
e) Entre tais créditos reconhecidos, consta o do credor ora impugnado, D…, no valor de €6.215,00, com natureza privilegiada por se referir a “salários, direitos e indemnização”, “artigo 333.º do código do trabalho e 748.º do código civil”;
f) O referido D… apresentou ao Sr. Administrador da insolvência, oportunamente, a reclamação de créditos, nos termos e com o conteúdo que consta da cópia junta a fls. 58 verso e seguintes, que aqui se dão por integralmente reproduzidos. Nessa reclamação, o ora impugnado alegou que não lhe foram pagas as retribuições dos meses de agosto, setembro, outubro e 29 dias do mês de novembro, todos do ano de 2018, no total de €2.300,00. Mais alegou que não lhe foram pagos o subsídio de férias vencidas em 01-01-2018, no montante de €580,00, e reclamou os proporcionais de férias, subsídio de férias e subsídio de Natal desde 01-01-2018 até 29-11-2018, no total de €1595,00, para além da indemnização prevista no artigo 391.º do código do trabalho, no valor de € 1.740,00;
g) Entre o referido D… e a ora insolvente foi celebrado um acordo, que designaram de “contrato de trabalho por tempo indeterminado”, datado de 01-04-2017, ali se estipulando que tal contrato teria início naquela data, que se destinava a satisfazer um acréscimo excecional e transitório da atividade da empresa e justificada pelo aumento de trabalho, “o que leva à contratação de mais empregados, a fim de satisfazer as necessidades comerciais relativamente a elas”. Mais ali se previa as funções a exercer pelo referido D…, o local de trabalho, o horário de trabalho e a retribuição a receber pelo trabalhador, nos termos que constam do documento cuja cópia se encontra junta a fls. 36 verso a 37, que aqui se dão por integralmente reproduzidos;
h) O referido D… foi contratado ao abrigo e benefício para a empregadora de 1.º emprego, com a inerente redução de encargos, tendo sido o mesmo inscrito na Segurança Social nessa modalidade (de 1.º emprego ou jovens à procura de 1.º emprego em contribuição com ou sem fins lucrativos, denominado ..-AH-…);
i) Na sequência do aludido em g), o referido D… encontrou-se inscrito e a efetuar os respetivos descontos obrigatórios desde abril de 2017 a novembro de 2018, através da empregadora, para a Segurança Social, como beneficiário, e declarou junto do Serviço de Finanças os seus rendimentos auferidos como trabalhador por conta de outrem. Mensalmente, as respetivas folhas de remunerações foram entregues no sistema informático da Segurança Social, informando entre outros os valores base das remunerações auferidas pelo dito trabalhador;
j) Na sequência do acordo aludido em g), desde 01-04-2017 até à data da caducidade do contrato, a 29-11-2018, o referido D… exerceu funções por conta da insolvente, nomeadamente fazendo gestão de stocks, inserindo informaticamente os produtos adquiridos, introduzindo os códigos de barras; dando a relação das compras e das vendas à contabilidade no final de cada mês; atendendo clientes; contactando fornecedores, bem como recebia os eletrodomésticos para vender e colocava-os em local próprio para exposição e venda, tudo no ramo de comércio de eletrodomésticos, no estabelecimento comercial da ora insolvente, sito na Av. …, Santo Tirso;
k) Na sequência do aludido em g) e j), foi fixado ao referido D…, pela sua entidade patronal, um horário de trabalho, que cumpria das 9h às 12h30 e das 14h30 às 19h de segunda-feira a sexta-feira, e aos sábados das 9h às 13horas, e aquela pagou ao impugnado retribuições, em pelo menos alguns meses, até julho de 2018, e em montantes que concretamente não foi possível apurar;
l) O referido D… é filho do sócio gerente da insolvente, E…;
m) Com data de 10-09-2015, a ora insolvente remeteu ao aqui impugnante uma carta, alegando, nomeadamente, que a ora insolvente se encontrava em “processo de reestruturação interna dos diversos departamentos e estruturas laborais, com vista a uma mais adequada gestão dos recursos existentes e aproximação às necessidades dos seus clientes”. E que o mercado a obrigava a “racionalizar todos os custos, inclusive laborais, que não se mostrem essenciais para a sua atividade, e a procurar em cada momento realizar um serviço em consonância com as exigências de excelência dos seus clientes”. E que “…foi efetuada uma análise profunda das efetivas necessidades da empresa, tendo resultado, face aos resultados económicos reais, não se revelar necessária a manutenção do posto de trabalho do trabalhador” que “desenvolve as suas funções de ajudante, área onde se verificou não haver efetivo volume de trabalho/negócio que justificasse a manutenção do posto de trabalho…”;
