I - É a natureza pessoal do comodato que justifica a disciplina consagrada no art. 1140.º, que, perante a deterioração das suas relações com o comodatário, confere ao comodante o direito de resolução.
II - Não sendo estabelecido prazo certo, e também não se podendo figurar a hipótese de empréstimo para uso determinado, o comodatário encontra-se sujeito a ter que sair do prédio de um momento para o outro, nos termos do n.º 2 do art. 1137.º.
III – Não pode admitir-se que o comodante não possa exigir a restituição da coisa no comodato de imóvel para satisfação de uma necessidade permanente do comodatário: a de habitação.
IV - No que toca às benfeitorias, nos termos do art. 1138.º, n.º 1, o comodatário é equiparado ao possuidor de má-fé.
V – O regime jurídico das benfeitorias visa apenas a compensação de despesas, e não do valor criado pelas benfeitorias. Via de regra, quem realiza benfeitorias em bem alheio apenas pode exigir a restituição das despesas que o proprietário poupou.
VI - Compete ao sujeito que se arroga o direito a ser indemnizado das benfeitorias necessárias e úteis efetuadas no imóvel comodatado alegar e provar os respetivos factos constitutivos. No caso de dúvida, o julgador decidirá contra a parte onerada com a prova daquele(s) facto(s), conforme o art. 414.º do CPC.
VII - Ao Tribunal não é consentido julgar segundo a equidade (art. 4.º do CC), dividindo em partes iguais as despesas realizadas com vista à conservação ou melhoramento da coisa dada em cómodo.
Acordam no Supremo Tribunal de Justiça,
I - Relatório
1. AA e BB intentaram ação declarativa comum contra CC e sua Mulher, DD.
2. Os Autores alegaram que são donos e legítimos proprietários de prédio urbano que identificam, que é amplo, bem situado e dispõe de um grande logradouro.
3. O Réu/marido é filho dos Autores. Atendendo à relação de parentalidade e ao gosto do filho em habitar no referido prédio, os Autores permitiram que fosse para lá residir com a sua família. Em virtude dessa mesma relação familiar, não foi celebrado qualquer tipo de contrato a propósito da concessão do gozo desse imóvel.
4. Apesar de os Réus haverem ocupado o referido prédio em maio de 2011, os Autores conservaram a chave e o pleno acesso ao imóvel. O único encargo com que os Réus arcaram consistiu no pagamento do consumo de água e eletricidade.
5. Os Réu habitaram o imóvel mencionado supra nos mesmos moldes em que nos dois anos anteriores haviam habitado outro imóvel dos Autores, sito na praia da ..., em ....
6. Em virtude da deterioração entretanto sofrida pelas relações entre Autores e Réus, aqueles solicitaram a estes, a 27 de março de 2013, a entrega do imóvel. Todavia, os Réus recusaram-se a proceder à respetiva entrega e continuaram a habitar no mesmo imóvel, sem autorização e contra a vontade dos Autores.
7. Os Autores pedem a condenação dos Réus no reconhecimento do direito de propriedade sobre o referido imóvel e, por consequência, na sua restituição. Com efeito, desde 27 de março de 2013 que os Réus ocupam o imóvel contra a vontade dos Autores, estando estes impedidos de retirar qualquer benefício do prédio, designadamente de o dar de arrendamento, como pretendiam, tendo em conta a evolução da legislação do arrendamento habitacional.
8. O prédio, pelas suas características, podia ser dado de arrendamento pelo valor mensal de € 700,00. Desde 27 de março de 2013 até à data da propositura da presente ação - 10 de março de 2014 -, o prejuízo ascende, assim, ao montante de € 7.700,00 (€ 700,00 x 11). Pedem, por isso, a condenação dos Réus no pagamento da indemnização correspondente àquele valor mensal multiplicado pelo número de meses que decorram até à efetiva restituição do prédio.
9. Os Autores pugnam pela procedência da ação e, assim, pela condenação dos Réus no reconhecimento do seu direito de propriedade, na restituição do imóvel e no pagamento de uma indemnização de € 7.700,00, acrescida de € 700,00 mensais até efetiva restituição, com todas as consequências legais.
10. Os Réus apresentaram contestação e deduziram reconvenção.
11. Na contestação, alegam que o prédio indicado pelos Autores esteve arrendado até meados do ano de 2010. Foi, entretanto, abandonado pelos respetivos inquilinos em virtude do seu estado de degradação e da falta de condições de habitabilidade. Os Autores propuseram então aos Réus que o reconstruissem e recuperassem, passando a ali habitar, afirmando-lhes de forma séria, convicta e convincente que lhes davam o imóvel, ficando os Réus na posse e propriedade do imóvel “por conta da herança”. De qualquer modo, declararam séria, convicta, lúcida e claramente que o imóvel se destinava a habitação dos Réus e neto e que deveriam, num curto espaço de tempo, realizar obras de recuperação e reabilitação para lá habitarem. Os Autores referiram que iriam proceder do mesmo modo com a irmã do Réu, a quem iriam doar e entregar outro prédio, o que fizeram por doação em tudo idêntica à celebrada com os Réus.
12. Assim, os Réus são proprietários e possuidores do imóvel em consequência de doação e não por qualquer cedência que lhes haja sido feita. Estão, além disso, no pleno direito de ali habitar tal como lhes foi séria, convicta, lúcida e claramente declarado pelos Autores, sendo o imóvel a casa de morada da família, onde vivem na companhia do filho menor. Por isso, tiveram o propósito de encetar obras com vista à recuperação do imóvel.
13. Tendo em vista dotar o prédio de condições próprias da casa de morada de família, os Réus procederam a obras de fundo, das quais resultou uma valorização substancial do imóvel e com as quais despenderam a quantia de € 100.200,00.
14. Para o caso de procedência do pedido formulado pelos Autores, os Réus deduziram pedido reconvencional.
15. Alegam que a declaração de doação foi proferida de forma livre e consciente, tendo os Réus percebido o seu alcance e efeitos, perante o que realizaram todas as obras supra referidas. Os Réus possuem, pelo menos, o direito de habitar o imóvel e estão na posse do mesmo.
16. Ao exigir a entrega do prédio, os Autores agem de má-fé, com culpa, devendo indemnizar os Réus pelos danos sofridos.
17. No caso de os Autores terem vencimento no pedido que formulam, devem ser condenados a pagar aos Réus a quantia de € 100.200,00 pelas obras realizadas, acrescida de € 29.800,00 a título de valorização comercial expectável do imóvel e a reparar os danos não patrimoniais resultantes da presente demanda, que causou especial e profundo desgosto aos Réus.
18. Terminam pugnando pela improcedência da ação e, em consequência, pela absolvição do pedido. Se assim se não entender, deve o pedido reconvencional ser julgado procedente por provado, e os Autores condenados a:
a) Reconhecer a propriedade dos Réus sobre o imóvel, abstendo-se de praticar qualquer ato que diminua ou onere tal direito;
b) Reconhecer o direito dos Réus à habitação no imóvel, abstendo-se de praticar qualquer ato que diminua ou onere tal direito;
c) Reconhecer aos Réus a posse legítima, pública e pacífica sobre o imóvel, abstendo-se de praticar qualquer ato que diminua ou onere tal direito;
Se assim se não entender:
d) A indemnizar os Réus na quantia de 100.200,00 € a título, nomeadamente, de enriquecimento sem causa em consequência das obras realizadas no imóvel;
e) A indemnizar os Réus na quantia de 29.800,00 € a título, nomeadamente, de enriquecimento sem causa em consequência da valorização comercial do imóvel in casu;
f) A indemnizar cada um dos Réus na quantia de 5.000,00 € a título de danos não patrimoniais.
Se assim se não entender,
g) Reconhecer o direito de propriedade dos Réus sobre o imóvel, por via da acessão industrial imobiliária, nos termos do artigo 1340.º, n.º 1, do Cód. Civil.
19. Os Autores apresentaram réplica.
20. Afirmam que não deram, nem doaram o imóvel aos Réus, que não lhes concederam o direito de habitação, que não os convidaram a ir para lá residir, que não lhes disseram para realizar obras e que não entregaram nem doaram à irmã do Réu qualquer prédio. Residindo no estrangeiro, apenas a autorizaram a nele permanecer aquando das suas deslocações a Portugal.
21. Na verdade, perante a desocupação do imóvel e atendendo ao respetivo logradouro onde o seu filho poderia brincar e à agradável vista de rio, os Réus demonstraram interesse em habitar o prédio em apreço e os Autores consentiram que o fizessem. Porém, os Réus aspiravam a habitar uma casa em melhores condições e queriam modernizá-la. Não se tratava de construção nova, mas apenas de proceder ao restauro da edificação já existente. Além de lhe haver sido retirado o telhado, a casa velha foi picada e limpa até á estrutura. Foi telhada de novo, acabaram-se as paredes, e foi objeto de acabamentos e interiores novos. O piso inferior, que já existia como loja – à moda antiga, de aldeia – foi transformado em garagem e cave. A maior parte das despesas foi suportada pelos Autores. Com efeito, os custos de material (com reduzido significado no total dos materiais) e de mão de obra (com peso substancial no custo total da mão de obra) com que o Réu arcou foram, no final, suportados pelo Autor, por força de acerto de contas, não tendo o Réu em nada contribuído para o custo global da obra.
22. Terminam afirmando que os pedidos reconvencionais não têm qualquer fundamento; que os Réus estão a ocupar o imóvel sem título e devem, sem mais, e mesmo sem necessidade de aguardar pela clarificação do enriquecimento sem causa, ser condenados a entregá-lo aos Autores, seus únicos proprietários. Deve improceder o pedido reconvencional, concluindo-se como na petição inicial.
23. No desenvolvimento do processo veio a ser realizada audiência prévia, em que se definiu como objeto do litígio a determinação da titularidade do direito de propriedade do imóvel reivindicado pelas partes e, como temas de prova, a natureza da ocupação do imóvel pelas partes e a valorização efetuada no imóvel e determinação da sua autoria.
24. Procedeu-se à realização de perícia, tendo por “objeto a determinação do valor do imóvel, autonomizando o valor do terreno e o valor de tudo o que nele foi edificado”, com a elaboração do respetivo relatório.
25. Concluída a audiência de discussão e julgamento, foi proferida sentença que terminou com a prolação de decisão nos seguintes termos:
“DECISÃO
Em face do exposto:
I. Julgo parcialmente procedente a presente ação e, em consequência:
a) Condeno os Réus CC e mulher DD a reconhecerem que os Autores AA e mulher BB são proprietários do prédio urbano sito na Travessa ..., n.º …, ..., freguesia de ..., concelho de ..., inscrito na matriz predial urbana sob o art. …97º e descrito na Conservatória do Registo Predial de ... sob o n.º …81;
b) vo os Réus do demais peticionado pelos Autores.
