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CONTRAORDENAÇÃO
PRESCRIÇÃO
CONTRADITÓRIO
NULIDADES
Sumário
A apreciação da prescrição do procedimento criminal é dinâmica e tem de ser efetuada em cada momento em que a questão possa ser suscitada.
Ao abrigo do princípio da oficiosidade do conhecimento e aplicação do direito aos factos trazidos pelas partes – e que se exprime no brocado latino iura novit curia – actualmente consagrado no artigo 5.º, n.º 3, do Código de Processo Civil, o tribunal pode - diremos, deve, atento o âmbito do recurso em matéria de direito, cujos contornos se definiram - apreciar as questões submetidas à sua apreciação com base em argumentos ou razões distintas daquelas que foram concitadas pelas partes. O CPP esgota a disciplina da matéria do recurso, sem apelo às regras do CPC, por não se verificar aí (não ser susceptível de se verificar) qualquer lacuna.
Texto Integral
Acordam na Secção da Propriedade Intelectual e da Concorrência, Regulação e Supervisão do Tribunal da Relação de Lisboa:
I.–RELATÓRIO.
Em processo de contraordenação, inconformados com a decisão proferida pela autoridade administrativa Banco de Portugal que, além, do mais, condenou Caixa Económica Montepio Geral (doravante CEMG), ÁD, AC, EF, JBL, JS, vieram estes mesmos impugnar judicialmente tal decisão administrativa, impugnação que foi julgada parcialmente procedente por sentença proferida pelo Tribunal da Concorrência, Regulação e Supervisão. De novo inconformados, vieram os referidos Recorrentes interpor os respectivos recursos da referida sentença para este Tribunal da Relação, recursos que, por Acórdão proferido em 02.12.2021 foram julgados totalmente improcedentes, confirmando-se integralmente a sentença proferida pelo Tribunal da Concorrência, Regulação e Supervisão.
Notificados do referido Acórdão vieram os Recorrentes arguir nulidades do mesmo, requerendo a respectiva reforma.
Assim, o Recorrente EF arguiu a existência de:
“(…) 3.1.- ERRO FLAGRANTE DE JULGAMENTO QUANTO À VIOLAÇÃO DO AVISO 5/2008: A OMISSÃO DE PRONÚNCIA QUANTO AOS 25 DESPACHOS DE EF NOS RELATÓRIOS DE AUDITORIA INTERNA A DETERMINAR A CORRECÇÃO DAS DEFICIÊNCIAS DE CONTROLO INTERNO 23.–Conforme mencionado nas conclusões reformuladas n.º 252 a 259 do recurso para a Relação, existe um flagrante erro de julgamento quanto ao elemento subjectivo da infracção ao Aviso 5/2008 no que diz respeito ao Recorrente. 24.–Com efeito, EF invocou, no seu recurso para a Relação, que “proferiu pelo menos 25 despachos de correção das deficiências detetadas, em Relatórios de Auditoria Interna, mas a SENTENÇA nada diz sobre esta questão, incorrendo num vício de omissão de pronúncia, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 379.º, n.º 1, alínea c) do CPP, ex vi artigo 41.º do RGCO, o se REQUER seja declarado, sendo a sentença declarada nula, nesta parte, sendo substituída por outra, em que se aditem tais factos à matéria de facto.” 25.–Ora, o Acórdão manteve esta omissão de pronúncia, não obstante a extrema relevância desta questão para a determinação da culpa de EF. 26.–Com efeito, o Recorrente foi condenado por uma infracção permanente e por dolo eventual, ao Aviso 5/2008, entre 1.01.2009 e 18.03.2013, sem que o Tribunal a quo e agora o Tribunal da Relação se tivessem pronunciado sobre os 25 despachos proferidos por EF entre 2009 e 2012 a mandar corrigir deficiências de controlo interno, o que é muito relevante para rebater a imputação de dolo eventual. 27.–É que a imputação subjectiva baseia-se, quanto a esta infracção, única e exclusivamente, no suposto conhecimento do Recorrente de alegadas deficiências com base nos Relatórios de Auditoria Interna da CEMG n.ºs 7/2013 e 24/2013 (facto conclusivo 1986 e págs. págs. 1300, 1303 e 1304, 1307 e 1308 da SENTENÇA), sem que a sentença do tribunal da 1ª instância se tenha pronunciado sobre estes factos trazidos por EF para o processo. 28.–Na verdade, a sentença, quanto a EF, não deu como provado um único facto carreado para os autos por EF quanto a esta infracção, o que demonstra bem a total ausência de julgamento da 1ª instância. 29.–Deste modo, REQUER-SE a pronúncia do Tribunal da Relação quanto a esta questão.
3.2.–CONTRADIÇÕES ENTRE FACTOS DA SENTENÇA RECORRIDA, QUANTO A HIPOTECAS 30.–Na conclusão reformulada 305 do recurso para a Relação, o Recorrente suscitou uma contradição entre factos da sentença recorrida, quanto a hipotecas, com menção concreta dos factos da sentença em que essas contradições existem, em que a sentença tanto diz que não existe o reforço de garantias, como diz o seu contrário. 31.–Assim, conforme decorre das alegações de recurso n.º 3212 e segs do recurso de EF, o Recorrente invocou uma contradição insanável quanto à alegada irregularidade atinente de falta de constituição de provisões para crédito vencido e imparidade nas operações analisadas (com carência de capital e juros), na medida em que a sentença da 1ª instância dá como provado que as «operações de créditos mencionadas não foram acompanhadas de reforço de garantias ou do pagamento, pelo cliente, da totalidade dos juros e outros encargos vencidos» (cfr. factos 1048, 2268, 2280, 2291, 2301, 2313, 2355, 2368, 2527, 2447, 2459, 2471, 2539 e 2557 da sentença), mas, simultaneamente, dá como provada a existência de reforço de garantias e/ou pagamento de juros e encargos nas operações analisadas. 32.–EF suscitou 24 casos em que há contradições entre factos da própria sentença.
33.–A título de exemplo, logo o primeiro caso invocado é o seguinte: a.-C.. & C..., operação n.º 429-36.0000.24-5 (pontos 2224 a 2231 da sentença)
Na p. 1380 da sentença (provisões), é referido que «o pagamento das prestações devidas pelo cliente, no âmbito da operação de crédito n.º 429-36.0000.24-5, através de descobertos bancários, não obstava à obrigação da CEMG constituir provisões para risco específico de crédito vencido, nos termos do n.º 3 do artigo 3.º do Aviso n.º 3/95 – pelo menos, a partir de 17 de outubro de 2011, por terem decorrido mais de trinta dias desde a data de vencimento da prestação de 17 de setembro de 2011, sem que a mesma tenha sido efetivamente paga pelo cliente –, a não ser que fossem adequadamente reforçadas as garantias associadas aos créditos ou que fossem integralmente pagos os juros e outros encargos que se encontrassem vencidos, o que não se verificou em nenhuma das situações acima assinaladas […]».
Porém, no facto 798 (p. 376 da sentença - operações), a sentença dá como provado que «foi efetuada uma ampliação da hipoteca para 1,4M€ e está em fase de aprovação o aumento do capital contratual do cont 492/36.000024-5, também para 1,4M€, com o objetivo de regularizar o saldo da conta DO, liquidar a Cr Tes A\C em C\C e pagar juros vincendos», relativamente à utilização de descoberto em 10 de setembro de 2012, de € 9,99, na data de 14 de setembro de 2012, de € 8.704,22, na data de 16 de setembro de 2012, € 1.230,50, € 400,99 e € 8.609,61, todos na data de 14 de dezembro de 2012, € 499,99, na data de 10 de janeiro de 2013 e € 500,00, na data de 11 de fevereiro de 2013 (cfr. facto 795 da sentença), o que representa o reforço das garantias prestadas para a operação. 34.–E assim sucessivamente. 35.–Sucede que estas contradições – que são revelada pela própria sentença, decorrendo da mera leitura da mesma - não foram conhecidas, pelo que se REQUER a pronúncia do Tribunal da Relação quanto a esta questão.
3.3.–ERRO NOTÓRIO GRAVÍSSIMO DA SENTENÇA, QUE DEU COMO PROVADOS FACTOS QUANTO À NÃO EXISTÊNCIA DE REFORÇOS DE GARANTIAS, QUANDO OS MESMOS SÃO DESMENTIDOS E CONTRADITADOS POR ESCRITURAS PÚBLICAS DE HIPOTECA E PELO REGISTO PREDIAL EM CERTIDÕES, TUDO PROVA COM FORÇA PLENA, QUE CONSTAM DO PRÓPRIO PROCESSO! 36.–Na conclusão reformulada 306 do recurso para a Relação, o Recorrente alegou que existe um erro notório gravíssimo da sentença, que deu como provados factos quanto à não existência de reforços de garantias, quando os mesmos são desmentidos e contraditados por escrituras públicas de hipoteca (com prova legal plena) e pelo registo constitutivo da hipoteca em certidões, que constam do processo e que demonstram que foram constituídas garantias. 37.–Estamos perante um erro absolutamente chocante. 38.–É que a sentença afirma que não existem hipotecas cujas escrituras e cujos registos prediais estão nos autos deste processo! 39.–Este é, assim, o único caso em que se admite que o Tribunal ad quem possa conhecer de prova. 40.–O desacordo do Arguido não é quanto ao julgamento de matéria sujeita a livre apreciação do julgador, pois estamos perante prova vinculada. 41.–Ou existem hipotecas e os respectivos registos prediais ou não existem, estando o julgador legalmente vinculado a reconhecer esta prova. 42.–Sucede que este erro notório não foi conhecido no Acórdão, pelo que se REQUER a pronúncia do Tribunal da Relação quanto a esta questão. 43.–Ora, como tem sido referido pela Jurisprudência dos Tribunais Superiores, existe um erro notório quando estamos perante factos – neste caso, as tabelas dos factos 2643, 2648, 2654 e 2659 – que “são contraditados por documentos que fazem prova plena e que não foram arguidos de falsos” (ACSTJ de 07-12-2004 - Proc. n.º 3492/04 - 3.ª Secção Silva Flor (relator) Soreto de Barros Armindo Monteiro). 44.–De igual modo, o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 16-03-2005, proferido no Proc. n.º 41/05 - 3.ª Secção Sousa Fonte (relator) Rua Dias Pires Salpico:
III- Por outro lado, o modo como as instâncias julgaram provados certos factos também pode ser controlado pelo STJ se tiver havido violação de lei expressa que exija certa espécie de prova para a existência do facto ou que fixe a força de determinado meio de prova - parte final do n.º 2 do art. 722.º do CPC. 45.–É que o que está em causa é prova vinculada, com força probatória plena, não sendo, por isso, uma questão sujeita à livre apreciação do Tribunal, razão pela qual JBL não prescinde de que o Tribunal da Relação conheça desta questão. 46.–Assim, EF suscitou, nas alegações n.º 3212 e segs do recurso para a Relação, 15 casos em que existem hipotecas, cujas escrituras e registos prediais estão nos autos, mas a sentença deu como provado que não existem. 47.–A título de exemplo, logo o primeiro caso suscitado em que se verifica o erro notório na apreciação de prova plena é o seguinte:
HOTEL RAM, operação n.º 040-30.100008-5 (pontos 2232 a 2238 da sentença)
Na p. 1382 da sentença (provisões), é referido que «O pagamento das prestações devidas pelo cliente, no âmbito da operação de crédito n.º 040-30.100008-5, através de descobertos bancários, não obstavam à obrigação da CEMG constituir provisões para risco específico de crédito vencido, nos termos do n.º 3 do artigo 3.º do Aviso n.º 3/95 – pelo menos, a partir de 30 de julho de 2011, por terem decorrido mais de trinta dias desde a data de vencimento da prestação de 30 de junho de 2011, sem que a mesma tenha sido efetivamente paga pelo cliente –, a não ser que fossem adequadamente reforçadas as garantias associadas aos créditos ou que fossem integralmente pagos os juros e outros encargos que se encontrassem vencidos, o que não se verificou em nenhuma das situações acima assinaladas».
Porém, encontram-se juntas aos autos (a fls. 124, 127, 130, 132 e 133 do anexo 230 da Decisão do Banco de Portugal), certidões prediais permanentes dos prédios n.º 1... da freguesia de Estreito C____ L____, n.º ...4 da freguesia de M_____, n.º 9... da freguesia de São M_____, n.º ...8 da freguesia do F_____ (São ...) , todos da titularidade do cliente ou de entidades relacionadas com o seu grupo económico (Quinta E..., S.A., RP, Lda., Unidades Turísticas, S.A. – cfr. facto 838 da sentença), nas quais consta a inscrição de hipoteca voluntária a favor da CEMG (Ap. 3228, de 2009/10/29) para garantia do crédito com capital de € 1.500.000,00.
Encontra-se igualmente junta aos autos (entre fls. 88 e 97 do anexo 230 da Decisão do Banco de Portugal) a certidão da escritura pública de constituição da referida hipoteca voluntária.
Ora, resulta do facto provado 833 (p. 383 da sentença, operações) que «Em 11 de Setembro de 2012, o Conselho de Administração da CEMG, […], deliberou a concessão de um financiamento ao HOTEL RAM – H... M..., S.A. nos seguintes termos: “(…) (Crédito à Tesouraria – A/C- C/C); no montante de € 1.500.000,00, pelo prazo de 6 meses, à taxa de juro indexada à Euribor a 3 meses + spread de 6% + comissão de renovação de 0,25% semestre, com garantia hipotecária e aval (…)”».
Atendendo ao teor da referida certidão predial e ao facto provado transcrito, deveria ter-se dado como provada a constituição (rectius, o reforço) de garantias na operação analisada. 48.–Estes erros notórios não foram conhecidos, pelo que se REQUER a pronúncia do Tribunal da Relação quanto a esta questão.
3.4.-OMISSÃO DE PRONÚNCIA QUANTO AOS FACTOS ALEGADOS PELO RECORRENTE SOBRE O PAGAMENTO DE JUROS PELOS CLIENTES 49.–Na conclusão reformulada 307 do recurso para a Relação, é invocada uma omissão de pronúncia, pela 1ª instância, quanto ao pagamento de juros, que o Recorrente invocou, demonstrando o pagamento de vários casos de crédito vencido invocados na sentença à luz dos extratos bancários que constam do processo. 50.–Nestes autos, o Recorrente alegou casos concretos de pagamentos de juros nas operações analisadas, cuja apreciação especificada se impunha na sentença, dado tratarem-se de factos principais para a verificação da alegada ilicitude, cfr. alegações n.ºs 3244 e segs do recurso para a Relação. 51.–A título de exemplo, o primeiro caso invocado é o da mutuária FT – cfr. alegação 3244 do recurso para a Relação:
A sentença não se pronuncia concretamente sobre a questão, suscitada pelo Recorrente no recurso, relativa ao pagamento dos juros, efectuado pela mutuária, à luz dos extractos bancários, quanto às prestações identificadas no facto 219 – a saber, a 3.08.2009 (depósito de € 1.000,00, integralmente debitado para pagamento do contrato), a 4.08.2009 (depósito de € 750,00, do qual € 317,48 foi debitado para pagamento do contrato), a 30.10.2009 (transferência de € 1.000,00, imediatamente debitado para pagamento do contrato), a 7.12.2009 (depósito de € 1.000,00, do qual € 500,00 foi debitado para pagamento do contrato) e sucessivas entregas em numerário a 22 de Janeiro de 2010, 23 de Fevereiro de 2010 e por diante –, de onde decorre um pagamento total de € 3.750,00, a 31.12.2009, e ainda no facto 229 – a saber, a 12.04.2012 (depósito de € 1.000,00, debitado para pagamento das prestações de Abril e Maio 2012), a 13.06.2012 (depósito de € 1.000,00, debitado para pagamento da prestação de Junho), a 13.08.2012 (depósito de € 500,00, debitado para pagamento do contrato), a 22.10.2012 (depósito de € 500,00) e assim sucessivamente – de onde decorre um pagamento total de € 4.428,74, a 31.12.2012, conforme o Recorrente suscitou nas Conclusões 852 e 961 e nos pontos 4429 a 4432 e 4442 a 4444 das alegações do recurso de impugnação judicial para o TCRS. 52.–Sucede que estas omissões não foram conhecidas pela Relação.(…)”. Invocando o disposto na alínea c) do n.º 1 do artigo 379.º do CPP, aplicável ex vi artigo 425.º do CPP e artigo 41.º do RGCO, e no n.º 2 do artigo 617.º do CPC, aplicável ex vi artigo 666.º do CPC, artigo 4.º do CPP e artigo 41.º do RGCO, requereu que se declare o acórdão nulo e se supram as nulidades por omissão de pronúncia quanto às referidas questões, com a prolação de uma nova decisão que inclua a pronúncia sobre as mesmas.