n) Com data de 31-10-2015, a ora insolvente e o ora impugnante subscreveram documento mediante o qual declararam revogar por mútuo acordo o contrato de trabalho celebrado entre ambos em 01-04-2004, comprometendo-se a ora insolvente a pagar ao então trabalhador, a título de compensação pecuniária global pela cessação do contrato de trabalho a quantia líquida de €7.950,67;
o) Da mesma data de 31-10-2015 consta “declaração” da ora insolvente com o teor que consta de fls. 17 verso a 18, “para ser anexada ao requerimento mencionado no n.º 2 do artigo 72.º do D.L. n.º 220/2006, de 03-11”;
p) A insolvente não pagou integralmente ao impugnante a quantia aludida em n), alegando dificuldades económicas;
q) O Sr. Administrador da insolvência remeteu ao impugnado a carta cuja cópia se encontra a fls. 60, dando-lhe conta da caducidade do contrato de trabalho, na sequência do encerramento antecipado do estabelecimento, bem como lhe remeteu modelo para efeitos de instrução e obtenção de subsídio de desemprego.».
E resultaram não provados:
«1) O credor impugnado e a insolvente não tivessem pretendido celebrar um contrato de trabalho verdadeiro e genuíno, mas antes, perante terceiros, nomeadamente o Fundo de Garantia Salarial e demais credores, a fim de os enganar, instruir uma reclamação de créditos, para obter um enriquecimento indevido e ilegítimo e um prejuízo para os demais credores, com o aumento do volume de créditos reclamados na insolvência, e para o Fundo de Garantia Salarial, bem como, perante a Segurança Social, por forma a obter Subsídio de Desemprego;
2) O D… nunca tenha prestado trabalho para a ora insolvente;
3) A insolvente e o impugnado combinaram a celebração do referido “contrato de trabalho” para obter da Segurança Social valores não devidos, nomeadamente a título de indemnização e salários que nunca existiram, com o inerente prejuízo daquela;
4) Tenha existido efetivo acréscimo excecional e transitório da atividade da insolvente na altura em que contratou o referido D…;
5) A insolvente em conluio com o impugnado tenha adulterado e falsificado os documentos contabilísticos referentes às remunerações do impugnado;
6) A insolvente tenha pago ao referido D… os salários referentes a agosto, setembro e outubro de 2018, bem como o subsídio de férias no mês de agosto de 2018;
7) O referido D… não tenha recebido qualquer salário da insolvente durante o período em que prestou trabalho para a mesma;
8) Tenham sido pagos pela ora insolvente ao D… todos os salários relativos ao período compreendido entre 01-04-2017 e novembro de 2018;
9) A insolvente não teve necessidade de contratar o referido D….
A restante alegação não resultou provada e/ou é de direito e/ou conclusiva e/ou inócua para a decisão a proferir.».
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2.2). Do mérito do recurso.
A). Desrespeito pela decisão proferida pelo tribunal da relação em 25/02/2021.
O recorrente alega que o tribunal recorrido, ao não ter decidido em sentido desfavorável ao credor-reclamante, violou a decisão por nós anteriormente proferida em fevereiro de 2021.
Ora, o que este tribunal da relação então decidiu foi que se procurassem apurar, através de novos meios de prova, factos que permitissem concluir ou pela efetiva celebração de um contrato de trabalho tal como alegado pelo credor ou que, não sendo possível essa prova, se concluísse no sentido que as regras de ónus da prova impõem.
Não determinamos, de todo, que o tribunal recorrido decidisse num ou noutro sentido, consoante o tipo de prova que se produzisse ou não; mencionamos o nosso entendimento de como se poderia analisar a questão nas duas situações mas o tribunal recorrido mantinha a sua total independência para decidir, de acordo com a sua convicção, o que julgasse correto decidir perante a produção de prova e a lei, como aliás, muito doutamente, fez.
Tal liberdade estendia-se a todos os intervenientes que poderiam manter a sua posição, alterá-la, juntando ou não prova, confessar, transigir … .
