TAXAS DE JUROS
FIXAÇÃO
OPERAÇÕES BANCÁRIAS
CONTRATO DE MÚTUO
AQUISIÇÃO PARA HABITAÇÃO PRÓPRIA
JUROS REMUNERATÓRIOS E MORATÓRIOS
Sumário


SUMÁRIO (da exclusiva responsabilidade da relatora):

I – As taxas de juros constantes dos sucessivos Avisos do Banco de Portugal resultavam do Decreto-Lei nº 644/75, de 15 de Novembro, mais concretamente do seu artº 28º, que lhe conferia competência para fixar o regime das taxas de juro, comissões e quaisquer outras formas de remuneração para as operações efetuadas pelas instituições de crédito ou por quaisquer outras entidades que atuem nos mercados monetário e financeiro.
II - Com a publicação da nova lei orgânica, consubstanciada no DL 337/90 (alterada pela Lei 5/98), essa competência foi retirada, passando a inexistir lei habilitante para que o Banco de Portugal possa emitir Avisos com fixação de taxas de juro, nomeadamente o Aviso nº3/93, que veio a revogar expressamente o Aviso nº 3/88 e a dispor serem livremente estabelecidas pelas instituições de crédito e sociedades financeiras as taxas de juro das suas operações, salvo nos casos em que sejam fixadas por diploma legal e, por consequência, inexiste hoje fundamento legal para que as taxas de juro das operações bancárias e equivalentes sejam livremente fixadas.
III – Em consequência, no contrato de mútuo em causa nos autos, destinado à aquisição para habitação própria, os juros remuneratórios e moratórios a pagar pela recorrente à recorrida, terão a taxa dele constante, não podendo ser superiores às que decorrem dos artigos 1146º, 559º-A do Código Civil e §2 do artigo 102.º do Código Comercial e do artº 8º do DL 58/2013, respectivamente.

Texto Integral


ACORDAM NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE GUIMARÃES

I - RELATÓRIO

Por apenso à execução que, contra si, instaurou Caixa ..., S.A, veio a executada E. R. deduzir os presentes embargos de executado, invocando, em síntese, a inexigibilidade da quantia exequenda por alteração anormal das circunstâncias e bem assim dos juros peticionados por usurários, o acordo que foi alcançado no âmbito do PERSI e a violação dos deveres de informação pela Exequente no âmbito dos contratos de adesão que vem executar.

Conclui requerendo que «sejam julgadas procedentes as invocadas causas de inexigibilidade das obrigações exequendas, por alegada e comprovada doença súbita e imprevista incapacitante da Executada que lhe diminuiu o único rendimento mensal – o parco vencimento- que corresponde a alteração anormal e superveniente das circunstâncias ex vi art 437 do CC que á luz da boa fé e por imperativo constitucional de proporcionalidade na relação negocial dos dois contratos dados á execução, carecem os juros e taxas ser reduzidos e as condições de pagamento ajustadas á real capacidade de pagamento da Executada que diminuiu involuntária e bruscamente comparativamente com que dispunha aquando a celebração dos dois contratos dados á execução, desde a comunicação pela Executada á Exequente da referida doença incapacitante.
Se assim se não entender, em conformidade com o disposto no nº 1 do artigo 282 do C.C. devem os mesmos contratos ser equitativamente modificados, reduzindo os juros e as taxas constantes dos dois contratos dados á execução por serem usurários , abaixo dos limites gerais fixados nos inderrogáveis artigos 559 e 559-A do 1146 do C.C.102 do Cod. Comercial, com efeitos á data da celebração dos dois contratos, ex vi nº1 do arts 282 (anulabilidade por usura ) e 289 do CC.»

Contestou a Exequente, defendendo que a própria Embargante aceita que deixou de efectuar o pagamento das prestações mensais do contrato de mútuo e de provisionar a conta associada aos cartões de crédito nºs ………17 e ……….71, desde Outubro de 2012 e Março 2011 e Novembro de 2010, respectivamente, tudo datas anteriores ao internamento da embargante e, bem assim, ao seu período de baixa médica.
Mais aduz a Exequente que é falso que tenha sido celebrado contrato algum ao abrigo do PERSI, sendo certo que tendo embora a CAIXA ... remetido à embargante/executada uma missiva com vista à sua integração no PERSI, o qual veio a ser extinto por falta de colaboração da Embargante, o que lhe foi comunicado.
No que concerne às taxas de juro fixadas, propugna a Exequente que decorrem as mesmas dos contratos celebrados e da disponibilidade das partes para a celebração dos mesmos, numa manifestação natural decorrente dos amplos princípios da liberdade contratual e da autonomia da vontade; e que o crédito bancário está sujeito a legislação especial, não estando sujeito aos limites do art.º 1146º, do Código Civil.
Finalmente, sublinha a Exequente que é falso que em algum momento tenha omitido seja que informações forem, tendo fornecido todos os esclarecimentos e informações solicitados.

Os autos seguiram os seus termos, vindo a ser proferida decisão na qual se conclui pela improcedência dos embargos, se absolve a embargada do pedido e se determina o prosseguimento da instância executiva.