II. Julgo parcialmente procedente a reconvenção e, em consequência:
a) Condeno os Autores/reconvindos AA e mulher BB a reconhecerem que os Réus/reconvintes CC e mulher DD são titulares do direito de habitação sobre o prédio acima descrito;
b) Absolvo os Autores/reconvindos do demais peticionado pelos Réus/reconvintes.
Custas (…)”.
26. Conforme a sentença recorrida:
“não assistindo aos Autores o invocado direito à restituição do prédio por não se considerar ilegítima a ocupação que dele vêm fazendo os Réus, não lhes assiste, naturalmente, a indemnização que peticionam a esse título; tal como prejudicada fica a apreciação do invocado abuso de direito no exercício daquele direito de restituição”.
27. Não se conformando com a sentença proferida, os Autores interpuseram recurso de apelação. Os Réus apresentaram contra-alegações, refutando os fundamentos enunciados pelos Autores/Recorrentes, afirmando que, a serem procedentes, seriam suscetíveis de conduzir a claro abuso do direito, nos termos do art. 334.º do CC.
28. Segundo o acórdão do Tribunal da Relação do Porto:
“Pelas razões expostas, acordam os juízes subscritores em negar provimento ao recurso, mantendo a decisão proferida na sentença recorrida”.
29. Irresignados, os Autores interpuseram recurso de revista, apresentando as seguintes Conclusões:
“A) - É certo que, caso as partes tivessem desejado constituir um direito de habitação a favor dos RR., ele seria nulo por falta de forma;
B) - Mas é também certo que nem isso quiseram: nada quiseram contratualizar, tratou-se apenas de filhos a residir numa casa dos pais, como os filhos por vezes fazem, porque são filhos e nada mais;
C) - Ou seja, os AA. deixaram os RR. ficar na casa por o R. marido ser filho, só por isso e nesse contexto familiar, e os RR. foram habitar a casa sabendo que era esse o motivo pelo qual lhes era dada essa possibilidade;
D) - Não foi celebrado entre as partes qualquer contrato, nem criada expectativas que tenham saído goradas;
E) - Salvo o devido respeito, foi feita uma aplicação errada o do art. 334º do Código Civil, não estando em causa nos autos qualquer situação de abuso de direito.
Termos em que o recurso deverá merecer provimento e revogada a douta decisão recorrida, e os RR. condenados a restituir aos AA. o imóvel em causa, com todas as consequências legais, como é de JUSTIÇA!”
30. Os Réus/Recorridos apresentaram contra-alegações.
31. A consagração do princípio da proibição das decisões surpresa, resulta de uma conceção moderna e mais ampla do princípio do contraditório, “entendido como uma garantia de participação efetiva das partes no desenvolvimento de todo o litígio, mediante a possibilidade de, em plena igualdade, influírem em todos os elementos (factos, provas, questões de direito) que se encontrem em ligação com o objeto da causa e que em qualquer fase do processo apareçam como potencialmente relevantes para a decisão”[1].
32. No plano das questões de direito, o princípio do contraditório exige que, antes da sentença, seja facultada às partes a discussão efetiva de todos os fundamentos de direito em que a decisão se baseie[2].
33. De acordo com o direito vigente, o juiz deve fazer cumprir o princípio do contraditório em relação às questões de direito, mesmo de conhecimento oficioso – v.g., qualificação jurídica dos factos -, só estando dispensado de o fazer em casos de manifesta desnecessidade. Pretende-se evitar a formação de “decisões-surpresa”: de decisões sobre questões de direito material ou de direito processual de que o tribunal pode conhecer oficiosamente sem que tenham sido previamente consideradas pelas partes.
34. Ponderando alterar a qualificação jurídica da atribuição do uso do imóvel em apreço pelos Autores aos Réus de direito real de habitação - invalidamente constituído - para comodato e, por isso, adotar uma nova perspetiva jurídica da questão a decidir, deve respeitar-se o princípio do contraditório.
35. Por isso, ao abrigo do art. 3.º, n.º 3, do CPC, convidaram-se as partes a dizer o que tivessem por conveniente a propósito da qualificação jurídica da atribuição do uso do imóvel pelos Autores aos Réus como comodato.
36. Tanto os Autores como os Réus se pronunciaram, revelando-se os primeiros, contrariamente aos segundos, favoráveis à qualificação do acordo em apreço como comodato.
37. Por acórdão de 18 de fevereiro de 2020, o Supremo Tribunal de Justiça decidiu o seguinte:
“Nos termos expostos, concede-se parcialmente a revista, revogando-se o acórdão recorrido e condenando-se os Réus na restituição do imóvel aos Autores. Devem os autos baixar ao Tribunal da Relação em vista da apreciação do seu direito a serem indemnizados das benfeitorias necessárias por si realizadas, assim como do direito ao valor das benfeitorias úteis – que não possam ser levantadas sem detrimento da coisa - que também hajam feito, calculado nos termos do enriquecimento sem causa, assim como da determinação do quantum que lhes seja devido pelos Autores.
Custas na proporção do respetivo vencimento.
38. A 23 de novembro de 2020, o Tribunal da Relação do Porto decidiu o seguinte:
“Em face do exposto e na sequência da anterior procedência parcial da Revista e do ali decidido, conhecendo do pedido reconvencional subsidiário deduzido pelos RR., acordam os Juízes do Tribunal da Relação do Porto em julgar este parcialmente procedente, decidindo condenar os AA. a indemnizar os RR. pelo montante de € 6.371,92 a título das benfeitorias necessárias e úteis por estes RR. realizadas no imóvel e ainda em dívida.
A este valor acrescendo juros de mora à taxa legal em vigor, desde a notificação do pedido reconvencional formulado e até integral e efetivo pagamento.
Quanto ao mais, indo os AA. absolvidos do pedido reconvencional.
Custas (do pedido reconvencional) pelos AA. e RR. na proporção do vencimento e decaimento”.
39. Irresignados, os Réus interpuseram recurso de revista com as seguintes Conclusões:
“1. O, aliás douto, Acórdão proferido pelo Tribunal da Relação do Porto, ao não apreciar a questão de indemnizar os RR na quantia de 29.800,00 € a título, nomeadamente, de enriquecimento sem causa em consequência da valorização comercial do imóvel in casu, violou o inscrito na ai. d) do art° 615 do CP.Civil pelo que deverá ser declarado nulo;
Se assim se não entender:
2. Atentos os factos provados - nomeadamente, factos n°s 41, 43, 44, 45, 51, 52, 53, 54, 55, 56, 57 e 58 - em articulação com o disposto nos art°s 4º, 566°, 400° e 883° do C. Civil, deverá o valor de € 134.829,83 encontrado a título de valor de custo de obra por distribuir entre as partes, ser considerado em 50% (metade) como enriquecimento sem causa e, dessa forma, esse valor de € 67.414,91, acrescido de € 21.348,93 e diminuído de € 14.977,01 ser considerado como enriquecimento sem causa dos AA., tudo no valor de €73.738,86;
3. E, em consequência, os RR serem ressarcidos pelos AA. na quantia de € 73.738,86, acrescida de juros de mora à taxa legal em vigor, desde a notificação do pedido reconvencional formulado e até integral e efetivo pagamento.
4. A valorização comercial do imóvel em resultado das obras realizadas não é uma benfeitoria voluptuária nos termos definidos no art° 216 do Código Civil pelo que o douto TR Porto devê-las-ia ter determinado, quantificado e, finalmente, discriminado o quantum a título de enriquecimento sem causa dos AA,
Ou
5. Se o não conseguisse calcular, deixar para liquidação em sede de execução de sentença.
Termos em que o Recurso deverá merecer provimento e revogado o douto Acórdão
E
Os AA condenados a pagar aos RR a quantia de €73.738,86 a título de enriquecimento sem causa acrescida da quantia que vier a ser encontrada por via da valorização comercial do imóvel.”
40. Os Autores apresentaram contra-alegações, sustentando a manutenção do acórdão recorrido.
41. A 22 de fevereiro de 2021, o Tribunal da Relação do Porto decidiu o seguinte:
“Pelo exposto, acordam em conferência os Juízes deste Tribunal da Relação, em manifestar o entendimento de que o Acórdão proferido não padece do vício de nulidade que lhe foi imputado.
Fixa-se em ½ da Uc a taxa de justiça devida pelos reclamantes (vide art. 527º, nºs 1 e 2 e art. 7º do Regulamento das Custas Processuais e tabela II a este RCP anexa).
Oportunamente serão os autos conclusos para apreciação do requerimento de interposição de recurso.”
II – Questões a decidir
Atendendo às conclusões do recurso, que, segundo os arts. 608.º, n.º 2, 635.º, n.º 4 e 639.º, do CPC, delimitam o seu objeto, e não podendo este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser em situações excecionais de conhecimento oficioso, estão em causa as seguintes questões:
- se o acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 23 de novembro de 2020 enferma, ou não, de nulidade por omissão de pronúncia, nos termos do art. 615.º, al. d), do CPC, por não ter apreciado a ressarcibilidade dos Réus no montante de € 29.800,00 por enriquecimento sem causa decorrente da valorização comercial do imóvel;
- se assim se não entender, atendendo à factualidade dada como provada e ao disposto nos arts. 4.º, 566.°, 400.° e 883.° do CC, se deve, ou não, o valor de € 134.829,83, atribuído ao custo da obra, ser distribuído em partes iguais entre os litigantes e, deste modo, o montante de € 67.414,91, acrescido de € 21.348,93 e diminuído de € 14.977,01, no total de € 73,786,83, ser considerado como enriquecimento sem causa dos Autores;
- se a totalidade ou parte da valorização comercial do imóvel resultante das obras realizadas deve, ou não, ser restituída aos Réus a título de enriquecimento sem causa dos Autores.