*** Por seu turno o Recorrente JBL alegou que:
“(…)3.–REFORMA DO ACÓRDÃO POR NULIDADE DECORRENTE DE OMISSÕES DE PRONÚNCIA 22.–O ACÓRDÃO padece de uma manifesta nulidade por omissão de pronúncia, nos termos e para os efeitos do disposto na alínea c) do n.º 1 do artigo 379.º do CPP, aplicável ex vi artigo 425.º do CPP e artigo 41.º do RGCO. 23.–De facto, a alínea c) do n.º 1 do artigo 379.º do CPP dispõe que «é nula a sentença: (…) c) Quando o tribunal deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento». 24.–Ou seja, há nulidade de uma decisão quando o Tribunal viola os seus poderes de cognição, isto é, quando incorre em omissão de pronúncia ou excesso de pronúncia. 25.–Como explica OLIVEIRA MENDES: «Na alínea c) do n.º 1 estabelece-se a sanção da nulidade quando o tribunal viola os seus poderes/deveres de cognição, ou seja, quando omite pronúncia ou a excede (….). O excesso de pronúncia verifica-se quando o tribunal conhece de questão ou questões sobre as quais não se pode pronunciar» (OLIVEIRA MENDES in Código de Processo Penal Comentado, Almedina, 2014, página 1182). 26.–No caso concreto, e salvo o devido respeito, que é muito, verifica-se uma clara nulidade do ACÓRDÃO por omissão de pronúncia às seguintes questões suscitadas pelo Recorrente no seu recurso interposto para a Relação de Lisboa:
3.1.-ERRO FLAGRANTE DE JULGAMENTO QUANTO À VIOLAÇÃO DO AVISO 5/2008: A INFRAÇÃO PERMANENTE COMEÇA COM JBL DE FÉRIAS E AINDA ANTES DE TER SEQUER INICIADO FUNÇÕES COMO ADMINISTRADOR 27.–Conforme mencionado na conclusão reformulada n.º 130 para a Relação, existe um flagrante erro de julgamento – resultante dos factos 32 e 40 e da condenação final, nas págs. 2073 e 2074 da SENTENÇA – quanto ao início da alegada infracção omissiva a 18 de Março de 2013, dado que JBL estava de férias e nem sequer tinha ainda participado em qualquer acto de gestão da CEMG, conforme resulta da acta n.º 38/2013, de 26.03.2013. 28.–Esta questão foi suscitada nos termos das alegações nos n.ºs 627 a 630 do seu recurso de impugnação judicial, em que JBL impugnou os factos que constavam dos artigos 367. e 375 da Decisão administrativa do Banco de Portugal, quanto ao início do seu mandato de administrador, considerando que tal tem relevância para a imputação individual, mas o Tribunal da 1ª instância omitiu a pronúncia quanto a esta questão. 29.–Deste modo, REQUER-SE a pronúncia do Tribunal da Relação quanto a esta questão.
3.2.-CONTRADIÇÃO ENTRE OS FACTOS DADOS COMO PROVADOS E A DECISÃO, QUANTO À ALEGADA CULPA DO RECORRENTE, NO ÂMBITO DA INFRAÇÃO POR VIOLAÇÃO DO ART. 109º DO RGICSF 30.–Nas conclusões reformuladas 306 a 309 do recurso para a Relação, o Recorrente suscitou uma contradição entre os factos dados como provados na sentença e a decisão condenatória quanto ao elemento subjectivo da infracção ao artigo 109.º do RGICSF, estando a sentença viciada nos termos do disposto na alínea b) do n.º 2 do artigo 410.º do CPP ex vi artigo 74.º, n.º 4, do RGCO:
Primeiro, está provado que era entendimento interno da CEMG (em particular da DPEC) que a CEMG estava a cumprir os limites previstos no artigo 109.º do RGICSF, tendo ainda uma folga de 85 milhões de euros, tendo esse entendimento interno sido transmitido ao supervisor (cfr. factos provados 2652 e 2657 da sentença).
Segundo, está igualmente dado como provado, que a EA só por carta de Outubro de 2013, esclareceu, de forma clara, que a CEMG se encontra a incumprir o limite do 109.º do RGICSF e indicou o montante do excesso que a CEMG deveria corrigir, tendo esclarecido o Conselho de Administração da CEMG de um conjunto de questões que aquela instituição invocava e que carecia de ver esclarecidas para que procedesse à correta regularização da situação irregular (conforme a sentença reconhece no facto 2661, parte final).
Terceiro, o Tribunal entendeu que se encontrando “em situação de dúvida sobre a consciência da ilicitude do facto e a não censurabilidade desse erro, faz-se atuar o princípio da presunção de inocência e, consequentemente, não se dão como provados os factos atinentes ao conhecimento e representação do tipo contraordenacional, assim como os relacionados com a culpa” (cfr. pág. 1506 da sentença) relativamente aos Recorrentes FM e PR,
Incorrendo, assim, numa contradição ao concluir quanto ao Recorrente JBL (na pág. 1865) que sobre este recairia um dever acentuado de diligência, por força do seu pelouro do risco, sem atender à factualidade provada.
31.– Sucede que esta contradição não foi conhecida, pelo que se REQUER a pronúncia do Tribunal da Relação quanto a esta questão.
3.3.-ERRO NOTÓRIO NA APRECIAÇÃO DA PROVA QUANTO ÀS TABELAS DOS FACTOS 2643, 2648, 2654 E 2659, QUE SÃO CONTRARIADOS PELAS CONTAS CERTIFICADAS E PÚBLICAS DA CEMG, QUE BENEFICIAM DE FÉ PÚBLICA, E OS REPORTES PRUDENCIAIS: A VIOLAÇÃO DE PROVA VINCULADA OU DE PROVA COM FORÇA PROBATÓRIA PLENA 32.–Nas conclusões reformuladas 280 e 281 do recurso para a Relação, o Recorrente alegou que existe um erro notório na apreciação da prova quanto às tabelas dos factos 2643, 2648, 2654 e 2659, que contrariam as contas certificadas e públicas da CEMG, que beneficiam de fé pública, e os reportes prudenciais aceites pela EA que JBL conhecia, quando entrou em funções. 33.–Esta questão não é totalmente idêntica à questão identificada sob a alínea aa) na pág. 2148 do Acórdão, na medida em que o Recorrente JBL suscitou concretamente que as tabelas dos factos 2643, 2648, 2654 e 2659 da sentença da 1ª instância são contraditadas não só pelas contas certificadas de 2012, mas ainda pelos reportes prudenciais existentes em 2012 e 2013 que o Recorrente conhecia pelo exercício do cargo como Director de Risco, 34.–Sendo esta questão particularmente importante para a apreciação da culpa do Recorrente, dado que o Recorrente, ao contrário dos demais recorrentes que interpuseram recurso para a Relação, não era administrador em Dezembro de 2012, altura em que ocorre a alegada ultrapassagem do limiar previsto no artigo 109.º do RGICSF. 35.–Deste modo, a informação que o Recorrente tinha, na qualidade de Director de Risco, antes de assumir o cargo de administração a 1.04.2013, correspondia às contas certificadas de 2012, mas ainda, e com muita importância para o caso dos autos, os reportes prudenciais existentes em 2012 e 2013, que eram usados pela instituição no apuramento dos seus rácios. 36.–Ora, tais reportes não evidenciavam qualquer ultrapassagem ao limiar, tendo, por isso, o Recorrente baseado a sua actuação nestes documentos, quando iniciou funções de administração a 1 de abril de 2013, que são, de resto, reportados ao Banco de Portugal e não foram, até hoje, corrigidos, porque o Banco de Portugal nunca verificou que neles existisse qualquer erro. 37.–Sucede que este erro notório não foi conhecido no Acórdão, pelo que se REQUER a pronúncia do Tribunal da Relação quanto a esta questão. 38.–Adianta-se já, e conforme se antecipa pela argumentação do Acórdão quanto às demais questões de erros notórios que foram conhecidas, que existe um verdadeiro erro notório nos termos do artigo 410.º, n.º 2, alínea c) do CPP, porque está em causa prova com força probatória plena, dado que é certificada pelos Auditores. 39.–Ora, como tem sido referido pela Jurisprudência dos Tribunais Superiores, existe um erro notório quando estamos perante factos – neste caso, as tabelas dos factos 2643, 2648, 2654 e 2659 – que “são contraditados por documentos que fazem prova plena e que não foram arguidos de falsos” (ACSTJ de 07-12-2004 - Proc. n.º 3492/04 - 3.ª Secção Silva Flor (relator) Soreto de Barros Armindo Monteiro). 40.–De igual modo, o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 16-03-2005, proferido no Proc. n.º 41/05 - 3.ª Secção Sousa Fonte (relator) Rua Dias Pires Salpico: III- Por outro lado, o modo como as instâncias julgaram provados certos factos também pode ser controlado pelo STJ se tiver havido violação de lei expressa que exija certa espécie de prova para a existência do facto ou que fixe a força de determinado meio de prova - parte final do n.º 2 do art. 722.º do CPC. 41.–Não se trata, assim, como invocado pelo Acórdão quanto aos demais erros notórios, de uma discordância do Recorrente quanto ao julgamento efectuado pelo Tribunal da 1ª instância. 42.–É que o que está em causa é prova vinculada, com força probatória plena, não sendo, por isso, uma questão sujeita à livre apreciação do Tribunal, razão pela qual JBL não prescinde de que o Tribunal da Relação conheça desta questão. 43.–Sucede que este erro notório não foi conhecido, pelo que se REQUER a pronúncia do Tribunal da Relação quanto a esta questão.
3.4.-O ACÓRDÃO OMITE AINDA A PRONÚNCIA SOBRE DUAS QUESTÕES IMPORTANTES PARA AVALIAR O ZELO E A DILIGÊNCIA OBSERVADOS POR JBL QUANTO À ALEGADA INFRACÇÃO AO ARTIGO 109.º 44.–Na conclusão reformulada 311 do recurso para a Relação, é invocada a seguinte contradição entre os factos provados e a decisão: o Tribunal errou ainda na aplicação dos factos ao direito, porque a alegada inobservância do zelo ou diligência devidos é contrariada pelos factos provados relativos à aprovação pelo Recorrente JL de melhorias nos procedimentos internos relativos ao cumprimento do artigo 109.º, conforme resulta dos factos 3062 a 3071 da sentença, de que se destaca, da iniciativa do Recorrente, o "reforço das políticas e procedimentos para controlo do risco de concentração e cumprimento do artigo 109.º do RGICSF e condições de mercado nas operações entre o MGAM e a CEMG", atribuindo o controlo a priori do limite de concentração e do artigo 109.º do RGICSF ao Departamento de Riscos de Negócio da DRI e a missão de elaborar normas e procedimentos até 31 de dezembro de 2013 à DOO” (cfr. facto 3062) e a análise que passou a ser feita, em 7 de janeiro de 2014, pelo Comité de Risco da CEMG das exposições a empresas participadas do GRUPO MGAM e o cumprimento do limite previsto no artigo 109.º do RGICSF (facto 3063). 45.–Na conclusão reformulada 312 do recurso para a Relação, é ainda suscitada a seguinte omissão de pronúncia: Acresce que a SENTENÇA omitiu a pronúncia, sendo, assim, nula, o que se REQUER seja declarado, nos termos do disposto no artigo 379.º, n.º 1, alínea c) do CPP, aplicável ex vi artigo 74.º, n.º 4, do RGCO, quanto aos vários actos do Recorrente JL de reacção a ofícios do BdP e de exigência de introdução de correcções pelos serviços, de que se destacam: i)-o email do Recorrente de 30.08.2013, após a comunicação da carta da EA de 21 de agosto de 2013, a solicitar ao Director do Risco, JF, um ponto de situação, não obstante esta matéria não ser do seu pelouro, ii)-o email de 11.10.2013, dirigido ao responsável pela DPEC, JN, a solicitar também informação sobre o assunto, iii)-bem como os emails de 14.03.2012 e de 17.09.2012 do Recorrente a exigir o acolhimento pelos serviços de pontos de vista do BdP ou a pedir para pedidos de informação Regulador serem “pf isto asap”,
O que contraria frontalmente a decisão quanto ao Recorrente de que este actuou em “inobservância dos deveres de cuidado e diligência a que estava obrigado e de que era capaz”. 46.–Sucede que o Tribunal não se pronunciou quanto a estas duas questões, que são muito relevantes para o elemento subjectivo da infracção ao 109.º, razão pela qual se REQUER a pronúncia.(…)” Invocando o disposto na alínea c) do n.º 1 do artigo 379.º do CPP, aplicável ex vi artigo 425.º do CPP e artigo 41.º do RGCO, e no n.º 2 do artigo 617.º do CPC, aplicável ex vi artigo 666.º do CPC, artigo 4.º do CPP e artigo 41.º do RGCO, requereu que se declare o acórdão nulo e se supram as nulidades por omissão de pronúncia quanto às referidas questões, com a prolação de uma nova decisão que inclua a pronúncia sobre as mesmas.
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Todos os Recorrentes arguiram ainda:
- a nulidade da Decisão sobre o Alargamento do prazo da Prescrição por violação do princípio do contraditório (decisão-surpresa); - a nulidade insanável, prevista no artigo 119.º, alínea e) do CPP ex vi artigo 41.º, n.º 1 do RGCO, por violação das regras de competência e funcionamento do Tribunal da Relação, que funciona, em processo contra-ordenacional, como última instância ou tribunal de revista, sendo-lhe aplicável o disposto no artigo 686.º do CPC ex vi artigo 4.º do CPP ex vi artigo 41.º, n.º 1 do RGCO, que determina que o Acórdão deveria ter sido proferido em Julgamento ampliado de revista; - nulidade da decisão de “alargamento do prazo de prescrição” por ofensa ao caso julgado, nos termos e para os efeitos do disposto na alínea c) do n.º 1 do artigo 379.º do CPP, à luz do art.º 619.º, n.º 1, 620.º, n.º 1 do CPC, art.º 625.º, n.º 2, do CPC, ex vi art.º 4.º do CPP, ex vi art.º 41.º, n.º 1 do RGCO, ou por violação do princípio da legalidade, conforme dispõem os artigos 118.º, n.º 1, 120.º, n.º 2, a) e 122.º do CPP ex vi artigo 41.º, n.º 1 do RGCO, ou por excesso de pronúncianos termos e para os efeitos do disposto na alínea c) do n.º 1 do artigo 379.º do CPP, aplicável ex vi artigo 425.º do CPP e artigo 41.º do RGCO.
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Notificado, o Ministério Público respondeu aos requerimentos de arguição de nulidades apresentado pelos Recorrentes/reclamantes ÁD; AC; EF, JBL; JS e Caixa Económica Montepio Geral, pugnando pelo indeferimento dos mesmos.
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Também o Banco de Portugal respondeu, defendendo a inadmissibilidade da requerida reforma do acórdão.
No que respeita às nulidades arguidas pelo Recorrente EF, alegou que:
“(…)Tais questões configuram, segundo o Recorrente, alegadas omissões de pronúncia sobre: (i) um erro flagrante de julgamento (cf. ponto 3.1. do requerimento sob resposta); (ii) vinte e quatro contradições entre factos (cf. ponto 3.2.); (iii) quinze erros notórios (cf. ponto 3.3.) e, (iv) uma omissão de pronúncia (cf. ponto 3.4.).
Sucede que, em nenhuma das situações apelidadas como omissão de pronúncia se verifica o vício pretendido, isto porque, a omissão de pronúncia não tem, como correlativo, uma obrigação de pronúncia sobre todos e cada um dos argumentos levantados pelo Recorrente, ainda que secundários ou não prejudiciais à resolução definitiva da causa.
Em primeiro lugar, porque o tribunal não está vinculado ao que os respetivos recorrentes reputam como argumentos relevantes nos seus recursos;
Em segundo lugar, porque de acordo com os pressupostos do vício da omissão de pronúncia, tal como previsto no CPP, a nulidade prevista na alínea c), do n.º 1, do artigo 379.º só se verifica quando o tribunal deixe de se pronunciar sobre questão ou questões que a lei impõe que o tribunal conheça.
Ora, como referem Henriques Gaspar / Santos Cabral / Maia Costa / Oliveira Mendes / Pereira Madeira /Henriques da Graça, Código de Processo Penal Comentado, 2.ª Edição Revista, Almedina, 2016, p. 1132, "a falta de pronúncia que determina a nulidade da sentença incide, pois, sobre as questões e não sobre os motivos ou argumentos invocados pelos sujeitos processuais, ou seja, a omissão resulta da falta de pronúncia sobre as questões que cabe ao tribunal conhecer e não da falta de pronúncia sobre os motivos ou as razões que os sujeitos processuais alegam em sustentação das questões que submetem à apreciação do tribunal, entendendo-se por questão o dissídio ou problema concreto a decidir e não os simples argumentos, razões, opiniões ou doutrinas expendidos pela parte em defesa da sua pretensão".