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Com ela não se conformando, veio apenas a embargante interpor o presente recurso, onde conclui nos seguintes termos:

1- 1 S.m.e. A sentença recorrida não valora o contrato que vigorava entre as partes desde Maio de 2005 , o contrato T30 – de crédito á habitação junto como doc 2 requerimento executivo e atende unicamente ao contrato de 2004 descrito nos. 2.3. 4.5. 6.7. 8. 9.dos factos provados que , por isso, estão mal julgados.
2- Da mera leitura do contrato de credito á habitação que vigora entre as partes resulta claro que este contem um regime muito mais favorável á Recorrente na medida em que compartimenta o empréstimo em duas partes uma de 70% da totalidade do mútuo que a Recorrente tem de pagar juros e amortizar prestações ao longo da “vida” do empréstimo e a outra dos remanescentes 30%, só serão liquidada após a última prestação da quantia mutuada para crédito a habitação, - conforme doc. 2 a fls. do requerimento executivo,
3 - que o Tribunal Recorrido não levou em conta no julgamento dos Embargos de Executada e significa que a Recorrida na execução que intentou omitiu que a Recorrente estava por direito do contrato – lei entre as partes- a pagar o empréstimo e respectivos juros da dívida apenas dos 70% do valor mutuado que corresponde a 72.903,27€, e só quando terminasse de pagar este montante é que a Recorrente estava obrigada a pagar os restantes 30%, no montante de 31.000,00€. .
4- que explica que a Recorrida tenha sempre boicotado o direito potestativo legal da Recorrente á retoma do contrato, ex vi art. 28 do DL. 74-A/2017 que extinguia a Execução, uma vez que a Recorrida apenas podia exigir tal parte do capital acima referido e respectivos juros, 4 que explica que a Recorrida tenha sempre boicotado o direito potestativo legal da Recorrente á retoma do contrato, ex vi art. 28 do DL. 74-A/2017 que extinguia a Execução, uma vez que a Recorrida apenas podia exigir tal parte do capital acima referido e respectivos juros,
5- e torna evidente que o Contrato T-30 de crédito á habitação que vigorava entre as partes deixou de interessar à Caixa … Recorrida por cinco motivos:
1ª) o spread é muito baixo;
2º ) Só pode cobrar juros sobre 70% do capital emprestado;
3º ) Como é do conhecimento geral os juros desde 2017 estão muito baixos ou mesmo negativos;
4º ) e que a CAIXA ... ao saber em 2017 pelo DUE e Lei do OE que os Bancos desde 2018 são obrigados a compensar os clientes dos juros negativos, ao antever ter de compensar a Recorrente dos juros negativos dos 30% que esta não tinha de pagar (pois só o teria que fazer no final da última prestação dos 70%), caso decidisse mudar o crédito para outra instituição bancária como podia livremente.
6- O Tribunal Recorrido errou ao julgar improcedente a invocada prescrição de juros porque não levou na devida conta , que por ser um contrato de credito á habitação tipo T30 que compartimenta o mutuo bancário em duas partes pela alteração contratual efectuada em Maio de 2005 pelas partes ao passarem o mutuo de 2004 para o contrato de credito tipo T30, que tem um regime completamente diferente e mais vantajoso para a Recorrente
- 7- e decide ao arrepio da base contratual vigente entre as partes, aceitando como válidos os juros exorbitantes e não permitidos pelo contrato tipo T-30 e proibidos por lei - que a Recorrida desde o início do processo, em 2017, está a cobrar á taxa de juro de 12,246% que se traduz em € 263,70 por mês, (€ 8,79/dia)
8- A sentença recorrida erra no julgamento da invocada usura nos juros cobrados pela Recorrida por não levar em conta que estando a taxa Euribor negativa é manifestamente usurário, por violar os limites àfixação de juros no mútuo bancário fixados no artigo 1146º e 559º-A do Cód. Civil, que abrangem quer os juros remuneratórios, quer os juros moratórios,
No primeiro caso, não podem ser estipulados juros anuais que excedam os juros legais, acrescidos de 3% por existir garantia real hipotecária , sancionando a lei como usurária a cláusula penal que fixar como indemnização pela mora mais do que a taxa 7%.
9 – Salvo melhor pensar, ao contrário do que a Sentença Recorrida decide em 9 dos factos provados, e na segunda e terceira paginas da parte da motivação , pontos 2.3 o documento doc. 1 junto pela CAIXA ..., na contestação aos Embargos , uma carta remetida pela Recorrida á Recorrente datado de 2016-11-18 afirma “ ABERTURA DE PERSI ,
10 - documento que o Tribunal não valorou á luz do respectivo regime legal de ordem pública de protecção do consumidor de credito á habitação constante do Dec. Lei 227 / 2012 .
11 O Tribunal recorrido erra ao afirmar que incumbia á Recorrente o ónus da prova das entregas de dinheiro que efectuou á Recorrida no âmbito do PERSI , quando o regime legal de ordem publica que o rege inverte tal +ónus colocando –o sobre a entidade bancária mutuante ou seja a Recorrida CAIXA ....
12 A Sentença Recorrida não leva em conta nenhum dos muitos ou pagamentos que a Recorrente fez á Recorrida, alguns a boca do balcão , que perfazem cerca de 16000€, conforme documentos juntos no requerimento de má fé de 2019-11-28 a fls dos autos.
13- documentos não valorados pelo Tribunal Recorrido que comprovam o contrário do que a sentença recorrida afirma de que a Recorrente não logrou demonstrar quaisquer pagamentos á Recorrida após Outubro de 2013
14-. Salvo o devido respeito, a sentença recorrida viola o regime legal de ordem publica de protecção do consumidor europeu de credito bancário , fixado no Dec. Lei nº 227-2012, de 25 de Outubro, no disposto nos artigos 17nº 2 d), nº3 e 4 e 18nº1, bem como o dos artigos 23 B da Lei 59/2012, de 9 de Novembro, e ainda o regime normativo imperativo estatuído nos artigo 1146º , 559º-A, 334 nº 1 in fine do Codigo Civil art. 1, 2, e 26 da Constituição
15- e julga ao arrepio da boa jurisprudência dos Tribunais Superiores.