Agora, nesta sede de recurso, importa então aferir se a produção de prova (atenta a impugnação de facto que foi apresentada) permite comprovar a conclusão que o tribunal recorrido retirou no sentido de ter sido celebrado um efetivo contrato de trabalho entre insolvente e credor ou se essa conclusão não tem a nossa concordância.
Improcede assim este argumento.
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B). Da impugnação da matéria de facto.
Toda a factualidade que é impugnada tem por base a negação de que o credor reclamante D… tenha sido efetivamente contratado pela empresa insolvente, ou seja, apesar de haver documentação nesse sentido, tratar-se-ia de um estratagema para encobrir a real situação de não existir uma efetiva relação laboral nem sequer o pagamento de qualquer quantia que se possa classificar como retribuição.
Assim, por facilidade, iremos apreciar a prova na sua globalidade para determinar se há prova suficiente para se concluir como o tribunal recorrido ou se existem razões para entender que não há prova de tal celebração contratual ou até se se prova que não foi celebrado qualquer contrato.
Ouvimos atentamente a totalidade das gravações disponíveis nos autos, quer a existente antes da prolação do Acórdão de 25/02/2021 quer a produzida em sessão do dia 13/05/2021.
Como já referimos, a nossa anterior tentativa foi a de procurar que se demonstrasse que o credor reclamante tinha efetivamente recebido retribuições por prestar trabalho na empresa do seu pai o que, provando-se, poderia afastar as dúvidas que existem à partida (na nossa opinião) sobre a efetiva contratação.
Por isso, analisaremos desde já a prova que se produziu após o trânsito daquela nossa decisão para tal efeito.
Documentalmente, a prova foi nula já que não se juntou qualquer escrito que pudesse confirmar a efetiva entrega-recebimento dos valores de retribuição, alegando-se que o dinheiro era entregue em mão e imediatamente gasto em despesas, como consta no relatório desta decisão.
Em termos subjetivos, tivemos as declarações de pai e filho, ou seja, credor reclamante e sócio-gerente da insolvente.
O primeiro, como seria expectável, confirmou que foi contratado pelo seu pai enquanto representante da empresa insolvente para gerir stocks (inserindo códigos de barras no computador, entregando relação de compras e vendas na contabilidade) e atendendo clientes e fornecedores.
O pagamento da sua retribuição era efetuado em dinheiro, em mão, sem qualquer depósito, nunca tendo levantado qualquer quantia de um Banco, pagamento este em dinheiro e em mão tal como sucedia com todos os trabalhadores da empresa, incluindo o contabilista. Ele, filho do sócio-gerente da insolvente, que vivia com os pais, com o dinheiro que recebia de seu pai enquanto sócio-gerente da insolvente, ajudava em casa nas despesas e alugava automóveis para não ficar destreinado de conduzir veículos com mudanças automáticas atenta a sua incapacidade física que o impede de conduzir veículos com mudanças manuais.
Mais referiu que teve de ajudar a sua irmã ainda que não o conseguindo explicar («irmã teve que ir coiso», referindo-se a um valor desse mesmo coiso).
Confirmou que a finalidade desta alegada colocação seria constituir um primeiro emprego para si.
Numa (assim desejamos) primeira e atenta análise, pensamos que não erramos ao referir que estas declarações nada acrescentam à solidez da prova que se pretende em tribunal pois, além de procurarem confirmar o que já foi alegado na reclamação, são produzidas de modo muito vago, evasivo, procurando encontrar explicações demasiado simplistas para algo que se deseja mais seguro – recebe-se dinheiro em mão e nunca se deposita (nem aparentemente se aforra) qualquer quantia porque se gasta tudo; a sua contratação era essencial mas a sua função era inserir códigos de barras num computador, algo que se afigura ser um trabalho pouco complexo; ajudava em casa, no fundo, com o dinheiro dos seus pais, o que também é algo pouco natural num economia familiar -.
Mas atentemos nas declarações do seu pai, E….
A primeira parte das mesmas foram despendidas a manifestar o enorme e profundo desagrado que tem para com o credor impugnante (que nem pode ver), que foi empregado da insolvente e com quem teve um anterior litígio judicial, querendo pelo menos insinuar que a situação dos presentes autos nada mais será do que uma atuação desleal desse mesmo credor impugnante.
O relevo desta parte é unicamente aferir a falta de serenidade e de isenção que, podendo ser expectável, aqui foi altamente confirmada.