A este respeito, o TRL[1], em linha com o entendimento maioritário na jurisprudência, sustenta também que: «A sentença só tem que se pronunciar sobre matéria relevante para a decisão da causa. A omissão de pronúncia é um vício que ocorre quando o Tribunal não se pronuncia sobre essas questões com relevância para a decisão de mérito e não quanto a todo e qualquer argumento aduzido […] todavia, mas, como vem sendo dominantemente entendido, o vocábulo “questões” não abrange os argumentos, motivos ou razões jurídicas invocadas pelas partes, antes se reportando às pretensões deduzidas ou aos elementos integradores do pedido e da causa de pedir, ou seja, entendendo-se por “questões” as concretas controvérsias centrais a dirimir» (nesse sentido, também, e a título exemplificativo, o Acórdão do STJ de 9 de fevereiro de 2012, proferido no Processo n.º 131/11.1YFLSB, bem como o Acórdão do STJ de 21 de janeiro de 2009, proferido no Processo n.º 111/09). 40.–No caso concreto, após considerar as conclusões aperfeiçoadas apresentadas, nomeadamente pelo aqui Recorrente (cf. fls. 265 a 323 do Acórdão), este Tribunal Superior fixou, após explicitação do racional aplicado (cf. fls. 531 a 541 do Acórdão), o objeto do recurso, ou seja, as questões que importa apreciar e decidir (cf. fl. 542 do Acórdão); 41.–Constando da alínea J. daquelas questões, precisamente, “Das invocadas nulidades da sentença, designadamente por omissão de pronúncia, contradição, insuficiência e por alteração substancial dos factos” (idem fls. 542); 42.–Questão que desenvolve, posteriormente, sob o titulo III.11. DAS ALEGADAS NULIDADES DA SENTENÇA - OMISSÕES DE PRONÚNCIA, ERROS NOTÓRIOS, CONTRADIÇÕES E INSUFICIÊNCIAS DA MATÉRIA DE FACTO (cf. fls. 2140 e ss do Acórdão), no qual, após enunciar, exemplificativamente, algumas das invocadas nulidades (cf. fls. 2140 a 2156), passa a desenvolver a apreciação da questão (cf. fls. 2156 a 2169). 43.–Dessa apreciação, dada a sua clareza e aplicação à matéria que nos ocupa, passamos a transcrever:
“(…) Estando em causa o recurso de sentença que conheceu de impugnação judicial de uma decisão administrativa proferida em processo de contraordenação, importa, reitera-se aqui, ter presente o disposto no artigo 75º, n.º 1 do RGCO, que estabelece que, em regra, e salvo se o contrário resultar do diploma, este Tribunal apenas conhece de matéria de direito.
Assim, nos termos da disposição legal citada, este Tribunal da Relação não pode reapreciar a matéria de facto julgada pelo Tribunal recorrido, sem prejuízo de poder tomar conhecimento das nulidades previstas no artigo 410º, nº 2, do Código de Processo Penal.
(…) Para não enfermar de tais vícios, na fundamentação da sentença, para além da enumeração dos factos provados e não provados, deve constar uma exposição, tanto quanto possível completa, ainda que concisa, dos motivos de facto que fundamentam a decisão, com indicação e exame crítico das provas que serviram para formar a convicção do tribunal (artigo 374.º, n.º 2 do Código de Processo Penal).
Tais vícios têm, como se assinalou, que resultar da decisão recorrida, por si mesma ou conjugada com as regras da experiência comum, tratando-se, assim, de vícios intrínsecos da decisão que, por isso, quanto a eles, terá que ser autosuficiente.
Mas não pode incluir-se na insuficiência da matéria de facto, no erro notório na apreciação da prova, ou na contradição insanável da fundamentação, a sindicância que os recorrentes possam pretender fazer/efectuar à forma como os factos dados como provados foram julgados ou enquadrados juridicamente ou sequer àquela como o Tribunal Recorrido valorou a prova produzida perante si, valoração que aquele tribunal é livre de fazer, de harmonia com o preceituado no artigo 127.º, do Código Processo Penal, sem que tal encerre qualquer inconstitucionalidade.
(…) Relativamente à omissão de pronúncia o vício ocorre (apenas) quando a sentença deixa de “pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar” [cfr. artigo 379.º, n.º 1, al. c), do Código de Processo Penal, aplicável ex vi do artigo 41.º do RGCO).
(…) A falta de pronúncia que determina a nulidade incide, pois, sobre as “questões” e “não sobre os motivos ou argumentos invocados pelos sujeitos processuais, ou seja, a omissão resulta da falta de pronúncia sobre as questões que cabe ao tribunal conhecer e não da falta de pronúncia sobre os motivos ou as razões que os sujeitos processuais alegam em sustentação das questões que submetem à apreciação do tribunal, entendendo-se por questão o dissídio ou problema concreto a decidir e não os simples argumentos, razões, opiniões ou doutrinas expendidos pela parte em defesa da sua pretensão”.
(…) O simples facto de a versão dos Recorrentes sobre a matéria de facto provada não coincidir com a versão acolhida pelo Tribunal, não consubstancia qualquer vício na decisão sobre matéria de facto, nem importa contradições, ou sequer a insuficiência da matéria de facto.
E também não determina tal vício a discordância relativamente ao enquadramento jurídico dos factos.
O que sucede é que os Recorrentes não concordam com a interpretação que o Tribunal fez do conjunto da prova produzida.
Trata-se, porém, de matéria que se prende com a valoração da prova, com a formação da convicção do Tribunal.
Ora, como já supra se anunciou, quanto à discordância dos Recorrentes sobre os factos provados, não lhes assiste a possibilidade de impugnação da matéria de facto fixada.
Não havendo norma no âmbito do Regime Geral das Contra-Ordenações que admita o recurso relativo a matéria de facto, com excepção dos casos de processamento das contra-ordenações juntamente com crimes, em que lhes é aplicável o regime de recursos vigente para os ilícitos penais (cfr. artigo 78.º), prevalece o n.º 1 do artigo 75.º do citado diploma, que restringe o recurso no domínio das contra-ordenações a matéria de direito.
Daí que esteja legalmente vedado a este Tribunal de 2.ª instância a sindicância da matéria de facto que o Tribunal a quo deu como provada, pois no âmbito do recurso contra-ordenacional, a Relação funciona como tribunal de revista e apenas conhece da matéria de direito (artigo 75º, n.º 1 do RGCO), com os limites expostos.
Referem ainda os Recorrentes que o acórdão recorrido enferma de nulidade por omissão de pronúncia, sustentando que existe matéria alegada na contestação que não foi levada à factualidade julgada provada ou não provada.
Ora, como já se disse, de acordo com o disposto nos art.ºs 379.º, n.º 1, alínea a), e n.º 2 do art.º 374.º do C.P.P., é nula a sentença que não contenha a enumeração dos factos provados e não provados, bem como uma exposição tanto quanto possível completa, ainda que concisa, dos motivos, de facto e de direito, que fundamentam a decisão, com indicação e exame crítico das provas que serviram para formar a convicção do tribunal.
Por sua vez, de harmonia com o disposto no art.º 379.º, n.º 1, alínea c), e n.º 2, do C.P.P., é também nula a sentença quando o Tribunal deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento.
A omissão de pronúncia significa ausência de decisão sobre questões que a lei impõe que sejam conhecidas, nelas se incluindo quer as questões colocadas à apreciação do tribunal pelos sujeitos processuais, quer as que forem de conhecimento oficioso, isto é, aquelas de que o Tribunal deva conhecer independentemente de alegação e do conteúdo concreto da questão controvertida.
A omissão de pronúncia constitui assim o não conhecimento de questões cujo conhecimento a lei impõe, consubstanciando-se no silêncio do Tribunal ou na ausência de posição ou de decisão sobre questão de que devia conhecer.
Porém, está em causa o não conhecimento de determinada questão e não a falta de abordagem de todas as razões ou argumentos invocados pelos sujeitos processuais em defesa dos seus pontos de vista.
A propósito da nulidade de sentença por omissão de pronúncia, ensinava já o Prof. Alberto dos Reis, in Código de Processo Civil anotado, vol. V, pág. 143: «São, na verdade, coisas diferentes: deixar de conhecer de questão de que devia conhecer-se e deixar de apreciar qualquer consideração, argumento ou razão produzido pela parte. Quando as partes põem ao tribunal determinada questão, socorrem-se, a cada passo, de várias razões ou fundamentos para fazer valer o seu ponto de vista; o que importa é que o tribunal decida a questão posta; não lhe incumbe apreciar todos os fundamentos ou razões em que elas se apoiam para sustentar a sua pretensão.»
E no Ac. do STJ de 24.10.2012, Procº 2965/06.0TBLLE consignou-se «a “pronúncia” cuja “omissão” determina a consequência prevista no artigo 379º, nº 1, alínea c) CPP – a nulidade da sentença – deve, pois, incidir sobre problemas e não sobre motivos ou argumentos; é referida ao concreto objecto que é submetido à cognição do tribunal e não aos motivos ou as razões alegadas».
Ora, a este propósito, dir-se-á, ainda, noutro prisma, que a sentença proferida pelo Tribunal recorrido é, ela própria, esclarecedora quanto à inexistência de qualquer omissão.
(…) Conclui-se desta forma que, nesta vertente, os recursos interpostos (III.11.1 e III.11.2) pois que imbuídos em pretensão que imediatamente se verifica ser contrária à lei, são manifestamente improcedentes (artigo 420º, nº 1, alínea a), do Código de Processo Penal).” (destaques nossos). 44.–Resumindo, sobre o Recorrente recai o ónus de motivar o recurso, enunciando os respectivos fundamentos e formulando conclusões, nas quais resume as razões do pedido, sendo jurisprudência constante que é pelo teor das conclusões que o recorrente extrai da motivação, onde sintetiza as razões do pedido, ou dito de outro modo, as razões de discordância com o decidido (artigo 412.º, n.º 1, do CPP), que se delimita o objeto do recurso e se fixam os horizontes cognitivos do tribunal superior. 45.–Só existe omissão de pronúncia quando o tribunal deixe de pronunciar-se sobre questões cujo conhecimento lhe era imposto por lei apreciar ou que lhe tenham sido submetidas pelos sujeitos processuais, sendo que, quanto à matéria submetida pelos sujeitos processuais, a nulidade só ocorre quando não há pronúncia sobre as questões, e já não sobre os motivos ou razões que os sujeitos processuais alegam em sustentação das questões que submetem à apreciação do Tribunal, entendendo-se por questão o dissídio ou problema concreto a decidir e não os simples argumentos, razões, opiniões ou doutrinas expendidos pela parte em defesa da sua pretensão. 46.–Neste pressuposto – e considerando o excerto acima transcrito (longo mas necessário) –, resulta evidente que o Acórdão aqui colocado em crise assenta num discurso claro e consequente sobre a questão que lhe competia apreciar, tendo sido proferido juízo decisório com os exatos fundamentos que o sustentam, não se verificando qualquer omissão de pronúncia de que o Acórdão padeça, passível de apreciação ou suprimento. 47.–Tanto mais que, como o “(…) STJ vem entendendo, as exigências de pronúncia e fundamentação da sentença, prescritas no art. 374º, nº 2, do CPP, não são directamente aplicáveis aos acórdãos proferidos pelos tribunais superiores, por via de recurso, mas tão-só por força de aplicação correspondente do art. 379º, ex vi art. 425º, nº 4, razão pela qual aquelas decisões não são elaboradas nos precisos termos previstos para sentenças proferidas em 1ª instância, o que bem se compreende, visto que o seu objecto é a decisão recorrida e não directamente a apreciação do objecto do processo. VIII - Por isso, o tribunal de recurso está apenas obrigado a sindicar a decisão recorrida, verificando, grosso modo, se a prova foi legal e correctamente valorada e apreciada (caso lhe tenha sido pedido e caiba nos seus poderes de cognição o reexame da matéria de facto) e se o direito foi bem aplicado, sendo que, no caso de entender que a valoração e apreciação da prova se mostram correctas e que o direito foi bem aplicado, pode limitar-se a explicitar as razões pelas quais adere aos juízos de facto e de direito formulados pelo tribunal recorrido, ou seja, à decisão sob recurso.” (Processo n.º 4026/08, 3ª Secção, 21-01-2009). 48.–Tudo considerado, tendo este douto Tribunal se pronunciado nos termos que devia sobre a questão fixada, à luz do quadro legal aplicável, as alegações do Recorrente são totalmente improcedentes, não se tendo verificado quaisquer omissões de pronúncia, nos termos e para os efeitos do disposto no referido artigo 379.º, n.º 1, alínea c) do CPP, inexistindo, consequentemente, quaisquer nulidades. 49.–Destarte, o expediente de que o Recorrente ora se socorre, ao vir arguir nulidades do Acórdão, replicando nulidades que já havia assacado à sentença proferida pelo tribunal a quo, assim como à decisão administrativa, e sobre as quais as duas instâncias se pronunciaram, remete para uma interminável «espiral» de invocação de nulidades, não prevista no espírito da lei, enveredando por um artificialismo excessivo, desnecessário, inimigo da economia e da celeridade que o processo penal e, tanto mais o processo contraordenacional, deve ter.
Nestes termos, e nos demais de Direito aplicáveis, deve: a)-Não ser apreciado o requerido por EF ao abrigo do previsto nos artigos 615.º a 617.º do CPC, por inadmissibilidade legal de aplicação subsidiária daquelas normas aos presentes autos de recurso contraordenacional;
Sem conceder, devem; b)-Improceder as nulidades atribuídas por EF ao Acórdão de 2 de dezembro de 2021, por não verificação de quaisquer omissões de pronúncia, nos termos previstos no artigo 379.º, n.º 1, alínea c) do CPP, passíveis de suprimento.(…)”
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Relativamente às nulidades invocadas por JBL, referiu que:
“(…)Tais questões configuram, segundo o Recorrente, alegadas omissões de pronúncia sobre: (i) um erro flagrante de julgamento (cf. ponto 3.1. do requerimento sob resposta); (ii) um erro notório na apreciação da prova (cf. ponto 3.3), e (iii) três contradições entre os factos dados como provados e a decisão (cf. pontos 3.2. e 3.4.). 35.–Sucede que, em nenhuma das situações apelidadas como omissão de pronúncia se verifica o vicio pretendido, isto porque, a omissão de pronúncia não tem, como correlativo, uma obrigação de pronúncia sobre todos e cada um dos argumentos levantados pelo Recorrente, ainda que secundários ou não prejudiciais à resolução definitiva da causa. 36.–Em primeiro lugar, porque o tribunal não está vinculado ao que os respetivos recorrentes reputam como argumentos relevantes nos seus recursos; 37.–Em segundo lugar, porque de acordo com os pressupostos do vício da omissão de pronúncia, tal como previsto no CPP, a nulidade prevista na alínea c), do n.º 1, do artigo 379.º só se verifica quando o tribunal deixe de se pronunciar sobre questão ou questões que a lei impõe que o tribunal conheça. 38.–Ora, como referem Henriques Gaspar/ Santos Cabral/ Maia Costa/ Oliveira Mendes/ Pereira Madeira/ Henriques da Graça, Código de Processo Penal Comentado, 2.ª Edição Revista, Almedina, 2016, p. 1132, "a falta de pronúncia que determina a nulidade da sentença incide, pois, sobre as questões e não sobre os motivos ou argumentos invocados pelos sujeitos processuais, ou seja, a omissão resulta da falta de pronúncia sobre as questões que cabe ao tribunal conhecer e não da falta de pronúncia sobre os motivos ou as razões que os sujeitos processuais alegam em sustentação das questões que submetem à apreciação do tribunal, entendendo-se por questão o dissídio ou problema concreto a decidir e não os simples argumentos, razões, opiniões ou doutrinas expendidos pela parte em defesa da sua pretensão". 39.–A este respeito, o TRL[2], em linha com o entendimento maioritário na jurisprudência, sustenta também que: «A sentença só tem que se pronunciar sobre matéria relevante para a decisão da causa. A omissão de pronúncia é um vício que ocorre quando o Tribunal não se pronuncia sobre essas questões com relevância para a decisão de mérito e não quanto a todo e qualquer argumento aduzido […] todavia, mas, como vem sendo dominantemente entendido, o vocábulo “questões” não abrange os argumentos, motivos ou razões jurídicas invocadas pelas partes, antes se reportando às pretensões deduzidas ou aos elementos integradores do pedido e da causa de pedir, ou seja, entendendo-se por “questões” as concretas controvérsias centrais a dirimir» (nesse sentido, também, e a título exemplificativo, o Acórdão do STJ de 9 de fevereiro de 2012, proferido no Processo n.º 131/11.1YFLSB, bem como o Acórdão do STJ de 21 de janeiro de 2009, proferido no Processo n.º 111/09). 40.–No caso concreto, após considerar as conclusões aperfeiçoadas apresentadas, nomeadamente pelo aqui Recorrente (cf. fls. 330 a 393 do Acórdão), este Tribunal Superior fixou, após explicitação do racional aplicado (cf. fls. 531 a 541 do Acórdão), o objeto do recurso, ou seja, as questões que importa apreciar e decidir (cf. fl. 542 do Acórdão); 41.–Constando da alínea J. daquelas questões, precisamente, “Das invocadas nulidades da sentença, designadamente por omissão de pronúncia, contradição, insuficiência e por alteração substancial dos factos” (idem fls. 542); 42.–Questão que desenvolve, posteriormente, sob o titulo III.11. DAS ALEGADAS NULIDADES DA SENTENÇA - OMISSÕES DE PRONÚNCIA, ERROS NOTÓRIOS, CONTRADIÇÕES E INSUFICIÊNCIAS DA MATÉRIA DE FACTO (cf. fls. 2140 e ss do Acórdão), no qual, após enunciar,exemplificativamente, algumas das invocadas nulidades (cf. fls. 2140 a 2156), passa a desenvolver a apreciação da questão (cf. fls. 2156 a 2169). 43.–Dessa apreciação, dada a sua clareza e aplicação à matéria que nos ocupa, passamos a transcrever:
“(…) Estando em causa o recurso de sentença que conheceu de impugnação judicial de uma decisão administrativa proferida em processo de contraordenação, importa, reitera-se aqui, ter presente o disposto no artigo 75º, n.º 1 do RGCO, que estabelece que, em regra, e salvo se o contrário resultar do diploma, este Tribunal apenas conhece de matéria de direito.
