CONTRATO DE AGÊNCIA
OBRIGAÇÃO DE NÃO CONCORRÊNCIA
CLÁUSULA PENAL
Sumário

I) No âmbito do contrato de agência, as partes podem estabelecer uma obrigação de não concorrência, para vigorar após a cessação do contrato, de harmonia com o previsto no artigo 9.º do D.L. n.º 178/86, de 3 de julho (que aprovou o regime jurídico do contrato de agência), podendo, quanto a tal obrigação, estipular o montante da indemnização exigível (cláusula penal – art. 810.º, n.º 1, do Código Civil).
II) A possibilidade de redução equitativa da cláusula penal, conferida pelo n.º 1 do artigo 812.º do Civil, depende de pedido do devedor da indemnização, muito embora este possa deduzir-se implicitamente da respetiva alegação e exige que seja demonstrado que a cláusula penal fixada é “manifestamente excessiva”.
III) Sendo inequívoca a vontade do réu de colocar em crise a cláusula penal, por via da nulidade que expressamente arguiu e, implicitamente, pela invocação de ilegalidade, desproporcionalidade e carácter abusivo da mesma é possível ao Tribunal conhecer da questão de saber se a mesma deve ser reduzida.
IV) Para se reputar como “manifestamente excessiva” a cláusula penal, não basta a existência que se revele um excesso, mas é necessário que seja patente, significativa ou notória a sua desproporção face às finalidades que presidiram à sua estipulação e ao direito que visa acautelar.
V) Entre os indícios que devem ser ponderados pelo julgador, na tarefa de redução equitativa da cláusula penal, contam-se, designadamente: a gravidade do incumprimento, em termos de ilicitude e culpa do agente; o interesse das partes; as vantagens que, para o devedor, resultam do incumprimento; o interesse do credor na prestação; o prejuízo efetivo do credor ou a extensão dos danos causados pelo não cumprimento; a situação económica de ambas as partes; a boa/má-fé das partes; a natureza e a finalidade do contrato; as circunstâncias em que foi negociado; a finalidade prosseguida com a estipulação da cláusula penal.
VI) O valor da cláusula penal fixado no contrato - € 50.000,00 – atendendo ao tipo, conteúdo e fins dos contratos celebrados – prestação de serviços de angariação e mediação imobiliária, mediação de obras e construção de imóveis - , à formação prestada e às condicionantes que modelam o exercício da atividade em questão, num mercado altamente concorrencial (a que não é alheia a usual fixação de cláusulas de exclusividade entre as mediadoras imobiliárias e os respetivos clientes, visando proteger a atividade e a remuneração daquelas, ou a partilha de comissões entre os próprios mediadores), não se mostra desadequado ou desproporcionado à finalidade a que a mesma se destinava (vedar o exercício de atividade concorrencial à da autora, por determinado período de tempo, atendendo ao investimento e tempo da relação com o réu e à inerente partilha de informações e de “segredo” da atividade da autora para com aquele, sem prejuízo de tal exercício ser viável, mediante o pagamento da inerente contrapartida pecuniária antecipadamente fixada).
VII) Se for estipulada obrigação de não concorrência, que o agente não observe, deve ser atendido o valor da compensação a que este tem direito, de harmonia com o previsto no artigo 13.º, al. g) do regime jurídico do contrato de agência.

Texto Integral

Acordam na 2.ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa:

1. Relatório:
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1. DECISÕES E SOLUÇÕES – MEDIAÇÃO IMOBILIÁRIA, LDA., identificada nos autos, instaurou a presente ação declarativa contra JO, também identificado nos autos, peticionando a condenação deste no pagamento de uma indemnização de 50.000,00€ pela violação da obrigação de não concorrência, acrescida de juros de mora desde a sua citação.
Para tal alegou ter celebrado com o Réu, a 17-08-2017 e a 07-10-2017, dois contratos de subagência, com pacto de exclusividade e não concorrência, no qual acordaram na fixação de uma cláusula penal de 50.000,00€. A 18-03-2019, o Réu cessou, unilateralmente, o contrato de agência e passou a prestar os mesmos serviços para outra rede imobiliária, violando o dever de exclusividade e a obrigação de não concorrência expressamente acordados, pelo que deve ser acionada a cláusula penal.
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2. O Réu contestou, alegando que o contrato celebrado com a Autora foi uma verdadeira relação jurídico-laboral e que não foi informado, antes da respetiva celebração, do teor dos contratos. Mais confessou que tomou a iniciativa de cessar, unilateralmente, tal contrato, e que começou, de seguida, a trabalhar para outra agência, mas nunca tirou partido de qualquer know-how adquirido na Autora, pois, apesar de ter tido formação inicial, foi essencialmente um autodidata. Por fim, alega que a cláusula de exclusividade e não concorrência é nula, pelo que a presente ação deve ser julgada improcedente.
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3. Foi dispensada a realização de audiência prévia e, entendendo o Tribunal ser possível conhecer imediatamente do mérito da causa, foram as partes notificadas para alegar, o que fizeram.
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4. Após, foi proferido despacho saneador-sentença, em 03-06-2020, considerando nula a cláusula de não concorrência e julgando a acção totalmente improcedente, absolveu o réu do pedido.
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5. Interposto recurso de apelação pela autora, por acórdão de 05-11-2020 do Tribunal da Relação de Lisboa foi decidido “(…) revogar a decisão de 03-06-2020 do Tribunal recorrido que julgou improcedente a ação, que deverá ser substituída por outra que, considerando a validade das cláusulas de não concorrência constantes dos contratos celebrados entre as partes, aprecie a pretensão deduzida pela autora e se pronuncie sobre a adequação do quantum fixado para a obrigação de não concorrência e, designadamente, se a mesma não se mostra manifestamente excessiva para, se necessário for, em conformidade com o disposto no n.º 1 do artigo 812.º do CC, compatibilizá-la com o prescrito na al. g) do art. 13.º do D.L. n.º 178/86, de 3 de julho, pelo montante que a autora teria de despender para compensar o réu pelo período de não concorrência”.
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6. Admitido recurso de revista interposto pelo réu, por acórdão de 18-03-2021, do Supremo Tribunal de Justiça, foi decidido negar a revista e confirmar o acórdão recorrido.
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7. Baixando os autos à 1.ª instância, foram as partes notificadas para alegar/requerer o que tivessem por conveniente, tendo o réu alegado e a autora requerido a ampliação da decisão de facto, por entender que os factos vertidos nos artigos 30.º, 33.º e 34.º da p.i. são necessários para se aferir da justeza do valor inserto na cláusula penal em causa.
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8. Notificadas as partes para apresentarem os seus requerimentos de prova quanto a tais factos, ambas as partes apresentaram requerimentos de prova.
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9. Após realização da audiência de julgamento em 12-07-2021, em 15-07-2021 foi proferida sentença que, julgando a ação parcialmente procedente, condenou o réu a pagar à autora “a quantia de 1 850,00€, montante acrescido dos respetivos juros de mora, à taxa de 4%, desde a citação até integral pagamento, absolvendo-o do demais peticionado”.
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10. Não se conformando com a referida decisão, dela apela o réu, pugnando pela sua revogação, formulando as seguintes conclusões:
“A) douta sentença que julgou a presente acção (com valor de 50.000,00€) parcialmente procedente e, consequentemente, condenou o R., ora recorrente, a pagar à A. a quantia de 1.850,00€, montante acrescido dos respectivos juros de mora, à taxa de 4%, desde a citação até integral pagamento, absolvendo-o do demais peticionado.
B) o douto aresto que ora se recorre encontra-se em total oposição como o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, datado de 05/05/2020, proferido no âmbito do processo 13603/16.2T8SNT.L1.S2, no qual foi relator o Juiz Conselheiro Dr. Paulo Ferreira da Cunha, e onde se sumariou o seguinte: “Não tendo sido estipulado no contrato de agência, celebrado entre as autoras e a ré, qualquer contrapartida pecuniária pela obrigação de não concorrência, não assiste ao principal o direito, em caso de violação do pacto de não concorrência, de exigir do agente indemnização previamente fixada no contrato, para hipótese de incumprimento dessa cláusula”.
C) Sempre com o devido respeito por diverso entendimento, não pode o aqui recorrente conformar-se com o entendimento vertido na douta sentença proferida, seja no que diz respeito à matéria de fato assente, nomeadamente na parte em que deu por provada a ministração de acões do formação e transmissão de “Know How” ao ora recorrente; seja na parte em que, com recurso a juízo de equidade, determinou-se um custo nesta matéria a cargo do principal de 5.000,00€, reduzindo o valor da cláusula penal para 1/10 do seu valor, seja ainda pela compensação global determinada a favor do ora recorrente, no montante de 3.150,00€, com base num cálculo de valor mensal de 150,00€ multiplicado por 21 meses, tempo este que o ora recorrente colaborou com a recorrida.
D) sempre com o merecido respeito por entendimento divergente, entende o apelante que a doutra sentença incorreu na violação do disposto nos artigos 9º, 13º e 15º do Decreto Lei nº 178/86, de 3 de Julho, bem como ainda o Decreto-Lei nº 109-A/2020 e o Decreto Legislativo Regional nº 8/2002/A, de 10 de Abril.
E) Atendendo factualidade que efectivamente resultou provada, mostra-se de todo insuficiente o valor da compensação mensal que o ora recorrido teria direito pela convenção de não concorrência depois da cessação do contato e que foi fixada no valor de 150,00€ mensais (150,00€ x21 meses).
F) Na sequência da presente apelação, deverá a decisão proferida ser revogada, e substituída por outra que absolva na sua totalidade o R. do pagamento de qualquer indemnização pela violação do pacto de não concorrência à A., ora recorrida.
G) Na matéria de facto dada por provada, consta do ponto 30 “ Foi proporcionada pela Autora ao Réu a formação contínua e o acesso ao know-how necessários ao exercício da atividade agenciada”.
H) Salvo o devido respeito e melhor opinião, entende o apelante que Mmo Tribunal a quo terá efectuado uma incorrecta apreciação e valoração da prova, concretamente na instrução da matéria factual plasmada no ponto 30 dos factos dados como provados.
I) Com efeito, salvo melhor opinião, entende o apelante que dos elementos de prova carreados aos presentes autos e, em especial, dos depoimentos prestados pelas testemunhas em sede de audiência de discussão e julgamento, impunha-se que tal facto fosse objecto de diversa decisão.
J) na apreciação factual constante do ponto 30º da matéria de facto dada como provada, entende-se que a mesma deveria ter sido julgada não provada, nos seguintes termos: “30 – Não foi ministrada pela Autora ao Réu a formação contínua e o know –how necessários ao exercício da actividade agenciada”.
K) Acresce que para além de não ter atendido nessa matéria ao depoimento das testemunhas, todos eles colaboradores e antigos colaboradores da A., que afirmaram que essas acções eram pagas / reembolsadas pelos próprios colaboradores, entendeu como relevante a inscrição na formação “intermediação de crédito” quando, efectivamente, o R. nunca chegou a trabalhar nessa aérea.