Conclui pedindo a revogação da sentença recorrida e a sua substituição por outra que declare a invalidade da execução movida pela Recorrida por procedência dos embargos de Executada deduzidos pela Recorrente, mormente por estar em vigor o regime de PERSI que não foi validamente extinto pela Recorrida e por via disso encontra-se esta vinculada pelo contrato de credito á habitação tipo t-30 que celebrou com a Recorrente e é regido por normas de ordem pública de protecção do consumidor europeu de serviços bancários

Foram apresentadas contra-alegações onde se invoca que as alegações da Apelante são confusas, imprecisas e, na maioria dos casos, versam sobre factos que não foram alegados e, consequentemente discutidos, no apenso de Embargos de Executado.

Na sentença recorrida foram considerados provados os seguintes factos:
1. Caixa ..., S.A. intentou, em 02.05.2017, contra E. R. a execução para pagamento da quantia de 101 296,19 € (Cento e Um Mil Duzentos e Noventa e Seis Euros e Dezanove Cêntimos) de que os presentes Embargos de Executado são apenso.
2. Como título executivo foi junto, ao que ora interessa:
- A escritura pública de Compra e Venda e Mútuo com Hipoteca, lavrada em 31 de Agosto de 2004, em que foram outorgantes, designadamente, a Exequente Caixa ..., S.A. e a Executada E. R. e pela qual declararam que a primeira concedia à segunda um empréstimo de €105.000,00 de que a segunda se confessava devedora; e que, em garantia do capital emprestado, juros e despesas, a Executada constituía a favor da Exequente hipoteca sobre a fracção autónoma designada pelas letras "AM", descrita na 1.ª Conservatória do Registo Predial de Braga sob o n.º ... (...) - "AM" e inscrito na respectiva matriz predial urbana sob o artigo ....º - "AM".
3. No requerimento executivo a Exequente expôs os seguintes factos com relevo para estes autos:
«(DO CONTRATO DE MÚTUO)
1 - No exercício da sua actividade creditícia, a Exequente celebrou o seguinte empréstimo, a saber:
- Empréstimo n.º ...............85, no montante de € 105.000,00 (CENTO E CINCO MIL EUROS), celebrado por escritura pública de compra e venda e mútuo com hipoteca, destinado a facultar recursos para a aquisição do imóvel para habitação própria e permanente, datada de 31 de Agosto de 2004, em que surge como mutuária E. R. - crf. docs. n.ºs 1 e 2 que ora se juntam e se dão por integralmente reproduzidos.
(DA GARANTIA)
2 - Para garantia do capital mutuado pelo empréstimo supra descrito, respectivos juros e despesas, a mutuária constituiu hipoteca voluntária sobre o seguinte prédio:
- fracção autónoma designada pelas letras "AM", correspondente a uma habitação no ..º andar direito, trás, com entrada pelo n.º … da Praceta ..., com uma garagem na sub-cave, designada pelo n.º … e uma dependência para arrumos no mesmo piso, parte integrante do prédio urbano, em regime de propriedade horizontal, sito na Praceta ..., n.ºs …. e Rua …., n.ºs .. e …, freguesia de Braga (...), concelho de Braga, descrita na 1.ª Conservatória do Registo Predial de Braga sob o n.º ... (...) - "AM" e inscrito na respectiva matriz predial urbana sob o artigo ....º - "AM".
A referida hipoteca foi registada a favor da CAIXA ..., ora Exequente, pela Ap. 55 de 17.08.2004 - crf. doc. n.º 3 ora junto.
(DA DÍVIDA)
3 - Por ter a executada deixado de cumprir as obrigações emergentes do contrato supra identificado, encontra-se em dívida, à data de 21 de Abril de 2017 a quantia de € 96.153,33 (NOVENTA E SEIS MIL CENTO E CINQUENTA E TRÊS EUROS E TRINTA E TRÊS CÊNTIMOS) - crf. doc. n.º 4 que ora se junta e se dá por integralmente reproduzido.
4 - A partir desta data, a quantia em dívida agravou-se e agravar-se-á diariamente em € 8,79 (oito euros e setenta e nove cêntimos) relativamente ao capital mutuado pelo empréstimo supra descrito, montante correspondente a juros calculados à respectiva taxa contratual actualizada, acrescido das despesas que a Exequente efectue, da responsabilidade da devedora, a liquidar oportunamente - cit. doc. n.º 4.»
4. A Caixa ..., S.A. celebrou com a aqui Embargante E. R., a 31 de Agosto de 2004, por escritura pública, o contrato de mútuo dado à execução, no montante de € 105.000,00 (cento e cinco mil euros), de que esta se confessou devedora.
5. Dessa escritura pública consta que as ora Embargante e Embargada declararam que «Tal empréstimo reger-se-á pelas cláusulas constantes da presente escritura , bem como pelas constantes de um documento complementar, elaborado nos termos do número 2 do art.º 64º do Código do Notariado, cujo conteúdo eles, outorgantes, declaram conhecer perfeitamente, pelo que está dispensada a sua leitura neste acto.»
6. Consta da cláusula 1ª do documento complementar junto ao requerimento executivo com o nº1 -, que tal montante foi entregue à mutuária na data da celebração do contrato mediante crédito lançado na conta de depósitos à ordem nº ............500, pela mesma titulada na agência da exequente em Vila Praia de Âncora.