Assim, nos termos da disposição legal citada, este Tribunal da Relação não pode reapreciar a matéria de facto julgada pelo Tribunal recorrido, sem prejuízo de poder tomar conhecimento das nulidades previstas no artigo 410º, nº 2, do Código de Processo Penal.
(…) Para não enfermar de tais vícios, na fundamentação da sentença, para além da enumeração dos factos provados e não provados, deve constar uma exposição, tanto quanto possível completa, ainda que concisa, dos motivos de facto que fundamentam a decisão, com indicação e exame crítico das provas que serviram para formar a convicção do tribunal (artigo 374.º, n.º 2 do Código de Processo Penal).
Tais vícios têm, como se assinalou, que resultar da decisão recorrida, por si mesma ou conjugada com as regras da experiência comum, tratando-se, assim, de vícios intrínsecos da decisão que, por isso, quanto a eles, terá que ser auto suficiente.
Mas não pode incluir-se na insuficiência da matéria de facto, no erro notório na apreciação da prova, ou na contradição insanável da fundamentação, a sindicância que os recorrentes possam pretender fazer/efectuar à forma como os factos dados como provados foram julgados ou enquadrados juridicamente ou sequer àquela como o Tribunal Recorrido valorou a prova produzida perante si, valoração que aquele tribunal é livre de fazer, de harmonia com o preceituado no artigo 127.º, do Código Processo Penal, sem que tal encerre qualquer inconstitucionalidade.
(…) Relativamente à omissão de pronúncia o vício ocorre (apenas) quando a sentença deixa de “pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar” [cfr. artigo 379.º, n.º 1, al. c), do Código de Processo Penal, aplicável ex vi do artigo 41.º do RGCO).
(…) A falta de pronúncia que determina a nulidade incide, pois, sobre as “questões” e “não sobre os motivos ou argumentos invocados pelos sujeitos processuais, ou seja, a omissão resulta da falta de pronúncia sobre as questões que cabe ao tribunal conhecer e não da falta de pronúncia sobre os motivos ou as razões que os sujeitos processuais alegam em sustentação das questões que submetem à apreciação do tribunal, entendendo-se por questão o dissídio ou problema concreto a decidir e não os simples argumentos, razões, opiniões ou doutrinas expendidos pela parte em defesa da sua pretensão”.
(…) O simples facto de a versão dos Recorrentes sobre a matéria de facto provada não coincidir com a versão acolhida pelo Tribunal, não consubstancia qualquer vício na decisão sobre matéria de facto, nem importa contradições, ou sequer a insuficiência da matéria de facto.
E também não determina tal vício a discordância relativamente ao enquadramento jurídico dos factos.
O que sucede é que os Recorrentes não concordam com a interpretação que o Tribunal fez do conjunto da prova produzida.
Trata-se, porém, de matéria que se prende com a valoração da prova, com a formação da convicção do Tribunal.
Ora, como já supra se anunciou, quanto à discordância dos Recorrentes sobre os factos provados, não lhes assiste a possibilidade de impugnação da matéria de facto fixada.
Não havendo norma no âmbito do Regime Geral das Contra-Ordenações que admita o recurso relativo a matéria de facto, com excepção dos casos de processamento das contra-ordenações juntamente com crimes, em que lhes é aplicável o regime de recursos vigente para os ilícitos penais (cfr. artigo 78.º), prevalece o n.º 1 do artigo 75.º do citado diploma, que restringe o recurso no domínio das contra-ordenações a matéria de direito.
Daí que esteja legalmente vedado a este Tribunal de 2.ª instância a sindicância da matéria de facto que o Tribunal a quo deu como provada, pois no âmbito do recurso contra-ordenacional, a Relação funciona como tribunal de revista e apenas conhece da matéria de direito (artigo 75º, n.º 1 do RGCO), com os limites expostos.
Referem ainda os Recorrentes que o acórdão recorrido enferma de nulidade por omissão de pronúncia, sustentando que existe matéria alegada na contestação que não foi levada à factualidade julgada provada ou não provada.
Ora, como já se disse, de acordo com o disposto nos art.ºs 379.º, n.º 1, alínea a), e n.º 2 do art.º 374.º do C.P.P., é nula a sentença que não contenha a enumeração dos factos provados e provados, bem como uma exposição tanto quanto possível completa, ainda que concisa, dos motivos, de facto e de direito, que fundamentam a decisão, com indicação e exame crítico das provas que serviram para formar a convicção do tribunal.
Por sua vez, de harmonia com o disposto no art.º 379.º, n.º 1, alínea c), e n.º 2, do C.P.P., é também nula a sentença quando o Tribunal deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento.
A omissão de pronúncia significa ausência de decisão sobre questões que a lei impõe que sejam conhecidas, nelas se incluindo quer as questões colocadas à apreciação do tribunal pelos sujeitos processuais, quer as que forem de conhecimento oficioso, isto é, aquelas de que o Tribunal deva conhecer independentemente de alegação e do conteúdo concreto da questão controvertida.
A omissão de pronúncia constitui assim o não conhecimento de questões cujo conhecimento a lei impõe, consubstanciando-se no silêncio do Tribunal ou na ausência de posição ou de decisão sobre questão de que devia conhecer.
Porém, está em causa o não conhecimento de determinada questão e não a falta de abordagem de todas as razões ou argumentos invocados pelos sujeitos processuais em defesa dos seus pontos de vista.
A propósito da nulidade de sentença por omissão de pronúncia, ensinava já o Prof. Alberto dos Reis, in Código de Processo Civil anotado, vol. V, pág. 143: «São, na verdade, coisas diferentes: deixar de conhecer de questão de que devia conhecer-se e deixar de apreciar qualquer consideração, argumento ou razão produzido pela parte. Quando as partes põem ao tribunal determinada questão, socorrem-se, a cada passo, de várias razões ou fundamentos para fazer valer o seu ponto de vista; o que importa é que o tribunal decida a questão posta; não lhe incumbe apreciar todos os fundamentos ou razões em que elas se apoiam para sustentar a sua pretensão.»
E no Ac. do STJ de 24.10.2012, Procº 2965/06.0TBLLE consignou-se «a “pronúncia” cuja “omissão” determina a consequência prevista no artigo 379º, nº 1, alínea c) CPP – a nulidade da sentença – deve, pois, incidir sobre problemas e não sobre motivos ou argumentos; é referida ao concreto objecto que é submetido à cognição do tribunal e não aos motivos ou as razões alegadas».
Ora, a este propósito, dir-se-á, ainda, noutro prisma, que a sentença proferida pelo Tribunal recorrido é, ela própria, esclarecedora quanto à inexistência de qualquer omissão.
(…) Conclui-se desta forma que, nesta vertente, os recursos interpostos (III.11.1 e III.11.2) pois que imbuídos em pretensão que imediatamente se verifica ser contrária à lei, são manifestamente improcedentes (artigo 420º, nº 1, alínea a), do Código de Processo Penal).” (destaques nossos). 44.–Resumindo, sobre o Recorrente recai o ónus de motivar o recurso, enunciando os respectivos fundamentos e formulando conclusões, nas quais resume as razões do pedido, sendo jurisprudência constante que é pelo teor das conclusões que o recorrente extrai da motivação, onde sintetiza as razões do pedido, ou dito de outro modo, as razões de discordância com o decidido (artigo 412.º, n.º 1, do CPP), que se delimita o objeto do recurso e se fixam os horizontes cognitivos do tribunal superior. 45.–Só existe omissão de pronúncia quando o tribunal deixe de pronunciar-se sobre questões cujo conhecimento lhe era imposto por lei apreciar ou que lhe tenham sido submetidas pelos sujeitos processuais, sendo que, quanto à matéria submetida pelos sujeitos processuais, a nulidade só ocorre quando não há pronúncia sobre as questões, e já não sobre os motivos ou razões que os sujeitos processuais alegam em sustentação das questões que submetem à apreciação do tribunal, entendendo-se por questão o dissídio ou problema concreto a decidir e não os simples argumentos, razões, opiniões ou doutrinas expendidos pela parte em defesa da sua pretensão. 46.–Neste pressuposto – e considerando o excerto acima transcrito (longo mas necessário) –, resulta evidente que o Acórdão aqui colocado em crise assenta num discurso claro e consequente sobre a questão que lhe competia apreciar, tendo sido proferido juízo decisório com os exatos fundamentos que o sustentam, não se verificando qualquer omissão de pronúncia de que o Acórdão padeça, passível de apreciação ou suprimento. 47.
Tanto mais que, como o “(…) STJ vem entendendo, as exigências de pronúncia e fundamentação da sentença, prescritas no art. 374º, nº 2, do CPP, não são directamente aplicáveis aos acórdãos proferidos pelos tribunais superiores, por via de recurso, mas tão-só por força de aplicação correspondente do art. 379º, ex vi art. 425º, nº 4, razão pela qual aquelas decisões não são elaboradas nos precisos termos previstos para sentenças proferidas em 1ª instância, o que bem se compreende, visto que o seu objecto é a decisão recorrida e não directamente a apreciação do objecto do processo. VIII - Por isso, o tribunal de recurso está apenas obrigado a sindicar a decisão recorrida, verificando, grosso modo, se a prova foi legal e correctamente valorada e apreciada (caso lhe tenha sido pedido e caiba nos seus poderes de cognição o reexame da matéria de facto) e se o direito foi bem aplicado, sendo que, no caso de entender que a valoração e apreciação da prova se mostram correctas e que o direito foi bem aplicado, pode limitar-se a explicitar as razões pelas quais adere aos juízos de facto e de direito formulados pelo tribunal recorrido, ou seja, à decisão sob recurso.” (Processo n.º 4026/08, 3ª Secção, 21-01-2009). 48.– Tudo considerado, tendo este douto Tribunal se pronunciado nos termos que devia sobre a questão fixada, à luz do quadro legal aplicável, as alegações do Recorrente são totalmente improcedentes, não se tendo verificado quaisquer omissões de pronúncia, nos termos e para os efeitos do disposto no referido artigo 379.º, n.º 1, alínea c) do CPP, inexistindo, consequentemente, quaisquer nulidades. 49.–Destarte, o expediente de que o Recorrente ora se socorre, ao vir arguir nulidades do Acórdão, replicando nulidades que já havia assacado à sentença proferida pelo tribunal a quo, assim como à decisão administrativa, e sobre as quais as duas instâncias se pronunciaram, remete para um interminável «espiral» de invocação de nulidades, não prevista no espírito da lei, enveredando por um artificialismo excessivo, desnecessário, inimigo da economia e da celeridade que o processo penal e, tanto mais o processo contraordenacional, deve ter.
Nestes termos, e nos demais de Direito aplicáveis, deve: a)-Não ser apreciado o requerido por JBL ao abrigo do previsto nos artigos 615.º a 617.º do CPC, por inadmissibilidade legal de aplicação subsidiária daquelas normas aos presentes autos de recurso contraordenacional;
Sem conceder, devem; b)-Improceder as nulidades atribuídas por JBL ao Acórdão de 2 de dezembro de 2021, por não verificação de quaisquer omissões de pronúncia, nos termos previstos no artigo 379.º, n.º 1, alínea c) do CPP, passíveis de suprimento.”
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No que concerne às nulidades invocadas no requerimento de interposição de recurso para o Supremo Tribunal de Justiça, alegou o seguinte:
“(…) III. DA NULIDADE DO ACÓRDÃO POR DECISÃO SURPRESA E VIOLAÇÃO DO PRINCÍPIO DO CONTRADITÓRIO 38.–Segundo os Recorrentes há uma violação clamorosa do princípio do contraditório, na parte do Acórdão que trata a questão da prescrição, já que o Tribunal da Relação decide pela primeira vez uma questão que nunca antes fora suscitada, sem dar aos Recorrentes, que vão ficar prejudicados, a possibilidade de se pronunciar. 39.–Os Recorrentes não têm qualquer razão nos fundamentos invocados para sustentar a nulidade do acórdão proferido por esta Relação, desde logo na sua aventada nulidade por ter conhecido de matéria que não foi alegada. 40.–Parecem esquecer os Recorrentes, que ao longo de todo o julgamento, desde a fase administrativa à 1.ª instância, e no próprio acórdão do Tribunal da Relação, os mesmos sempre suscitaram a questão da prescrição. 41.–Aliás, o próprio Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 2 de dezembro de 2021, delimitou todas as questões essenciais suscitadas pelos Recorrentes de acordo com asconclusões formuladas na respetiva motivação de recurso – cfr. fls. 531 a 542 –, reconduzindo-as a vários grupos de matérias, entre os quais figura, sob a letra C., Da invocada prescrição do procedimento contraordenacional e das questões com a mesma conexas. 42.–Assim, é irrecusável que o Tribunal da Relação de Lisboa se baseou nos fundamentos invocados pelos Recorrentes no seu recurso, tendo atuado no âmbito do conhecimento das questões que lhe foram suscitadas pelos mesmos, qualificando-as devidamente e nos limites que lhes são concedidos. 43.–Coisa bem diferente – e, porventura, de que só agora os Recorrentes se aperceberam – é que ao suscitarem a questão da prescrição do procedimento contraordenacional e questões conexas com a mesma, não poderiam impor ao Tribunal da Relação de Lisboa que, ao conhecer dessa mesma questão, apenas o fizesse seguindo os fundamentos alegados e o sentido decisório pretendido pelos Recorrentes. 44.– Porém, e como por certo não ignoram, o Tribunal da Relação de Lisboa, quando conhece de uma questão, pode sempre conhecê-la seguindo um caminho interpretativo diferente daquele que lhe é sugerido pelas partes, sem que tal consubstancie uma decisão surpresa, pois tal resulta da normal dialética das decisões judiciais. 45.–Por conseguinte, deve ser julgada improcedente a nulidade invocada pelos Recorrentes.