III – Fundamentação
A) De facto
B) Fundamentação
Foram dados como provados os seguintes factos:
“1 - Encontra-se inscrito na … Conservatória do Registo Predial de ... a favor dos Autores o prédio urbano sito na Travessa ..., n.º …, ..., freguesia de ..., concelho de ..., inscrito na matriz predial urbana sob o art. …97 e descrito na Conservatória do Registo Predial de ... sob o n.º ..81;
2 - Por escritura de partilha por óbito de EE e mulher FF, realizada 13.01.1983, lavrada a fls. …v do Livro … do … Cartório Notarial de ..., o A. adquiriu 1/8 do prédio;
3 - Posteriormente, em 26.01.1986, por escritura de permuta lavrada a fls. …do livro … do Cartório Notarial de ..., o A. adquiriu 1/2 em comum com os seus três irmãos – GG, casado com HH; II, casado com JJ, e LL, casado com MM – a NN e mulher OO;
4 - Em 23.01.2001, por escritura de compra e venda lavrada a fls. … do … do … Cartório Notarial do ..., os AA. adquiriram 1/4 do prédio aos herdeiros de II;
5 - E, por escritura de compra e venda de 23.01.2001, lavrada a fls. … do … do … Cartório Notarial do ..., os AA. adquiriram 1/4 do prédio aos herdeiros de GG;
6 - Em 08.11.2012 por escritura de permuta lavrada a fls. … do Livro … do Cartório Notarial do ... do Dr. PP, adquiriram ¼ do prédio a LL;
7 - Ininterruptamente, e desde há mais de 20 ou mesmo 30 anos até ao presente, que os AA. e os anteriores proprietários vêm possuindo o prédio em causa, usando-o e fruindo-o como seu, pública e pacificamente, à vista de toda a gente, como verdadeiros donos e proprietários, colhendo os respetivos frutos, cuidando dele e pagando as contribuições e impostos ao mesmo inerentes;
8 - Trata-se de um prédio amplo, com boa localização – com vistas para o ... – e um grande logradouro;
9 - O R. arido é filho dos AA.;
10 - Os AA. permitiram que o Réu marido fosse para lá residir com a respetiva família;
11 - Os RR. foram ocupar o referido imóvel em Maio de 2011;
12 - O único encargo com que ficaram foi o de pagar os consumos de água e eletricidade;
13 - Nos dois anos anteriores os Réus tinham estado a habitar noutro imóvel dos AA, sito na praia da ..., em ...;
14 - Entretanto as relações entre as partes degradaram-se;
15 - Os RR. recusam entregar aos AA o prédio mencionado em 1.;
16 - E nele continuam a habitar, sem autorização e contra a vontade dos AA.;
17 - O prédio urbano descrito em 1. estava arrendado e foi ocupado por inquilinos até meados do ano de 2010;
18 - Nesse ano, os então inquilinos abandonaram-no, acabando por o entregar aos AA.;
19 - O prédio estava em adiantado estado de degradação, sem condições de habitabilidade;
20 - Os AA. e os RR. combinaram que o prédio fosse reconstruído e recuperado, passando os Réus a ali viver;
21 - Os AA declararam que o referido imóvel se destinava à habitação dos RR e neto;
22 - Os Autores permitiram que a irmã do R marido, Dª QQ, residisse no prédio sito na Travessa ..., …, ..., ...;
23 - Os AA requereram prestação de serviços de dois avaliadores com vista a avaliarem os imóveis descritos em 1. e 22;
24 - Os avaliadores consideraram que os referidos imóveis possuíam valor de mercado idêntico;
25 - O imóvel descrito em 1. é a habitação da família dos RR, onde vivem na companhia do filho menor;
26 - Os Réus tomaram o propósito de encetar obras com vista à recuperação do imóvel;
27 - O R. marido tomou diligências de negociação junto dos comproprietários do imóvel descrito em 1. com vista a se conseguir celebrar a escritura mencionada em 6.;
28 - O R. marido conversou com familiares e vizinhos solicitando permissão de passagem para realização de obras e edificação de muros de vedação;
29 - O R marido dizia abertamente aos intervenientes que o prédio era para ele, para sua habitação, para ali ir morar com a sua família;
30 - Os RR não possuíam os montantes pecuniários para a realização da totalidade da obra;
31 - Os RR, com o consentimento dos AA, foram habitar o imóvel indicado em 1.;
32 - E deram de arrendamento o imóvel que anteriormente habitavam e que é de sua propriedade, a saber, fração autónoma designada pela letra “…” e correspondente ao … do prédio urbano sito na ..., nº …, freguesia de ..., concelho de ..., inscrito na matriz predial respetiva sob o artigo … fração “…”, com área útil de 67 m2;
33 - Os RR recebiam de renda a quantia de 425,00 €;
34 - Os RR tinham o encargo da mensalidade devida ao Banco, no montante de 414,01 €, a título de liquidação do empréstimo para habitação;
35 - Os AA são donos e proprietários de imóveis situados em ... e no ..., a saber:
- Moradia onde vivem, sita na ..., em ..., - Imóvel sito na Rua ..., em ..., ...;
- Imóvel com estabelecimento (café) arrendado, sito na Rua ..., ..., ...;
- Prédio urbano com seis frações sito na Rua …, em ...;
- Quinta c/ 150.000 m2 com casa e caseiro, sita na Rua ..., em ..., ...;
- Pinhal sito na ..., em ..., ...;
- Terreno com 2.000 m2 sito no ..., ..., ...;
- Pinhal sito no lugar de …, em ..., ...;
- Dois apartamentos sitos em ..., ...;
- Moradia sita na …, ...;
- Prédio sito na Travessa ..., .., ..., ...;
- vários de três estabelecimentos comerciais (duas Drogarias e um café) situados em ...;
36 - Sendo, ainda, donos e proprietários de três estabelecimentos comerciais (duas Drogarias e um café) situados em ...;
37 - Os AA consentiram que os RR ocupassem o imóvel indicado em 13. até conclusão das obras a realizar no imóvel descrito em 1.;
38 - O R. marido trabalhou nos estabelecimentos comerciais de Drogaria que os Autores exploraram ao longo dos tempos;
39 - Em Dezembro de 2010 iniciaram-se as obras de demolição/reconstrução do imóvel descrito em 1.;
40 - As paredes estavam destruídas; o telhado incompleto e com inúmeras telhas partidas; o chão e pavimentos estavam partidos e destruídos; os portões abalroados, ferrugentos, inutilizáveis; as janelas sem vidros, partidas e sem possibilidade de utilização; o jardim/terreno abandonado, com mato e silvas; a canalização de água estava inutilizada; a instalação elétrica inexistente e ou inutilizável; o muro de vedação estava em ruína; as louças da cozinha e casa de banho estavam partidas e /ou eram inexistentes;
41 - O R. marido idealizou e projetou o novo interior do imóvel, desenhando as novas divisões;
42 - Foram demolidas as paredes internas do imóvel e construídas outras novas; construído novo telhado; colocados novos portões; colocadas novas janelas, novos vidros, novas caixilharias; colocado novo chão e novos pavimentos; arranjado o jardim, cultivando árvores e plantas; procedeu-se a aterros e remoção de terras; construiu-se um novo muro que veda todo o imóvel; colocada uma nova canalização para águas; procedeu-se à instalação de nova rede elétrica; colocadas novas louças na cozinha e casa de banho; construída uma cave e garagem de novo;
43 - O valor atribuído ao imóvel era, antes das obras, de € 18.220,00;
44 - O valor atual do imóvel é de € 153,050,08;
45 - Para realização das obras, foram despendidas as seguintes quantias:
- Custo de construção (cave + rés-do-chão) - € 121.468,32;
- Despesas com projetos - € 3.644,05;
- Despesas com licenças, gestão e fiscalização da construção e encargos financeiros - € 9.717,46;
46 - Os AA não têm outros filhos a não ser o R. marido e a irmã deste, Dª QQ;
47 - É público que os RR residem no prédio aludido em 1., diária e continuamente, com o filho menor;
48 - É público que os RR ali comem, dormem, recebem amigos e familiares, celebram o Natal, a passagem do ano, aniversários;
49 - Os RR são os titulares dos contratos de fornecimento de água do referido imóvel, possuindo o contador de água em seu nome;
50 - Os RR são os titulares dos contratos de fornecimento de energia e eletricidade do referido imóvel, possuindo o contador de eletricidade em seu nome;
51 - Parte do material (em especial cimento, cimento cola, tijolos, ferro, verguinha, malha sol, placas) foi levado da drogaria do A., e faturado ao próprio A., para realização das obras aludidas em 42.;
52 - Outro material (tijoleiras, portas, rodapés, aros e guarnições, faixas, massas, telas, redes, puxadores, alumite, cimento, tijolos, vigas, ferros) foi encomendado pelo A., pago por ele, e destinado à obra;
53 - Da mão-de-obra, o A. pagou ao carpinteiro;
54 - Pagou também os móveis da cozinha, com o custo de 1.500,00 €;
55 - Pagou os serviços da arquiteta (369,00 €) e do topógrafo;
56 - Pagou as licenças e todos os custos inerentes na Câmara Municipal de ... (303,00 €);
57 - O R. pagou a mão-de-obra das restantes artes;
58 - Terminada a obra, o R. apresentou ao A. contas do que tinha pago, em documento escrito pelo seu punho, relacionando as suas seguintes despesas na obra, no total de 21.348, 93 €:
-Materiais ........................................................................4.296,93 €
-RR (eletricista) ...........................................................700,00 €
- SS (picheleiro) ........................................................200,00 €
-Mão de obra (outras artes) ...........................................11.152,00 €
- TT (a colaboração do próprio R) ..............................5.000,00 €
59 - No mesmo documento anotou dois empréstimos que ainda tinha para com o A., no montante de 14.977,01 €:
-Empréstimo 1 ................................................................ 1.023,38 €
-Empréstimo 2 .............................................................. 13.953,63 €
60 - Na mesma altura, o A. emitiu declaração, à mão, nos documentos relativo às dívidas do filho, a declará-las pagas por força do encontro de contas referido em 58.
a) Os Autores sejam considerados por todos, desde há mais de 20 e 30 anos, como verdadeiros donos e proprietários do prédio aludido em 1.;
b) Após o mencionado em 10. e 11., os AA. tivessem continuado com a chave do imóvel referido em 1. e o pleno acesso ao mesmo;
c) Em 27 de Março de 2013 os AA. tivessem pedido aos RR a entrega do imóvel aludido em 1.;
d) Os AA. tivessem intenção de dar de arrendamento o prédio descrito em 1.;
e) Tal prédio pudesse ser dado de arrendamento por valor não inferior a € 700,00 mensais;
f) Os Autores tivessem afirmado aos Réus que lhes davam o imóvel referido em 1., ficando os RR já na posse e propriedade do imóvel “por conta da herança”;
g) Tivesse sido elaborado um documento particular de doação do prédio descrito em 1., com vista a ser autenticado, assinado por AA e RR;
h) Tal documento tivesse ficado na posse dos Autores;
i) Os Autores tivessem dito que iriam doar à irmã do Réu o prédio aludido em 22.;
j) A irmã do R. marido, Dª QQ, esteja na posse do imóvel referido em 22.;
k) Os valores de mercado dos bens descritos em 35. sejam de, aproximadamente, € 300.000,00; € 300.000,00; € 500.000,00; € 750.000,00; € 50.000,00; € 30.000,00; € 6.000,00; € 150.000,00; € 800.000,00 e € 150.000,00, respetivamente.