7. Dentre as obrigações emergentes do financiamento em apreço, melhor identificado pelo nº ...............85, recaía sobre a mutuária, aqui embargante, a obrigação de reembolsar o empréstimo em prestações mensais constantes, de capital e juros, vencendo-se a primeira no correspondente dia do mês seguinte ao da celebração do contrato e as restantes em igual dia dos meses seguintes – cfr. cláusula 8ª/1 do documento complementar do contrato dado à execução.
8. No documento complementar do contrato de mútuo referido em 4, foi estipulado nas cláusula 4ª e 5ª o seguinte:
«4ª (Taxa de Juro)
O empréstimo vence juros à taxa correspondente à média aritmética simples das taxas EURIBOR a seis meses, apurada com referência ao mês imediatamente anterior ao do início de cada período semestral de vigência do presente contrato (média essa designada por indexante), acrescida de um diferencial até dois vírgula cento e vinte e cinco pontos percentuais, com arredondamento para o um dezasseis avos por cento imediatamente superior, o que se traduz actualmente na taxa de juro nominal de quatro vírgula trezentos e setenta e cinco por cento a que corresponde a taxa efectiva de quatro vírgula, quatrocentos e sessenta e quatro por cento.
2. A Caixa concede ainda à parte devedora uma dedução sobre aquelas taxas, a qual, no entanto, poderá ser anulada, reduzida ou ampliada pela credora em função dos elementos que presidiram à sua atribuição. Por virtude de tal dedução, a taxa de juro efectiva a cargo da parte devedora é, inicialmente de três vírgula zero quarenta e dois por cento ao ano.
3. A taxa de juro determinada nos números anteriores manter-se-á fixa durante cada período de seis meses.
(…)
5ª (Mora)
Em caso de mora, os respectivos juros serão calculados à taxa mais elevada de juros remuneratórios que, em cada um dos dias em que se verificar a mora, estiver em vigor na Caixa credora para operações activas da mesma natureza (actualmente oito vírgula duzentos e quarenta e seis por cento ao ano) acrescida de uma sobretaxa até quatro por cento, ao ano, a título de cláusula penal.»
9. A Embargante deixou de efectuar o pagamento das prestações mensais do contrato de mútuo identificado pelo nº ...............85, desde Outubro 2013;
10. A Embargante encontrava-se internada no Hospital de Braga no dia 16/09/2014, internamento que se mantinha ainda no dia 19 de Setembro de 2014.
11. A Embargante foi sujeita a uma Junta Médica da ADSE, a 10/01/2017, que deliberou por unanimidade pela «Eventual incapacidade permanente. Recomenda-se Junta Médica da CGA do Artigo 11º do Decreto Regulamentar n.º 41/90, de 29 de Novembro.» - cfr. doc. junto com os Embargos de Executado p. 14.
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Cumpridos os vistos legais, cumpre decidir.
Há que ter presente que o objecto dos recursos é balizado pelas conclusões das alegações dos recorrentes, não podendo este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que sejam de conhecimento oficioso (artigos 635º, nº4 e 639º, nº1, do C. P. Civil).
Na verdade, «entre as questões que mais frequentemente se suscitam em sede de impugnação das decisões judiciais encontra-se a da delimitação do recurso.
Funciona, em regra, o princípio do dispositivo, aliás, em consonância com a natureza disponível da maior parte das questões que integram o objecto dos processos de natureza cível e também na linha da natureza e efeitos do caso julgado que se atinge quando a parte não interpõe recurso.» - Recursos em Processo Civil, Novo Regime, 2007, pag. 85, Abrantes Geraldes.
Por outro lado, «O direito português segue o modelo de revisão ou reponderação. Daí o tribunal ad quem produzir um novo julgamento sobre o já decidido pelo tribunal a quo, baseado nos factos alegados e nas provas produzidas perante este» - Manual dos Recursos em Processo Civil, Amâncio Ferreira, 7ª ed., pag.155.
«Nesta linha, vem a nossa jurisprudência repetidamente afirmando que os recursos são meios para obter o reexame de questões já submetidas à apreciação dos tribunais inferiores, e não para criar decisões sobre matéria nova, não submetida ao exame do tribunal de que se recorre» - idem.
Também assim o consignou, entre muitos, o acordão do STJ de 07.07.2016, Procº 156/12.0TTCSC.L1.S1, ao dizer que «é entendimento pacífico e consolidado na doutrina e na Jurisprudência, não é lícito invocar nos recursos questões que não tenham sido objecto de apreciação da decisão recorrida, pois os recursos são meros meios de impugnação das decisões judiciais pelos quais se visa a sua reapreciação e consequente alteração e/ou revogação, podendo ver-se neste sentido os acórdãos do S.T.J. de 1.12.1998, in BMJ n.º 482/150; 12.12.1995, CJSTJ, Tomo III, pág 156; e os acórdãos de 24/2/2015, processo nº 1866/11.4TTPRT.P1.S1, e de 14/5/2015, 2428/09.1TTLSB.L1.S1.
Ou, já no acórdão desta Relação de Guimarães, de 09.11.2018, proferido no processo 212/16.5T8PTL.G1: «Quando um recorrente vem colocar perante o Tribunal superior uma questão que não foi abordada nos articulados, não foi incluída nas questões a resolver, e não foi tratada na sentença recorrida, então estamos perante o que se costuma designar de questão nova.