IV.– DA NULIDADE INSANAVEL, POR VIOLAÇÃO DAS REGRAS DE COMPETÊNCIA E FUNCIONAMENTO DA RELAÇÃO QUE IMPUNHAM UM JULGAMENTO AMPLIADO DE REVISTA 46.–Segundo os Recorrentes o Tribunal da Relação de Lisboa, ao ter decidido a questão da prescrição nos termos em que o fez sem ter auscultado a opinião da maioria dos Juízes que compõem a Secção da PICRS, incorreu numa nulidade insanável, prevista no artigo 119.º, alínea e) do CPP ex vi do artigo 41.º, n.º 1 do RGCO, por violação das regras de competência e funcionamento do Tribunal da Relação, que funciona em processo contraordenacional como última instância ou tribunal de revista, sendo-lhe aplicável o disposto no artigo 686.º do CPC ex vi do artigo 4.º do CPP ex vi do artigo 41.º, n.º 1 do RGCO, e, portanto, no entender dos Recorrentes, o Acórdão deveria ter sido proferido em julgamento ampliado de revista, caso se entenda que não cabe recurso ordinário da decisão para o STJ. 47.–Em primeiro lugar, constata-se que os Recorrentes, quanto à admissibilidade de recurso da decisão do Tribunal da Relação de Lisboa, dizem o verdadeiro e o seu contrário, entrando em clara contradição apenas para fundamentarem as suas pretensões. 48.–O Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 2 de dezembro de 2021, foi proferido no âmbito de um processo contraordenacional, cujo regime é definido pelo RGICSF e, subsidiariamente, pelo RGCO. 49.–E como resulta dos artigos 73.º, n.º 1 e 75.º, n.º 1, ambos do RGCO, em processo de contraordenação não existe recurso ordinário em caso algum para o STJ, o que determina a sua definitividade, sendo que não cabe recurso das decisões de 2.ª instância. 50.–Porém, os Recorrentes alegam, para fundamentarem a sua pretensão, que como a Relação funciona, em processo contraordenacional, como última instância ou tribunal de revista deveria ter sido proferido julgamento ampliado de revista, por lhe ser aplicável o disposto no artigo 686.º do CPC ex vi do artigo 4.º do CPP ex vi do artigo 41.º, n.º 1 do RGCO. 51.–Em primeiro lugar, é de notar que o processo contraordenacional tem um regime próprio que se encontra estabelecido no DL n.º 433/82, de 27 de outubro, e que por sua vez já é subsidiariamente aplicável por via do RGICSF. 52.–De acordo com o artigo 41.º, n.º 1 do RGCO, o direito subsidiariamente aplicável em matéria processual é o regime do CPP. 53.–Porém, o regime do CPP apenas se aplica subsidiariamente, quando o contrário não resulte do RGCO, sendo que nesse caso os preceitos reguladores do processo penal têm sempre de ser devidamente adaptados. 54.–Já para proceder à aplicação do regime do CPC é necessário que, de acordo com o artigo 4.º do CPP, haja um caso omisso em que não foi possível fazer analogia com as disposições do CPP e, então aí, sejam observadas as normas do processo civil que se harmonizem com o processo penal e na falta delas com os princípios gerais do processo penal. 55.–Isto é, a aplicação do artigo 686.º, n.º 3 do CPC apenas se poderia configurar caso se considerasse que existia uma lacuna no regime de recursos no processo contraordenacional e, por sua vez, no processo penal – artigos 75.º, n.º 1 do RGCO e 399.º e 400.º do CPP. 56.–Ora, sendo claramente definido que não existe recurso para o STJ em processo contraordenacional, conforme aliás jurisprudência do Acórdão do STJ de 1.7.2016, processo n.º 204/13.6YUSTR.L1-1.S1, disponível em www.dgsi.pt, já citado, é manifesto que se verifica, no presente caso, a inexistência de uma lacuna/caso omisso que seja necessário integrar e, portanto, permita aplicar subsidiariamente, em primeira linha, o regime do CPP e, em segunda linha, o do CPC. 57.–Além do mais, o regime de recursos em processo penal, conforme refere o Acórdão de uniformização de jurisprudência n.º 9/2005, de 6 de dezembro de 2005, disponível em https://files.dre.pt/1s/2005/12/233a00/69366941.pdf:
“(…) tanto na definição do modelo como nas concretizações no que respeita a pressupostos, à repartição de competências pelos tribunais de recurso, aos modos de decisão do recurso e aos respectivos prazos de interposição, está construído numa perspectiva de autonomia processual, que o legislador pretende própria do processo penal e adequada às finalidades de interesse público a cuja realização está vinculado.
O regime de recursos em processo penal, tributário e dependente do recurso em processo civil no Código de Processo Penal de 1929 (CPP/29), autonomizou-se com o Código de Processo Penal de 1987 (CPP/87), constituindo actualmente um regime próprio e privativo do processo penal, tanto nas modalidades de recursos como no modo e prazos de interposição, cognição do tribunal de recurso, composição do tribunal e forma de julgamento.
(…)
A autonomização do modelo de recursos constituiu mesmo um dos momentos de reordenamento do processo penal no CPP/87.
(…)
Os pontos 70 a 75 do n.º 2 do artigo 2.º da lei de autorização (sentido e extensão), referidos especificamente às orientações fundamentais em matéria de recursos, impunham, decisivamente, a construção de um modelo com autonomia, desligado da tradição da referência aos recursos em processo civil.
Por seu lado, a nota preambular do CPP/87, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 78/87, de 17 de Fevereiro, qualifica o regime de recursos como «inovador», estabelecido na perspectiva da obtenção de um amplo efeito («potenciar a economia processual numa óptica de celeridade e eficiência e, ao mesmo tempo, emprestar efectividade à garantia contida num duplo grau de jurisdição autêntico»), assim autonomizado como modelo próprio para realizar finalidades específicas do processo penal. (…)
Como se referiu, o regime estabelecido em processo penal relativo aos procedimentos de impugnação da decisão em matéria de facto revela-se coerente, com inteira autonomia, e não apresenta qualquer espaço vazio; é um sistema que, nos termos descritos, funciona completamente por si, na previsão, nos procedimentos e nos resultados da sua execução.
Apresentando-se como regime completo, que funciona com autonomia e que permite realizar, por inteiro e de modo razoável e constitucionalmente capaz, a função para que foi concebido, não há espaços não regulados que necessitem de complemento; não deixando espaços de regulamentação em aberto que importe preencher, não existe, pois, lacuna de regulamentação. E na sua completude é diverso, em momentos essenciais, do regime relativo à impugnação da matéria de facto em processo civil, e uma tal diversidade remete para o plano do legislador e não da pauta valorativa da lei.
(…)
A sequência da evolução legislativa dos modelos de recurso no processo civil e no processo penal revela que evoluíram de modo autónomo relativamente à admissibilidade, natureza e modo de concretização do recurso em matéria de facto.
(…)
Nestes termos, confirma-se o acórdão recorrido, fixando-se a seguinte jurisprudência:
«Quando o recorrente impugne a decisão em matéria de facto e as provas tenham sido gravadas, o recurso deve ser interposto no prazo de 15 dias, fixado no artigo 411.º, n.º 1, doCódigo de Processo Penal, não sendo subsidiariamente aplicável em processo penal o disposto no artigo 698.º , n.º 6, do Código de Processo Civil.»” (sublinhado nosso) 58.–Ora, resulta claro que os recursos penais obedecem a princípios próprios, têm uma estrutura normativa autónoma e desenvolvem-se segundo critérios coerentes, no âmbito de um regime completo, em que não há espaços não regulados que necessitem decomplemento, ou seja, lacuna. 59.–Assim, deve entender-se que o CPP esgota a disciplina da matéria da admissibilidade do recurso no processo penal, sem hipótese, pois, de apelo às regras do CPC, por não se verificar qualquer lacuna. 60.–Se assim é no processo penal, por maioria de razão se deve concluir pela inexistência de lacuna no RGCO, que contém no artigo 75.º do RGCO norma expressa que exclui o recurso para o STJ e, portanto, inviabiliza, por si só, a aplicação subsidiária do CPP. 61.–Logo, inexistindo qualquer lacuna, a norma do artigo 686.º, n.º 3 do CPC não tem aplicação subsidiária. 62.–Face ao exposto, e sem necessidade de maiores desenvolvimentos, também nesta matéria se verifica que a invocada nulidade insanável claudica em toda a linha.
V.–DA INEFICÁCIA/NULIDADE DA DECISÃO IMPUGNADA POR VIOLAÇÃO DO CASO JULGADO MATERIAL E FORMAL E POR EXCESSO DE PRONÚNCIA 63.–Segundo os Recorrentes, a decisão da Relação sobre a matéria da prescrição contraria a própria sentença da 1.ª instância que forma caso julgado material e formal, na parte que determinou a prescrição das contraordenações que teriam sido praticadas antes de março de 2012 por alguns dos Recorrentes, na medida em que não foi impugnada nesta parte e o tribunal de recurso veio proferir decisão contrária à sentença, já transitada em julgado. 64.–Por outro lado, alegam os Recorrentes que o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 2 de dezembro de 2021, padece de uma manifesta nulidade por excesso de pronúncia, nos termos e para os efeitos do artigo 379.º, n.º 1 alínea c) do CPP, aplicável ex vi do artigo 425.º do CPP e artigo 41.º do RGCO, pois consideram os mesmos que o âmbito do recurso é definido pelas conclusões da respetiva motivação, nos termos do artigo 403.º do CPP, que os Recorrentes nunca suscitaram a aplicação da causa de suspensão prevista no artigo 209.º, nrs. 4 a 6 do RGICSF ao caso dos autos. 65.–Em primeiro lugar, cumpre esclarecer que o caso julgado impede a repetição de uma causa que já está decidida por sentença e não admite recurso ordinário, que é efetivamente o que corresponde à definição de caso julgado previsto no artigo 580.º, n.º 1 in fine e n.º 2 do CPC. 66.–Sucede que os Recorrentes interpuseram recurso da sentença proferida pelo Tribunal da Concorrência, Regulação e Supervisão, no dia 9 de abril de 2021, pelo que a mesma não transitou em julgado. 67.–Na verdade, os Recorrentes não só interpuseram recurso da sentença de 1.ª instância, como entre as questões que impugnaram nos seus Recursos, uma delas foi a matéria da prescrição. 68.–Ora, são as conclusões que definem e delimitam o âmbito de cada recurso interposto – ou seja, as questões que cada Recorrente quer ver discutidas no tribunal superior. 69.–Aliás, o próprio Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 2 de dezembro de 2021, delimitou todas as questões essenciais suscitadas pelos Recorrentes de acordo com as conclusões formuladas na respetiva motivação de recurso, cfr. fls. 531 a 542, reconduzindo-as a vários grupos de matérias, entre os quais figura, sob a letra C.,
Da invocada prescrição do procedimento contraordenacional e das questões com a mesma conexas. 70.–Assim, é irrecusável que a questão da prescrição foi suscitada pelos Recorrentes nos seus Recursos, tendo o Tribunal da Relação de Lisboa atuado no âmbito do conhecimento das questões que lhe foram suscitadas pelos mesmos, qualificando-as devidamente e nos limites que lhes são concedidos. 71.–Por consequência, não existe violação de caso julgado material ou formal, pois a sentença da 1.ª instância foi impugnada pelos Recorrentes, não tendo a mesma transitado em julgado. 72.–Sucede que, não obstante, consideram os Recorrentes que o Tribunal da Relação de Lisboa na decisão impugnada excede o âmbito do recurso. 73.–Salvo o devido respeito, a tese dos Recorrentes não colhe. 74.–Na verdade, ao ter sido alegada a questão da prescrição nos recursos interpostos pelos Recorrentes, o Tribunal da Relação de Lisboa não podia prescindir de se pronunciar sobre tal matéria de que lhe cumpria conhecer, sob pena de incorrer em omissão de pronúncia. 75.–No entanto, tal não significa que o mesmo quando conhece da questão não possa conhecê-la seguindo um caminho interpretativo diferente, pois os Recorrentes não podem impor ao Tribunal da Relação de Lisboa que ao conhecer da questão apenas o faça seguindo os fundamentos alegados pelos mesmos e o sentido decisório por si pugnado. 76.–Conclusão que os aqui Recorrentes pretendem esquecer, mas que não significa que o Tribunal da Relação de Lisboa tenha exorbitado os poderes cognitivos do tribunal. 77.–Face ao exposto, no entendimento do Recorrido devem as referidas nulidades/ineficácia ser julgadas improcedentes.(…)”
*** Cumpre apreciar e decidir das invocadas nulidades.
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II.–Fundamentação.
Para apreciar a pretensão dos Recorrentes, importa desde logo lembrar que está em causa o recurso de sentença que conheceu de impugnação judicial de uma decisão administrativa proferida em processo de contra ordenação, Nestes processos, a fase judicial não constitui uma reapreciação da questão, mas uma primeira apreciação judicial da questão contraordenacional sem limite dos poderes de cognição do juiz, que abarcam todo o objeto do processo. A consideração desta fase judicial como uma fase do processo judicial contraordenacional, afastando qualquer entendimento desta impugnação judicial como um recurso da decisão da autoridade administrativa, irá necessariamente influenciar o entendimento da fase seguinte — a fase de recurso para a Relação da decisão judicial de 1.ª instância. Da decisão de 1.ª instância pode recorrer-se para a Relação (nos casos admissíveis nos termos do art. 73.º, do RGCO) que, todavia, conhece apenas de matéria de direito. Estabelece o artigo 74.º, n.º 4, do RGCO, este “recurso seguirá a tramitação do recurso em processo penal”. Assim sendo, nos termos do artigo 410.º, n.º 1, do CPP, “o recurso pode ter como fundamento quaisquer questões de que pudesse conhecer a decisão recorrida”, com a limitação inerente ao pedido — isto é, desde que alegadas aquando da interposição do recurso, uma vez que a “motivação enuncia especificamente os fundamentos do recurso e termina pela formulação de conclusões (...) em que o recorrente resume as razões do pedido” (cf. art. 412.º, n.º 1, do CPP). A estas regras acrescenta o RGCO uma outra, prevista n.º 2 do artigo 75º do RGCO, nos termos da qual o tribunal de recurso pode, na sua decisão, “alterar a decisão do tribunal recorrido sem qualquer vinculação aos termos e ao sentido da decisão” desde que cumprido o princípio da proibição da reformatio in pejus, previsto no art. 72.º-A, do RGCO. Como se referiu no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 23 de maio de 2019[3]:
“(…)tendo em conta este dispositivo, o tribunal de 2.ª instância não tem simples poderes de cassação, mas verdadeiros poderes de substituição, podendo decidir de outra forma, com outros fundamentos e noutro sentido. Além disto, significa que o tribunal de 2.ª instância pode, a partir da matéria de facto já sedimentada, alterar a qualificação jurídica[22], ou reanalisar a consequência jurídica aplicada (alterando a coima e aplicando ou não sanções acessórias), ou considerar que os factos não integram a prática de qualquer uma contra-ordenação, ou ainda considerar, e porque tem os seus poderes de cognição restritos a matéria de direito (art. 75.º, n.º 1, do RGCO), que se verifica um dos vícios previstos no art. 410.º, n.º 2, do CPP[23], caso em que, nos termos do art. 75.º, n.º 2, al. b), do RGCO, deverá devolver o processo ao tribunal recorrido (à semelhança do que ocorre no processo penal, por força do disposto no art. 426.º, do CPP).
(…), o art. 75.º, n.º 2, al. a), do RGCO vem de forma clara determinar que, aquando do recurso da decisão de 1.ª instância para a Relação, o tribunal não está vinculado, quanto aos fundamento de direito, à decisão recorrida. Isto é, o recurso não é uma simples apreciação da decisão recorrida, mas de toda a questão, não estando vinculado àquela decisão, podendo substituí-la.
Não está vinculado, desde logo, aos termos da decisão recorrida, ou seja, não está vinculado ao seu conteúdo, à sua fundamentação, não está limitado pelas questões decididas em 1.ª instância, podendo apreciar qualquer questão de direito conexionada com o objeto do processo desde que alegada em sede de recurso[24], pese embora não tenha sido apreciada pelo tribunal recorrido. Na verdade, “[c]ontrariamente ao que acontece em processo penal (...) não existe em processo contra-ordenacional qualquer limitação à amplitude com que o tribunal superior pode sindicar e alterar a decisão recorrida.” (o destacado é nosso).
Tudo o que acaba de expor-se impõe que se conclua, quanto à invocada questão da nulidade da decisão relativa à prescrição por violação de caso julgado ou do princípio do contraditório, que a mesma não pode deixar de ser julgada improcedente. Como já se referiu em antecedente despacho, sobre a concreta prescrição das infracções em causa não foi proferida qualquer decisão transitada em julgado, no sentido de que a prescrição relativamente às mesmas ocorreu. Só uma tal decisão faria caso julgado quanto à verificação da prescrição. Apenas se formou caso julgado, quanto às infracções em causa, de que no momento em que se procedeu à apreciação, a prescrição não havia ocorrido, pois, como é sabido, a apreciação da prescrição do procedimento criminal é dinâmica e tem de ser efetuada em cada momento em que a questão possa ser suscitada. Por outro lado, ao abrigo do princípio da oficiosidade do conhecimento e aplicação do direito aos factos trazidos pelas partes – e que se exprime no brocado latino iura novit curia – actualmente consagrado no artigo 5.º, n.º 3, do Código de Processo Civil, o tribunal pode - diremos, deve, atento o âmbito do recurso em matéria de direito, cujos contornos se definiram - apreciar as questões submetidas à sua apreciação com base em argumentos ou razões distintas daquelas que foram concitadas pelas partes. As normas em causa que alargaram o prazo de suspensão da prescrição das contra-ordenações previstas no RGICSF – constantes dos números 4, 5 e 6 do artigo 209º do RGICSF na versão aprovada pelo Dec. Lei n.º 157/2014,de 24.10. – encontravam-se em vigor desde há muito, não podendo deixar de ser conhecidas dos ora Recorrentes, acompanhados que estão por vários Ilustres Mandatários Judiciais, e colocada a questão da prescrição das infracções em causa nos autos em todas as instâncias e também nesta, cabia a este Tribunal ponderar de todas as normas potencialmente aplicáveis, a que considerava aplicável ao caso de cada uma de tais infracções, e portanto também essas, podendo e devendo aplicar a que, de acordo com os critérios de aplicação de lei no tempo, a que considerasse a aplicável, pelo que nenhuma surpresa constitui a aplicação da mesma, no âmbito dos (alargados) poderes do Tribunal de 2ª instância no que concerne às questões de direito. E foi justamente isso que este Tribunal da Relação fez, explicando as razões pelas quais considerou que era esta versão do diploma de 2014 a aplicável, designadamente porque se considera que nenhuma razão legal ou constitucional – designadamente por violação do princípio da legalidade ou dos artigos 2º, 18º, 29º, 4, e 32º, n.º 10 da Constituição - obsta à respetiva aplicação, razões que aqui nos dispensamos de repetir, antes as dando nesta sede por reproduzidas. E perante a dimensão do debate que se extrai dos autos, que comportou sempre extensas alegações sobre todas as questões, mas também sobre a prescrição, não pode validamente entender-se que existiu qualquer compressão do direito ao exercício do contraditório por parte dos Recorrentes. De resto sempre se dirá que, “ainda que se considerasse ter havido omissão do contraditório (o que não se concebe), de harmonia com o artigo 118º, ns. 1 e 2 do CPP estar-se-ia perante mera irregularidade que, por não ter sido objecto de reclamação nos três dias seguintes ao da notificação ao arguido do acórdão recorrido, teria de ser considerada como sanada, nos termos do disposto no artigo 123º do CPP”[4].