L) O facto de ter resultado provada a realização de reuniões semanais nas quais eram discutidos assuntos relevantes para a prossecução da atividade, não é sinónimo de formação profissional nem muito menos transmissão de knowhow necessários ao exercício da actividade agenciada, porquanto, tal como resulta dos depoimentos prestados, tais reuniões serviam apenas para fazer o ponto de situação relativamente aos negócios em curso agenciados pela Autora, mais concretamente no âmbito da angariação e promoção da venda de imóveis
M) Salvo o devido respeito por opinião contrária, tais reuniões são comuns a todas as empresas privadas, mormente naquelas que exercem actividade comercial, sendo que as mesmas são insuficientes para se julgar por preenchido o conceito de transmissão de “know-how”!
N) No que diz respeito à determinação da compensação devida ao R., ora recorrente, pela estipulação do pacto de não concorrência, entendeu o Tribunal a quo, com recurso a um juízo de equidade, que a mesma não seria inferior a 150,00€ mensais, o que multiplicado por 21 meses, duração total do contrato, fixar-se-ia tal compensação no montante de 3.150,00€.
O) Salvo o devido respeito por entendimento diverso, não pode o ora recorrente conformar-se com tal valor, por ser manifestamente insuficiente.
P) Por força do contrato celebrado, o R., ora recorrente, ficava impedido de exercer funções, em todo o território nacional, durante dois anos, e independentemente do vínculo (inclusive trabalhador por conta de outrem) nas seguintes áreas profissionais:
a) Instituições de crédito e consultadoria financeira;
b) Seguradoras e medição de seguros;
c) Mediação imobiliária;
d) Construção e mediação de obras;
e) Venda e mediação de veículos.
Q) Tal impedimento verificar-se-ia quer durante o período de vigência do contrato, quer durante os dois anos seguintes à sua cessação, e independentemente do motivo que a tenha operado, isto é, ainda que este motivo fosse o constante do ponto 9º da matéria de facto dada como provada.
R) Por força do contrato celebrado e não tendo o colaborador atingido o patamar mínimo de faturação exigida pelo o principal (15.000,00€), veria o seu contrato cessado e, consequentemente, qual “servo da gleba” se tratasse, ficaria impedido de trabalhar nos cinco setores de actividade económica acima identificados, em todo o território nacional (incluindo as Regiões Autónomas dos Açores e Madeira), pelo prazo de 2 anos a contar da data da cessação contratual!!!.
S) O valor da compensação devida pelo cumprimento do pacto de não concorrência, nunca deveria ser inferior ao valor mensal de 698,25€, correspondente ao salário mínimo regional.
T) Numa perspetiva constitucional, o salário mínimo representará aquele valor imprescindível a uma subsistência digna, sob pena de se violar o principio da dignidade humana.
U) Por outro lado, a natureza inviolável do salário mínimo nacional é reconhecida em diversas nomas jurídicas, salientando-se a qui, entre outras, o disposto no nº 5 do artigo 738º do C.P.C, sob a epígrafe de “bens parcialmente penhoráveis”.
V) para cumprimento do pacto de concorrência estipulado pela A. e pelo R., nos exatos termos contratados e com o excessivo alcance que o mesmo teve, o R., ora apelante, tinha o direito a uma compensação mensal, com efeitos POST CONTRACTUM FINITUM, de pelo menos no valor do salário mínimo nacional que, nos termos do disposto no Decreto-Lei nº 109-A/2020, de 31 de dezembro, é de 665,00€.
W) Uma vez que o R., ora apelante, reside permanentemente na Região Autónoma dos Açores, tal valor beneficiaria do “bónus” de 5% do acréscimo regional do salário mínimo, conforme previsto no artigo 3º do Decreto Legislativo Regional nº 8/2002/A, de 10 de abril, fixando-se o mesmo em 698,25€.
X) Partindo de tal valor, mínimo na ótica do recorrente, e multiplicando-o por 21 (vinte e um), correspondente aos 21 meses que durou a relação contratual ente A. e R., concluir-se-á que o valor global da compensação devida ao R. seria 14.663,25€ (catorze mil, seiscentos e sessenta e três euros e vinte e cinco cêntimos) e não de 3.150,00€, como determinou o douto Tribunal a quo.
Y) Tendo por base a redução do valor da cláusula penal por ser manifestamente excessiva, fixando-se a mesma em 5.000,00€, conclui-se que o R. seria credor da A. em 9.663,25€, quantia esta sujeita a COMPENSAÇÃO DE CRÉDITOS (art. 847º do Código Civil) e, consequentemente, absolvendo-se o R. do pagamento à A. de qualquer indemnização pela violação do pacto de não concorrência.
Z) Salvo o devido respeito por melhor opinião, deverá a douta sentença recorrida ser revogada, quer na parte que decidiu como provada a matéria de facto constante do ponto 30º; quer ainda na parte em que determinou, com base em juízo de equidade, o valor da compensação que seria devida ao R. por tal pacto, substituindo-se por outra que dê integral provimento ao presente recurso de apelação e, consequentemente, determine a compensação de créditos devida entre as partes (…)”.
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11. A autora contra-alegou, concluindo pela inadmissibilidade legal do recurso interposto pelo réu por falta de preenchimento dos requisitos previstos no artigo 629.º, n.º 1, do CPC e, sem prescindir, pugnou pela rejeição do recurso quanto à matéria de facto, por incumprimento do ónus vertido no artigo 640.º do CPC.
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12. Igualmente, não se conformando com a referida decisão, dela apela a autora, pugnando pela sua revogação, formulando as seguintes conclusões:
“(…) 1. Vem o presente recurso de apelação interposto da douta sentença que julgou a presente acção parcialmente procedente, e em consequência, condenou o R. a apagar à A. a quantia de Euro 1.850,00, acrescido dos respectivos juros de mora, à taxa de 4%, desde a citação até integral pagamento, absolvendo-o do demais peticionado.
2. Sempre com o máximo respeito por diverso entendimento, não pode a aqui recorrente conformar-se com o entendimento vertido na douta sentença proferida, no que tange à inerente decisão de direito, e especialmente no que incide sobre a redução da cláusula penal determinada pelo Mmo. Tribunal a quo.
3. É entendimento da recorrente que, atenta a factualidade que efectivamente resultou provada, demonstrou-se que o R., de forma inegável, violou a obrigação de não concorrência que sobre si impendia e que, por via disso, assiste à A. o direito à indemnização peticionada nos autos, e fundada na cláusula penal contratualmente fixada.
4. Nos termos que infra se exporá, deverá a decisão proferida ser revogada, e substituída por outra que condene o R. a indemnizar a A., aqui apelante, e ao abrigo do pacto de não concorrência plasmado na clausula 17ª do contrato de subagência, no valor de Euro 50.000,00.
5. Sempre com o máximo respeito por diverso entendimento, urge considerar que, diante dos factos julgados provados e sempre tendo em mente que, por força do acórdão proferido pelo STJ nos presentes autos, mostra-se definitivamente julgado que a cláusula que estipula para o R. recorrido uma obrigação de não concorrência, bem como a cláusula penal que lhe está associada, são válidas, apenas se discutindo, neste momento, a adequação do quantum desta última (que, recorde-se se fixou em Euro 50.000,00)
6. Com efeito, atenta a factualidade julgada provada, mostra-se inequívoco que o R. perpetrou ostensiva violação da obrigação de não concorrência que sobre o mesmo impendia (realidade esta que o mesmo, aliás, nunca negou e que se mostra vincada nos artigos 28º e 29º dos factos provados).
7. Ora, para efeitos de aferição do quantum da cláusula penal, e no modesto entendimento da A./recorrente reveste particular relevo, a factualidade julgada provada e vertida no ponto 19º, 22º e 30º dos factos provados, nos termos da qual:
i. “19. A Autora facultou ao Réu o acesso à sua base de dados informática, mediante criação de um login e uma password pessoais
ii. 22. A partir do momento em que o mesmo [ o R.] passou também a desempenhar funções de director comercial, o Réu passou a ter um conhecimento mais profundo do âmago do negócio da Autora, nomeadamente mediante acesso a informação mais detalhada sobre estratégia comercial e de recrutamento, negócios e carteiras de clientes, tendo inclusive acesso a todos os dados referentes aos clientes e negócios em curso levados a cabo pelos consultores que faziam parte da equipa por este gerida”
iii. 30. “ Foi proporcionada pela Autora ao Réu a formação contínua e o acesso ao know-how necessários ao exercício da actividade agenciada”
8. Ora convenção de não concorrência aqui em causa, que conduziu à fixação da cláusula penal para salvaguarda dos efeitos do seu incumprimento, destinou-se a evitar a subversão das regras de conduta ditadas pela boa fé e sã concorrência e, nomeadamente, a obstar a que o R. se apropriasse ou se servisse do know-how adquirido, modelo organizativo, contactos de parceiros, clientes, negócios e suas condições, em proveito próprio.
9. É consabido que na actividade de mediação imobiliária (aqui em apreço) as informações referentes a parceiros de negócios, contactos de clientes e de imóveis são a “alma do negócio”.
10. Sendo elementos absolutamente essenciais para o desempenho da actividade e que, comprovadamente, a A. forneceu ao R./recorrente.
11. Isto porque, tal como resultou provado, o R., enquanto director comercial, teve conhecimento privilegiado quanto às informações e segredo de negócio da A., tendo acesso diário, amplo e constante a todos os negócios (concluídos e pendentes) de todos os consultores imobiliários que compunham a equipa por si gerida. (Cfr. art. 22º dos factos provados)
12. Não pode ainda olvidar-se que o mercado da mediação imobiliária é um mercado altamente competitivo, o que se reforça quando, como é o caso, é exercido primacialmente numa localidade geográfica insular e relativamente pequena onde é muito mais notória a transição de um consultor imobiliário de uma marca/agência para outra.
13. Posto isto, e sempre com o máximo respeito por diverso entendimento, considerando a validade da convenção da obrigação de não concorrência, e tal como dimana já dos autos, sempre deveria o R. recorrido ser condenado a indemnizar a A./recorrente pela sua manifesta e ostensiva violação.
14. Atendendo a que o mesmo incumpriu a obrigação de não concorrência que sobre si impendia, considera a A./recorrente que o mesmo não tem qualquer direito à compensação prevista no art. 13º al g) do DL n.º 178/86, desde logo por não se acharem cumpridos os seus pressupostos.
15. Ou seja, a compensação prevista no art. 13º al g) do DL n.º 178/86 só seria devida e atendível, eventualmente para efeitos de redução da cláusula penal, se o R./recorrente tivesse cumprido a obrigação de não concorrência, o que, claramente, não sucedeu.