Mas numa segunda parte, ainda relacionada com este credor, já retiramos alguns aspetos com interesse, a saber:
. quando esse credor trabalhava na empresa, não tinha nada para fazer, só passeava;
. com a penhora efetuada por esse ex-trabalhador de uma carrinha, o sócio-gerente ficou completamente roto, tendo de meter a insolvência;
. o seu filho ia para a empresa (antes do suposto contrato) para não ficar sozinho e ajudava no computador e, por ter uma incapacidade motora, ninguém o empregava e, por isso, aproveitou um Decreto-Lei para o contratar.
Ou seja, admite-se que já quando o credor-impugnante (ora recorrente) viu cessado o contrato de trabalho, a empresa não tinha atividade que justificasse a sua contratação e ainda se refere que com a simples penhora de um veículo a empresa não podia sobreviver, além de que a contratação do seu filho era, no fundo, uma oportunidade para o salvar do desemprego.
Prosseguindo, o depoente refere que desconhecia se o filho ajudava economicamente em casa (isso era assunto da sua mulher) nem se ajudava a sua outra filha (irmã do credor) sendo que confirmou que esta outra filha também tinha tido como ocupação um negócio relacionado com aluguer de viaturas automóveis.
Ou seja, no fundo, o pai, através da empresa de que era sócio-gerente, pagava um salário ao filho que, por seu turno, alegadamente ajudava o pai em casa enquanto este desconhecia se tal sucedia, sendo que a irmã trabalhava num negócio de aluguer de veículos automóveis onde o credor-filho gastava dinheiro que o pai lhe pagava; são situações que se confluem e que, sendo algo estranhas, mais estranhas são por parecerem uma realidade vaga para as partes envolvidas.
Regressa o depoente depois à questão do pagamento em dinheiro, dizendo que se não é proibido pagar dessa forma, por que não o poderia fazer, nomeadamente em relação ao filho, sendo que desconhecia o valor em concreto do salário que alegadamente pagava.
Perguntado ao depoente qual tinha sido o acréscimo excecional de atividade que justificava a contratação do filho, não consegue responder sem se perceber o que poderia querer dizer; e quanto a ser um acréscimo de custo para a empresa essa contratação, confirma-o, voltando a mencionar que como o filho estava sempre na empresa sozinho, aproveitou o benefício do Estado, contratando-o. Menciona ainda, de forma pouco serena, que andava obcecado, em ansiedade para manter a loja e por isso terá aumentado esse custo para a empresa. Terá inclusivamente seguido a sugestão de terceiro que lhe terá dito para aproveitar esse benefício pois ele (filho) está aí o dia inteiro.
Por fim, quanto à questão da contabilidade refletir os pagamentos, refere que há o recibo, saindo o dinheiro do valor da caixa.
Para nós, estas duas declarações não acrescentam qualquer juízo positivo à conclusão de que se celebrou um real contrato de trabalho. São as partes diretamente envolvidas e com interesse na demanda que produzem as afirmações o que, não sendo, por si só, impeditivo de serem positivamente valoradas, no caso, pela sua parcialidade, falta de rigor e de conhecimento de situações e factos (para os quais não tinham uma resposta inequívoca e uniforme), têm de ser desconsideradas, não merecendo uma valoração afirmativa.
No que respeita à anterior produção de prova, reproduzimos o que já anteriormente referimos no anterior Acórdão:
. o credor reclamante juntou aos autos o competente contrato de trabalho – documento n.º 1 junto em 05/03/2019 devidamente assinado pelas partes contratantes , constando no mesmo que se inicia em 01/04/2017, destinando-se a satisfazer um acréscimo excecional e transitório da atividade da empresa, sendo assim a contratação necessária face a esse aumento de trabalho que leva à contratação de mais trabalhadores;
. como vimos, agora reforçada pela imprecisão do afirmado pelos depoentes, tal alegação constante do contrato briga com outras realidades trazidas aos autos ou pela própria empresa insolvente/empregadora ou por documentos da sua responsabilidade, a saber:
. na petição inicial entrada em 27/10/2018, onde pede a sua declaração de insolvência, afirma a empresa ora insolvente que há três anos que há decréscimo de clientes e faturação;
. essa alegação constante da indicada petição inicial está sustentada em números declarados pela própria empresa pois há um efetivo decréscimo dos valores declarados de vendas de 2015 a 2017 (206862,95 EUR, 140453,49 EUR e 101893,88 EUR, respetivamente conforme I. E. S. juntos com a petição inicial de insolvência), sendo que em 2018 foi de 45 307,65 EUR conforme consta do relatório do administrador de insolvência junto em 14/01/2019 ao processo de insolvência;
. não está espelhado contabilisticamente aquele aumento temporário de vendas em 2017;
. em termos de prova testemunhal ou mesmo das declarações do impugnante, não se conseguiu retirar qualquer facto que pudesse levar a concluir que ocorreu esse efetivo aumento de atividade e correlativa necessidade da contratação do filho do administrador da insolvente;
. tal prova assentaria no depoimento de um lojista vizinho da empresa insolvente que referiu que via o reclamante/recorrido na loja e que o mesmo lhe prestou uma vez um serviço que não concretizou com certeza (arranjo de televisão ou frigorífico); e no depoimento do contabilista, este já com mais reforço da existência do contrato (com o que teve de lidar no exercício da sua atividade para inscrição de valores) e da presença do reclamante na loja e motivação da sua contratação.