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Dito isto, necessariamente se conclui também pela improcedência da invocada nulidade da decisão relativa à prescrição por excesso de pronúncia. Sustentam tal invocação na alegação de que sendo o objecto do recurso limitado pelas conclusões, nunca suscitaram nestas últimas a aplicação da causa de suspensão prevista no artigo 209º, ns. 4 a 6 do RGICSF. Como é sabido, só haverá nulidade da sentença por excesso de pronúncia, quando o julgador tiver conhecido de questões que os sujeitos processuais não submeteram à sua apreciação, ressalvadas sempre as questões de conhecimento oficioso. Ora, tendo, como se referiu, a questão da prescrição sido submetida a apreciação deste Tribunal da Relação, questão que é, aliás, de conhecimento oficioso, não podia o mesmo deixar de sobre a mesma se pronunciar, e de apurar qual a solução jurídica a dar à questão. Como já dizia Alberto dos Reis[5], há que não confundir questões suscitadas pelas partes com motivos ou argumentos por elas invocados para fazerem valer as suas pretensões. "São, na verdade, coisas diferentes: deixar de conhecer de questão de que devia conhecer-se, e deixar de apreciar qualquer consideração, argumento ou razão produzida pela parte. Quando as partes põem ao tribunal determinada questão, socorrem-se, a cada passo, de várias razões ou fundamentos para fazer valer o seu ponto de vista; o que importa é que o tribunal decida a questão posta; não lhe incumbe apreciar todos os fundamentos ou razões em que elas se apoiam para sustentar a sua pretensão." Tendo a questão da prescrição sido colocada, nenhum excesso de pronúncia foi cometido ao dela se conhecer.
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Invocam ainda os Recorrentes que, ainda no que respeita à questão da prescrição, foram violadas as regras de competência e funcionamento previstas no artigo 686º do Código de Processo Civil por não se ter suscitado um julgamento ampliado, já que, alegam, se verificavam os respectivos pressupostos, o que determina a nulidade da decisão. Mas também aqui não lhes assiste razão. Na verdade, «o regime de recursos em processo penal, com o CPP de 1987, deixou de ser tributário e dependente do regime de recursos em processo civil, como antes – no CPP de 1929 – acontecia, tendo sido construído numa perspectiva de autonomia processual, que o legislador quis própria do processo penal.»[6] Como se escreveu no acórdão de uniformização de jurisprudência n.º 9/2005, de 11/10/2005[7], “a autonomia do modelo e das soluções processuais que contempla coloca-o a par dos regimes de recurso de outras modalidades de processo, independente e com vocação de completude, com soluções que pretendem responder, por inteiro e sem espaços vazios, às diversas hipótese que prevê”. O legislador do CPP87 conferiu, pois, ao sistema dos recursos em processo penal «uma tendencial autonomia relativamente ao processo civil, pelo que salvo pormenores de regulamentação que devem procurar-se, por via analógica, no Código de Processo Civil (…), os recursos penais passaram a obedecer a princípios próprios, possuem uma estrutura normativa autónoma e desenvolvem-se segundo critérios a que não é alheia uma opção muito clara sobre a necessidade de valorizar a atitude prudencial do juiz. O Código rompe abertamente com a tradição que, há quase um século, geminou os recursos penais e cíveis»[8]. Por isso se deve entender que o CPP esgota a disciplina da matéria do recurso, sem apelo às regras do CPC, por não se verificar aí (não ser susceptível de se verificar) qualquer lacuna. E sendo este (o previsto no Código de Processo Penal) o regime subsidiariamente aplicável no âmbito do RGCO, por expressa remissão do artigo 74º, n.º 4 do RGCO, nenhuma razão se descortina para lançar mão do disposto no artigo 686º do Código de Processo Civil. Sublinhe-se que no preceito em questão se disciplina uma via de uniformização de jurisprudência – a do julgamento ampliado de revista - que apenas cabe ao Supremo Tribunal de Justiça, que não também aos Tribunais da Relação. Sucede que também no Código de Processo Penal se encontram mecanismos processuais para promover a uniformização de jurisprudência, designadamente nos artigos 437º a 445º, 446º e 447º. Acresce que no caso não se verifica qualquer dos requisitos a que alude o citado artigo 686º do Código de Processo Civil, Desde logo porque não existe identidade entre a questão de direito que está em causa e qualquer outra objecto de acórdão de uniformização de jurisprudência, no quadro da mesma legislação e sobre a mesma questão de direito aqui colocada em causa pelo que não pode concluir-se pela diversidade ali pressuposta. Não existe pois, uma situação de necessidade de julgamento ampliado de revista. E nem mesmo de conveniência pode falar-se, pois não se conhece jurisprudência dos Tribunais Superiores sobre a mesma questão fundamental de direito, porquanto, como amplamente se expôs no Acórdão reclamado, a jurisprudência no sentido de considerar aplicável uma nova causa de suspensão da prescrição ou o alargamento de uma já prevista no decurso do prazo de prescrição e antes de o mesmo se encontrar integralmente decorrido, não pode considerar-se uniforme. De resto, nesta Secção em inúmeras decisões se tem admitido a consideração de novas causas de suspensão, como as das “Leis Covidianas”, e com expressa afirmação da sua não inconstitucionalidade em várias decisões do Tribunal Constitucional, como ali também se explicitou[9]. Porém, ainda que de forma diversa se entendesse, sempre haveria de concluir pela improcedência da pretensão dos Recorrentes nessa parte, porquanto a lei não prevê qualquer consequência para a eventualidade de, apesar da verificação de todos os pressupostos, não ser ordenado o julgamento ampliado, designadamente no caso dos autos, em que não foi requerido, muito menos a nulidade da decisão.
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No que às demais nulidades imputadas ao Acórdão pelos Recorrentes EF e JBL, por omissão de pronúncia, contradições, erros notórios respeita, importa reiterar o que a este respeito foi referido no Acórdão reclamado. Estando em causa o recurso de sentença que conheceu de impugnação judicial de uma decisão administrativa proferida em processo de contra ordenação, importa, reitera-se aqui, ter presente o disposto no artigo 75º, n.º 1 do RGCO, que estabelece que, em regra, e salvo se o contrário resultar do diploma, este Tribunal apenas conhece de matéria de direito. Assim, nos termos da disposição legal citada, este Tribunal da Relação não pode reapreciar a matéria de facto julgada pelo Tribunal recorrido, sem prejuízo de poder tomar conhecimento das nulidades previstas no artigo 410º, nº 2, do Código de Processo Penal. Estabelece, por seu turno, o artigo 410º nº2 do Código de Processo Penal, que «mesmo nos casos em que a lei restrinja a cognição do tribunal de recurso a matéria de direito, o recurso pode ter como fundamentos, desde que o vício resulte do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum: al. a) a insuficiência para a decisão da matéria de facto provada; al. b) a contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão e al. c) erro notório na apreciação da prova». Como decorre expressamente da letra da lei, qualquer um dos elencados vícios tem de dimanar da complexidade global da própria decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum, sem recurso, portanto, a quaisquer elementos que à dita decisão sejam externos, designadamente declarações ou depoimentos exarados no processo durante o inquérito ou a instrução, ou até mesmo o julgamento, salientando-se também que as regras da experiência apelam para a ideia de “descontinuidades imediatamente apreensíveis nas correlações internas entre factos, que se manifestem no plano da lógica, ou da directa e patente insustentabilidade ou arbitrariedade; descontinuidade ou incongruências ostensivas ou evidentes que um homem médio, com a sua experiência de vida e das coisas, facilmente apreenderia e delas se daria conta”. A insuficiência a que se reporta a citada al. a) ocorre quando os factos provados forem insuficientes para justificar a decisão assumida, ou, quando o tribunal recorrido, podendo fazê-lo, deixou de investigar toda a matéria relevante, de tal forma que essa matéria de facto não permite, por insuficiência, a aplicação do direito ao caso que foi submetido à apreciação do juiz. Tal vício ocorre, assim, quando analisada a peça processual, a conclusão nela contida extravasa as premissas por a matéria de facto provada ser insuficiente para fundamentar a solução de direito encontrada, sempre na economia da decisão. A contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão, apenas se verificará quando, analisada a matéria de facto, se chegue a conclusões antagónicas entre si e que não possam ser ultrapassadas, ou seja, quando se dá por provado e como não provado o mesmo facto, quando se afirma e se nega a mesma coisa, ao mesmo tempo, ou quando simultaneamente se dão como provados factos contraditórios ou quando a contradição se estabelece entre a fundamentação probatória da matéria de facto, sendo ainda de considerar a existência de contradição entre a fundamentação e a decisão. O erro notório na apreciação da prova consiste num vício de apuramento da matéria de facto, que prescinde da análise da prova produzida para se ater somente ao texto da decisão recorrida, por si ou conjugado com as regras da experiência comum. Verifica-se o erro notório na apreciação da prova quando no texto da decisão recorrida se dá por provado, ou não provado, um facto que contraria com toda a evidência, segundo o ponto de vista de um homem de formação média, a lógica mais elementar e as regras da experiência comum. Para não enfermar de tais vícios, na fundamentação da sentença, para além da enumeração dos factos provados e não provados, deve constar uma exposição, tanto quanto possível completa, ainda que concisa, dos motivos de facto que fundamentam a decisão, com indicação e exame crítico das provas que serviram para formar a convicção do tribunal (artigo 374.º, n.º 2 do Código de Processo Penal). Tais vícios têm, como se assinalou, que resultar da decisão recorrida, por si mesma ou conjugada com as regras da experiência comum, tratando-se, assim, de vícios intrínsecos da decisão que, por isso, quanto a eles, terá que ser auto-suficiente. Mas não pode incluir-se na insuficiência da matéria de facto, no erro notório na apreciação da prova, ou na contradição insanável da fundamentação, a sindicância que os recorrentes possam pretender fazer/efectuar à forma como os factos dados como provados foram julgados ou enquadrados juridicamente ou sequer àquela como o Tribunal Recorrido valorou a prova produzida perante si, valoração que aquele tribunal é livre de fazer, de harmonia com o preceituado no artigo 127.º, do Código Processo Penal, sem que tal encerre qualquer inconstitucionalidade. Tal vício – de insuficiência para decisão da matéria de facto provada – não se confunde com a insuficiência da prova para os factos dados como provados, que, assim, por falta de prova, teriam sido erradamente julgados provados. Com efeito, na insuficiência da prova para a decisão de facto, verificada naturalmente em momento anterior, é a prova produzida que se mostra insuficiente para suportar a decisão de facto, enquanto na insuficiência para a decisão da matéria de facto provada é a decisão de facto que se revela insuficiente para suportar a decisão de direito. Como se diz no Ac. do TRL de 18.07.2013, in dgsi.pt, «o vício de insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, previsto no art.º 410.º, n.º 2, alínea a), do Código de Processo Penal, consiste numa carência de factos que suportem uma decisão de direito dentro do quadro das soluções plausíveis da causa, conduzindo à impossibilidade de ser proferida uma decisão segura de direito, sobre a mesma. No fundo, é algo que falta para uma decisão de direito, seja a proferida efectivamente, seja outra, em sentido diferente, que se entenda ser a adequada ao âmbito da causa.» Estão assim em causa as situações em que os factos apurados não dão suporte à decisão de direito proferida, por se revelarem insuficientes para o preenchimento dos elementos constitutivos. Relativamente à omissão de pronúncia o vício ocorre (apenas) quando a sentença deixa de “pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar” [cfr. artigo 379.º, n.º 1, al. c), do Código de Processo Penal, aplicável ex vi do artigo 41.º do RGCO). Esta nulidade relaciona-se com a norma ínsita ao artigo 608º, n.º 2 do Código de Processo Civil, pelo que as questões omitidas que ditam a nulidade da sentença em recurso contra-ordenacional são aquelas que tenham sido arguidas pelas partes e as demais cujo conhecimento seja imposto por lei e em relação às quais não se considere que o seu conhecimento ficou prejudicado pela solução dada a outras ou que não são, implicitamente, relevantes para a decisão da causa. A falta de pronúncia que determina a nulidade incide, pois, sobre as “questões” e “não sobre os motivos ou argumentos invocados pelos sujeitos processuais, ou seja, a omissão resulta da falta de pronúncia sobre as questões que cabe ao tribunal conhecer e não da falta de pronúncia sobre os motivos ou as razões que os sujeitos processuais alegam em sustentação das questões que submetem à apreciação do tribunal, entendendo-se por questão o dissídio ou problema concreto a decidir e não os simples argumentos, razões, opiniões ou doutrinas expendidos pela parte em defesa da sua pretensão”. A decisão reclamada não enferma dos vícios que lhe são apontados. Vejamos porquê.
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O Recorrente EF começa por referir que “proferiu pelo menos 25 despachos de correção das deficiências detetadas, em Relatórios de Auditoria Interna, mas a sentença nada diz sobre esta questão, incorrendo num vício de omissão de pronúncia, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 379.º, n.º 1, alínea c) do CPP, ex vi artigo 41.º do RGCO, sendo a sentença declarada nula, e que o Acórdão manteve esta omissão de pronúncia, não obstante a extrema relevância desta questão para a determinação da sua culpa. Refere ainda que invocou uma omissão de pronúncia, pela 1ª instância, quanto ao pagamento de juros, que o Recorrente invocou, demonstrando o pagamento de vários casos de crédito vencido invocados na sentença à luz dos extratos bancários que constam do processo, que alegou casos concretos de pagamentos de juros nas operações analisadas, cuja apreciação especificada se impunha na sentença, dado tratarem-se de factos principais para a verificação da alegada ilicitude, cfr. alegações n.ºs 3244 e segs. do recurso para a Relação, designadamente no que concerne ao caso da mutuária FT, e que estas omissões não foram conhecidas pela Relação. Por seu turno o Recorrente JBL refere, quanto ao início da alegada infracção omissiva a 18 de Março de 2013, dado que estava de férias e nem sequer tinha ainda participado em qualquer acto de gestão da CEMG, conforme resulta da acta n.º 38/2013, de 26.03.2013, que esta questão foi suscitada nos termos das alegações nos n.ºs 627 a 630 do seu recurso de impugnação judicial, em que impugnou os factos que constavam dos artigos 367. e 375 da Decisão administrativa do Banco de Portugal, quanto ao início do seu mandato de administrador, considerando que tal tem relevância para a imputação individual, mas o Tribunal da 1ª instância omitiu a pronúncia quanto a esta questão. Acrescenta que o Tribunal Recorrido errou ainda na aplicação dos factos ao direito, porque a alegada inobservância do zelo ou diligência devidos é contrariada pelos factos provados relativos à aprovação pelo Recorrente JBL de melhorias nos procedimentos internos relativos ao cumprimento do artigo 109.º, conforme resulta dos factos 3062 a 3071 da sentença, de que se destaca, da iniciativa do Recorrente, o "reforço das políticas e procedimentos para controlo do risco de concentração e cumprimento do artigo 109.º do RGICSF e condições de mercado nas operações entre o MGAM e a CEMG", atribuindo o controlo a priori do limite de concentração e do artigo 109.º do RGICSF ao Departamento de Riscos de Negócio da DRI e a missão de elaborar normas e procedimentos até 31 de dezembro de 2013 à DOO” (cfr. facto 3062) e a análise que passou a ser feita, em 7 de janeiro de 2014, pelo Comité de Risco da CEMG das exposições a empresas participadas do GRUPO MGAM e o cumprimento do limite previsto no artigo 109.º do RGICSF (facto 3063). Mais invoca, quanto aos vários actos de reacção a ofícios do BdP e de exigência de introdução de correcções pelos serviços, que os mesmos contrariam frontalmente a decisão quanto ao Recorrente de que este actuou em “inobservância dos deveres de cuidado e diligência a que estava obrigado e de que era capaz”. Reiteram, pois, ambos os Recorrentes, argumentos que apresentaram nas respectivas impugnações judiciais. Porém, basta percorrer a sentença recorrida para se perceber que a questão a decidir foi ali objecto de cuidada apreciação.