16. Na verdade, ao considerar-se a redução da cláusula penal por via de uma compensação a que o R. recorrido teria direito pela vinculação à obrigação de não concorrência, quando o R. a incumpriu, seria conceder-lhe “o melhor de dois mundos”: incumpre a obrigação assumida e simultaneamente beneficia da compensação e da retribuição auferida pelo exercício da actividade concorrente.
17. O que de forma alguma se pode aceitar.
18. A este respeito, veja-se o entendimento vertido no Douto Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, de 09/05/2011, proferido no âmbito do processo n.º 4186/07.5TVPRT.P2, que se corrobora.
19. Cumpre, de igual modo, salientar o entendimento consignado no Douto Acórdão do Tribunal da Relação do Porto proferido no âmbito do processo n.º 27467/15.0T8PRT.P1,, em situação semelhante à dos presentes autos, em que estava em causa idêntico contrato (sendo, porém, a situação menos gravosa pois a ali subagente não tinha funções de directora comercial como o ora recorrido) e que determinou que
(…) No que concerne à pretendida redução equitativa do montante indemnizatório ficado na cláusula décima sétima do contrato, nos termos do disposto no artigo 812º do Còdigo Civil, valem as mesmas considerações supra expendidas a propósito da cláusula penal constante do n.º 2 da cláusula 12º. Também aqui a recorrente se limitou, na contestação, a defender a nulidade da cláusula, sem alegar facto tendentes a obter a sua redução, que igualmente não pediu. Tão puco resulta da factualidade provada o valor do prejuízo efectivo sofrido pelas AA. em consequência da violação da obrigação de não concorrência, que permitisse concluir pela excessividade da cláusula penal, e cujo ónus da prova cabia à recorrente, nos termos do art. 342º n.º 2 do C. Civil. (…)
”O direito a estipular tais cláusulas é uma manifestação do princípio da autonomia privada e da liberdade contratual, consagrado no art. 405º do C. Civil. (…)
A cláusula aqui em apreciação é uma cláusula penal compensatória também com função compulsória, porquanto foi equacionada para o incumprimento e visou coagir a subagente ao cumprimento pontual das obrigações que assumiu, mediante a ameaça de uma sanção pecuniária dissuasora da ruptura contratual antecipada. Em face da natureza e da razão de ser da cláusula penal, tem-se entendido que o credor fica dispensado de demonstrar a efectiva verificação dos danos em consequência do incumprimento do contrato e respectivos montantes, já que a mencionada prefixação visa prescindir de averiguações sobre essa matéria. Por isso mesmo, também se vem entendendo e decidindo que o ónus de alegar e provar os factos que eventualmente integrem desproporcionalidade entre o valor da cláusula estabelecida e o valor dos danos a ressarcir ou um excesso da cláusula em relação aos danos efectivamente causados recai sobre o devedor. Do mesmo modo, a doutrina e a jurisprudência dominantes vê estendendo que o uso da faculdade de redução equitativa da cláusula penal, concedida pelo citado art. 812º não é oficioso, mas dependente de pedido do devedor da indemnização, conferindo aquele preceito ao juiz o poder de reduzir, mas não se invalidar ou suprimir a cláusula penal manifestamente excessiva, exigindo, para tanto, que haja uma desproporção substancial e manifesta, patente e evidente, entre o dano causado e a pena estipulada, devendo cingir-se o objectivo de tal intervenção à protecção do devedor contra efeitos exorbitantes e abusivos da cláusula, sem lesar o direito do credor, pelo que, em princípio, não deverá intervir perante uma cláusula penal simplesmente excessiva. (…)
20. No que diz concretamente respeito à aplicação integral da cláusula penal convencionada para o caso da violação pelo R./ recorrido da obrigação de não concorrência, e cujo quantum se fixou em Euro 50.000,00, cumpre referir que a cláusula penal em apreço foi estipulada enquanto meio de obviar à dificuldade de prova e quantificação dos danos sofridos pela A./apelante
21. Trata-se, pois, de uma fixação antecipada do dano, pese embora a mesma tenha também uma função predominantemente sancionatória.
22. Ainda a respeito da cláusula penal e do entendimento que deverá subjazer à sua aplicação, permitimo-nos citar o Douto Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, de 05/05/2016, proferido no processo n.º 315/04.0T8LOU-A.P1, disponível em www.dgsi.pt, e de onde se destaca o seguinte trecho:(…) “A propósito da redução da cláusula penal, ou melhor, do controlo judicial do montante dessa cláusula, não pode deixar de se anotar que essa intervenção deve ser sempre muito cautelosa, apenas se permitindo ao juiz que intervenha em situações excepcionais e de todo justificadas e fundamentadas. (…) No exercício do seu equitativo e excecional poder moderador, o juiz só goza da faculdade de reduzir a cláusula penal que se revele extraordinária ou, manifestamente, excessiva, tendo sempre presente o seu valor cominatório e dissuasor, e não uma cláusula penal, meramente, excessiva, cuja pena seja superior ao dano.».
23. Do citado aresto, bem como do entendimento generalizado da nossa douta Jurisprudência decorre ainda que é sobre o devedor – no caso o R./recorrido – que recai o ónus de alegação e prova dos factos que integrem a desproporcionalidade entre o valor da cláusula penal e o valor dos danos a ressarcir.
24. Ora, coligidos os presentes autos, mormente o elenco da factualidade alegada pelo R. recorrido e julgada provada, constata-se que inexistem quaisquer factos dos quais se possa retirar a demonstração dessa excessiva onerosidade do valor da cláusula penal.
25. Sobretudo se se atender à dupla finalidade da estipulação de tal cláusula: como fixação antecipada do dano e como sanção.
26. De salientar ainda, quanto à adequação do quantum da presente cláusula penal, o Douto Acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Lisboa, no âmbito do processo n.º 2014/19.8T8PDL.L1, de 20/05/2021, em que estava em causa uma cláusula penal em tudo idêntica à dos presentes autos, inserida em idêntico contrato, e referente a uma subagente/consultora que fazia parte da equipa de consultores supervisionada pelo ora R/recorrente.
EM SUMA
27. Face ao supra exposto, entende a recorrente que andou mal a douta sentença proferida ao reduzir o quantum da cláusula penal fixada no contrato celebrado entre as partes para 1/10 do valor convencionado entre as partes, com o que violou, entre o demais, o disposto nos arts. 406º. 812º, 342º todos do Cód. Civil.
28. Impõe-se, assim, a sua revogação e a prolação de decisão que mantenha o quantum da cláusula penal em Euro 50.000,00, ou seja, no valor que as partes convencionaram (…)”.
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13. O réu não apresentou contra-alegações ao recurso da contra-parte.
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14. Por despacho de 23-11-2021 foi decidido não admitir o recurso interposto pelo réu, despacho de que não foi apresentada reclamação.
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15. Igualmente, por despacho de 23-11-2021 foi decidido admitir o recurso interposto pela autora.
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16. Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
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2. Questões a decidir:
Não tendo sido apresentada reclamação do despacho que não admitiu o recurso de apelação interposto pelo réu, cumpre apreciar, tão só, o recurso interposto pela autora.
E sendo o objecto do recurso balizado pelas conclusões do apelante, nos termos preceituados pelos artigos 635º, nº 4, e 639º, nº 1, do CPC - sem prejuízo das questões de que o tribunal deva conhecer oficiosamente e apenas estando adstrito a conhecer das questões suscitadas que sejam relevantes para conhecimento do objeto do recurso - , a única questão a decidir, neste âmbito, é a de saber:
A) Se a decisão recorrida – ao reduzir o quantum da cláusula penal para 1/10 do valor convencionado entre as partes – violou o disposto nos arts. 406º. 812.º e 342.º do CC, devendo ser revogada e substituída por outra que condene o réu a indemnizar a autora, ao abrigo do pacto de não concorrência, no valor de € 50.000,00?
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3. Enquadramento de facto:
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A DECISÃO RECORRIDA CONSIDEROU COMO PROVADA A SEGUINTE FACTUALIDADE:
1. A Autora é uma sociedade comercial, constituída em 26/09/2011, e que se dedica à mediação imobiliária, à compra, transformação e venda de bens imóveis e à revenda dos adquiridos para esse fim, à gestão e administração de bens imóveis, à mediação de obras de construção, alteração, ampliação, demolição e reconstrução de imóveis, incluindo a sua decoração, à mediação de veículos, sejam eles automóveis, motociclos ou outros e à prestação de serviços de consultoria financeira.
2. Para tanto, a Autora é titular da respetiva licença AMI nº 9300, válida e em vigor desde 17/11/2011.
3. A Autora encontra-se presente no universo informático em www.decisoesesolucoes.com.
4. A Autora é uma empresa de dimensão nacional, que conta com várias agências distribuídas por todo o país, e que continua a promover a sua abertura, com o objetivo de estar representada em todas as capitais de distrito e nas principais cidades, assim como de aumentar o número de consultores imobiliários a nível nacional.
5. Desenvolve o seu negócio no ramo da mediação imobiliária inserida na rede “DECISÕES E SOLUÇÕES”, através de agentes e subagentes que, além do mais, exercem as suas atividades a partir de agências abertas ao público, ostentando a imagem e as marcas tituladas pela Autora.
6. Por escrito particular outorgado em 17/08/2017, a Autora, a sociedade do grupo da Autora, “DECISÕES E SOLUÇÕES – CONSULTORES FINANCEIROS, LDA” e a sociedade comercial por quotas sob a firma “PINK SLICE – MEDIAÇÃO IMOBILIÁRIA, UNIPESSOAL LDA”, celebraram com o Réu um contrato denominado de “Subagência – Consultor Imobiliário e Financeiro”, através do qual:
a) As primeiras nomearam e reconheceram o Réu como seu subagente, encarregando-a de promover, de modo autónomo e independente, a celebração de contratos no âmbito da atividade por si desenvolvida, e para o que aqui releva, a atividade de angariação e mediação imobiliária, mediação de obras e construção de imóveis, tudo nos termos das Cláusulas 5ª, 8ª e 9ª do contrato;
b) O Réu obrigou-se a exercer essa atividade exclusivamente ao serviço das primeiras.
7. Ali também se acordou que a Autora facultaria o acesso do Réu à sua base de dados informática, obrigando-se esta a guardar confidencialidade de toda a informação disponibilizada através da mesma (cláusula décima segunda)
8. Bem como que o Réu se obrigava a seguir e cumprir as normas, metodologias e orientações estratégicas da Autora, inerentes ao relacionamento com clientes e empresas protocoladas, modelo de funcionamento, a comparecer a todas as reuniões por ela marcadas e a frequentar as formações organizados pela Autora (cláusula décima).
9. O contrato foi celebrado pelo prazo inicial de 1 ano, com a possibilidade de renovação sucessiva por iguais períodos, desde que na vigência do período anterior o mesmo tenha garantido uma faturação mínima à primeira e segunda contraentes, aqui Autora, em conjunto, de pelo menos 15 000,00€, pois caso tal não se tenha verificado, aquelas poderiam denunciar o contrato para o fim do prazo em curso, bastando, para o efeito, uma comunicação, por carta registada, com a antecedência de 8 dias (cláusula décima sexta, parágrafo primeiro).