Por definição, a figura do recurso exige uma prévia decisão desfavorável, incidente sobre uma pretensão colocada pelo recorrente perante o Tribunal recorrido, pois só se recorre de uma decisão que analisou uma questão colocada pela parte e a decidiu em sentido contrário ao pretendido.
A única excepção a esta regra são as questões de conhecimento oficioso, das quais o Tribunal tem a obrigação de conhecer, mesmo perante o silêncio das partes».
O objecto e o conteúdo da sentença recorrida constituem, por isso, os limites do objecto de recurso e, por consequência, o âmbito dos poderes de cognição do tribunal superior.
No caso que ora se nos depara, impõe-se reconhecer razão à recorrida quando afirma que a apelante vem suscitar ao tribunal de recurso questões que não submeteu à apreciação da 1ª instancia.
Lidas as, aliás doutas, alegações, concretamente as respectivas conclusões, logo se verifica que a recorrente pretende que seja tomado em consideração que, desde Maio de 2005, vigorava entre as partes um contrato que é apelidado de T30, insurgindo-se contra a circunstância de, no seu dizer, o tribunal a quo não o ter valorado.
Ora, dúvidas não se suscitam que essa questão não constituiu fundamento da petição de embargos, por arrastamento não integrou os temas de prova e, finalmente, como seria curial, não foi objecto de apreciação e decisão.
Não foi objecto de recurso, sequer de reclamação, o despacho que fixou os temas de prova, que assim transitou em julgado.
Portanto, todo o arrazoado vertido sob os números 1 a 5 das conclusões consubstancia questão nova, que não versa sobre matéria do conhecimento oficioso e que, por consequência, está subtraído à apreciação do tribunal de recurso.
O mesmo se diga sobre a, agora também invocada, prescrição de juros: lida a douta petição de embargos, nenhuma arguição se colhe quanto a prescrição de juros e, também por consequência, essa matéria não foi objecto de discussão e julgamento, sendo a sentença justificadamente omissa sobre a questão.
Para além da prescrição, só agora trazida à lide, a apelante sustentou, em sede de juros, a sua natureza usurária e nessa qualificação assentou parte dos embargos deduzidos, invocando, nesse domínio a abertura de um “PERSI”, ao abrigo do diploma legal consubstanciado no DL 227/2012.
Ora, o tribunal a quo não deixou de atentar nessa matéria, porquanto consignou não ter ficado demonstrada a sua existência (contestou a embargada a sua existência, arguindo que, tendo embora a Caixa ... remetido à embargante/executada uma missiva com vista à sua integração no PERSI, veio esse procedimento a ser extinto por falta de colaboração da Embargante, o que lhe foi comunicado, juntando, aliás, prova documental) e não ser objecto de tema de prova, com trânsito em julgado.
Aliás, repete-se, o “PERSI” sustentaria a redução do montante de juros, por usura, e a sentença recorrida tratou a questão e emitiu pronúncia sobre a alegada usura.
Mas, ao contrário do afirmado, da prova junta não se recolhe, realmente, a tão invocada existência do PERSI. Senão, vejamos:
É certo que o artigo 12º do DL n.º 227/2012, de 25 de Outubro preceitua que as instituições de crédito promovem as diligências necessárias à implementação do Procedimento Extrajudicial de Regularização de Situações de Incumprimento (PERSI) relativamente a clientes bancários que se encontrem em mora no cumprimento de obrigações decorrentes de contratos de crédito.
Todavia, como decorre do artigo 17º, nº2, a instituição de crédito pode, por sua iniciativa, extinguir o PERSI sempre que o cliente bancário não colabore com a instituição de crédito, nomeadamente no que respeita à prestação de informações ou à disponibilização de documentos solicitados pela instituição de crédito ao abrigo do disposto no artigo 15.º, nos prazos que aí se estabelecem, bem como na resposta atempada às propostas que lhe sejam apresentadas, nos termos definidos no artigo anterior.
Ora, a embargada juntou aos autos cópia da carta onde, precisamente, comunica à embargante/recorrente essa extinção, por falta de colaboração, pelo que não se produziram quaisquer efeitos decorrentes do regime jurídico constante daquele diploma legal.
Por outro lado, se a instituição de crédito estava obrigada a proceder à tramitação que decorre do aludido decreto lei, face ao incumprimento da embargante, também é verdade que a esta competia provar que a execução não poderia prosseguir nos termos em que foi instaurada, face à existência de um PERSI.
Ora, não está demonstrado o mesmo, nem sequer foi feita prova de qualquer declaração da apelante no sentido de reclamar tal procedimento, por eventual recusa da sua aplicação por parte da embargada/recorrida.
Com este fundamento, os embargos não podem proceder.
Já relativamente aos pagamentos agora invocados sob os números 12 e 13 das conclusões, de novo se coloca o que se invocou supra em matéria do âmbito ou limites do conhecimento por parte do tribunal superior, ou seja, também esta é uma questão nova, como refere a recorrida, pelo que não será objecto de apreciação em sede de recurso.