Mas, como se deteta do que ouviu na última sessão de prova, tal contratação teria como base uma alegada necessidade alguém para tratar informaticamente determinados dados relativos a stocks mas que, em última análise, serviria para empregar, pela primeira vez, o filho do sócio-gerente da insolvente, com benefícios a nível da Segurança Social para a empresa.
Note-se que o impugnante (ex-trabalhador da empresa insolvente) viu cessar o seu contrato por não haver necessidade de o manter ao serviço por não existir um volume de serviço que o justifique (documento n.º 1 junto com a impugnação em 11/02/2019) e, sem qualquer comprovativo numérico documentado desse aumento, alegadamente contrata-se outro trabalhador fundando-se o motivo em existir aumento de atividade.
Mesmo a diferença temporal que referimos no anterior Acórdão (cessação do contrato de trabalho do impugnante em setembro de 2015, a contratação do credor reclamante cerca de dezoito meses depois) deixa de ter relevo pois não há documentação que comprove esse aumento.
Não se vislumbra ainda que o credor-filho do sócio gerente da insolvente fosse a pessoa necessária para desempenhar as funções que alegadamente se revelavam ser necessárias – conhecimentos informáticos relativo a funcionamento de uma loja comercial -.
Importaria então perceber como, numa empresa que já está a atravessar dificuldades pelo menos desde 2015, se faz cessar um contrato de trabalho com um trabalhador por força dessas dificuldades e se acaba a contratar um familiar direto.
Essa necessidade, pelo que se ouviu da produção de prova, não seria da empresa mas sim do credor e seu pai, no sentido de este ajudar aquele, seu filho.
Para afastar estas nossas dúvidas, agora mais fortes pelos depoimentos dos envolvidos, pensamos que era essencial então aferir se havia prova de terem sido pagos montantes que se pudessem classificar como retribuição.
Como igualmente já tínhamos mencionado, o credor/reclamante juntou prova para não só lograr convencer o tribunal de que havia um contrato de trabalho como que também era credor de determinadas quantias. Assim, juntou recibos de remuneração, por si assinados, onde consta o pagamento de todos os meses com exceção dos que reclama – junção em 18/12/2019 -.
Da conta de pessoal (2312) da empresa, resulta que a entidade patronal iria efetuando o depósito do valor que imediatamente iria ser pago ao funcionário, assim existindo provisão para o efeito. E, em relação aos meses de agosto a outubro, foram depositados 1098,40 EUR em agosto de 2018 (poderá ser a inclusão do subsídio de férias), 579,20 EUR em setembro e 582,20 EUR em outubro, de 2018, não existindo qualquer movimento a débito (requerimento junto também em 18/12/2019). Desse documento resulta então que já não houve transferência de um valor para o pessoal a título de vencimento nesses três meses.
Como consta do requerimento de 19/04/2019 por parte do administrador de insolvência e documentação junta, foi enviada para a Segurança Social a informação do pagamento de salários ao trabalhador/recorrido. Mas aí consta (documento n.º 4) que houve pagamentos naqueles três meses finais, sendo certo que o extrato de movimentos da empresa não o demonstra. Esta declaração enviada à Segurança Social visa comunicar ao Estado quantos trabalhadores se tem ao serviço, a sua remuneração no mês em causa e qual a contribuição para aquela mesma Segurança Social; e a declaração pode estar correta e, ao mesmo tempo, o empregador não cumprir as obrigações que daí derivam – seja o pagamento de salário seja a contribuição devida à Segurança Social -.