10. Foi ainda convencionado pelas partes que o Réu teria a faculdade de denunciar o contrato através de comunicação escrita à Autora, a efetuar com antecedência não inferior a 60 dias em relação à data de produção dos respetivos efeitos, e constituindo-se o mesmo na obrigação a indemnizar a Autora pelo valor correspondente a 2 500,00€ (cláusula décima sexta, parágrafos segundo e terceiro).
11. A título de cláusula penal, as outorgantes fixaram ainda, cumulativamente, a indemnização devida à Autora, no caso de inobservância do prazo de aviso prévio no montante de 2 500,00€ (cláusula décima sexta, parágrafo quarto).
12. A Autora e o Réu convencionaram expressamente uma obrigação de exclusividade e não concorrência a impender sobre este último, nos seguintes moldes:
a) Proibição de o Réu celebrar diretamente com clientes contratos para a prestação de serviços no âmbito da atividade de consultadoria financeira, contratos de mediação de seguros, mediação imobiliária, mediação de obras ou mediação de veículos, salvo autorização expressa dada por escrito pela Autora, durante o período de vigência do contrato, bem como nos 12 meses imediatamente seguintes à sua cessação (cláusula décima sétima, parágrafo segundo, alínea a) e parágrafo terceiro);
b) Proibição de o Réu assinar, em nome próprio ou em representação da Autora, qualquer contrato, acordo ou protocolo com Instituições de Crédito ou Financeiras, Empresas de Seguros ou de Mediação de Seguros e Empresas de Mediação Imobiliária para o exercício das atividades objeto daquele mesmo contrato, independentemente de aquelas terem, ou não, protocolos ou outros tipos de acordos celebrados com a Autora, não podendo a Réu negociar com elas qualquer tipo de contrato a celebrar pelos clientes, durante o período de vigência do contrato, bem como nos doze meses imediatamente seguintes à sua cessação [cláusula décima sétima, parágrafo dois, alínea b) e parágrafo terceiro];
c) Proibição do exercício, direta ou indiretamente, enquanto sócio, titular de participações sociais noutras sociedades, trabalhador, prestador de serviços, independentemente do regime laboral ou contratual, e por qualquer meio, atividade concorrente com a da Autora durante o período de vigência do contrato, bem como nos doze meses imediatamente seguintes à sua cessação [cláusula décima sétima, parágrafo segundo, alínea c) e parágrafo terceiro].
13. Consta ainda de tal contrato a fixação de uma cláusula penal para o caso de violação, pelo Réu, do pacto de exclusividade e/ou não concorrência, obrigando-se o Réu a pagar uma indemnização à Autora no montante de 50 000,00€, sem prejuízo do dano excedente que se viesse a provar.
14. Consta também de tal contrato a fixação de idêntica cláusula penal para os casos em que o Réu praticasse atos suscetíveis de constituir a Autora no direito de resolver o contrato de subagência celebrado com justa causa.
15. Em 07/10/2017, foi outorgado um outro contrato, intitulado “Contrato de Subagência – Diretor Comercial de Agência”, com a duração de 1 ano, renovando-se automaticamente por sucessivos e iguais períodos, igualmente entre a Autora, a “DECISÕES E SOLUÇÕES – INTERMEDIÁRIOS DE CRÉDITO, LDA.”, “PINK SLICE – MEDIAÇÃO IMOBILIÁRIA, UNIPESSOAL LDA”, JP e o Réu.
16. Mediante tal contrato, as primeiras nomearam e reconheceram o Réu como seu subagente, encarregando-o de promover, de modo autónomo e independente, a celebração de contratos no âmbito da atividade por si desenvolvida, e para o que aqui releva, a atividade de angariação e mediação imobiliária, mediação de obras e construção de imóveis e o Réu obrigou-se a exercer essa atividade exclusivamente ao serviço das primeiras, mantendo-se em vigor o demais constante do contrato de 17/08/2017, que se manteve em vigor.
17. Também mediante este contrato, se estabeleceu para o Réu a vinculação a uma obrigação de exclusividade e não concorrência, comprometendo-se aquele a não exercer, em todo o território nacional, direta ou indiretamente, enquanto sócio ou titular de participações sociais noutras sociedades, ou ainda enquanto trabalhador ou prestador de serviços, independentemente do regime laboral ou contratual, atividade concorrente com as da Primeira e Segunda e Terceira Contraentes, quer durante o período de vigência do presente contrato, quer durantes os dois anos seguintes à sua cessação, e independentemente do motivo que a tenha operado (Cláusula Décima, parágrafo 1º e 2º).
18. Posteriormente, por escritos datados de 01/03/2018, intitulados “Assunção posição contratual – Consultor imobiliário e financeiro” e “Assunção Posição Contratual – Diretor Comercial”, a sociedade comercial “RASCUNHOS DE VERÃO TURISMO UNIPESSOAL, LDA” substituiu a “PINK SLICE – MEDIAÇÃO IMOBILIÁ, UNIPESSOAL LDA” na posição contratual por esta ocupada nos sobreditos contratos de celebrados com o Réu, assumindo, mútua e reciprocamente, todos os direitos e obrigações que nos ditos contratos cabiam à identificada PINK SLICE - MEDIAÇÃO IMOBILIÁRIA E FINANCEIRA, LDA.
19. A Autora facultou ao Réu o acesso à sua base de dados informática, mediante criação de um login e uma password pessoais.
20. A Autora incluiu e disponibilizou a respetiva identificação e contactos no seu site www.decisoesesolucoes.com, permitindo que o Réu utilizasse igualmente em folhetos promocionais e merchandising publicitário a sua identificação, enquanto consultora e representante da marca e rede “DECISÕES E SOLUÇÕES”.
21. Ao longo do período compreendido entre o dia 17/08/2017 e o dia 18/05/2019, o Réu dedicou-se à atividade objeto dos contratos, enquanto consultor imobiliário e financeiro, mediante vínculo com a Autora e estando integrada na Agência da rede “DECISÕES E SOLUÇÕES” sita em Ponta Delgada, Avenida D. João III, n.º 1.
22. A partir do momento em que o mesmo passou também a desempenhar funções de diretor comercial, o Réu passou a ter um conhecimento mais profundo do âmago do negócio da Autora, nomeadamente mediante acesso a informação mais detalhada sobre estratégia comercial e de recrutamento, negócios e carteiras de clientes, tendo inclusive acesso a todos os dados referentes aos clientes e negócios em curso levados a cabo pelos consultores que faziam parte da equipa por este gerida.
23. Por carta datada de 18/03/2019, o Réu tomou a iniciativa de fazer cessar, unilateralmente, os contratos de subagência celebrados com a Autora.
24. Aí tendo solicitado a dispensa do período de 60 dias de aviso prévio convencionado contratualmente, referindo que teria interesse na sua desvinculação imediata.
25. Em resposta a tal manifestação de vontade, e por carta datada de 19/06/2019, a Autora considerou cessado o contrato em vigor, mas apenas a partir do dia 18/05/2019, de modo a considerar-se cumprido o período de 60 dias de aviso prévio.
26. Em tal comunicação, a Autora frisa que, não obstante tenha cessados os contratos, mantinha-se a obrigação de não concorrência que impende sobre o Réu, pelo período de 12 meses e 2 anos subsequentes à data dessa cessação.
27. Essas cartas foram, contudo, devolvidas ao remetente, não tendo o Réu rececionado as mesmas, e não obstante a morada para onde as mesmas foram endereçadas correspondesse àquela que constava dos contratos celebrados entre as partes, e que havia sido convencionada como adequada para todas as comunicações a realizar entre as partes (cláusula 22ª).
28. Pelo menos a partir de 19/05/2019, o Réu passou a desempenhar funções de consultor imobiliário, a título profissional e remunerado, integrado noutra rede imobiliária, “IAD PORTUGAL”, e na mesma área geográfica que o vinha fazendo enquanto vinculado à Autora (Ponta Delgada/Ilha de S. Miguel).
29. Na presente data, o Réu mantém-se a exercer diária e regularmente, a título profissional e na mesma área geográfica de atuação da agência da Autora em Ponta Delgada, a atividade de angariação e consultoria imobiliária, encontrando-se vinculado à “IAD PORTUGAL”, dedicando-se à prospeção e angariação de clientes com vista à celebração de contratos de mediação imobiliária, gestão da carteira de clientes e celebração de contratos de mediação imobiliária.
30. Foi proporcionada pela Autora ao Réu a formação contínua e o acesso ao know-how necessários ao exercício da atividade agenciada.
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A DECISÃO RECORRIDA CONSIDEROU COMO NÃO PROVADA A SEGUINTE FACTUALIDADE:
Não se provou que:
a) Na sequência dos contratos mencionados em 6) e 15), foi ministrada ao Réu uma ação de formação inicial intensiva e exaustiva sobre a metodologia, procedimentos e objetivos da atividade agenciada.
b) Foi partilhado com o Réu o conteúdo de todos os protocolos celebrados pela Autora com as instituições parceiras do Réu (instituições bancárias e parabancárias, construtores, seguradoras, etc.).
c) O Réu dispunha da disponibilização permanente da assistência do agente e de um coordenador de zona.
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4. Enquadramento jurídico:
De acordo com o disposto no artigo 637.º, n.º 2, do CPC, “versando o recurso sobre matéria de direito, as conclusões devem indicar: a) As normas jurídicas violadas; b) O sentido com que, no entender do recorrente, as normas que constituem fundamento jurídico da decisão deviam ter sido interpretadas e aplicadas; c) Invocando-se erro na determinação da norma aplicável, a norma jurídica que, no entendimento do recorrente, devia ter sido aplicada”.
Vejamos, pois, o recurso apresentado, apreciando a questão supra enunciada.
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A) Se a decisão recorrida – ao reduzir o quantum da cláusula penal para 1/10 do valor convencionado entre as partes – violou o disposto nos arts. 406º. 812.º e 342.º do CC, devendo ser revogada e substituída por outra que condene o réu a indemnizar a autora, ao abrigo do pacto de não concorrência, no valor de € 50.000,00?
Não concorda a recorrente com o montante ao qual foi reduzido pelo Tribunal recorrido o valor da cláusula penal, considerando que a redução da mesma “para 1/10 do valor contratualmente fixado (Euro 5.000,00), se mostra em franca violação do disposto nos arts. 406º. 812º, 342º todos do Cód. Civil, impondo-se a sua revogação”.