Ali pode ler-se, de facto, que:
“(…)Em síntese, no âmbito dos presentes autos e com reporte às operações de crédito analisadas, em concreto, no período compreendido entre 1 de janeiro de 2009 e 3 de junho de 2014, verificaram-se na CEMG um conjunto de violações das regras do sistema de controlo interno, nos termos do disposto no Aviso n.º 5/2008, a saber: I.-As normas internas da CEMG, relativas à concessão de crédito, admitiam situações em que pudesse não existir “relatório de crédito”, ainda que a sua emissão estivesse expressamente prevista, desde que as operações de concessão de crédito fossem objeto de aprovação pelo Administrador do Pelouro e do Risco ou pelo Conselho de Administração, o que contraria o disposto no n.º 2 do artigo 10.º, n.os 1, 3, 4, 6 e 7 do artigo 11.º, 12.º, alínea a) do n.º 1 do artigo 13.º, artigo 14.º, alíneas a) e c) do n.º 2 do artigo 15.º, alínea a) do n.º 1 e n.º 4 do artigo 16.º e n.º 1, 2 e 3 do artigo 19.º, todos do Aviso n.º 5/2008, cuja efetiva implementação e cumprimento lhes cabia assegurar, nos termos do disposto no artigo 18.º do mesmo Aviso; II.-Eram aprovadas operações de crédito (incluindo renovações e renegociações) sem que fosse realizada qualquer análise prévia do risco de crédito inerente àquelas operações, em violação do disposto no n.º 2 do artigo 10.º, n.os 1, 3, 4, 6 e 7 do artigo 11.º, 12.º, alíneas a), b) e c) do n.º 1 do artigo 13.º, artigo 14.º, alíneas a) e c) do n.º 2 do artigo 15.º, alínea a) do n.º 1 e n.º 4 do artigo 16.º, n.º 1, 2 e 3 do artigo 19.º, todos do Aviso n.º 5/2008, cuja efetiva implementação e cumprimento lhes cabia assegurar, nos termos do disposto no artigo 18.º do mesmo Aviso; III.-A partir de 14 de outubro de 2010, as operações de crédito (incluindo renovações e renegociações) de empresas do GRUPO MGAM, cuja participação, isoladamente ou em conjunto, direta ou indiretamente, do MGAM fosse superior a 50%, não estavam sujeitas à realização de qualquer análise de rating, na medida em que tal crédito era considerado um “risco Montepio”, em violação do disposto no n.º 2 do artigo 10.º, n.os 1, 3, 4, 6 e 7 do artigo 11.º, 12.º, alíneas a), b) e c) do n.º 1 do artigo 13.º, artigo 14.º, alínea c) do n.º 2 do artigo 15.º, alínea a) do n.º 1 e n.º 4 do artigo 16.º e n.º 1, 2 e 3 do artigo 19.º, todos do Aviso n.º 5/2008, cuja efetiva implementação e cumprimento lhes cabia assegurar, nos termos do disposto no artigo 18.º do mesmo Aviso; IV.-Eram aprovadas operações de crédito (incluindo renovações e renegociações), apesar de as mesmas serem objeto de uma análise com o resultado “rejeitar” ou parecer “desfavorável” ou “condicionado” de um analista de crédito ou da hierarquia, sem que os órgãos de decisão da CEMG justificassem a razão pela qual divergiram dessas recomendações, em violação do disposto nas alíneas a) e c) do n.º 2 do artigo 15.º, alínea a) do n.º 1 e n.º 4 do artigo 16.º, ambos do Aviso n.º 5/2008, cuja efetiva implementação e cumprimento lhes cabia assegurar, nos termos do disposto no artigo 18.º do mesmo Aviso; V.-Eram concedidos diversos créditos aos respetivos clientes (e/ou objeto de formalização entre estes e a CEMG) em data prévia à data da conclusão do processo interno da sua aprovação, em violação do disposto nas alíneas a) e c) do n.º 2 do artigo 15.º, n.º 1, 2 e 3 do artigo 19.º do Aviso n.º 5/2008, cuja efetiva implementação e cumprimento lhes cabia assegurar, nos termos do disposto no artigo 18.º do mesmo Aviso; VI.-Eram transferidos para os clientes os montantes mutuados antes de terem sido devidamente formalizados e assinados os respetivos contratos, em violação do disposto nas alíneas a) e c) do n.º 2 do artigo 15.º, n.º 1, 2 e 3 do artigo 19.º do Aviso n.º 5/2008, cuja efetiva implementação e cumprimento lhes cabia assegurar, nos termos do disposto no artigo 18.º do mesmo Aviso; VII.-Eram formalizadas e aplicadas aos clientes, em várias situações, condições contratuais que não correspondiam àquelas que foram objeto de aprovação interna e que constavam dos respetivos processos, em violação do disposto nas alíneas a) e c) do n.º 2 do artigo 15.º do Aviso n.º 5/2008, n.º 1, 2 e 3 do artigo 19.º do Aviso n.º 5/2008, cuja efetiva implementação e cumprimento lhes cabia assegurar, nos termos do disposto no artigo 18.º do mesmo Aviso; VIII.-Eram aprovadas operações de crédito (incluindo renovações e renegociações) por órgãos de decisão que não tinham competência para tal, em violação do disposto na alínea c) do n.º 2 do artigo 15.º do Aviso n.º 5/2008, cuja efetiva implementação e cumprimento lhes cabia assegurar, nos termos do disposto no artigo 18.º do mesmo Aviso; IX.-Nos sistemas de informação e contabilísticos da CEMG, não era registada informação essencial à gestão do risco da instituição, designadamente a existência de “reestruturações/renegociações” nas operações de crédito contratadas com os clientes, o que impedia uma correta avaliação do risco de crédito dos referidos créditos, em violação do disposto na alínea b) do artigo 2.º, na alínea c) do n.º 1 do artigo 3.º, e nos n.os 1 a 3 do artigo 19.º do Aviso n.º 5/2008, cuja efetiva implementação e cumprimento lhes cabia assegurar, nos termos do disposto no artigo 18.º do mesmo Aviso; ou, ainda, X.-Não eram sujeitos a análise individual de imparidade os clientes considerados como “Individualmente significativos”, conforme o previa o Manual de Imparidade, impedindo assim o correto cálculo de eventuais imparidades, conforme impunha o § 2.º do Aviso n.º 1/2005 e a Instrução n.º 7/2005, em violação do disposto na alínea c) do n.º 2 do artigo 15.º e no n.º 1, n.º 2 e n.º 3 do artigo 19.º do Aviso n.º 5/2008, cuja efetiva implementação e cumprimento lhes cabia assegurar, nos termos do disposto no artigo 18.º do mesmo Aviso.
O acervo factual apurado traduz um número significativo de desconformidades, que perdurou no tempo, respeitando a operações creditícias de montante que não se pode ter por inexpressivo, dado que várias delas superam a unidade de milhão.
Este acervo factual reflete um sistema de monitorização de risco de crédito institucionalizado ao nível da CEMG (seja em sede de aprovação das operações, seja em sede de monitorização da sua execução), desconforme com o padrão normativo exigido pelo Aviso n.º 5/2008.
As sobreditas desconformidades não traduzem violações fortuitas dos normativos internos da CEMG na implementação do sistema de controlo interno previsto no Aviso n.º 5/2008, pois que se constata a reiteração daquelas deficiências, uma cultura de incumprimento e a ausência de reação às mesmas demonstra que, em geral, era “ineficaz e desadequado” o sistema instituído e que deveria assegurar o cumprimento, quer dos normativos aprovados pelos órgãos próprios da CEMG, quer ainda o previsto no próprio Aviso n.º 5/2008.
Estas desconformidades - efetiva aplicação dos normativos internos aprovados pela CEMG - não foram divisadas nas ações de monitorização do sistema de controlo interno da instituição; e, nas residuais situações em que foram vertidas nos relatórios da CEMG, não foram prontamente corrigidas, sendo desvalorizada a prioridade das medidas corretivas associadas e postergada a sua efetiva resolução, postura que se manteve durante o julgamento por parte dos Recorrentes.
Donde, é o próprio sistema de monitorização do sistema de controlo que não observava os padrões normativos impostos pelo Aviso n.º 5/2008, sendo em especial de destacar a ineficácia que, a este nível, se regista na atuação da auditoria interna. i.–Vejamos, o demais, contraposto, em sede de recurso de impugnação judicial, pelos Recorrentes.
Sustentam os Recorrentes que a decisão encerra uma certa contradição por ter valorado algumas das melhorias introduzidas pelos Recorrentes no sistema de controlo interno, mas, não deixando, de lhes imputar a violação do dever de instituir um sistema de controlo interno adequado e eficaz. Violação que, argumentam, o Banco de Portugal considerou cessada – e, portanto, alegam, o sistema de controlo interno não merecia reparos - a partir de 3 de junho de 2014.
Como os Recorrentes não podem deixar de saber, a infração foi considerada cessada, naquela data, por insuficiência de prova que suportasse uma asserção para lá daquele marco temporal. Porém, isso não consente a conclusão de que a decisão Recorrida validou, como adequado e eficiente, o sistema de controlo interno, a partir desta data. Não haver prova de uma determinada conduta, não significa a demonstração efetiva do seu contrário. Ou, se se preferir, por facilidade de discurso, considerar cessada a infração a partir de um determinado marco temporal por falta de prova bastante que sustente uma acusação, não significa, nem admite, por si só e sem mais, a conclusão de que foi demonstrada uma actuação normativamente conforme a partir daí. Não, simplesmente, no plano probatório, e na ponderação dialética que exige, afigurou-se incipiente a demonstração da infração a partir de uma certa data, apenas isto.
Também não se divisa acerto na reivindicação dosRecorrentes FM e JBL no sentido de que não lhes era exigível, logo a partir do dia em que iniciaram funções, enquanto membros do Conselho de Administração da CEMG, uma conduta alternativa e, portanto, não são responsáveis pelo incumprimento de assegurar um sistema de controlo interno, adequado e eficaz, naquela instituição.
Já se explanou, supra, o conceito normativo que se preconiza em sede de direito contraordenacional: é autor da infração todos aqueles que contribuamcausalmente, por ação ou omissão, para a sua realização.
Os Recorrentes, enquanto membros do Conselho de Administração da CEMG, omitiram o dever de assegurar que a instituição de crédito que geriam dispunha de “processos eficazes de identificação, gestão, controlo e comunicação dos riscos a que está ou possa vir a estar exposta” ou de “de mecanismos adequados de controlo interno, incluindo procedimentos administrativos e contabilísticos sólidos” (atuando por omissão, neste segmento), tendo aprovado “Normas de Concessão de Crédito” que também eram insuficientes para o assegurar, nomeadamente porque não permitiam identificar todos os riscos da instituição, tendo ainda participado diretamente em processos de concessão de crédito, que consubstanciaram, por si só, exemplos de violações de controlo interno da instituição que geriam (atuando por ação, nessa parte).
Donde, participaram e contribuíram, durante o período em que exerceram funções, para aquele resultado, de violação do dever funcional, com a sua omissão e ação.
No que concerne às melhorias instituídas, o que ocorre é que – havendo de ser valoradas – não consubstanciam a ação esperada ou devida à luz das normas do Aviso n.º 5/2008, sendo insuficientes
ii.–Propugnam os Recorrentes que, no que tange ao dever de implementação de um sistema de controlo interno, adequado e eficaz, no âmbito da gestão da função de risco de crédito, está em causa, meramente, uma obrigação de meios.
Argumentam que o CA da CEMG «não tinha uma posição de garanteda não verificação do resultado, não impendendo sobre si um dever ou obrigação de resultado, mas apenas uma obrigação de meios, de agir como um administrador normalmente diligente e zeloso, na implementação de um sistema de controlo interno adequado e eficaz, obrigação que o Conselho de Administração da CEMG cumpriu».
Salvo mais douta opinião, não lhes assiste razão.
Nos termos previstos no artigo 4.º do Aviso n.º 5/2008, “o órgão de administração é responsável pela implementação e manutenção de um sistema de controlo interno adequado e eficaz, que, respeitando os princípios definidos no artigo 3.º, garanta o cumprimento dos objetivos estabelecidos no artigo 2.º”, devendo, para esse efeito, “a) detalhar os objetivos e princípios subjacentes ao sistema de controlo interno, incorporando-os na estratégia e políticas da instituição, e assegurar o seu cumprimento pelos colaboradores da instituição; b) garantir a existência de recursos materiais e humanos suficientes e adequados para a execução das funções e tarefas inerentes ao sistema de controlo interno e promover as necessárias ações de formação em matéria de controlo interno”.
Em concreto, quanto às responsabilidades do órgão de administração relativamente ao sistema de gestão de riscos, determina o artigo 18.º do Aviso n.º 5/2008, que “o órgão de administração deve ter um conhecimento adequado dos tipos de riscos a que a instituição se encontra exposta e dos processos utilizados para identificar, avaliar, acompanhar e controlar esses riscos, bem como das obrigações legais e dos deveres a que a instituição se encontra sujeita, sendo responsável pelo estabelecimento e manutenção de um sistema de gestão de riscos apropriado e eficaz”, tendo, para esse efeito, de: “a) definir e rever a política com os objetivos globais e os objetivos específicos para cada área funcional, no que respeita ao perfil de risco e ao grau de tolerância face ao risco; b) aprovar políticas e procedimentos, concretos, eficazes e adequados, para a identificação, avaliação, acompanhamento e controlo dos riscos a que a instituição está exposta, assegurando a sua implementação e cumprimento; c) aprovar, previamente à sua introdução, os novos produtos e atividades da instituição, bem como as respetivas políticas de gestão de risco; d) verificar, de forma regular, o cumprimento dos níveis de tolerância ao risco e das políticas e procedimentos de gestão de riscos, avaliando a sua eficácia e contínua adequação à atividade da instituição, no sentido de possibilitar a deteção e correção de quaisquer deficiências; e) requerer que sejam elaborados e apreciar reportes periódicos, precisos e tempestivos sobre os principais riscos a que a instituição se encontra exposta e que identifiquem os procedimentos de controlo implementados para gerir esses riscos; f) assegurar a efetiva implementação das suas orientações e recomendações no sentido de introduzir correções e ou melhorias no sistema de gestão de riscos; g) assegurar que as atividades de gestão de riscos têm uma independência, estatuto e visibilidade suficientes e que são sujeitas a revisões periódicas; h) designar o responsável pela função de gestão de riscos e o responsável pela função de "compliance" e assegurar que estas funções têm autoridade suficiente para desempenhar as respetivas competências de forma objetiva e independente, bem como que possuem os recursos materiais e humanos adequados ao desempenho das respetivas tarefas; i) pronunciar-se sobre os relatórios elaborados pelas funções de gestão de riscos e "compliance", nomeadamente sobre as recomendações para a adoção de medidas corretivas.
”.
Como já antes se expendera, o órgão de administração é também, segundo o artigo 20.º do Aviso n.º 5/2008, “responsável por assegurar a implementação e manutenção de processos de informação e de comunicação adequados à atividade e aos riscos da instituição”.
Dos termos do n.º 2 do artigo 19.º do Aviso n.º 5/2008 decorre que “[a] instituiçãodeve desenvolver, implementar e manter processosformais de captação e tratamento de informação referida no número anterior, apropriados à dimensão, natureza e complexidade da atividade desenvolvida que suportem a tomada de decisões pelos órgãos de administração e de gestão e permitam o cumprimento das obrigações perante terceiros, nomeadamente, as de reporte às autoridades de supervisão”.
Assim, do cotejo do elemento gramatical destes preceitos, resulta que o Aviso n.º 5/2008 impõe a todos os titulares do órgão de administração das instituições de crédito a garantia efetiva do cumprimento daquele normativos. Na verdade, o Aviso, expressou-se de modo linguisticamente impressivo, exigindo os Recorrentes “assegurar”, “garantir”,“desenvolver”,“implementar”e“manter”,determinados procedimentos, o que não sucedeu. Está, ali, portanto, em causa, uma obrigação de resultado concreto: a existência efetiva de mecanismos de controlo interno adequados e eficazes, incluindo procedimentos administrativos e contabilísticos sólidos (tal como preconizado na alínea h) do artigo 14.º do RGICSF), o que deveria ser executado em conformidade com os requisitos mínimos previstos no Aviso n.º 5/2008.
Neste iter, o Aviso dedicou-se a detalhar e densificar a forma como esse resultado deve ser alcançado, indicando as características que o sistema de controlo interno deve reunir, para que possa ser reputado como adequado e eficaz e para que as instituições de crédito possam cumprir as referidas obrigações.