Mas inscrever na contabilidade a entrada e saída de dinheiro para fazer face a despesas (no caso, de pessoal) é diferente de se saber se houve ou não real pagamento de salários em todos os outros meses e só não houve naqueles últimos três meses.
Os recibos de vencimento são o natural meio de prova de que se recebeu o valor da prestação laboral e eles foram juntos; dizemos natural não porque a prova do pagamento tenha de ser efetuado por esse meio mas por ser o corrente e aquele que a lei menciona que tem de acompanhar o pagamento – artigo 276.º, n.º 3, do C. Trabalho -. No entanto, também nesse artigo, no n.º 2, se refere que o pagamento da parte pecuniária da retribuição pode ser paga por meio de cheque, vale postal ou depósito à ordem do trabalhador.
Ao contrário do referido em alegações orais na última sessão e do doutamente expendido na sentença, entendemos que nos autos não se tem de determinar se o contrato que foi celebrado entre credor reclamante e empresa insolvente é um contrato de trabalho ou um outro tipo de contrato (prestação de serviços, por exemplo).
Se assim fosse, então poderia eventualmente equacionar-se a aplicação do disposto no artigo 12.º, do Código de Trabalho que faz presumir que, verificada pelo menos uma das situações aí mencionadas, se está perante um contrato laboral.
Nos presentes autos o que se discute é saber se foi celebrado algum contrato ou apenas se fingiu celebrar um contrato; não há base legal que faça presumir que um contrato é real pelo que não é caso de se recorrer àquele artigo 12.º para se concluir que se presume que foi celebrado um contrato de trabalho.
Se eventualmente se concluir que há prova suficiente para se concluir que foi celebrado um contrato então, se for necessário, pode recorrer-se àquele artigo 12.º, do C. Trabalho para qualificar juridicamente esse mesmo contrato – veja-se o ponto IV do sumário do Acórdão da R. P. de 10/10/2016, processo n.º 434/14.3TTVNG.P1 citado na douta decisão recorrida: «IV - No caso, o legislador previu no artigo 12º do CT uma presunção de laboralidade, cuja finalidade não pode deixar de ser facilitar a demonstração da existência de contrato de trabalho, em casos de dificuldade de qualificação.» - nosso sublinhado -.
E em relação à retribuição, esta faz parte integrante da noção de contrato de trabalho, como expressamente consta do artigo 11.º, do Código de Trabalho, pelo que não se irá analisar se o contrato tinha ou não prevista remuneração pois isso já sabemos – estava prevista tal remuneração no documento -; o que temos de analisar é se o fingimento acima referido pode ter incluído a alegada retribuição.
Se não foi celebrado qualquer contrato, também não se pode concluir que houve pagamento de retribuição e, por isso, não se pôde deixar de pagar o que não se prova que se acordou em pagar.
Avançando, na lei laboral não está previsto o pagamento de salário mediante entrega de numerário em mão pelo que, na nossa visão, sempre que a entidade patronal o faz, incorre numa contra-ordenação grave – n.º 4, do mesmo artigo 276.º, do C. Trabalho -.
Mas, indo para além desse ilícito, o que aqui releva é a prova de que houve pagamento de retribuição para, in casu, se poder concluir que afinal houve alguns meses que não foram pagos (aqueles que são peticionados na reclamação de créditos).
Ou seja, para se poder concluir que o filho do sócio-gerente da insolvente é credor desta empresa por falta de pagamento de retribuição, atenta as dúvidas que referimos e a alegação de que o pagamento era feito em numerário, entregue em mão, então tem de se aferir se esses pagamentos efetivamente ocorriam para depois se concluir que houve só alguns meses que não foram pagos.
Se não se apurar qualquer pagamento, não conseguimos concluir, nesse desconhecimento, que só alguns pagamentos de retribuição é que não foram efetuados pois se não há prova de nenhum, não se se pode discriminar o que foi ou não pago.
A junção dos recibos de vencimento seria uma documentação potencialmente sanadora de dúvidas, aliada à contabilização de pagamentos mas os contornos da situação concreta não nos permitem alicerçar a conclusão nesse aspeto probatório.