Vejamos:
Da fundamentação da decisão recorrida para tal decisão resultam, em suma, as seguintes considerações:
1.ª A celebração entre as partes de um contrato de agência, no âmbito do qual convencionaram expressamente uma obrigação de exclusividade e não concorrência, que se manteve num segundo contrato, mas por um período maior, a impender sobre este último, nos seguintes moldes:
a) Proibição de o Réu celebrar diretamente com clientes contratos para a prestação de serviços no âmbito da atividade de consultadoria financeira, contratos de mediação de seguros, mediação imobiliária, mediação de obras ou mediação de veículos, salvo autorização expressa dada por escrito pela Autora, durante o período de vigência do contrato, bem como nos 12 meses imediatamente seguintes à sua cessação (cláusula décima sétima, parágrafo segundo, alínea a) e parágrafo terceiro);
b) Proibição de o Réu assinar, em nome próprio ou em representação da Autora, qualquer contrato, acordo ou protocolo com Instituições de Crédito ou Financeiras, Empresas de Seguros ou de Mediação de Seguros e Empresas de Mediação Imobiliária para o exercício das atividades objeto daquele mesmo contrato, independentemente de aquelas terem, ou não, protocolos ou outros tipos de acordos celebrados com a Autora, não podendo a Réu negociar com elas qualquer tipo de contrato a celebrar pelos clientes, durante o período de vigência do contrato, bem como nos doze meses imediatamente seguintes à sua cessação [cláusula décima sétima, parágrafo dois, alínea b) e parágrafo terceiro];
c) Proibição do exercício, direta ou indiretamente, enquanto sócio, titular de participações sociais noutras sociedades, trabalhador, prestador de serviços, independentemente do regime laboral ou contratual, e por qualquer meio, atividade concorrente com a da Autora durante o período de vigência do contrato, bem como nos doze meses imediatamente seguintes à sua cessação [cláusula décima sétima, parágrafo segundo, alínea c) e parágrafo terceiro].
2.ª O juiz só poderá concluir pelo carácter manifestamente excessivo da cláusula penal (artigo 812.º, n.º 1, do CC) após ponderar uma série de outros fatores, à luz do caso concreto, que um julgamento por equidade requer: a gravidade da infração, o grau de culpa do devedor, as vantagens que para este resultem do incumprimento, o interesse do credor na prestação, a situação económica de ambas as partes, a sua boa fé, a índole do contrato, as condições em que foi negociado e, designadamente eventuais contrapartidas de que haja beneficiado o devedor pela inclusão da cláusula penal.
3.ª A de que a cláusula em questão – no valor de € 50.000,00 - é, ponderando as circunstâncias do caso concreto, em concreto, manifestamente excessiva e desproporcionada, em razão do seguinte:
- O Réu entrou ao serviço da autora em 17/08/2017;
-O contrato apenas seria renovado desde que o réu garantisse à autora uma faturação mínima de 15 000,00€, sendo que, caso tal não se verificasse, o contrato poderia ser denunciado com uma antecedência de oito dias;
- Caso o réu quisesse denunciar o contrato teria de o fazer com uma antecedência não inferior a 60 dias, constituindo-se ainda na obrigação de indemnizar a Autora pelo valor correspondente a 2 500,00€;
- O âmbito de tal cláusula abrangia todo o território nacional (apesar da Autora desenvolver nesta Ilha de São Miguel), em clara violação do disposto no artigo 9º, nº2 do Regime Jurídico do Contrato de Agência, o qual dispõe que a obrigação de não concorrência circunscreve-se à zona ou ao círculo de clientes confiado ao agente;
- As formações que foram ministradas ao réu, pese embora tal não tenha comportado grandes custos para a autora;
- O valor do contrato celebrado entre as partes;
- O desequilíbrio contratual, a favor da Autora;
- A circunstância de não ter sido fixada qualquer compensação pela obrigação de não concorrência- artigo 13.º, al. g), do regime jurídico do contrato de agência (sendo certo que, recebendo tal compensação, o Réu ainda hoje poderia estar ao serviço da Autora).
Concluiu o Tribunal recorrido em reduzir o valor da cláusula penal para € 5.000,00 e, após considerar que, nos termos do disposto no artigo 13º, alínea g) do Regime Jurídico do Contrato de Agência, o réu teria direito a uma compensação mensal que considerou não inferior a 150,00€ mensais (e tendo o contrato vigorado durante 21 meses), calculou a compensação que o réu teria a receber no valor global de € 3.150,00, valor que reduziu ao montante dos mencionados € 5.000,00.
A 1.ª consideração de fundamentação decisória não merece qualquer reparo, mostrando-se líquida face à análise já efetuada pelo Tribunal recorrido – sancionada, aliás, nesse particular, por este Tribunal e, bem assim, pelo Supremo Tribunal de Justiça nos acórdãos prolatados nos presentes autos – e ao enquadramento jurídico levado a efeito.
Igual adesão merece a 2.ª consideração acima mencionada.
A cláusula 17.ª do contrato de 17-08-2017 com a epígrafe “Exclusividade e Não Concorrência” traduz o vulgarmente denominado “pacto de não concorrência”, por via da qual um dos contratantes se compromete a não praticar ação que induza desvio de clientela da outra.
Estabelece o artigo 9.º do RJCA – com a epígrafe “Obrigação de não concorrência” – que: “1 - Deve constar de documento escrito o acordo pelo qual se estabelece a obrigação de o agente não exercer, após a cessação do contrato, actividades que estejam em concorrência com as da outra parte.
2 - A obrigação de não concorrência só pode ser convencionada por um período máximo de dois anos e circunscreve-se à zona ou ao círculo de clientes confiado ao agente”.
Como refere António Pinto Monteiro (Contrato de Agência, 5.ª ed., Almedina, 2004, p. 80) “a lei não obsta (…) a que as partes, por acordo, estipulem a obrigação de não concorrência. Mas estabelece algumas condições e limites: deve constar de documento escrito; não pode exceder dois anos; circunscreve-se à zona ou ao círculo de clientes confiados ao agente (…). Se o agente tiver assumido a obrigação de não concorrência, goza do direito a uma compensação, nos termos do artigo 13.º, al. g)”.
Assim, o estabelecimento de uma obrigação de não concorrência deve, sob pena de nulidade – cfr. artigo 220.º do CC – constar de documento escrito; deve ter o prazo máximo de 2 anos, contados a partir do momento da cessação do contrato de agência; e a eficácia da convenção fonte da obrigação de não concorrência é limitada à zona ou círculo de clientes que tenha sido confiado ao agente.
Conforme já se afirmou no acórdão deste Tribunal de 05-11-2020, proferido nestes autos, a cláusula em questão não padece de nulidade. Tal não sucede sequer, no que respeita ao âmbito geográfico da mesma, sendo certo que, conforme resulta da cláusula 5.ª do mesmo contrato, o “subagente” (réu) obrigou-se nele a promover a celebração dos contratos nele previstos, abrangendo tal atividade “todo o território nacional”.
E, por outro lado, como se referiu nesse aresto, não se divisa que a falta de estipulação da compensação devida ao agente, nos termos do artigo 13.º, al. g), do RCA, possa comportar a indeterminabilidade do objeto do negócio jurídico em questão.
De acordo com o que então se salientou:
“No caso dos autos, não obstante o pacto de não concorrência celebrado, não foi acordada compensação para o período definido de não concorrência do réu para com a autora, após a cessação do contrato.
Contudo, como se viu, tal circunstância não determina a invalidade do pacto celebrado, nem qualquer contrariedade ao texto constitucional, o que determina que, a decisão recorrida que considerou nula a cláusula contratual correspondente, não poderá subsistir, devendo ser revogada e substituída por outra que, considerando a validade da cláusula, aprecie a pretensão deduzida pela autora e se pronuncie sobre a adequação do quantum fixado para a obrigação de não concorrência e, designadamente, se a mesma não se mostra manifestamente excessiva para, se necessário for, em conformidade com o disposto no n.º 1 do artigo 812.º do CC, compatibilizá-la com o prescrito na al. g) do art. 13.º do D.L. n.º 178/86, pelo montante que a autora teria de despender para compensar o réu pelo período de não concorrência”.
Ou seja: Tal como se referiu, em sentido concordante ao exposto, no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 28-10-2021 (Pº 6287/18.5T8STB.E1.S1, rel. VIEIRA E CUNHA): “No âmbito da relação jurídica de agência, as partes podem estabelecer uma obrigação de não concorrência, para vigorar após a cessação do contrato, nos termos do artº 9º nºs 1 e 2 LCA, obrigação que confere ao agente, em contrapartida, “o direito a uma compensação, pela obrigação de não concorrência, após a cessação do contrato” (artº 13º al. g), compensação que tanto pode ser convencionada, e pré-determinada em valor certo, como ser posteriormente fixada maxime através de decisão judicial. A enumeração de direitos do agente (artº 13º LCA) constitui-se como meramente exemplificativa, pelo que nenhum dos referidos direitos pode dizer-se definidor do contrato, a ponto de determinar a respectiva contrariedade à lei rectius a respectiva nulidade, nos termos dos artºs 294º e 280º nº 1 do Código Civil, sem prejuízo de dever considerar-se nula a cláusula que excluísse o direito do agente à compensação. Desta forma, também nada impede que o sancionamento da violação da obrigação de não concorrência seja fixado à forfait, por via de cláusula penal, nos termos gerais dos artºs 810.º ss. do Código Civil”.
Ora, nos termos da 3.ª consideração acima mencionada, o Tribunal recorrido concluiu no sentido de ser manifestamente excessiva e desproporcionada a cláusula penal em questão, fixada entre as partes em € 50.000,00.
Vejamos se ocorre tal excesso e desproporção manifestos.
Decorre do n.º 1 do artigo 810.º do CC, que as partes podem fixar, por acordo, o montante da indemnização exigível. É o que se chama “cláusula penal”.
A previsão da contrapartida prevista na mencionada cláusula contratual do acordo dos autos, configura, sem dúvida, uma cláusula penal.
Estabelece o artigo 812.º do Código Civil – com a epígrafe “Redução equitativa da cláusula penal” – o seguinte:
“1. A cláusula penal pode ser reduzida pelo tribunal, de acordo com a equidade, quando for manifestamente excessiva, ainda que por causa superveniente; é nula qualquer estipulação em contrário.
2. É admitida a redução nas mesmas circunstâncias, se a obrigação tiver sido parcialmente cumprida.”.
Conforme decorre deste preceito, tem lugar um controlo judicial – “pelo tribunal” – do valor da cláusula penal, “ancorado na ideia de desequilíbrio grosseiro ou manifesto (na gíria internacional, releva a gross disparity), que evidencia uma assimetria relevante entre as prestações em referência, a saber, a prestação não realizada e a prestação objeto da cláusula penal” (assim, Ana Filipa Morais Antunes, em anotação ao artigo 812.º do CC, no Comentário ao Código Civil – Direito das Obrigações, Universidade Católica Editora; 2019, p. 1172, nota 5).