l) O Réu marido tivesse começado a trabalhar desde os 13 anos de idade, por conta e ordem dos AA., como pedreiro, trolha, carpinteiro, ferreiro, empregado de balcão, ajudante de motorista e motorista;
m) O R. marido seja bom conhecedor de todas as “artes” e ofícios de construção civil;
n) O valor da renda referida em 33. se destinasse a custear as obras;
o) Os Réus tenham despendido com as obras as seguintes quantias:
- Demolição, remoção de entulhos e aterros 25.000,00 €;
- Materiais: Areia, cimento e ferragens 4.900,00 €;
- Mão-de-obra de Pedreiro e Trolha 40.000,00 €;
- Picheleiro e canalizações 2.500,00 €:
- Eletricidade 2.000,00 €;
- Construção de jardins, pátios e muros 10.100,00 €;
- Carpintaria (Portas e pavimentos) 1.500,00 €;
- Serralharia (portas, janelas e vitrais) 3.000,00 €;
- Louça cerâmica (pavimento e WC) 3.000,00 €;
- Pedras de mármore e granitos 3.500,00 €;
- Placas (piso e teto) e telas de impermeabilização 2.200,00 €;
- Portão elétrico automático 1.000,00 €;
- Tintas para interior e exterior 1.500,00 €;
p) Todo o material colocado na obra tivesse sido pago pelos Réus;
q) Todo o material colocado na obra tivesse sido pago pelos Autores;
r) Os RR nunca cogitassem ou supuseram como possível que os AA intentassem uma ação judicial como a presente;
s) Os Réus sempre tivessem cuidado e tratado dos Autores quando necessário;
t) A presente demanda causasse especial e profundo desgosto nos RR.;
u) Réus estejam num estado de tristeza profundo;
v) Réus não convivam com familiares e amigos e, quando o fazem, conversem única e obcecadamente sobre os factos constantes dos presentes autos;
w) Os Réus estejam angustiados, deprimidos e avassalados com a presente ação.”
B) De Direito
Considerações preliminares - a qualificação jurídica do acordo sobre a utilização do imóvel pelos Réus
O contrato em apreço foi qualificado como comodato (comodatos), que é um contrato típico frequentemente celebrado. Segundo o art. 1129.º do CC, o “comodato é o contrato gratuito pelo qual uma das partes entrega à outra certa coisa, móvel ou imóvel, para que se sirva dela, com a obrigação de a restituir”.
É, por natureza, um contrato gratuito. Esta nota da gratuitidade – ausência de contrapartida pelo direito pessoal de gozo da coisa - permite, independentemente do regime que as partes estipularem, distingui-lo de outros contratos, precisamente pela ausência de contrapartida. É também um contrato temporário – sobre o comodatário recai a obrigação de restituir -, obrigacional, real (quoad constitutionem) – é graças ao comportamento do comodante que o vínculo jurídico surge; a lei não impõe ao comodante a obrigação de entrega da coisa -, unilateral (só cria obrigações para o comodatário - art. 1135.º) ou bilateral imperfeito (não sinalagmático: cria obrigações também para o comodante que, porém, não se encontram numa relação de interdependência e reciprocidade com aquelas do comodatário), pessoal (não se empresta uma coisa, móvel ou imóvel, a qualquer pessoa; existe, via de regra, um laço pessoal entre os interessados que conduz à celebração do contrato) e não formal (art. 219.º) – a entrega da coisa não se traduz numa forma. De resto, é a natureza pessoal do contrato que justifica a disciplina consagrada no art. 1140.º, que, perante a deterioração das suas relações com o comodatário, confere ao comodante o direito de resolução. Por último, trata-se de um contrato em geral celebrado no interesse do comodatário, porquanto a coisa é dada para cómodo de quem a recebe.
Deve entender-se que o comodatário arca com as despesas relacionadas com a utilização da coisa, como por exemplo as respeitantes ao consumo de água, eletricidade, etc. [3], porquanto, não se tratando, em princípio, de acordo com a vontade das partes, de qualquer contrapartida, tal não afeta o caráter gratuito do contrato. É também natural que, estando em causa um contrato sem prazo certo e sem uso determinado, os contratos de fornecimento de água e eletricidade sejam celebrados pelo comodatário.
Segundo o art. 1135.º, al h), que prevê a sua obrigação principal, o comodatário tem que restituir, findo o contrato, a coisa que lhe foi emprestada. Podem, nesta sede, verificar-se várias hipóteses:
i) as partes estipulam prazo certo. Em conformidade com o art. 1137.º, n.º 1, a coisa tem que ser restituída logo que se chegue ao termo do prazo, independentemente de interpelação do comodatário pelo comodante. Como é habitual nas obrigações de prazo certo, o vencimento não carece de interpelação. O contrato caduca automaticamente ou ope legis;
ii) as partes não estipulam prazo certo, mas trata-se de um empréstimo para uso determinado. Finda a utilização, cessa o contrato e o comodatário tem que restituir a coisa ao comodante sob pena de entrar em mora. Logo que termine o uso, o contrato caduca, não sendo necessário que o comodante interpele o comodatário. A caducidade é automática, opera ope legis, não carecendo de declaração a enviar ao comodatário, como resulta do art. 1137.º, n.º 1, in fine;
iii) as partes não estipulam nem prazo certo e nem uso determinado da coisa. O comodatário é obrigado a restituir a coisa que lhe foi dada em cómodo logo que o comodante o exija.
Muito frequentemente, nos comodatos de imóveis para habitação, as partes não estipulam nem prazo certo e nem usto determinado da coisa. Não sendo normalmente estabelecido prazo certo, e também não se podendo figurar a hipótese de empréstimo para uso determinado, o comodatário encontra-se sujeito a ter que sair do prédio de um momento para o outro, nos termos do n.º 2 do art. 1137.º. É que o comodato pode cessar em qualquer altura. Naturalmente que esta exigência de restituição deve ter em conta as circunstâncias do caso concreto, à luz da boa-fé[4]. Poderá, então, dizer-se que o comodante age abusivamente se, dois ou três dias após a celebração do contrato, exige a entrega do imóvel. Tal não poderá já afirmar-se quando o comodante exige essa restituição dois ou três meses volvidos sobre a conclusão do contrato. Da boa-fé poderá também decorrer a necessidade de estabelecer um prazo razoável para a restituição do imóvel. Está em causa o assim denominado comodato precário, em que a obrigação de restituição do comodatário surge por força de uma manifestação arbitrária da vontade do comodante. Sem usar o termo denúncia, no art. 1137.º, n.º 2, o legislador prevê uma forma de cessação do vínculo contratual que consiste na exigência, feita pelo comodante ao comodatário, de restituir a coisa. Não tendo sido estabelecido prazo de duração do comodato, nem resultando do acordo o uso determinado a que a coisa se destina, o contrato cessa com a interpelação feita ao comodatário para restituir a coisa emprestada (art. 1137.º, n.º 2). A interpelação para restituir a coisa, num contrato de duração indeterminada, em que não se fixou um uso determinado (e temporal) para essa coisa, tem de ser entendida como uma hipótese de denúncia.
Conforme referido supra, de acordo com a al. b) do art. 1135.º (vide art. 1129.º, in fine), o comodatário tem que restituir a coisa findo o contrato. Insiste-se: segundo o art. 1137.º, n.º 1, esta obrigação (principal) do comodatário vence-se logo que cesse o prazo certo fixado, assim que findar a utilização da coisa ou, de acordo com o n.º 2 do mesmo preceito, quando o comodante o exigir (comodato precário ou em que a obrigação de restituir é ad nutum ou ad libitum).
Por outro lado, o comodante pode, ao abrigo do art. 1140.º, resolver o contrato. Estando em causa um contrato marcadamente pessoal, justifica-se a solução prevista no art. 1140.º. Tratando-se de um contrato a cuja celebração está subjacente uma certa ligação pessoal entre as partes – porquanto o ato de empréstimo surge, via de regra, por razões familiares, de amizade ou de cortesia - não é de estranhar que o art. 1140.º permita a sua resolução ocorrendo justa causa. O conceito de justa causa é um conceito indeterminado, carecido de preenchimento valorativo, traduzindo-se na verificação de qualquer circunstância, facto ou situação perante a qual, e segundo a boa-fé, não seja exigível a uma das partes a continuação da relação contratual. A aplicação desta ideia parece conferir ao comodante o direito atípico de resolução sempre que ocorra, por exemplo, uma deterioração das relações familiares, de amizade ou de cortesia que estiveram na base da celebração do contrato. A justa causa é referida no sentido comum, tendo em conta que se trata, via de regra, de um contrato de execução continuada e aceitando-se que possa ocorrer um facto, independente de atuação culposa das partes, que justifique a desvinculação, concretamente a obrigação de o comodatário devolver a coisa dada em comodato. Compreende-se, por outro lado, que o conceito de justa causa, num contrato desta natureza, tenha um âmbito mais amplo do que em contratos de diversa natureza. Assim, não deixa o comodante de poder obter a restituição da coisa num grande e significativo leque de circunstâncias. A possibilidade de resolver o contrato com fundamento em justa causa objetiva só encontra justificação na eventualidade de se ter acordado prazo – ou uso determinado da coisa -, pois, caso contrário, o comodante poderá livremente denunciar o contrato.
A matéria de facto provada permite concluir, in casu, pela existência de acordo entre Autores e Réus no sentido de estes utilizarem o imóvel em apreço, aí habitando com o seu filho menor de idade, sem qualquer remuneração e sem qualquer prazo[5].
Coloca-se a questão de saber se se trata de uma hipótese subsumível ao n.º 1 ou ao n.º 2 do art. 1137.º. Se se tratar de comodato precário, a acção de reivindicação procede. Na ausência de estipulação de prazo certo ou de finalidades estritas, nos termos do art. 1137.º, n.º 2, o comodante pode, em qualquer altura, por termo à relação contratual.