Os documentos refletem o que se pretende que espelhem – um recibo de vencimento espelha o recebimento de que foi paga e recebida uma quantia -; mas, por exemplo, se numa compra e venda se obtém um recibo e ao mesmo tempo o adquirente detém o bem comprado, a segurança de que está em causa um negócio real é maior; porém, se se tem um recibo mas não há rasto de o comprador ter o bem na sua posse, não se explica o que se passou com esse bem e acaba por não existir vestígio do dinheiro, se essa aquisição for questionada, a segurança que os documentos podem trazer à prova do negócio está muito esbatida.
É, para nós, o que sucedeu no caso dos autos: existem recibos de vencimento, declarações de pagamento (ainda que porventura errados) mas não há vestígio de entrega e recebimento efetivo de qualquer retribuição, com explicações que não nos convenceram nomeadamente acerca do concreto exercício da função, apesar de ter sido concedida aos envolvidos e interessados mais do que uma oportunidade para o efeito.
Temos assim que não existe prova nos autos de que o credor tenha recebido qualquer retribuição nem que, por isso, tenha deixado de receber qualquer quantia a esse título.
Então, com esta falta de prova de um elemento essencial do contrato de trabalho, aliando todas as outras situações que referimos e radicam em estar em causa um filho do sócio-gerente da insolvente, que este alegava que ninguém o empregava e que assim se aproveitou para o filho poder ter algum rendimento (não efetivamente comprovado) e a falta de comprovação da necessidade da sua contratação, importa aferir como responder à questão de saber se se prova que o credor celebrou um contrato de trabalho.
Como consta no nosso anterior Acórdão, impugnado o crédito, compete ao credor reclamante a sua prova, sendo que iremos transcrever parte do Acórdão desta Relação e mesma secção de 26/06/2014, Relator Desembargador Aristides Rodrigues de Almeida, processo n.º 1040/12.2TBLSD-C.P1, www.dgsi.pt – por concordarmos na íntegra com o aí referido e ter semelhanças com os presentes autos:
. «sustenta ainda a recorrente que não tendo o impugnante feito prova do vício da vontade (simulação) que alegou para invalidar a escritura de constituição da hipoteca, a impugnação do crédito tem de ser julgada improcedente e o crédito reconhecido tal como foi feito pelo administrador de insolvência.
Este entendimento suscita duas questões diversas: a primeira consiste em saber quem tem o ónus da prova: se é a credora impugnada que tem de fazer a prova da existência do seu crédito ou o credor impugnante que tem de fazer a prova de que o crédito reclamado não existe; a segunda consiste em saber o que pode constituir fundamento de impugnação do crédito.
No tocante à primeira questão, as regras gerais do ónus da prova apontam claramente no sentido de esse ónus caber ao credor reclamante. Com efeito, a verificação dos créditos é o incidente através do qual é permitido aos credores do insolvente reclamarem os seus créditos para obterem pagamento no processo de insolvência, sendo certo que se o não fizerem não poderão obter pagamento através do produto dos bens da massa insolvente. Desse modo, os credores são chamados a justificar a qualidade de titulares do crédito a que se arrogam. Ao tomarem a iniciativa processual de justificar o seu crédito, os credores estão naturalmente onerados com a prova dos factos constitutivos do direito que invocam (artigo 342.º do Código Civil).
(…) Em qualquer caso, o direito que está em discussão é o direito de crédito e são os requisitos deste que têm de ser demonstrados para que o crédito possa ser reconhecido. Nessa medida, é sobre o credor cujo crédito foi impugnado com fundamento na sua inexistência, que recai o ónus de provar que o crédito sempre existe.
No que concerne aos possíveis fundamentos de impugnação dos créditos a lei não contém qualquer limite ou obstáculo. O que é necessário é que o fundamento alegado tenha valor jurídico para viabilizar o efeito pretendido, ou seja, conduza à demonstração de que o crédito não reconhecido (ou na medida em que o foi) sempre existe (e tem as características reclamadas), ou que o crédito reconhecido (ou na medida em que o foi) não existe (ou não tem as características reclamadas). O que significa que nada obsta a que a impugnação possa ter múltiplos fundamentos e que possa proceder apenas por um desses fundamentos, apesar da improcedência dos restantes
No caso o impugnante apresentou dois fundamentos jurídicos autónomos, em função dos quais defendia que o crédito não devia ser reconhecido: a simulação da constituição da garantia hipotecária e a inexistência dos contratos subjacentes. O primeiro constituía uma impugnação por excepção, pretendendo o impugnante fazer a prova de um facto impeditivo do direito de crédito (a nulidade por simulação). O segundo constituía uma impugnação pura, na qual o impugnante se limitava a atacar directamente o acto constitutivo do crédito. Não logrou fazer a prova da simulação, pelo que tudo se passa como se a excepção não tivesse sido sequer alegada. Mas o credor também não logrou demonstrar o preenchimento dos requisitos do direito de crédito que foram validamente impugnados pelo credor impugnante. Por esse motivo, independentemente da simulação, certo é que ficaram por demonstrar os factos necessários ao reconhecimento do crédito reclamado, pelo que bem andou a sentença recorrida ao não o julgar verificado».