Como se afirmou no Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 13-02-2015 (Pº 288/12.4TTGRD-A.C1, rel. JORGE MANUEL LOUREIRO): “Tradicionalmente, a cláusula penal reveste duas modalidades: compensatória, quando ela é estipulada para o não cumprimento; moratória, se estipulada para o atraso no cumprimento. Em função da finalidade prosseguida pelos contraentes com a sua fixação, ela pode classificar-se em cláusula de fixação prévia do dano ou de fixação antecipada da indemnização e em cláusula penal puramente compulsória. Apesar do reconhecimento às partes de poderes autonómicos na fixação da cláusula penal (artºs 405º/1 e 810º/1 do C. Civil), o nosso ordenamento jurídico não deixou de ser sensível e de ponderar a possibilidade de serem cometidos abusos nessa fixação. Nos termos do artº 812º do C. Civil é possível; a) a redução da cláusula penal; b) a efectuar pelo tribunal e de acordo com a equidade; c) quando se mostre que ela é manifestamente excessiva, mesmo que por causas supervenientes, ou a obrigação tiver sido parcialmente cumprida”.
O fundamento normativo do mecanismo de redução reconhecido no artigo 812.º do CC assenta no princípio geral da proporcionalidade, constituindo também uma exigência da diretriz genérica da boa fé.
Nas palavras de Nuno Manuel Pinto Oliveira (Princípios de Direito dos Contratos; Coimbra Editora, 2011, p. 938), “o art. 812.º do Código Civil aplica os princípios (da proibição) do abuso de direito e da boa fé, concretizados no (sub-)princípio da proporcionalidade”.
Pode, pois, dizer-se que se trata de uma norma de ordem pública que determina que tal mecanismo de controlo prevaleça sobre as estipulações privadas (cfr., neste sentido, o Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 20-06-2017, Pº 95/05.0TBCTB-H.C1, rel. ISAÍAS PÁDUA).
Não obstante, tem sido controversa a questão de saber se a redução equitativa da cláusula penal pode ser conhecida oficiosamente pelo Tribunal (neste sentido, Ana Prata; Cláusulas de Exclusão e Limitação de Responsabilidade Contratual – Regime Geral; Almedina, Coimbra, 1985, p. 642, nota 1157 e Nuno Pinto de Oliveira; “Cláusulas penais em contratos por adesão. Interpretação restritiva da al. c) do art. 19.º da Lei das Cláusulas Contratuais Gerais”, in Cláusulas acessórias ao contrato – Cláusulas de exclusão ou de limitação do dever de indemnizar e cláusulas penais; 3. ª ed., Almedina, 2008, pp. 131-171, com justificação na mencionada natureza de ordem pública da norma e dos interesses que lhe estão subjacentes, em razões históricas - por o projeto de Vaz Serra admitir tal redução oficiosa- e, ainda, por identidade com o conhecimento oficioso do instituto paralelo do abuso de direito) - ou se, ao invés, o conhecimento dessa questão dependerá de pedido expresso do devedor, deduzido por via de ação ou de exceção (assim, Pinto Monteiro; Cláusula Penal e Indemnização; Almedina, Coimbra, 1990, pp. 735-737; Galvão Telles; Direito das Obrigações; 7.ª ed., Coimbra, 2011, pp. 436-441; Pires de Lima e Antunes Varela; Código Civil Anotado, vol. II, 4.ª ed., Coimbra Editora, 1997, p. 81; Almeida Costa; Direito das Obrigações, 12.ª ed., Almedina, 2009, p. 801; Calvão da Silva; Cumprimento e Sanção Pecuniária Compulsória; 4.ª ed., Almedina, 2002, pp. 275-276; Menezes Cordeiro; Tratado de Direito Civil, II, 4.ª ed., Almedina, 2014, p. 670; Menezes Leitão; Direito das Obrigações; Vol. I, 15.ª ed., Almedina, 2018, p. 296; e J. Carlos Brandão Proença; Lições de Cumprimento e não Cumprimento das Obrigações; 2.ª ed., UCE, Porto, 2017, p. 499 e, na jurisprudência, entre outros, os Acórdãos: do STJ, de 17-02-1998, in CJ, t. I, p. 72; de 30-09-2003, Pº 03A1738, rel. ALVES VELHO; de 25-03-2009, Pº 09A0440, rel. URBANO DIAS; da Relação do Porto de 23-11-1993, in CJ, t. 5, p. 225; de 26-01-2000, in CJ, t. I, p. 205; de 05-05-2016, Pº 315/14.0T8LOU-A.P1, rel. FERNADO BAPTISTA; e de 23-01-2020, Pº 23736/17.2YIPRT.P1, rel. JUDITE PIRES; e da Relação de Lisboa de 11-12-2018, Pº 9018/16.0T8LSB.L1-1, rel. ANA PESSOA, no que são aportados argumentos relacionados com a natureza disponível do direito em questão e por se configurar o artigo 812.º do CC, como uma norma de proteção do devedor, em relação com a circunstância de o devedor preferir cumprir ao que se obrigou, não obstante o excesso e, ainda, invocando o regime dos negócios usurários - que depende da necessidade de pedido do lesado - e da alteração das circunstâncias).
Na jurisprudência, rejeitando o conhecimento oficioso pelo Tribunal, mas prescindido de um pedido expresso, concluiu-se no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 17-04-2008 (Pº 08A630, rel. ALVES VELHO) que: “O uso da faculdade de redução equitativa da cláusula penal, concedido pelo art. 812.º-1 C. Civil, não é oficioso, mas dependente de pedido do devedor da indemnização. Não será necessária a formulação de um pedido formal ou expresso de redução da indemnização fixada, mas têm que ser alegados os factos donde se possa concluir pelo carácter manifestamente excessivo da cláusula, nomeadamente à luz do caso concreto, balizadores do julgamento por equidade que a lei reclama para a redução, ou seja, os factos que forneçam ao julgador elementos para determinação dos limites do abuso, do que a liberdade contratual não suporta”.
Seguindo esta jurisprudência – que também perfilhamos - defendeu-se no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 12-09-2019 (Pº 9018/16.0T8LSB.L1.S2, rel. CATARINA SERRA) que: “Para resolver o caso dos autos entende-se, porém, que não será necessário tomar posição na contenda. Como é consensualmente admitido, isto é, pelos adeptos de uma e de outra correntes, pode e deve ponderar-se o comportamento do devedor e extrair dele sinais quanto à vontade ou não de redução. Ora, a repetida alegação da recorrente de que a cláusula é “manifestamente excessiva” encerra, implicitamente, uma contestação do montante convencionado a título de pena e um pedido de redução desta – é um pedido implícito de redução, equiparável ao pedido explícito, expressamente formulado por via de acção ou de reconvenção e enquadrável no artigo 812.º, n.º 1, do CC” (na mesma linha, o Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 12-09-2017, Pº 47/15.2T8FCR-A.C1, rel. MARIA DOMINGAS SIMÕES).
E, ainda, porventura, com maior concretização referiu-se no Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 08-03-2021 (Pº 680/14.0T8STS.P1, rel. JORGE SEABRA) que, “[a] possibilidade excepcional de intervenção do juiz ao nível da redução equitativa da cláusula penal, nos termos do artigo 812º,n.º 1, do Cód. Civil, pressupõe, em primeiro lugar, que essa pretensão se mostre formulada pela parte interessada (não sendo, pois, matéria de conhecimento oficioso do Tribunal) e, em segundo lugar, que a parte interessada demonstre que o quantitativo indemnizatório nela previamente liquidado é ostensivamente superior ao valor dos danos que a parte contrária sofreu como consequência do incumprimento do contrato”.
Como subjazeu à decisão proferida no acórdão de 05-11-2020 deste Tribunal e como resulta do mencionado artigo 812.º do CC, afigura-se-nos que o Tribunal pode aplicar o preceito em apreço e reduzir a cláusula penal aos justos limites se, em face dos factos apurados, for possível extrair a conclusão quanto à vontade de redução da cláusula por parte do devedor.
No caso, parece-nos inequívoca a vontade do réu de colocar em crise a cláusula, por via da nulidade que expressamente arguiu e, implicitamente, pela invocação de ilegalidade, desproporcionalidade e pelo carácter abusivo da mesma (conforme alegado, desde logo, na contestação – cfr. artigo 49.º e ss. e reiterado em sede das alegações produzidas em 30-04-2021).
Importava, pois, apurar se a cláusula – e o respetivo quantum fixado – subscrita para a obrigação de não concorrência se mostrava, ou não, “manifestamente excessiva”.
Para se reputar como “manifestamente excessiva” a cláusula penal, não basta a existência que se revele um excesso, mas é necessário que seja patente, significativa ou notória a sua desproporção, face às finalidades que presidiram à sua estipulação e ao direito que visa acautelar.
Conforme ensina Ana Filipa Morais Antunes (anotação ao artigo 812.º do CC, no Comentário ao Código Civil – Direito das Obrigações, Universidade Católica Editora; 2019, p. 1174, nota 8 e 9):
“O «excesso manifesto» reclamado pelo legislador tem de ser apurado à luz do momento do cumprimento do clausulado; numa palavra, pressupõe-se analisar «o se e o quantum do dano efectivamente verificado», em termos em que «[só] um manifesto excesso da pena em relação a esse valor justifica a redução equitativa» - vd. SOUSA RIBEIRO, 2007: 218. (…).
A formulação gramatical do normativo incorpora conceitos indeterminados – como o de excesso manifesto -, que têm de ser concretizados no caso individual.
Primeiro, deve assentar-se a ideia de que não basta a existência de um excesso, na medida em que se convoca, como elemento da previsão normativa, a ideia de desproporção manifesta ou significativa – neste sentido, vd. Ac. RC 20.06.2017; e, na doutrina, PINTO MONTEIRO, 1985: 141-142; 1990: 724 e ss.; CALVÃO DA SILVA, 2002: 272 e ss. – que exige um «excesso extraordinário, “enorme”, que “salte aos olhos”» (ob. cit., 274) e é peremptório na afirmação: «o juiz não pode intervir na presença de uma cláusula penal simplesmente excessiva» (2002: 277); MENEZES CORDEIRO, 2017: 495-497.
Entre os indícios que devem ser ponderados pelo julgador, na tarefa de redução equitativa da cláusula penal, pode referir-se, designadamente: (i) a gravidade do incumprimento; (ii) o interesse das partes; (iii) as vantagens que, para o devedor, resultam do incumprimento; (iv) o interesse do credor na prestação; (v) o prejuízo efetivo do credor; (vi) a situação económica de ambas as partes; (vii) a boa ou má-fé das partes; (viii) a natureza e a finalidade do contrato; (ix) as circunstâncias em que foi negociado; (x) a finalidade prosseguida com a estipulação da cláusula penal (…)”.
De modo algo semelhante, refere Nuno Manuel Pinto Oliveira (Princípios de Direito dos Contratos; Coimbra Editora, 2011, pp. 938-939) que “os critérios relevantes para averiguar se a cláusula penal é ou não desproporcionada ou excessiva – se a cláusula penal é ou não manifestamente desproporcionada ou excessiva – devem retirar-se, p. ex., dos seguintes factores: 1.º da extensão dos danos causados pelo não cumprimento; 2.º da gravidade da ilicitude; 3.º da gravidade da culpa; 4.º das finalidades da cláusula penal; 5.º da relação sistemática entre os arts. 494.º e 812.º do Código Civil; e – 6.º da relação sistemática entre os arts. 570.º-572.º e 812.º do Código Civil.