Poder-se-ia dizer existir uma diferença entre a hipótese prevista no art. 1137.º, n.º 2, e o caso em apreço. É que não havendo acordado prazo certo, as partes teriam convencionado o uso determinado do imóvel, por parte do comodatário, por tempo ilimitado. Neste caso – de empréstimo para uso determinado -, o contrato cessaria com a morte do comodatário. Apesar de nada impedir que possa haver um comodato perpétuo, afigura-se muito duvidoso afirmar, nessa hipótese, a subsistência da figura do comodato ou antes a existência do direito de habitação (figura de tipo real e não obrigacional). Contudo, a solução do direito de habitação resulta assaz discutível, parecendo mais adequado subsumir o caso sub judice ao n.º 2 do art. 1137.º.
Os poderes de facto entretanto exercidos pelos Réus sobre o imóvel não correspondem ao exercício de um direito real limitado como é o direito de habitação, que apenas se pode considerar constituído nos termos constantes do art. 1440.º ex vi do art. 1485.º. De resto, trata-se de um direito insuscetível de ser adquirido por usucapião, conforme o art. 1293.º, al. b).
Não agindo como titulares do direito de propriedade ou do direito de habitação, os Réus são considerados como detentores ou possuidores precários (art. 1253.º, al. a)). Com efeito, não há qualquer facto provado que permita considerar que os poderes de facto que os Réus exerceram sobre o imóvel configurassem uma posse fundada em contrato verbal de alienação gratuita da propriedade ou de constituição gratuita do direito de habitação, ainda que nulo por vício de forma[6]. Não se celebrou, pois, qualquer doação, porquanto não houve nem alienação gratuita do imóvel e nem constituição gratuita de um direito de habitação. O direito dos Réus de usar a coisa é um direito pessoal, não se confundindo com um direito real de habitação constituído a título gratuito sobre um imóvel dos Autores. Pode, de resto, afirmar-se que um contrato celebrado pela duração da vida do comodatário, mediante o qual um sujeito permite ao outro a utilização de uma habitação, é um contrato de comodato e não um contrato de doação, e que é um contrato em que o uso concedido ao comodatário é temporário, tem a duração da vida remanescente deste, o que equivale à aposição de um termo incerto. A morte do comodatário é um termo incerto[7]. Os poderes de facto exercidos pelos Réus sobre o imóvel encontram, pois, a sua justificação no contrato de comodato celebrado com os Autores.
A ausência de estipulação de prazo para a restituição ou de determinação do uso da coisa obriga o comodatário à sua restituição logo que lhe seja exigida (art. 1137.º, n.º 2). Não está provado que algum prazo certo haja sido convencionado. Aquilo que está provado é que os Réus utilizaram o imóvel, o que se encontra em conformidade com a existência de um comodato constituído sem prazo certo e sem afetação da coisa para uso determinado, portanto, não subsumível ao disposto no art. 1137.º, n.º 1.
Diversamente, porém, se considerarmos que foi convencionado prazo – incerto - para a restituição (art. 1137.º, n.º 2), dir-se-ia ser porventura de ponderar se o comodante pode ainda assim exigir a restituição quando lhe aprouver. Segundo o art. 1137.º, n.º 2, “se não foi convencionado qualquer prazo para a restituição nem determinado o uso da coisa, o comodatário é obrigado a restituí-la logo que lhe seja exigida”. Conforme referido supra, esta exigência do comodante deve ter em conta as circunstâncias do caso concreto, à luz da boa-fé[8].
Poderia pensar-se que o comodato precário, contemplado no art. 1137.º, n.º 2, não abrange os casos em que foi convencionado prazo incerto (certus an, incertus quando) para a restituição[9], uma vez que se considera admissível o comodato de uma casa destinada a alojar o comodatário durante toda a sua vida[10].
Com efeito, afigura-se difícil, no nosso ordenamento jurídico, justificar qualquer limite legal de duração do comodato[11]. Não prevendo a lei um limite temporal máximo, admite-se atualmente o comodato imobiliário de longa duração, ou mesmo, com a estipulação “durante toda a vida”, destinado a vigorar enquanto for vivo o comodatário.
Conforme referido supra, resulta do n.º 1 do art. 1137.º que a restituição da coisa não carece de interpelação “se os contraentes não convencionaram prazo certo para a restituição, mas esta foi emprestada para uso determinado”, de um lado e, de outro, se houve fixação de prazo certo, a restituição impõe-se.
A dificuldade reside no n.º 2 do art. 1137.º, segundo o qual “se não foi convencionado prazo para a restituição nem determinado o uso da coisa, o comodatário é obrigado a restituí-la logo que lhe seja exigida”, pois permite considerar que a restituição mediante interpelação se impõe quando não foi convencionado prazo certo para a restituição nem determinado o uso da coisa. Assim, em todos os casos em que se haja fixado prazo incerto, o comodatário seria obrigado a restituir a coisa logo que lhe fosse exigida.
Deste modo, considerando-se válido o comodato perpétuo ou por um período indeterminado de tempo, poderia parecer incoerente a possibilidade de o comodante exigir ad nutum a restituição da coisa, contra o que fora estipulado. Assim, a restituição ad nutum apenas seria admissível nos casos em que a coisa foi entregue para o uso do comodatário sem qualquer fixação de prazo.
Não se entende, todavia, a diferença de tratamento conferido ao comodato perpétuo ou por um período indeterminado de tempo, de um lado e, de outro, ao comodato sem qualquer fixação de prazo. De facto, na primeira hipótese, apenas porque foi definido o termo incerto do empréstimo, o comodatário poderia ver assegurado o gozo da coisa por anos, porventura até por toda a vida, enquanto na segunda, porque o comodante não estabeleceu qualquer momento para a restituição, o comodatário não pode deixar de restituir a coisa logo que lhe for exigido. Contudo, a própria fixação de prazo incerto pode resultar da finalidade do comodato[12].
A vinculação do comodante apenas se justifica quando este se comprometeu durante determinado período de tempo ou à cedência da coisa para uso determinado, rectius, para utilização específica. É que, estando em causa um contrato gratuito, não se deve aceitar que o comodante haja de permanecer vinculado por período de tempo indeterminado que pode ser o da própria vida do comodatário. Além disso, atendendo à natureza do contrato, não parece dever aceitar-se que um comodante que ceda a coisa por prazo incerto possa ficar numa situação substancialmente mais gravosa do que aquela em que ficaria se tivesse querido tirar proveito da coisa, arrendando-a por contrato de duração indeterminada, passível hoje de denúncia ad nutum com a antecedência referida no artigo 1101.º, al. c). A harmonização dos n.os 1 e 2 do art. 1137.º permite alcançar este resultado. De resto, num contrato intuitus personae e gratuito - como é o comodato – claramente que não se pretendeu que o comodante ficasse na contingência de não poder reaver a coisa dada em cómodo[13].
Quando a coisa é entregue para uso determinado, tem-se em vista a utilização da coisa para uma determinada finalidade, e não a utilização da coisa em si mesma. É que não se traduziria em comodato para uso determinado o mero empréstimo da casa para habitação. Não seria, por isso, à luz do uso determinado da coisa que o comodante ficaria impedido de exigir a restituição ad nutum nos termos do art. 1137.º, n.º 2[14]. Apenas se tratando de uso determinado quando se delimitasse temporalmente a necessidade que o comodatário visa satisfazer, não podendo considerar-se como determinado o uso de certa coisa se não se ficar a saber quanto tempo ela vai perdurar. Um uso genérico e abstrato suscetível de subsistir indefinidamente atingiria a própria noção de comodato plasmada no art. 1129.º, que integra a obrigação de restituir e, assim, revela o carácter temporário do uso[15].
Da essência do contrato de comodato resulta sempre para o comodatário um direito de uso temporalmente limitado. Este limite temporal pode decorrer do acordo das partes ou da circunstância de a coisa ter sido emprestada para um uso determinado[16].
Consequentemente, no caso em apreço, o comodatário está obrigado a restituir a coisa logo que lhe seja exigida, nos termos do art. 1137.º, n.º 2, extinguindo-se o comodato e ficando os Réus sem a poder usar em virtude de ficarem na posição de depositários.
Assim, um contrato celebrado pela duração da vida do comodatário e pelo qual uma pessoa consente à outra a utilização de uma casa para habitação é um contrato de comodato e é um contrato em que o uso concedido ao comodatário é temporário, tem a duração da vida remanescente deste, o que equivale à aposição de um termo incerto. A morte do comodatário é um termo incerto[17].
Não pode admitir-se que o comodante não possa exigir a restituição da coisa no comodato de imóvel para satisfação de uma necessidade permanente do comodatário: a de habitação. De outro modo, o comodante corria o risco de nunca recuperar a coisa comodatada, que é sua. É que o comodatário não se encontra numa situação semelhante à do usuário ou usufrutuário, não podendo beneficiar de um comodato vitalício. Por seu turno, o comodante também não deve converter-se numa espécie de doador. Uma tal descaracterização do comodato não se afigura admissível[18].
O Supremo Tribunal de Justiça tem seguido a orientação dominante[19], que também aqui perfilhamos: quando a lei refere a ausência de prazo para a restituição, no art. 1137.º, n.º 2, tem em vista obstar à exigência ad nutum de restituição apenas e tão somente no caso de estipulação de prazo certo. O que releva, num comodato em que não haja sido estipulado nem prazo certo e nem uso determinado, é que seja reconhecido o poder de denúncia ad nutum, que prevalece sobre o princípio pacta sunt servanda. A fixação de um prazo incerto não deixa, todavia, de ter relevância: tornado certo o momento (certus an incertus quando) em que o contrato cessa, impõe-se ao comodatário a obrigação de restituição da coisa (art. 1135.º, al. h)) sem necessidade de qualquer interpelação por parte do comodante.
Levando em linha de conta os factos não provados sob as als. f), g), o), e p), conclui-se que não foi feita prova da atribuição do imóvel aos Réus por um qualquer título legítimo que lhes permita retê-lo sem prazo.
Pode dizer-se que os Autores exerceram o seu direito de denúncia ad nutum, previsto no art. 1137.º, n.º 2. Na medida em que os Réus não o respeitaram, intentaram uma ação de reivindicação.
É certo que, tendo ficado provada a deterioração das respetivas relações pessoais e familiares, também se poderia considerar que os Autores exerceram, ao abrigo do art. 1140.º, o direito de resolução do contrato por justa causa.
Tanto o direito de denúncia ad nutum como o direito de resolução por justa causa consentem que os proprietários mais facilmente emprestem as suas coisas porque sabem que o seu altruísmo não lhes causará problemas no futuro.