Daí que, na presente situação, pensamos que o credor impugnante não terá conseguido provar que o contrato de trabalho foi efetivamente simulado pois tal necessitaria de um pouco mais de prova (não existirem quaisquer documentos, o credor nunca ter estado na empresa ou só raramente aí se encontrar e sem desempenhar qualquer função, ter ocorrido uma hipotética e sempre rara confissão, …) que não ocorreu.
Mas a prova que se produziu criou-nos fortíssimas dúvidas sobre se alguma vez o reclamante efetivamente foi contratado e se alguma recebeu alguma quantia a título de salário ou se apenas se aparentou a celebração de um contrato e de comunicação de descontos para o mesmo credor poder aparentar ter um primeiro emprego e, em caso de insolvência, poder ainda receber um valor de que não há prova que tenha alguma vez recebido, acrescendo que também se pode perspetivar a procura de um benefício (eventualmente ilícito) de beneficiar a empresa em termos de descontos para a Segurança Social (artigo 7.º, do Decreto-Lei n.º 72/2017, de 21/06).
Todas essas dúvidas, já acima explanadas, têm de ser resolvidas contra quem cabe o ónus da prova – artigo 414.º, do C. P. C.-, ou seja, contra o mesmo credor reclamante; daí que toda a alegação respeitante a ter sido celebrado um contrato de trabalho, a retribuição que auferiu e que deixou de auferir, não resulta provada, a saber:
. alínea h) - D… foi contratado ao abrigo e benefício para a empregadora de 1.º emprego, com a inerente redução de encargos.
Mantém-se que D… foi inscrito na Segurança Social na modalidade de 1.º emprego ou jovens à procura de 1.º emprego em contribuição com ou sem fins lucrativos, denominado ..-AH-…., resultando não provado que D… tenha sido contratado pela insolvente.
. alínea i) – Fica somente provado que Foram efetuados descontos desde abril de 2017 a novembro de 2018, através da empregadora, para a Segurança Social, como beneficiário, e foi declarado junto do Serviço de Finanças os seus rendimentos auferidos como trabalhador por conta de outrem. Mensalmente, as respetivas folhas de remunerações foram entregues no sistema informático da Segurança Social, informando entre outros os valores base das remunerações auferidas pelo dito trabalhador.
Resulta não provado que Tais declarações tenham tido como base a celebração de contrato de trabalho entre insolvente e credor D….
. alíneas j) e k) – resultam totalmente não provados estes factos que refletem a celebração de um contrato de trabalho, o exercício das respetivas funções, respetivo modo e pagamento de retribuições e falta de pagamento.
Quanto aos factos não provados, mantêm-se os mesmos inalterados pois o que sucedeu foi uma não prova do alegado pelo credor por existirem dúvidas, mantendo-se a não prova da simulação contratual alegada pelo impugnante/recorrente.
*
C). Da apreciação jurídica.
Tendo resultado não provado que o recorrido seja detentor de qualquer crédito sobre a massa insolvente, tem de improceder a sua pretensão, pelo que se conclui pela procedência do recurso, revogando-se a douta decisão recorrida, não se reconhecendo o crédito aqui reclamado, com a consequente eliminação da graduação de créditos.
*
3). Decisão.
Pelo exposto, julga-se procedente o recurso interposto por C… e, em consequência, não se reconhece nem se julga verificado o crédito reclamado por D…, com a consequente eliminação da graduação de créditos.

Custas do recurso pela massa insolvente – artigos 303.º e 304.º, do C. I. R. E. -.

Registe e notifique.

Porto, 2021/12/02.
João Venade.
Paulo Duarte Teixeira.
Márcia Vieira.