O mesmo se diga do regime contido no artº 23º-B da Lei 59/2021, que a executada/embargante e aqui recorrente nunca trouxe aos autos para ser apreciada, mas que, agora, pretende que a Relação aplique e nos termos do qual:
1 - No prazo para a oposição à execução relativa a créditos à aquisição ou construção de habitação e créditos conexos garantidos por hipoteca ou até à venda executiva do imóvel sobre o qual incide a hipoteca do crédito à aquisição ou construção de habitação, caso não tenha havido lugar a reclamações de créditos por outros credores, tem o mutuário direito à retoma do contrato, desde que se verifique o pagamento das prestações vencidas e não pagas, bem como os juros de mora e as despesas em que a instituição de crédito incorreu, quando as houver.
2 - Caso o mutuário exerça o direito à retoma do contrato, considera-se sem efeito a sua resolução, mantendo-se o contrato de crédito em vigor nos exatos termos e condições do contrato original, com eventuais alterações, não se verificando qualquer novação do contrato ou das garantias que asseguram o seu cumprimento.
Não sendo matéria do conhecimento oficioso e sendo questão nova, não pode ser apreciada.
Não foi objecto de apelação o segmento da sentença que julgou improcedente a arguição da alteração anormal das circunstâncias, nem a sua parte relativa à invocada qualificação do contrato como contrato de adesão e alegada violação dos deveres de comunicação, restando, agora, a reapreciação da, também arguida, natureza usurária dos juros.
Numa primeira referência, impõe-se dizer que, como se retira do ponto 7 das conclusões do recurso, a apelante invoca a violação do contratado entre as partes, relativamente à taxa de juro que está a ser aplicada; todavia, esse invocado clausulado resultaria do aludido contrato apelidado de tipo T30 que não está apurado nos autos, nem poderá vir a estar pelos motivos que se enunciaram supra.
Além desse fundamento, sustenta ainda a sua alegação na circunstância de a dita taxa violar os limites fixados nos artºs 1146º e 559º-A do Código Civil, que abrangem quer os juros remuneratórios, quer os moratórios. Cumpre conhecer desta arguição.
Os juros têm sido definidos como os frutos civis, constituídos por coisas fungíveis, que representam o rendimento de uma obrigação de capital.
Inúmeros autores se têm debruçado sobre a sujeição dos juros remuneratórios bancários aos limites decorrentes do artigo 1146º do Código Civil, tendo a sua larga maioria, nesta se incluindo também a jurisprudência, adoptado o entendimento de que o «mútuo concedido por instituição bancária, ainda que garantido por hipoteca, está sujeito disciplina, não do artigo 1146º do Código Civil e 102º do Código Comercial, mas da legislação aplicável às operações de crédito activas efectuadas por essas instituições bancárias, segundo a doutrina sustentada por Simões Patrício, na Rev. Trib., ano 95.o, págs. 341 e segs., e aceite no acórdão da Relação de Lisboa, de 27 de Fevereiro de 1989 (Col.Jur., XIV, 1, pág. 144)” – Antunes Varela e Pires de Lima, Código Civil Anotado, vol. II, 4.a ed., Coimbra Editora, 1997, p. 771.
Sustenta-se esta corrente no Aviso nº 3/93, do Banco de Portugal, especificamente através no seu artigo 2.º, que dispõe serem “livremente estabelecidas pelas instituições de crédito e sociedades financeiras as taxas de juro das suas operações, salvo nos casos em que sejam fixadas por diploma legal”, como se recolhe, também do acórdão do STJ de 27 de Maio de 2003 (procº 03A1017) e da Relação de Guimarães de 11 de Maio de 2017 (procº 10757/06.0YYLSB-A.G1).
Todavia, contrariando este sentido, argui-se que assim não poderá ser porquanto a lei habilitante em vigor à data desse Aviso, que está devidamente citada no mesmo, era o Decreto-Lei 337/90, de 30 de Outubro que, ao contrário do que o precedia, deixou de conferir ao Banco de Portugal competência legal nesse domínio.
De acordo com esta linha de entendimento, as taxas de juros constantes dos sucessivos Avisos do Banco de Portugal resultavam do Decreto-Lei nº 644/75, de 15 de Novembro, mais concretamente do seu artº 28º, que lhe conferia competência para fixar o regime das taxas de juro, comissões e quaisquer outras formas de remuneração para as operações efetuadas pelas instituições de crédito ou por quaisquer outras entidades que atuem nos mercados monetário e financeiro.
Com a publicação da nova lei orgânica, consubstanciada no DL 337/90 (alterada pela Lei 5/98 que em nada releva nesta matéria), essa competência foi retirada, passando a inexistir lei habilitante para que o Banco de Portugal pudesse emitir Avisos com fixação de taxas de juro, nomeadamente o Aviso nº3/93, que veio a revogar expressamente o Aviso nº 3/88 e a dispor serem livremente estabelecidas pelas instituições de crédito e sociedades financeiras as taxas de juro das suas operações, salvo nos casos em que sejam fixadas por diploma legal e, por consequência, inexiste hoje fundamento legal para que as taxas de juro das operações bancárias e equivalentes sejam livremente fixadas.
Ao nível da jurisprudência, espelha esta linha o acórdão da Relação do Porto de 22.05.2019, proferido no procº 1553/17.0T8MTS.P1, que acompanha inúmera doutrina, onde se inclui o pensamento do Prof. Pedro Pais de Vasconcelos.
Aliás, na opinião deste Ilustre Jurista, mesmo com lei habilitante, «os Avisos do Banco de Portugal não dispensariam, sem mais, as taxas TAEG do regime do artigo 1146º do Código Civil. Na verdade, o próprio Aviso nº 3/93 limita a liberdade de fixação das taxas de juro de operações ativas aos limites legais, ao referir que são livremente estabelecidas pelas instituições de crédito e sociedades financeiras as taxas de juro das suas operações, salvo nos casos em que sejam fixadas por diploma legal. Esta ressalva da fixação por diploma legal, segundo o sentido da lei, não deve limitar-se à fixação de limites específicos e deve abranger também os limites gerais» - Centro de Estudos Judiciários, Direito Bancário, E-book, Fevereiro de 2015.