Nulidade, ou não, do acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 23 de novembro de 2020, por omissão de pronúncia, por não ter apreciado a ressarcibilidade dos Réus no montante de € 29.800,00 por enriquecimento sem causa decorrente da valorização comercial do imóvel
Os Réus entendem que o acórdão recorrido é nulo por omissão de pronúncia por não ter apreciado a ressarcibilidade dos Réus no montante de € 29.800,00 por enriquecimento sem causa decorrente da valorização comercial do imóvel.
Não têm, todavia, razão.
De acordo com o art. 615.º, n.º 1, al. d), 1.ª parte, do CPC, “é nula a sentença quando: (…) d) o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar”. Esta nulidade decorre do art. 608.º, n.º 2 do CPC, segundo o qual “o juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, excetuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras; não pode ocupar-se senão das questões suscitadas pelas partes, salvo se a lei lhe permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras.”
A omissão de pronúncia traduz-se na falta de apreciação de questões que o Tribunal devesse apreciar e não de argumentos, razões ou juízos de valor aduzidos pelas partes, aos quais não tem de dar resposta especificada ou individualizada, conforme, desde há muito, tem vindo a decidir uniformemente a jurisprudência e tem sido entendido pela doutrina.
Pode dizer-se que o Tribunal da Relação do Porto não se absteve de conhecer da questão em apreço, pois referiu expressamente que:
“Pendente de apreciação e como resulta do relatório supra está o pedido reconvencional pelos RR. formulado para o caso de ser julgado procedente o pedido de restituição do imóvel aos AA., como veio a ser decidido pelo STJ e limitado aos danos especificados por este tribunal - ou seja o pedido elencado na al. d) da reconvenção:
“d) A indemnizar os RR na quantia de 100.200,00 € a título, nomeadamente, de enriquecimento sem causa em consequência das obras realizadas pelos AA no imóvel in casu.
(...)
Como já supra referido, cumpre apreciar o pedido reconvencional formulado pelos RR., no que às benfeitorias concerne, questão que e tal como referido no mencionado Ac. do STJ “não foi apreciada nem pelo Tribunal de 1* Instância e nem pelo Tribunal da Relação, em virtude de ter ficado prejudicada pela solução dada ao litígio.”
Extrai-se de igual forma do Ac. do STJ ter sido enquadrada a utilização do imóvel pelos RR. ao abrigo de um contrato de comodato pelo que e “No que toca às benfeitorias, nos termos do art. 1138.º, n.º 1, o comodatário é equiparado ao possuidor de má fé.
(...)
Portanto, conforme o n.º 2 do art. 1275.º- ex vi do art. 1138.º, nº 1 -, o comodatário perde, em qualquer caso, as benfeitorias voluptuárias (art. 216.º, nº 3) que haja feito na coisa comodatada.”.
E nos termos do artigo 1273º nº 1 mais foi declarado em tal decisão terem os RR. “direito a ser indemnizados das benfeitorias necessárias (art. 216.°, n.º 3) que hajam feito e a levantar as benfeitorias úteis (art. 216.°, n.º 3) realizadas (ius tollendi), desde que o possam fazer sem detrimento do imóvel. Evitam-se, assim, simultaneamente, tanto o locupletamento injusto - mesmo em relação ao possuidor de má fé - como prejuízos para o titular do direito. De acordo com o n.º 2, do mesmo preceito, se, para evitar o detrimento do imóvel, não houver lugar ao levantamento das benfeitorias, os Réus terão direito ao seu valor calculado segundo as regras do enriquecimento sem causa (art. 479.º, n.º 1). Em todo o caso, nem o possuidor de boa fé tem, neste caso, o direito a uma indemnização correspondente ao aumento de valor da coisa, ainda que superior ao custo das benfeitorias.
Assim, os Réus têm o direito de ser indemnizados do valor das benfeitorias necessárias por si feitas no imóvel. Têm igualmente o direito de levantar as benfeitorias úteis que realizaram no mesmo imóvel e, no caso de não o poderem fazer sem detrimento do mesmo, têm o direito de ser compensados do seu valor calculado de acordo com as regras do enriquecimento sem causa.1”
Utilização ao abrigo de um contrato de comodato que legitimou a pretensão dos AA. ao pedido de restituição do imóvel por via do exercício do direito de denúncia previsto no artigo 1137º nº 2 do CC já decidida e ordenada no Acórdão de vindo de citar. Com a consequente improcedência das als. a) a c) do pedido reconvencional.
Acórdão que igualmente apreciou e afastou a aplicação do regime da acessão industrial imobiliária por ao caso ser aplicável o regime jurídico das benfeitorias -atento os melhoramentos efetuados pelo comodatário por contraposição ao regime da acessão industrial imobiliária que pressupõe a realização dos melhoramentos por terceiro não relacionado juridicamente com a coisa (de acordo com um critério subjetivo). Não permitindo a factualidade provada, mesmo a seguir-se um critério objetivo tendo como referencial o resultado da intervenção, concluir que os melhoramentos realizados pelos RR. (que não também pelos AA.) originaram uma alteração substancial do imóvel.
Com a inerente improcedência do pedido formulado sob a al. g) do pedido reconvencional.
Igualmente tendo sido afastada a indemnização pelos RR. peticionada sobre a al. e) do pedido reconvencional - relativa à valorização comercial do imóvel, porquanto, sendo o comodatário equiparado ao possuidor de má-fé (artigo 1138º nº 1 do CC) não tem o mesmo direito às benfeitorias voluptuárias. E no mais, tal como o possuidor de boa-fé tem apenas direito a ser indemnizado das benfeitorias necessárias feitas e a levantar os úteis, ou quando o não possa fazer sem detrimento da coisa, a receber do titular do direito o valor das mesmas. Calculado tal valor segundo as regras do enriquecimento sem causa - artigo 1273º nº 2 do CC.
Por tanto estando afastada a pretensão de indemnização fundada na valorização comercial do imóvel / aumento do valor da coisa. Conforme igualmente declarado no Acórdão do STJ”.
O acórdão do Tribunal da Relação do Porto debruçou-se claramente sobre a pretensão dos Réus, havendo até reiterado o que já havia sido decidido pelo acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 18 de fevereiro de 2020:” Em todo o caso, nem o possuidor de boa fé tem, neste caso, o direito a uma indemnização correspondente ao aumento de valor da coisa, ainda que superior ao custo das benfeitorias”.
Benfeitorias necessárias e úteis feitas pelos Réus
Importa conhecer da questão, suscitada a título subsidiário na respetiva reconvenção, respeitante aos direitos dos Réus decorrentes das benfeitorias por si realizadas no prédio comodatado, que não foi apreciada nem pelo Tribunal de 1.ª Instância e nem pelo Tribunal da Relação, em virtude de ter ficado prejudicada pela solução dada ao litígio.
No que toca às benfeitorias, nos termos do art. 1138.º, n.º 1, o comodatário é equiparado ao possuidor de má fé[20], estendendo o legislador o regime da simples posse ao benfeitorizante titular de direito menor sobre a coisa. Aquela equiparação encontra a sua justificação no facto de o comodatário saber que não é proprietário da coisa. Portanto, conforme o art. 1275.º, n.º 2 - ex vi do art. 1138.º, n.º 1 -, o comodatário perde, em qualquer caso, as benfeitorias voluptuárias (art. 216.º, n.º 3) que haja feito na coisa comodatada.
Segundo o art. 1273.º, n.º 1, os Réus têm direito a ser indemnizados das benfeitorias necessárias (art. 216.º, n.º 3) que hajam feito e a levantar as benfeitorias úteis (art. 216.º, n.º 3) realizadas (ius tollendi), desde que o possam fazer sem detrimento do imóvel. Evitam-se, assim, simultaneamente, tanto o locupletamento injusto - mesmo em relação ao possuidor de má-fé – como prejuízos para o titular do direito. De acordo com o n.º 2, do mesmo preceito, se, para evitar o detrimento do imóvel, não houver lugar ao levantamento das benfeitorias, os Réus terão direito ao seu valor calculado segundo as regras do enriquecimento sem causa (art. 479.º, n.º 1). Em todo o caso, nem o possuidor de boa-fé tem, neste caso, o direito a uma indemnização correspondente ao aumento de valor da coisa, ainda que superior ao custo das benfeitorias.
Assim, os Réus têm o direito de ser indemnizados do valor das benfeitorias necessárias por si feitas no imóvel. Têm igualmente o direito de levantar as benfeitorias úteis que realizaram no mesmo imóvel e, no caso de não o poderem fazer sem detrimento do mesmo, têm o direito de ser compensados do seu valor calculado de acordo com as regras do enriquecimento sem causa.
Por último, aplicando-se ao caso sub judice o regime jurídico das benfeitorias – melhoramentos realizados por quem se encontra ligado à coisa em consequência de uma relação jurídica -, afasta-se aquele da acessão industrial imobiliária – sempre subordinada à ausência de um título que confira a origem e a disciplina da situação criada. São, pois, benfeitorias, os melhoramentos feitos na coisa pelo comodatário (art. 1138.º), porquanto a acessão se traduz em melhoramentos feitos por terceiro não relacionado juridicamente com a coisa[21]. Note-se ainda que mesmo que se adotasse, em lugar do referido critério subjetivo, um critério objetivo – resultado da intervenção -, a factualidade provada não permitiria afirmar que os melhoramentos realizados apenas pelos Réus – que não também pelos Autores – teriam originado uma alteração da substância do imóvel comodatado, uma coisa nova, uma incorporação de um valor económico novo no prédio mediante a união com outra coisa ou a sua transformação por aplicação do trabalho. Acresce que até o próprio conjunto dos melhoramentos feitos tanto pelos Autores e pelos Réus pode ser considerado como um desenvolvimento do valor económico da coisa, tendo-se apenas beneficiado o que já existia. Não se afiguraria, por outro lado, razoável permitir uma aquisição potestativa do direito de propriedade do imóvel por parte dos comodatários. No mesmo sentido apontam a necessidade de atribuir ao conceito de benfeitoria como despesa um alcance mais amplo (permitido, desde logo, pela consideração do ius tollendi), assim como a regra especial do art. 1138.º[22].