Os resultados da relação sistemática entre o art. 494.º e o art. 812.º do Código Civil concretizam-se em que o aplicador do direito há-de atender, designadamente, - 1.º à situação económica do lesante, - 2.º à situação económica do lesado ou – 3.º à existência de uma causa hipotética do dano. Os resultados da relação sistemática entre os arts. 570.º a 572.º e o art. 812.º, n.º 1, do Código Civil concretizam-se em que o aplicador do direito há-de atender à culpa do lesado”.
De todo o modo, conforme se sublinhou no Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 20-06-2017 (Pº 95/05.0TBCTB-H.C1, rel. ISAÍAS PÁDUA) para que ocorra a redução da cláusula penal, “não basta que essa cláusula seja excessiva, exigindo-se que ela se revele manifestamente excessiva, isto é, francamente exagerada ou desproporcionada às finalidades que presidiram à sua estipulação e ao conteúdo do direito que se propõe realizar. Nessa tarefa de redução, que deve pautar-se por critérios de equidade, o tribunal dispõe de uma ampla liberdade de ponderação, podendo/devendo socorrer-se de todos os fatores de ponderação de que disponha, tais como o interesse das partes, a sua situação económica e social, o seu grau de culpa, a função que a cláusula penal visa prosseguir no caso concreto, o motivo de incumprimento, a boa ou má fé do devedor, a natureza do contrato e as circunstâncias em que foi realizado, etc., etc.”.
Revertendo estas considerações para o caso dos autos, afigura-se-nos líquido que, de acordo com a alegação produzida, não logrou o réu demonstrar que o quantitativo constante da cláusula penal é ostensivamente desproporcionado ou manifestamente excessivo aos danos tidos pela autora em razão do incumprimento contratual.
Mas, para além disso, as considerações em que o Tribunal recorrido procurou ancorar o manifesto excesso e desproporção da cláusula penal não traduzem, na realidade, circunstâncias efetivas demonstrativas de uma tal realidade.
Assim, apurou-se tão só que, em 17-08-2017, a autora (sociedade comercial de dimensão nacional, com várias agências distribuídas por todo o país, constituída em 26-09-2011, e que se dedica à mediação imobiliária, à compra, transformação e venda de bens imóveis e à revenda dos adquiridos para esse fim, à gestão e administração de bens imóveis, à mediação de obras de construção, alteração, ampliação, demolição e reconstrução de imóveis, incluindo a sua decoração, à mediação de veículos, sejam eles automóveis, motociclos ou outros e à prestação de serviços de consultoria financeira), a sociedade do grupo da Autora, “DECISÕES E SOLUÇÕES – CONSULTORES FINANCEIROS, LDA” e a sociedade comercial por quotas sob a firma “PINK SLICE – MEDIAÇÃO IMOBILIÁRIA, UNIPESSOAL LDA”, celebraram com o Réu um contrato denominado de “Subagência – Consultor Imobiliário e Financeiro”, através do qual, as primeiras nomearam e reconheceram o Réu como seu subagente, encarregando-a de promover, de modo autónomo e independente, a celebração de contratos no âmbito da atividade por si desenvolvida, e para o que aqui releva, a atividade de angariação e mediação imobiliária, mediação de obras e construção de imóveis e o réu obrigou-se a exercer essa atividade exclusivamente ao serviço das primeiras.
Ali também se acordou que a Autora facultaria o acesso do Réu à sua base de dados informática, obrigando-se esta a guardar confidencialidade de toda a informação disponibilizada através da mesma, bem como que o Réu se obrigava a seguir e cumprir as normas, metodologias e orientações estratégicas da Autora, inerentes ao relacionamento com clientes e empresas protocoladas, modelo de funcionamento, a comparecer a todas as reuniões por ela marcadas e a frequentar as formações organizados pela Autora (cláusula décima).
O contrato foi celebrado pelo prazo inicial de 1 ano, com a possibilidade de renovação sucessiva por iguais períodos, desde que na vigência do período anterior o mesmo tenha garantido uma faturação mínima à primeira e segunda contraentes, em conjunto, de pelo menos 15 000,00€, pois caso tal não se verificasse, aquelas poderiam denunciar o contrato para o fim do prazo em curso, bastando, para o efeito, uma comunicação, por carta registada, com a antecedência de 8 dias.
Foi ainda convencionado pelas partes que o Réu teria a faculdade de denunciar o contrato através de comunicação escrita à Autora, a efetuar com antecedência não inferior a 60 dias em relação à data de produção dos respetivos efeitos, e constituindo-se o mesmo na obrigação a indemnizar a Autora pelo valor correspondente a 2 500,00€.
Em 07/10/2017, foi outorgado um outro contrato, intitulado “Contrato de Subagência – Diretor Comercial de Agência”, com a duração de 1 ano, renovando-se automaticamente por sucessivos e iguais períodos, igualmente entre a Autora, a “DECISÕES E SOLUÇÕES – INTERMEDIÁRIOS DE CRÉDITO, LDA.”, “PINK SLICE – MEDIAÇÃO IMOBILIÁRIA, UNIPESSOAL LDA”, JORGE MIGUEL DA SILVA PEREIRA e o Réu, mediante o qual, as primeiras nomearam e reconheceram o Réu como seu subagente, encarregando-o de promover, de modo autónomo e independente, a celebração de contratos no âmbito da atividade por si desenvolvida, e para o que aqui releva, a atividade de angariação e mediação imobiliária, mediação de obras e construção de imóveis e o Réu obrigou-se a exercer essa atividade exclusivamente ao serviço das primeiras, mantendo-se em vigor o demais constante do contrato de 17/08/2017, que se manteve em vigor.
Posteriormente, por escritos datados de 01/03/2018, intitulados “Assunção posição contratual – Consultor imobiliário e financeiro” e “Assunção Posição Contratual – Diretor Comercial”, a sociedade comercial “RASCUNHOS DE VERÃO TURISMO UNIPESSOAL, LDA” substituiu a “PINK SLICE – MEDIAÇÃO IMOBILIÁ, UNIPESSOAL LDA” na posição contratual por esta ocupada nos sobreditos contratos de celebrados com o Réu, assumindo, mútua e reciprocamente, todos os direitos e obrigações que nos ditos contratos cabiam à identificada PINK SLICE - MEDIAÇÃO IMOBILIÁRIA E FINANCEIRA, LDA.
A Autora facultou ao Réu o acesso à sua base de dados informática, mediante criação de um login e uma password pessoais e incluiu e disponibilizou a respetiva identificação e contactos no seu site, permitindo que o Réu utilizasse igualmente em folhetos promocionais e merchandising publicitário a sua identificação, enquanto consultora e representante da marca e rede “DECISÕES E SOLUÇÕES”. Foi proporcionada pela Autora ao Réu a formação contínua e o acesso ao know-how necessários ao exercício da atividade agenciada.
Ao longo do período compreendido entre o dia 17/08/2017 e o dia 18/05/2019, o Réu dedicou-se à atividade objeto dos contratos, enquanto consultor imobiliário e financeiro, mediante vínculo com a Autora e estando integrada na Agência da rede “DECISÕES E SOLUÇÕES” sita em Ponta Delgada, Avenida D. João III, n.º 1.
A partir do momento em que o réu passou também a desempenhar funções de diretor comercial, passou a ter um conhecimento mais profundo do âmago do negócio da Autora, nomeadamente mediante acesso a informação mais detalhada sobre estratégia comercial e de recrutamento, negócios e carteiras de clientes, tendo inclusive acesso a todos os dados referentes aos clientes e negócios em curso levados a cabo pelos consultores que faziam parte da equipa por este gerida.
Por carta datada de 18-03-2019, o Réu tomou a iniciativa de fazer cessar, unilateralmente, os contratos de subagência celebrados com a Autora, tendo solicitado a dispensa do período de 60 dias de aviso prévio convencionado contratualmente, referindo que teria interesse na sua desvinculação imediata.
Em resposta a tal manifestação de vontade, e por carta datada de 19-06-2019, a Autora considerou cessado o contrato em vigor, mas apenas a partir do dia 18-05-2019, de modo a considerar-se cumprido o período de 60 dias de aviso prévio.
Em tal comunicação, a Autora frisa que, não obstante tenha cessados os contratos, mantinha-se a obrigação de não concorrência que impende sobre o Réu, pelo período de 12 meses e 2 anos subsequentes à data dessa cessação.
Essas cartas foram devolvidas ao remetente, não tendo o Réu rececionado as mesmas, e não obstante a morada para onde as mesmas foram endereçadas correspondesse àquela que constava dos contratos celebrados entre as partes, e que havia sido convencionada como adequada para todas as comunicações a realizar entre as partes.
Pelo menos a partir de 19-05-2019, o Réu passou a desempenhar funções de consultor imobiliário, a título profissional e remunerado, integrado noutra rede imobiliária, “IAD PORTUGAL”, e na mesma área geográfica que o vinha fazendo enquanto vinculado à Autora (Ponta Delgada/Ilha de S. Miguel), mantendo-se o réu a exercer diária e regularmente, a título profissional e na mesma área geográfica de atuação da agência da Autora em Ponta Delgada, a atividade de angariação e consultoria imobiliária, encontrando-se vinculado à “IAD PORTUGAL”, dedicando-se à prospeção e angariação de clientes com vista à celebração de contratos de mediação imobiliária, gestão da carteira de clientes e celebração de contratos de mediação imobiliária.
Conforme resulta da decisão recorrida – e ao contrário do que parece ter entendido a recorrente – foram nela considerados os aludidos factos provados e, designadamente, os factos provados n.ºs. 19, 22 e 30, tudo culminando na verificação da violação pelo réu da cláusula de não concorrência que foi estabelecida entre as partes e, nessa medida, na atribuição à autora de um quantum indemnizatório por tal violação.
Sucede que, o Tribunal recorrido considera que a cláusula de não concorrência é “manifestamente excessiva e desproporcionada”, atendendo ao “valor do contrato celebrado entre as partes”, ao “desequilíbrio contratual, a favor da Autora” e à “circunstância de não ter sido fixada qualquer compensação pela obrigação de não concorrência- artigo 13.º, al. g), do regime jurídico do contrato de agência (sendo certo que, recebendo tal compensação, o Réu ainda hoje poderia estar ao serviço da Autora)”.
Ora, sucede que, em boa verdade, não se alcança destas considerações nenhuma concreta circunstância demonstrativa do caráter excessivo e, muito menos, manifesto ou inequívoco, no sentido de que o valor de € 50.000,00 estipulado para ressarcir a inobservância do dever de não concorrência por parte do réu para com a autora, seja desproporcionado ou irrazoável face ao incumprimento verificado.