E, depois de laborar sobre o teor do artº 28º do DL 133/2009, que regula actualmente o crédito ao consumo - regendo o preceito em causa a situação particular de usura -, demonstra, ainda, este autor que, se aplicado como contendo o único limite de taxa máxima de juro no crédito ao consumo, as taxas de juro – como ali demonstra - podem crescer exponencialmente sem limite.
Conclui, então, que os limites de usura do artigo 28º do Decreto-Lei 133/09 funcionam dentro dos estabelecidos nos artigos 559º e 559º-A do Código Civil e do artigo 102º do Código Comercial e não em sua substituição, tanto mais que, como também afirma, o Decreto-Lei 133/09, que transpõe a Diretiva nº 2008/48/CE, de 23 de abril, tem como ratio juris a ideia reitora da defesa do consumidor e não a do sistema financeiro.
«O artigo 28º do Decreto-Lei nº 133/09 quando rege sobre a usura não diz expressamente se o faz dentro dos limites do regime geral dos artigos 599º-A e 1146º do Código Civil e 102º do Código Comercial e também não diz expressamente que o faz em sua derrogação para além deles. Por sua vez, o Aviso nº 3/93 do Banco de Portugal, ao determinar que são livremente fixadas pelas instituições de crédito e sociedades financeiras as taxas de juro das suas operações, estabelece expressamente uma ressalva de crucial importância: salvo nos casos em que sejam fixadas por diploma legal. Ora, as taxas das operações bancárias são objetivamente mercantis, porque assim o são as operações de banco, segundo o artigo 362º do Código Comercial. Como tais, estão sujeitas a limites legais pelo artigo 102º do Código Comercial conjugado com os artigos 599º-A e 1146º do Código Civil.
O sentido jurídico da liberdade de fixação das taxas de juro das operações bancárias com ressalva dos limites legais é o de que, as instituições financeiras deixam de ter de obedecer às diretivas do Governo ou do Banco de Portugal na fixação das taxas mas não deixam de estar limitadas nos termos gerais pelos limites legais das taxas de juro das dívidas comerciais.
Mesmo que se entenda que subsistem dúvidas entre as duas interpretações, aquela que interpreta a chamada liberalização dentro ou além dos limites dos artigos 599º-A e 1146º do Código Civil e 102º do Código Comercial, deve prevalecer a interpretação mais favorável aos consumidores. A interpretação mais favorável aos consumidores é, sem margem para dúvidas, aquela que sujeita as taxas de juro do crédito ao consumo aos limites legais fixados para as dívidas comerciais» - obra e autor citados, pag.164.
Através do DL 58/2013, de 08 de Maio, o legislador veio proceder à revisão e atualização de diversos aspetos do regime aplicável à classificação dos prazos das operações de crédito, aos juros remuneratórios, à capitalização de juros e à mora do devedor, que até agora se encontravam consignados no Decreto -Lei n.º 344/78, de 17 de novembro, alterado pelos Decretos -Leis n.ºs 429/79, de 25 de Outubro, 83/86, de 6 de Maio, e 204/87, de 16 de maio.
Porém, ao contrário do que se faz constar na sentença recorrida, determina o seu artigo 13.º, nº2, (Aplicação no tempo) que o disposto nos seus artigos 7.º a 11.º é aplicável às situações de mora relativas a contratos de crédito em curso e que se verifiquem após a entrada em vigor das referidas normas, ainda que, nesses contratos, tenha sido estipulada cláusula penal moratória.
Está provado que a embargante deixou de efectuar o pagamento das prestações mensais desde Outubro de 2013.
Acontece que, como refere o autor que temos vindo a acompanhar de perto, embora o artº 8º deste último diploma estatua o limite máximo da taxa de juro de mora (sobretaxa anual máxima de 3% a acrescer à taxa de juros remuneratórios), nada prevê quanto a limites de taxas remuneratórias, quando – como é inquestionável - poderia tê-lo feito, consignando, por exemplo, que os limites estabelecidos no Código Civil e no Código Comercial não eram aplicáveis às operações bancárias activas.
Por outro lado, se é certo que o artº 7º, nº1, do Regime Jurídico da Concessão de Crédito à Habitação, constante DL 349/98, de 11 de dezembro, estabelece que a taxa de juro contratual aplicável será livremente negociada entre as partes, sendo norma especial relativamente ao regime do artº 1146º, também não podemos deixar de acompanhar Mariana Fontes da Costa, quando escreve que «Dificilmente se justifica, em termos de coerência do sistema, que o artigo 1146.º supervisione o montante máximo permitido de taxas de juro em matéria civil, comercial e, na senda do raciocínio desenvolvido supra, bancária, sendo afastado especificamente em matéria de crédito à habitação, precisamente um dos segmentos de concessão de crédito onde (…) o consumidor se encontra mais exposto e vulnerável» - “A proteção do consumidor-mutuário no crédito à habitação a taxa de juro variável” in Revista Electrónica de Direito, Junho de 2018.
Acrescenta esta autora, a nosso ver com total pertinência, que «o único sentido a retirar desta norma que não contraria a lógica sistemática do instituto e a sua teleologia imanente de proteção do consumidor mutuário (reforçada com a Diretiva 2014/17/UE e a sua transposição pelos Decretos-Lei n.º 74-A/2017 e 81-C/2017) é o de que a norma visa assegurar que é conferida ao consumidor mutuário a possibilidade de negociar com a entidade bancária (em sentido lato) qual a modalidade de taxa de juro aplicável ao seu contrato. Esta interpretação é reforçada pelo n.º2 do mesmo artigo 7.º, no qual se estatui que as instituições de crédito competentes são obrigadas a apresentar aos interessados o regime de prestações constantes, correspondente à taxa de juro fixa.