A totalidade ou parte da valorização comercial do imóvel resultante das obras realizadas deve, ou não, ser restituída aos Réus a título de enriquecimento sem causa dos Autores
Com efeito, no art. 216.º, n.º 1, do CC, o legislador define benfeitorias como despesas feitas para conservar ou melhorar a coisa. Pretende determinar-se em que circunstâncias e em que medida o sujeito que realizou essas despesas – o benfeitorizante - não deve sofrer uma perda ou sacrifício patrimonial, conferindo-se-lhe o direito de ser indemnizado das benfeitorias efetuadas ou o direito de as levantar. No caso da posse, tanto o possuidor de boa-fé como o possuidor de má-fé – a que o comodatário é equiparado - têm o direito de ser indemnizados das benfeitorias necessárias que hajam realizado, atendendo a que elas seriam indispensáveis para a conservação da coisa. Não as reparar traduzir-se-ia, efetivamente, num enriquecimento injustificado para quem deveria arcar com elas – o proprietário da coisa. Por seu turno, no que respeita às benfeitorias úteis, o possuidor tem o direito de as levantar (ius tolendi) apenas se o puder fazer sem detrimento da coisa e, no caso de eventual detrimento, tem direito somente ao valor das benfeitorias “calculado segundo as regras do enriquecimento sem causa”, conforme o art. 1273.º, n.º 2[23].
Contudo, o aumento de valor da coisa implicado pelas benfeitorias realizadas não se traduz claramente numa despesa, de um lado e, de outro, o regime das benfeitorias visa apenas a compensação de despesas – e não do valor criado pelas benfeitorias -, em que o enriquecimento sem causa atua como limite máximo da obrigação de restituição do enriquecido. Este resultado decorre da própria natureza das benfeitorias enquanto despesas. Não se discute a titularidade do novo valor criado[24].
Quem realiza benfeitorias em bem alheio apenas pode exigir a restituição das despesas que o proprietário poupou.
Atendendo à factualidade dada como provada e ao disposto nos arts. 4.º, 566.°, 400.° e 883.° do CC, deve, ou não, o valor de € 134.829,83, atribuído ao custo da obra, ser distribuído em partes iguais entre os litigantes e, deste modo, o montante de € 67.414,91, acrescido de € 21.348,93 e diminuído de € 14.977,01, no total de € 73,786,83, ser considerado como enriquecimento sem causa dos Autores
Retira-se do art. 342.º, do CC, que a regra geral opera uma repartição que tem por referência o direito invocado, e não a posição processual (ativa ou passiva) das partes no pleito. Deste modo, a norma de direito substantivo que estabelece o direito invocado constitui o ponto de partida da interpretação das regras de repartição do ónus da prova. Ao sujeito que invoca um direito cabe fazer a prova dos factos constitutivos do direito invocado; ao que alega factos impeditivos, modificativos ou extintivos do direito invocado cabe fazer a prova de tais factos. Na nossa ordem jurídica, em que o princípio do dispositivo no âmbito da alegação dos factos é temperado pelo princípio do inquisitório no que respeita à respetiva prova, o onus probandi corresponde à “situação da parte contra quem o tribunal dará como inexistente um facto, sempre que, em face dos elementos carreados para os autos (seja pela parte interessada na verificação do facto, seja pela parte contrária, seja pelo próprio tribunal), o juiz se não convença da realidade dele”[25]. O ónus da prova traduz-se “para a parte a quem compete, no encargo de fornecer a prova do facto visado, incorrendo nas desvantajosas consequências de se ter como líquido o facto contrário, quando omitiu ou não logrou realizar essa prova; ou na necessidade de, em todo o caso, sofrer tais consequências se os autos não contiverem prova bastante desse facto (trazida ou não pela mesma parte)”[26].
Decorre do art. 342.º, do CC, que a regra geral opera uma repartição que tem por referência o direito invocado, e não a posição processual (ativa ou passiva) das partes no pleito. Deste modo, a norma de direito substantivo que estabelece o direito invocado constitui o ponto de partida da interpretação das regras de repartição do ónus da prova. Ao sujeito que invoca um direito cabe fazer a prova dos factos constitutivos do direito invocado; ao que alega factos impeditivos, modificativos ou extintivos do direito invocado cabe fazer a prova de tais factos.
O ónus da prova – como qualquer outro ónus – que é um ónus imperfeito, não deixa de se consubstanciar, pois, como qualquer outro ónus, numa situação jurídica passiva: na necessidade de observância de determinado comportamento como pressuposto da obtenção ou manutenção de uma vantagem, ou da prevenção de uma desvantagem.
Enquanto a ideia de ónus subjetivo coloca a questão de saber quem deve produzir a prova, qual das partes deve exercer a atividade probatória, sob pena de ficar sujeita ao risco de ver repelida a pretensão que deduziu em juízo, a ideia de ónus objetivo conduz à averiguação dos factos que hão-de ser provados para que a decisão apresente determinado conteúdo[27]. O ónus da prova objetivo respeita às consequências da não realização da prova de determinado facto, e o subjetivo refere-se à determinação da parte onerada com aquela mesma prova[28].
Considera-se que o ónus da prova não consiste já “no encargo lançado sobre a parte de, só alegar o facto, mas de carrear, por si mesma, para o processo, todos os elementos capazes de convencer o juiz da realidade desse facto, sob pena de ter como assente o facto oposto”[29], mas antes na “situação da parte contra quem o tribunal dará como inexistente um facto, sempre que, em face dos elementos carreados para os autos (seja pela parte interessada na verificação do facto, seja pela parte contrária, seja pelo próprio tribunal), o juiz se não convença da realidade dele.”[30].
Competia aos Réus alegar e provar os factos constitutivos do direito que invocaram: do direito a serem indemnizados das benfeitorias necessárias e úteis efetuadas no imóvel comodatado no montante de € 67.414,91. Todavia, os Réus não conseguiram provar a realização, por si, de despesas nesse valor. Vigora, entre nós, uma proibição geral do non liquet (art. 8.º, n.º 1, do CC): o aplicador do direito não pode abster-se de julgar invocando a falta ou obscuridade da lei ou alegando dúvida insanável acerca da verificação dos factos em apreciação no litígio. Tal proibição significa que a dúvida, o non liquet acerca de qualquer facto relevante, tendo por base o direito subjetivo em causa, após a análise das provas constantes dos autos, por falta ou insuficiência das mesmas, não isenta o julgador de proferir uma decisão, tal como se tivesse formado uma convicção segura sobre o pleito - em prossecução da tarefa de administrar a justiça (art. 202.º, n.º 1, da CRP, e art. 152.º, n.º 1, do CPC). As regras sobre o ónus da prova apresentam a virtualidade de permitir ao julgador ultrapassar essa situação de dúvida, fornecendo-lhe um critério de decisão: decidirá contra a parte onerada com a prova daquele(s) facto(s), conforme o art. 414.º do CPC (“A dúvida sobre a realidade de um facto e sobre a repartição do ónus da prova resolve-se contra a parte a quem o facto aproveita.”). De acordo com este preceito, 1.ª parte, a dúvida ou estado de incerteza sobre a existência ou ocorrência do facto - que não foi provado – resolve-se contra a parte a quem o facto aproveita. Assim, se o autor não prova o facto constitutivo, a ação é julgada improcedente e o réu absolvido do pedido, segundo o princípio actore non probante reus absolvitur, mesmo que o réu não prove qualquer facto impeditivo, modificativo ou extintivo.
Sabe-se que para a despesa global de € 158.350,76 [= € 121.468,32 (custo de construção: cave + rés-do-chão) + € 3.644,05 (despesas com projetos) + € 9.717,46 (despesas com licenças, gestão e fiscalização da construção e encargos financeiros) + € 4.296,93 (preço dos materiais pago pelo Réu) + € 700,00 (preço pago pelo Réu ao eletricista)+ € 200,00 (preço pago pelo Réu ao picheleiro) + € 11.152,00 (preço pago pelo Réu pela realização de diversas ates) + € 5.000,00 (preço cobrado pelo Réu pelos serviços por si prestados) + € 1.500,00 (preço pago pelo Autor pelos móveis da cozinha) + € 369,00 (preço pago pelo Autor pelos serviços de arquitetura e topografia) + € 303,00 (preço pago pelo Autor pelas licenças solicitadas)], o Réu contribuiu com o montante de € 21.348,93 e o Autor com a quantia de 2.172,00. Não se sabe quem arcou com o custo de € 134.829,83 (= € 158.350,76 - € 21.348,93 - € 2.172,00). Ao montante de € 21.348.93, despendido pelos Réus com benfeitorias necessárias e úteis insuscetíveis de serem levantadas sem detrimento da coisa, impõe-se subtrair o valor de € 14.977,01 em virtude da compensação operada já no termo da obra. O enriquecimento dos Autores, demonstrado nos autos, ainda por restituir aos Réus, corresponde, assim, ao montante de € 6.371,92 (= € 21.348.93 - € 14.977,01). Este é o valor a que os Réus têm ainda direito em virtude das benfeitorias necessárias e úteis por si realizadas no imóvel em apreço.
Por conseguinte, não havendo os Réus provado a realização de despesas efetuadas com vista à conservação ou melhoramento do imóvel comodatado no montante de € 67.414,91 (= € 134.829,83 : 2), a decisão não pode deixar de ser a de improcedência do recurso.
Muito diferentemente do pretendido pelos Réus, não pode, pois, dividir-se o montante de € 134.829,83 em partes iguais, atribuindo 50% aos Autores e 50% aos Réus e, desse modo, conferindo aos Réus a quantia de € 67.414,91, acrescida do valor de € 21.348,93 e deduzida de € 14.977,01, no total de € 73.786.86.
Na verdade, o Tribunal não poderia, no caso em apreço, decidir segundo a equidade ou aequitas. Apesar de a referir em diversos contextos, o CC não contém uma definição de equidade. A primeira norma a mencioná-la é a do art. 4.º do CC, em sede de fontes do Direito, que admite que os Tribunais possam, em determinadas situações, julgar ex aequo et bono, i.e., segundo a equidade. Nos termos deste preceito, “Os tribunais só podem resolver segundo a equidade: a) Quanto haja disposição legal que o permita; b) Quanto haja acordo das partes e a relação jurídica anão seja indisponível; c) Quanto as partes tenham previamente convencionado o recurso a equidade, nos termos aplicáveis à cláusula compromissória”. Todavia, ao caso sub judice não se aplica qualquer disposição legal – designadamente aquelas mencionadas pelos Réus: arts. 4.º, 566.°, 400.° e 883.° do CC – que permita ao Tribunal julgar segundo a equidade.
Por outro lado, não se traduzindo, cum summo rigore, na resolução de uma “questão de direito”, a aplicação de puros juízos de equidade escapa, via de regra, à sindicância do Supremo Tribunal de Justiça. Trata-se, na verdade, da equidade como padrão de justiça do caso concreto, da decisão ex aequo et bono (segundo a equidade). O julgamento segundo a equidade “é sempre o produto de uma decisão humana que visará ordenar determinado problema perante um conjunto articulado de proposições objectivas; distingue-se do puro julgamento jurídico por apresentar menos preocupações sistemáticas e maiores empirismo e intuição”[31].