Com efeito, o contrato celebrado e os demais elementos apurados não permitem concluir com exatidão qual a componente patrimonial das prestações em questão, designadamente, ao nível da remuneração concreta e efetivamente auferida pelo réu, pelo que, não é possível afirmar algum desequilíbrio contratual na subscrição dos acordos dos autos, sendo certo que, o réu desempenhou funções na órbita da autora, durante quase dois anos, tendo assumido as funções de diretor comercial.
Finalmente, a circunstância de não ter sido fixada compensação – nos termos do artigo 13.º, al. g) da Lei do Contrato de Agência - não tem qualquer relevo para a determinação do caráter adequado ou excessivo da cláusula penal, muito embora atue, claro está e como se verá, como fator a considerar no cômputo dos valores globais a considerar.
Já se nos afigura, porém, que a gravidade da ilicitude e da culpa do agente atingiu um elevado patamar: Independentemente da questão do respeito do pré-aviso previsto na cláusula 16.ª, n.º 2, do contrato datado de 17-08-2017, certo é que, tendo o réu cessado funções para a autora, em 2019, estaria vinculado à observância da obrigação de não concorrência e à indemnização inerentemente estipulada, sendo que, quanto à fixação do respetivo montante declarou ter sido livre e conscientemente fixado, bem como, a circunstância de o contrato ter sido celebrado na expectativa do seu cumprimento para todo o período da sua duração (cfr. cláusula 20.ª de tal contrato), obrigação que, contudo, veio a incumprir logo em maio desse ano, passando a desempenhar as funções acima assinaladas, concorrentes e semelhantes às que desempenhava na autora, para a empresa “IAD Portugal”.
Não apurado ficou qualquer cumprimento, ainda que parcial, por parte do réu relativamente à obrigação de não concorrência a que se vinculou.
Também é inegável o interesse da autora em que os respetivos colaboradores e agentes não desempenhem atividades concorrenciais com a sua – no que reveste papel fundamental o “manto” de confidencialidade que se encontrava subjacente à informação disponibilizada pela autora ao réu, bem como, as obrigações de observância e de cumprimento das normas, metodologias e orientações estratégicas da Autora, inerentes ao relacionamento com clientes e empresas protocoladas e respetivo modelo de funcionamento, - , razão que está subjacente à estipulação da cláusula penal em apreço, aspeto que o réu não desconhecia.
O valor da cláusula penal fixado no contrato - € 50.000,00 – atendendo ao tipo, conteúdo e fins dos contratos celebrados – prestação de serviços de angariação e mediação imobiliária, mediação de obras e construção de imóveis - , à formação prestada e às condicionantes que modelam o exercício da atividade em questão, num mercado altamente concorrencial (a que não é alheia a usual fixação de cláusulas de exclusividade entre as mediadoras imobiliárias e os respetivos clientes, visando proteger a atividade e a remuneração daquelas, ou a partilha de comissões entre os próprios mediadores), não se mostra desadequado ou desproporcionado à finalidade a que a mesma se destinava (vedar o exercício de atividade concorrencial à da autora, por determinado período de tempo, atendendo ao investimento e tempo da relação com o réu e à inerente partilha de informações e de “segredo” da atividade da autora para com aquele, sem prejuízo de tal exercício ser viável, mediante o pagamento da inerente contrapartida pecuniária antecipadamente fixada).
De todo o modo, ao invés do pugnado pela recorrente, não se afigura que o valor do quantum indemnizatório possa ser alheado ao valor da compensação a que se reporta o artigo 13.º, al. g) do D.L. n.º 178/86, de 3 de julho.
Vejamos a questão.
Na tese da recorrente, “[a]tendendo a que o mesmo [o réu] incumpriu a obrigação de não concorrência que sobre si impendia, considera a A./recorrente que o mesmo não tem qualquer direito à compensação prevista no art. 13º al g) do DL n.º 178/86, desde logo por não se acharem cumpridos os seus pressupostos. Ou seja, a compensação prevista no art. 13º al g) do DL n.º 178/86 só seria devida e atendível, eventualmente para efeitos de redução da cláusula penal, se o R./recorrente tivesse cumprido a obrigação de não concorrência, o que, claramente, não sucedeu. Na verdade, ao considerar-se a redução da cláusula penal por via de uma compensação a que o R. recorrido teria direito pela vinculação à obrigação de não concorrência, quando o R. a incumpriu, seria conceder-lhe “o melhor de dois mundos”: incumpre a obrigação assumida e simultaneamente beneficia da compensação e da retribuição auferida pelo exercício da actividade concorrente”.
Ora, cumpre recordar em que termos se enquadra a previsão do mencionado artigo 13.º, al. g) do Regime Jurídico do Contrato de Agência.
De acordo com o mencionado preceito do D.L. n.º 178/86, de 3 de julho, entre os direitos conferidos ao agente encontra-se o relativo a: “g) A uma compensação, pela obrigação de não concorrência após a cessação do contrato”.
Com efeito, conforme denota Fernando A. Ferreira Pinto (Contratos de Distribuição – Da tutela do distribuidor integrado em face da cessação do vínculo; UCE, Lisboa, 2013, pp. 455-457), “a lei portuguesa não descura a tutela dos interesses económicos do agente que se sujeite ao pesado vínculo de ter de se abster, mesmo após a cessação do contrato, de competir com o seu anterior principal. Na realidade, ao contrário do que acontece na maior parte das ordens jurídicas europeias, a LCA estabelece, no seu art. 13/g), que o agente tem direito a receber uma compensação pela obrigação de não concorrência após a cessação do contrato. O pacto de não concorrência é, deste modo, por imposição legal, um negócio oneroso, sendo a obrigação que a lei faz recair sobre o principal correspectiva da obrigação de não concorrência convencionalmente assumida pelo agente cessante. E porque assim é, o pagamento da referida compensação (…) não carece de expressa previsão contratual, muito embora seja, evidentemente, desejável que os próprios interessados acordem nos parâmetros da sua fixação. Ou seja, e por outras palavras, o dever de compensar o agente é uma mera consequência ou um efeito legal que se associa à celebração de um acordo desse tipo e não um pressuposto da respectiva validade ou eficácia.
A solução adotada pela lei portuguesa revela-se sensata e equilibrada, podendo mesmo dizer-se que ela seria, em qualquer caso, preceituada pelo princípio da proporcionalidade no estabelecimento de restrições ao exercício de direitos fundamentais. Mas salta à vista a insuficiência da disciplina que a LCA consagra à aludida compensação, pois nada se dispõe, nomeadamente, quanto ao momento em que deve ser paga e aos critérios que devem presidir ao respetivo cálculo. O que constitui, naturalmente, uma fonte de potenciais litígios judiciais entre os interessados, para além de lançar sobre os tribunais o ónus de, em última análise, colmatar o vazio legal mediante recurso a critérios de pura equidade.
De novo sem qualquer pretensão de aprofundar o assunto, dir-se-á apenas que a compensação deve, em princípio, ajustar-se às perdas que o agente previsivelmente sofrerá em função da inibição de atividade induzida pelo pacto, durante todo o período por que a mesma vigorar.
Não tem, por isso, de aferir-se pelo montante do rendimento que anteriormente retirava da sua actividade, na área em que actuava, nem tem de corresponder, rigorosamente, às referidas perdas”.
Ora, se assim é, também não depende o cumprimento desse dever de compensação da medida do cumprimento ou da observância da obrigação a que mesmo se destina a compensar, sendo mera condição da fixação contratual da obrigação de não concorrência, ainda que, relativamente à mesma ocorra (ulteriormente à subscrição contratual – como sucedeu no caso) o não cumprimento das obrigações impostas pela dita obrigação de não concorrência.
Ou seja: O fundamento da previsão da compensação assenta na previsão legal, no sentido de que quem assumiu a obrigação de não concorrência tem direito à aludida compensação, independentemente dos termos em que foi observado/incumprido o teor da obrigação de não concorrência, não derivando da inobservância da obrigação de não concorrência, alguma consequência para a redução ou exclusão do valor da compensação, tal como não decorre do cumprimento da obrigação alguma consequência em termos de aumento da compensação legalmente prevista.
Essa mesma relação entre a obrigação de não concorrência e o direito à compensação, foi afirmada no Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 07-01-2020 (Pº 1294/17.8T8AMD.L1-7, rel. HIGINA CASTELO) referente, igualmente, à apreciação da validade dos pactos de não concorrência nos contratos de agência referentes à atividade de mediação imobiliária e nos quais não foi estabelecida compensação a favor do agente:
“Nos termos do disposto na al. g) do art. 13 da LCA, o acordo de não concorrência pós-contratual é necessariamente oneroso; a validade do pacto não depende de as partes terem acordado a contrapartida, mas esta é imposta pela norma e, como tal, devida, ainda que não tenha sido acordada. Tendo a ré incumprido a obrigação de não concorrência a que se tinha vinculado, tendo as partes acordado uma cláusula penal para essa eventualidade, mas não tendo estipulado uma contrapartida para a obrigação de não concorrência, o tribunal pode reduzir a cláusula penal para compensação do valor que seria adequado a autora pagar à ré pela observância, durante o período acordado, da obrigação de não concorrência”.
Assim: Se for estipulada obrigação de não concorrência, que o agente não observe, deve ser atendido o valor da compensação a que este tem direito, de harmonia com o previsto no artigo 13.º, al. g) do regime jurídico do contrato de agência.
Não procedem, pois, as conclusões em contrário expendidas pela autora/recorrente, inexistindo motivo para a alteração do juízo formulado pelo Tribunal recorrido a este respeito (perfazendo a compensação – a atender relativamente ao valor da cláusula penal- que o réu teria direito a receber, nos termos do mencionado artigo 13.º, al. g) do Regime Jurídico do Contrato de Agência, o montante de € 3.150,00).
De acordo com o exposto, a apelação procederá.
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A responsabilidade tributária inerente, incidirá sobre o apelado, que decaiu integralmente no presente recurso – cfr. artigo 527.º, n.ºs. 1 e 2, do CPC – sem prejuízo do apoio judiciário de que, o mesmo, presentemente, beneficia.
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5. Decisão:
Pelos fundamentos expostos, acordam os Juízes que compõem o tribunal coletivo desta 2.ª Secção Cível, em revogar a decisão de 15-07-2021 do Tribunal recorrido, que se substitui pela presente, julgando a ação parcialmente procedente, condenando-se o réu a pagar à autora a quantia de € 46.850,00 (quarenta e seis mil, oitocentos e cinquenta euros), acrescida de juros de mora, à taxa de 4%, desde a citação e até integral pagamento, absolvendo-o do demais peticionado.
Custas pelo réu/apelado, sem prejuízo do apoio judiciário de que o mesmo, presentemente, beneficia.
Notifique e registe.
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Lisboa, 27 de janeiro de 2022.
Carlos Castelo Branco
Orlando dos Santos Nascimento (Vencido, conforme declaração infra)
Maria José Mouro Marques da Silva
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Voto de Vencido:
Teria confirmado na íntegra a decisão recorrida.

Orlando dos Santos Nascimento.