Feita esta interpretação, nada obsta a considerar aplicável ao crédito à habitação o raciocínio supra desenvolvido a respeito da subordinação das taxas de juro bancárias aos limites máximos consagrados pelo artigo 1146.º do Código Civil».
Não se desconhece jurisprudência recente e igualmente divergente desta última orientação, na qual se continua a defender a competência legal do Banco de Portugal neste domínio e que, por consequência, não vislumbra no Aviso 3/93, que liberaliza as taxas de juro, qualquer vício por violação de competência.
Disso é exemplo a enunciar o acórdão da Relação de Lisboa, datado de 19 de Maio de 2020, proferido no processo 20438/18.6T8LSB-A.L1-7, onde se procura rebater a tese da ausência de norma habilitante, com o argumento da continuação da existência de um poder de supervisão do Banco de Portugal, em termos mais ou menos densificados, pelo que «a emissão e publicação do Aviso n.º 3/93 de 20 de maio de 1993 sempre resultaria do exercício do poder de supervisão que a lei nunca deixou de atribuiu ao Banco de Portugal, permitindo-lhe emitir diretivas sobre o modo de atuação dos bancos».
Sem questionar o afirmado poder de emitir directivas, permitimo-nos discordar desta leitura e julgamos que esta competência orientadora, tão genérica, não pode legitimar tamanha abrangência, indo ao ponto de poder determinar matéria já contemplada em diplomas legais, como é o caso dos juros, sob pena de, sob o seu abrigo, esta instituição estar legitimada num número de situações quase legalmente ilimitado e, por consequência, praticamente insindicável, atento o largo espectro em que se traduz a actividade bancária.
As taxas de juros assumem cariz de relevância inquestionável, pela repercussão na vida das instituições financeiras e dos cidadãos que a elas recorrem, pelo que a competência para a respectiva fixação é, no nosso modesto entender, algo que tem de decorrer de preceito expresso e não de não de normatividade de carácter genérico e com limites dificilmente determináveis e facilmente questionáveis.
Assim como optou em matéria de juros moratórios com a publicação do DL 58/2013, nada impedia o legislador de criar normas em sede de juros remuneratórios e, portanto, julgamos que a ausência dessa normatividade não nos deve conduzir ao afastamento da aplicação das regras atinentes à hierarquia das leis, permitindo que um Aviso afaste matéria regulada em decreto-lei.
Por isso, aqui chegados, também somos de entendimento de que, com a revogação do Decreto-Lei 337/90, de 30 de Outubro, deixou de haver norma habilitante para que o Banco de Portugal possa determinar que as taxas de juros das instituições de crédito e sociedades financeiras para as suas operações, possam ser livremente estabelecidas e, em consequência, terão de ser sempre respeitados os limites decorrentes das disposições conjugadas dos artºs 1146º, 559º-A do Código Civil e 102º do Código Comercial em matéria de juros remuneratórios.
No que respeita a juros moratórios, existindo diploma legal com a mesma hierarquia das estabelecidas em sede de Código Civil, no caso, o DL 58/2013, deverá ser este o regime aplicável.
De sublinhar que, como acima ficou referido, este último diploma, não obstante dirigir o seu artº 1º também aos juros remuneratórios, acaba por nada estatuir quanto a taxas a eles respeitantes (como para os moratórios), podendo tê-lo feito.
E, sendo assim, tais limites terão de ser respeitados no que concerne às taxas remuneratórias e moratórias, decorrentes do contrato em causa nos autos, nos limites que temos vindo a enunciar.
De acordo com o disposto no artº 1146º, nº1, do Código Civil, relativo ao contrato de mútuo, são havidos como usurários os contratos de mútuo nos quais sejam estipulados juros remuneratórios anuais que excedam os juros legais, acrescidos de 3% ou 5%, conforme exista ou não garantia real, considerando-se automaticamente reduzida a esse máximo, se a taxa de juro estipulada exceder esse teto, agora na decorrência do nº3.
Por força do artigo 559.º-A do Código Civil, o regime do artigo 1146.º aplica-se a qualquer “estipulação de juros ou quaisquer outras vantagens em negócios ou actos de concessão, outorga, renovação, desconto ou prorrogação do prazo de pagamento de um crédito e em outros análogos”, e por força do §2 do artigo 102.º do Código Comercial, estes dois artigos aplicam-se igualmente aos juros comerciais.
A conclusão final é, por tudo, a de que o valor dos juros remuneratórios devidos pela embargante à embargada terá a taxa acordada, com o valor máximo decorrente do estatuído nas disposições conjugadas dos artigos 1146º, 559º-A do Código Civil e §2 do artigo 102.º do Código Comercial e, relativamente aos juros moratórios, os que resultem do regime do artº 8º do DL 58/2013, devendo - se assim o entender o tribunal a quo - a recorrida proceder a nova liquidação do valor a executar, em conformidade com o ora decidido.

III – DECISÃO

Nestes termos e com os fundamentos expostos, acordam os juízes desta secção cível em julgar parcialmente procedente a apelação, decidindo-se que os juros remuneratórios e moratórios a pagar pela recorrente à recorrida, por força do contrato de mútuo ainda em discussão nos autos, terão a taxa dele constante, não podendo ser sujeitos a taxas superiores às que decorrem dos artigos 1146º, 559º-A do Código Civil e §2 do artigo 102.º do Código Comercial e do artº 8º do DL 58/2013, respectivamente.
Custas na proporção do decaimento.