Por isso, como já antes se afirmara a propósito da fundamentação da matéria de facto, é normativamente irrelevante que os Recorrentes não concentrem em si os pelouros da área de controlo de risco, dado que aquela obrigação decorre da posição de Administrador e é transversal a todos os pelouros, ademais porque intervieram na cadeia de decisão de créditos, aprovando-os em sede de Conselho de Crédito, tendo conhecimento, por essa via, das insuficiências amplamente aqui explanadas. (…)”
E mais à frente:
“(…)Relativamente ao arguido JBL apurou-se que, por força do seu pelouro (ligado à área do risco) tinha conhecimento do limite previsto no n.º 1 do artigo 109.º do RGICSF e dos deveres que este artigo lhes impunha, na qualidade de administrador e decisor de crédito, permitindo, no entanto, que esse limite continuasse a ser ultrapassado, não obstante impender sobre o mesmo um dever de cuidado e diligência a que estava obrigado e de que era capaz e, que, no caso, não cumpriu.
Mais concretamente, competia-lhe diligenciar no sentido de corrigir prontamente a situação verificada, entre, pelo menos 16 de abril de 2013 (data em que os arguidos participaram na aprovação de créditos à Lusitânia e em que lhes era exigível o controlo do cumprimento do limite previsto no n.º 1 do artigo 109.º do RGICSF) e 6 de novembro de 2013 (data da reunião do Conselho de Administração que supriu o excesso verificado), evitando, no período que mediou aquelas duas reuniões, que o montante global de créditos concedidos pela CEMG ao MGAM, bem como às sociedades que com ela estavam numa relação de grupo, não excedesse 10% dos fundos próprios da CEMG em base individual. Afigura-se que o Recorrente não autuou deliberadamente (com representação e vontade), mas com inobservância dos deveres de cuidado e diligência a que estava obrigado e de que era capaz.(…)”.
E ainda:
“(…)(viii) A proposta de alteração das condições contratuais da operação de crédito n.º 171 21.100226-5 (FT), foi aprovada em 11 de setembro de 2012, pelo 3.º escalão de decisão da CEMG, não obstante ter existido, em 7 de setembro de 2012, uma análise de scoring com o resultado “rejeitado”, não tendo sido justificada pelo decisor a aprovação em sentido contrário ao recomendado(…)
Apesar de a operação de crédito n.º 171-21.100226-5 (FT) ter sido objeto de várias alterações (em 2 de dezembro de 2009 e 13 de setembro de 2012), este crédito não foi devidamente registado pela CEMG como “Reestruturado” no período compreendido entre 2 de dezembro de 2009 e 31 de dezembro de 2012 (…)
A inexistência de qualquer análise de scoring de acordo com as exigências previstas no Aviso n.º 5/2008, por parte da CEMG, prévia à aprovação, em 20 de novembro de 2009, da proposta de alteração das condições contratuais do contrato de mútuo com hipoteca celebrado com FT resulta da análise de toda a documentação recolhida pela Deloitte Consultores, S.A., aquando da realização da auditoria especial, de âmbito forense, promovida pelo Banco de Portugal, relativa ao processo de crédito daquela cliente, a qual consta de fls. 3 a 121 do Anexo 1 (e que apurou não existir qualquer análise prévia do risco de crédito de acordo com as exigências previstas no Aviso n.º 5/2008).
Isto veio a ser corroborado, ulteriormente, pela documentação junta pela própria CEMG, pois que, na fase administrativa e devidamente notificada pelo Banco de Portugal para juntar os processos completos de concessão de crédito aos clientes aqui em causa, bem como de eventuais renegociações e/ou reestruturações desses processos, incluindo quaisquer propostas, pareceres, despachos, análises e ratificações, bem como a correspondência trocada com os clientes – processo que, relativamente a FT, consta de fls. 2 a 103 do Anexo 218 – verificou-se a inexistência de qualquer análise de scoring prévia à aprovação da proposta de alteração das condições contratuais supra referidas.
Este aspeto é, ainda, relevante, na medida em que coloca em crise e arreda, em definitivo, a alegada necessidade de, para concluir como se concluiu, ter que se proceder ao cotejo dos extratos bancários, o que não tendo sido feito não permitiria as conclusões acolhidas na decisão recorrida.
Ora, salvo melhor opinião, esta argumentação é incompreensível e constitui um verdadeiro venire contra factum proprium, pois que, como supra se referiu, se a CEMG tinha, na sua posse, outros elementos documentais que punham em crise o que lhe estava a ser imputado – ainda para mais, pretensamente, de natureza favorável – não os tendo junto, quando deviamente notificada para o efeito, não pode, agora, invocar, sem demonstrar, a existência de documentos idóneos a suportar as suas alegações.
Nunca tais documentos foram juntos aos autos. Os factos demonstrados resultam da valoração crítica de documentos aptos e idóneos para esse efeito.(…)”
Dos excertos da sentença que acaba de citar-se decorre claramente que os pontos que os ora Recorrentes referem foram alegados como argumentos para a apreciação da questão a decidir e que consistia em apurar se as infracções imputadas foram ou não cometidas pelos ora Recorrentes. Claramente foi positiva a resposta do Tribunal recorrido à questão, afastando a relevância dos referidos argumentos para afastar a verificação dos pressupostos dos ilícitos. E este Tribunal da Relação, ao qual competia apreciar nesta sede, não directamente o objecto do processo, mas a decisão recorrida à luz das alegações de recurso e dos vícios que ali lhe vinham imputados, conheceu da questão ao concluir que nenhuma das omissões de pronúncia se verificava, posto que a decisão recorrida, que, como ali se explicou, no que se refere aos factos e argumentos “se explica a si própria” de forma exaustiva, considerou provados os factos relevantes e apreciou os argumentos invocados, concluindo pela respetiva improcedência e consequentemente pelo preenchimento dos elementos dos tipos de ilícito imputados, juízo que este Tribunal corroborou, quer no momento da análise dos vícios imputados à sentença, quer no da verificação dos elementos dos ilícitos em causa, que era verdadeiramente a questão a decidir. Não se verifica pois, qualquer das imputadas omissões de pronúncia. Os Recorrentes EF e JBL invocam depois erros notórios e contradições entre os factos na sentença quanto a hipotecas, alegando que existe erro na apreciação dos factos relativos à constituição de tais garantias que se encontram provados por documento, e quanto ao elemento subjectivo da infracção ao artigo 109º do RGICSF por parte do arguido JBL. Assim não é, porém, como já se expôs na decisão reclamada. Na verdade, pese embora os factos espelhem o reforço das garantias, como bem se esclarece na decisão recorrida, as situações em causa respeitam a casos em que não foram registados atempadamente descobertos. Assim, e designadamente, encontra-se demonstrado quanto à sociedadeC... & C... que “a descoberto, foram debitados os montantes de € 490,00, na data de 10 de setembro de 2012, de € 9,99, na data de 14 de setembro de 2012, de € 8.704,22, na data de 16 de setembro de 2012, € 1.230,50, € 400,99 e € 8.609,61, todos na data de 14 de dezembro de 2012, € 499,99, na data de 10 de janeiro de 2013 e € 500,00, na data de 11 de fevereiro de 2013” e que “todos os descobertos acima referidos permaneceram registados, a negativo, por mais de trinta dias” e que “não obstante a existência de crédito vencido, a CEMG não identificou na ficha individual de imparidade, reportada a dezembro de 2012, a existência de crédito vencido há mais de trinta dias, como indicador de imparidade.” Também no que concerne ao Hotel RAM, se demonstrou que “com recurso a descoberto, foram debitados os montantes de € 490,00, na data de 10 de setembro de 2012, de € 9,99, na data de 14 de setembro de 2012, de € 8.704,22, na data de 16 de setembro de 2012, € 1.230,50, € 400,99 e € 8.609,61, todos na data de 14 de dezembro de 2012, € 499,99, na data de 10 de janeiro de 2013 e € 500,00, na data de 11 de fevereiro de 2013”, que todos os descobertos acima referidos permaneceram registados, a negativo, por mais de trinta dias e que não obstante a existência de crédito vencido, a CEMG não identificou na ficha individual de imparidade, reportada a dezembro de 2012, a existência de crédito vencido há mais de trinta dias, como indicador de imparidade. Também nenhuma contradição se deteta na conclusão de que relativamente a uns arguidos a dúvida levou ao afastamento da consciência da ilicitude e da ausência de censurabilidade do erro, e relativamente ao Recorrente JBL. tal dúvida foi afastada, o que se justifica com o diferente percurso deste Recorrente na Instituição, como se deixou claro no Acórdão, o que levou a que se considerasse provado, não obstante os reportes prudenciais e as contas certificadas a que faz referência, da infracção relacionada com a ultrapassagem do limiar previsto no já mencionado artigo 109º, para se concluir que “JBL participou, em conjunto com os demais administradores da CEMG, na manutenção de uma exposição creditícia da CEMG às entidades com quem esta estava em relação de grupo, em violação do limite estabelecido pelo n.º 1 do artigo 109.º do RGICSF, até 6 de novembro de 2013 (em concreto, entre março de 2013 e setembro de 2013, o valor total de exposição a entidades que integravam o grupo passou de € 209.097.000,00 para € 209.507.000,00, enquanto que o valor de fundos próprios passou de € 1.527.238.000,00 para € 1.360.552.379,88). Mais uma vez os argumentos apresentados pelos ora Recorrentes não colheram no sentido de afastar a conclusão do cometimento da infracção, essa a verdadeira questão a decidir, não se surpreendendo qualquer das apontadas contradições (nem outras), mas antes uma coerência entre a ponderação dos argumentos esgrimidos e a decisão das questões que importava decidir. Conclui-se, desta forma, sem necessidade de maiores considerações, pela manifesta improcedência da arguição de nulidades do Acórdão proferido nos autos.
***
III.–DECISÃO:
Em face do exposto, acordam na Secção da Propriedade Intelectual e da Concorrência, Regulação e Supervisão do Tribunal da Relação de Lisboa em julgar totalmente improcedentes os requerimentos de arguição de nulidades do Acórdão proferido em 02.12.2021 Custas do incidente pelos Reclamantes, fixando-se a taxa de justiça em 3 UCs. Notifique. ***
Lisboa, 27.01.2022
Ana Isabel Mascarenhas Pessoa -(Relatora) Ana Mónica Pavão -(1ª Adjunta) Eurico José Marques dos Reis -(Presidente), com a seguinte declaração:
DECLARAÇÃO DE VOTO PROC. Nº 127/19.5YUSTR.L1 VISTO N.º 06/2022 (P)
*
1. Estando em causa apenas o escrutínio dos invocados vícios de que, para os reclamantes, padece o acórdão proferido nestes autos em 02/12/2021 e não o conhecimento das várias questões jurídicas, em si, relativamente às quais esses litigantes alegam existir ou omissão ou excesso de pronúncia, subscrevo a posição assumida no acórdão de que esta declaração de voto é parte integrante, mas apenas por força do estatuído nos nºs 2 e 3 do art.º 8º do Código Civil, o que faço pelas razões a seguir indicadas.
2. Efectivamente, a fundamentação do decreto judicial que culmina o acórdão de que esta declaração de voto é parte integrante assenta em Jurisprudência sucessivamente reafirmada, de forma constante e uniforme, pelo Supremo Tribunal de Justiça e até pelo Tribunal Constitucional (e recorda-se que, em conformidade com o estabelecido no Ordenamento Jurídico nacional português, só é inconstitucional aquilo que o Tribunal Constitucional, em última instância, declara que é inconstitucional), Jurisprudência essa que, aliás, é sustentada por Doutrina também ela, no mínimo, esmagadoramente maioritária.
3. De facto, não me custando admitir a grande finitude da minha capacidade de conhecer, não conheço na Academia vozes dissonantes a propósito destas matérias, e mesmo fora dela os críticos não são muitos, sendo certo que desconheço a existência de uma crítica frontal, pública e sistemática às bases ideológicas do actual Código de Processo Penal aprovado pelo DL n.º 78/87, de 17 de fevereiro - que revogou o Código de Processo Penal aprovado pelo Decreto-Lei n.º 16489, de 15 de Fevereiro de 1929, com a redacção então em vigor - (e até às do RGCO), que, em última análise, constituem o esteio fundamental dessa posição jurídica assumida neste acórdão.
4. Ora, não concordando eu com essa Jurisprudência e essa Doutrina - e, sobremaneira, o mesmo acontecendo com os fundamentos ideológicos do CPP de 1987 (e, por tabela, com os do RGCO - ambos assaz adversos àqueles que estavam subjacentes e estruturavam o CPP de 1929, que, apesar de aprovado na pendência da Ditadura que antecedeu o início, com a aprovação da Constituição de 1933, do chamado “Estado Novo”, foi materialmente concebido, pois não se criam Códigos desta magnitude e relevância de um dia para o outro, durante a 1ª República, logo, tendo na sua génese princípios de natureza liberal e democrática) -, resta saber qual a actuação que, no âmbito do exercício da minha função institucional de Juiz, me é permitida por Lei.
5. E, à luz do estatuído nos nºs 2 e 3 do art.º 8º do Código Civil, apenas proferir esta declaração me é legalmente autorizado, sendo certo que, não tendo os Acórdãos para Uniformização a natureza jurídica e o valor e carácter vinculativo dos Assentos (instituto legal que foi feito desaparecer do Ordenamento Jurídico pelo DL n.º 329-A/95, de 12 de dezembro), sou livre para afirmar que o previsto no art.º 4º do CPP de 1987 não impede a aplicação aos processos penais e contraordenacionais das disposições insertas no Código Civil, especialmente aquelas que têm natureza para-constitucional como são as consubstanciadas nos artºs 1º a 9º e 334º a 340º deste último Código.
6. Todavia, exactamente por isso, impõe-me o estatuído nesses nºs 2 e 3 do art.º 8º do Código Civil que, para salvaguardar a certeza e a segurança jurídicas, tenha em consideração todos os casos que mereçam tratamento análogo, a fim de obter uma interpretação e aplicação uniformes do direito.
7. Curiosamente, na língua inglesa, a expressão usada é apenas legal certainty, e, em boa verdade, certeza jurídica e a segurança jurídica não são, em termos lógicos e ontológicos (isto, conceptualmente), a mesma coisa, já que pode existir certeza e uniformidade na interpretação e aplicação do direito sem que os destinatários dessa interpretação e aplicação se sintam com ela seguros, tranquilos e em paz (ou que exista tranquilidade e paz social - conceitos que, de igual modo, são bem distintos daqueles outros).
8. Mas, à luz dos princípios interpretativos definidos pelo Legislador nos três números do art.º 9º do Código Civil, se o previsto no art.º 4º do CPP de 1987 me permite esta latitude de actuação, por coerência, tenho de admitir a minha vinculação ao estatuído nesses nºs 2 e 3 do art.º 8º do Código Civil.
9. E daí que tenha de me limitar à apresentação desta declaração de voto - tendo o combate intelectual por um novo e muito distinto CPP e também por um outro (ou outros) novo(s) RGCO(s), que ser travado em outros terreiros que não este.
10. E, expostas, naturalmente, em termos muito sumários e de forma muito resumida, estas são as razões da apresentação desta minha declaração de voto.
Lisboa, 27/01/2022 (Eurico José Marques dos Reis)
[1]Acórdão de 05.08.2019, proferido no Processo n.º 1211/09.9GACSC-A.L2-3. [2]Acórdão de 05.08.2019, proferido no Processo n.º 1211/09.9GACSC-A.L2-3. [3]Que fixou jurisprudência no sentido de que “Em processo contraordenacional, no recurso da decisão proferida em 1ª instância o recorrente pode suscitar questões que não tenha alegado na impugnação judicial da decisão da autoridade administrativa”, proferido no processo n.º 13/17.3T8PTB.G1-A.S1, acessível em www.dgsi.pt. [4]Cf. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 04.01.2017, proferido no âmbito do processo n.º 149/05.3PULSB.L1-B.S1, acessível em www.dgsi.pt [5]Cf. Código de Processo Civil Anotado, Volume V, Coimbra Editora, 1981 (reimpressão), pag. 143. [6]Cf. Acórdão do STJ de 07.01.2016, proferido no âmbito do processo n.º 204/13.6YUSTR.L1-A.S1, acessível emwww.dgsi.pt [7]Publicado no Diário da República, I-A Série, de 06/12/2005. [8]Cf. Cunha Rodrigues, Recursos, Jornadas de Direito Processual Penal, pág. 384. [9]Cf. As recentíssimas decisões do Tribunal Constitucional, proferidas no âmbito dos processos 367/2021 (Acórdão n.º 660/2021, de 29 de julho de 2021), 353/2021 (Acórdão n.º 500/2021 de 09.07.2021) e 164/2021 (Acórdão nº 798/2021) e a decisão proferida no âmbito do processo desta Secção com o n.º 249/17.7YUSTR.L3