V - Decisão
Nos termos expostos, acorda-se em julgar improcedente o recurso de revista interposto por CC e sua Mulher, DD, confirmando-se o acórdão recorrido.
Custas pelos Réus/Recorrentes, sem prejuízo do apoio judiciário de que possam beneficiar.
Lisboa, 14 de dezembro de 2021.
Maria João Tomé (relatora)
António Magalhães
Jorge Dias
________
[1] Cf. José Lebre de Freitas, Introdução ao Processo Civil - Conceito e Princípios Gerais à luz do Novo -Código, Coimbra, Coimbra Editora, 2017, pp.126-127.
[2] Cf. José Lebre de Freitas, Introdução ao Processo Civil - Conceito e Princípios Gerais à luz do Novo Código, Coimbra, Coimbra Editora, 2017, p.135.
[3] Vide art. 1138.º, n.º 2, no que respeita ao empréstimo de animais.
[4] Cf. Júlio Vieira Gomes, ”Do Contrato de Comodato”, in Cadernos de Direito Privado, n.º 17, Janeiro/Março 2007, p.21.
[5] Para a caracterização do comodato não é suficiente, a existência de uma mera situação de tolerância, mas já preenche a figura do comodato a ocupação de um prédio, a título gratuito, com autorização do seu proprietário. Cf. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 6 de maio de 1982 (Abel Campos), proc. n.º 069776 – disponível para consulta in www.dgsi.pt.
[6] Ainda assim, não dispondo os Réus do direito real de habitação, a proteção que lhes é conferida cederia perante os proprietários, pois que a tutela conferida ao possuidor é provisória, destinada unicamente a manter determinada situação de facto, enquanto não se provar quem é o verdadeiro titular do direito real correspondente. Essa cedência justifica-se porque de nada valeria manter uma posse contra a qual o titular do direito podia, logo a seguir, reagir triunfantemente através de uma acção de reivindicação. Com efeito, de acordo com o art. 1311.º, n.º 1, o proprietário pode exigir judicialmente de qualquer possuidor ou detentor da coisa o reconhecimento do seu direito de propriedade e a consequente restituição do que lhe pertence. Os Réus não podem, por conseguinte, deixar de ser considerados detentores ou possuidores precários (art. 1253.º).
[7] Cf. Júlio Vieira Gomes, ”Do Contrato de Comodato”, in Cadernos de Direito Privado, n.º 17, Janeiro/Março 2007, p.31.
[8] Cf. Júlio Vieira Gomes, ”Do Contrato de Comodato”, in Cadernos de Direito Privado, n.º 17, Janeiro/Março 2007, p.21.
[9] Neste sentido, vide Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 26 de janeiro de 1984 (Resende Rego), in C.J.,1, pp. 231-233; Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 25 de maio de 2000 (Salvador da Costa), in C.J., 3, p. 99; Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 27 de junho de 2006 (Isaías Pádua), in C.J., 3, pp. 20-24 – apud Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 15 de dezembro de 2011 (Salazar Casanova), proc. n.º 3037/05.0TBVLG.P1.S1.
[10] Cf. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 15 de dezembro de 2011 (Salazar Casanova), proc. n.º 3037/05.0TBVLG.P1.S1.Sem que, por isso, se deva qualificar o contrato como constitutivo do direito real de habitação com a consequente necessidade de observância de forma escrita ad substantiam. A imposição de forma escrita ao contrato de habitação (art. 1485.º) não abrange o comodato imobiliário.[11] Cf. Pires de Lima/Antunes Varela, Código Civil Anotado, Volume II, Coimbra, Coimbra Editora, 1986, p.675
[12] Cf. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 15 de dezembro de 2011 (Salazar Casanova), proc. n.º 3037/05.0TBVLG.P1.S1.
[13] Cf. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 15 de dezembro de 2011 (Salazar Casanova), proc. n.º 3037/05.0TBVLG.P1.S1.
[14] Cf. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 12 de junho de 1996 (Sampaio da Nóvoa), proc. n.º 088392 – disponível para consulta em www.dgis.pt -, em que se referiu que “no comodato, dois requisitos são necessários para caracterizar o uso determinado do empréstimo de prédio: a) que ele esteja expresso de modo bem claro; b) e, para evitar que em parte a situação se possa confundir com uma atitude de doação, que esse uso seja de duração limitada”. Vide, a este propósito (uso determinado), o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 26 de junho de 1997 (Fernando Fabião), proc. n.º 97A334 – disponível para consulta em www.dgis.pt -, que salienta que o uso só é determinado quando se delimita a necessidade temporal que o comodatário visa satisfazer, pelo que não se pode considerar como determinado o uso de certa coisa se não se ficar a saber quanto tempo ela vai durar, ou seja, um uso genérico e abstrato que pode subsistir indefinidamente, pois que, de contrário, se atingiria a própria noção do contrato contida no art. 1129.º, de que faz parte a obrigação de restituir a coisa entregue, o que revela o carácter temporal do uso. A entrega da coisa feita pelo comodante – para que o contrato se complete - é feita sob a égide da temporalidade. Cf. Pires de Lima/Antunes Varela, Código Civil Anotado, Volume II, Coimbra, Coimbra Editora, 1986, pp.661, 676; Adriano Vaz Serra, RLJ 114, pp.21-22; Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 29 de setembro de 1993, B.M.J. 429, 807; Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 26 de janeiro de 1984, in C.J. 1984, Tomo 1, p.231; Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 6 de junho de 1991, in C.J. 1991, Tomo 3, p.246; Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 11 de janeiro de 1994, in C.J. 1994, Tomo 2, p.173. Por conseguinte, neste caso, o comodatário está obrigado a restituir a coisa logo que lhe seja exigida (art. 1137.º, n.º 2), extinguindo-se o comodato e ficando os Réus sem a poder usar, dado ficarem na posição de depositários, conforme o n.º 1 do art. 1192.º.
[15] Cf. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 15 de dezembro de 2011 (Salazar Casanova), proc. n.º 3037/05.0TBVLG.P1.S1.
[16] Cf. Júlio Vieira Gomes, ”Do Contrato de Comodato”, in Cadernos de Direito Privado, n.º 17, Janeiro/Março 2007, pp-20-21.
[17] Cf. Júlio Vieira Gomes, ”Do Contrato de Comodato”, in Cadernos de Direito Privado, n.º 17, Janeiro/Março 2007, p.31; Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 15 de dezembro de 2011 (Salazar Casanova), proc. n.º 3037/05.0TBVLG.P1.S1.
[18] Deste modo, a diferença entre a situação em que o comodante empresta a coisa para utilização do comodatário sem qualquer fixação de prazo, hipótese em que não seria compreensível que aquele não pudesse exigir a sua restituição quando muito bem entendesse, daqueloutra em que o comodante acorda na fixação de um prazo incerto, em que o comodante quer efetivamente que o comodatário utilize a coisa por determinado período tempo, não encontra na lei qualquer expressão que permita ponderar solução diferente da que resulta de uma total assimilação dos casos em que houve fixação de prazo incerto àqueles em que não houve fixação de qualquer prazo. Cfr. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 15 de dezembro de 2011 (Salazar Casanova), proc. n.º 3037/05.0TBVLG.P1.S1.
[19] Admitindo que no comodato sem prazo destinado a satisfazer uma necessidade duradoura, o comodante apenas com justa causa possa por termo ao comodato, vide Acórdão de 6 de março de 1986 (Magalhães Baião), proc. n.º 073658; Acórdão de 26 de outubro de 1989 (Jorge Vasconcelos), proc. n.º 076856 e de, não convencionado prazo para a restituição nem determinado o uso da coisa, o comodante poder exigir a restituição da coisa ad nutum, vide Acórdão de 19 de março de 1981 (Abel Campos), proc. n.º 069211; Acórdão de 16 de fevereiro de 1983 (Licurgo dos Santos), proc. n.º 070496; Acórdão de 5 de agosto de 1984 (Joaquim Figueiredo), proc. n.º 071531; Acórdão de 23 de janeiro de 1986 (Góis Pinheiro), proc. n.º 073121; Acórdão de 15 de janeiro de 1987 (Tinoco de Almeida), proc. n.º 074062; Acórdão de 31 de maio de 1990 (Joaquim de Carvalho), proc. n.º 077043; Acórdão de 11 de março de 1988 (Eliseu Figueira), proc. n.º 076603; Acórdão de 11 de junho de 1991 (Cura Mariano), proc. n.º 080629; Acórdão de 26 de maio de 1994 (Roger Lopes), proc. n.º 085059; Acórdão de 3 de maio de 1996 (Nascimento Costa), proc. n.º 087829; Acórdão de 14 de outubro de 1999 (Mota Miranda); Acórdão de 8 de março de 2001 (Reis Figueira), proc. n.º 190/01; Acórdão de 6 de maio de 2001 (Silva Paixão), proc. n.º 01A1618; Acórdão de 13 de maio de 2003 (Silva Salazar), proc. n.º 03A1323; Acórdão de 27 de maio de 2008 (Alberto Sobrinho), proc. n.º 1071/08; Acórdão de 31 de março de 2009 (Pereira da Silva), proc. n.º 359/09; Acórdão de 14 de julho de 2009 (Cardoso de Albuquerque), proc. n.º 129/06; Acórdão de 9 de fevereiro de 2010 (Helder Roque); proc. n.º 284/06: Acórdão de 16 de novembro de 2010 (Alves Velho), proc. n.º 7232/04; Acórdão de 16 de dezembro de 2010 (Alves Velho), proc. n.º 6512/05; Acórdão de 14 de março de 2006, proc. n.º 201/06 (Ribeiro de Almeida) – quase todos disponíveis para consulta in www.dgsi.pt.
[20] Na verdade, afigura-se duvidosa e discutível a compatibilidade do caráter gratuito do comodato com a vinculação contratual do comodatário à realização de despesas ou trabalhos significativos de reparação da coisa emprestada. Cf. Júlio Vieira Gomes, ”Do Contrato de Comodato”, in Cadernos de Direito Privado, n.º 17, Janeiro/Março 2007, p.23.
[21] Cf. Pires de Lima/Antunes Varela, Código Civil Anotado, Volume III, Coimbra, Coimbra Editora, 1987, p.163; Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 27 de setembro de 2012 (Fernando Bento), proc. n.º 1696/08.0TBFAR.E1.S2; Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 8 de fevereiro de 2011 (Sebastião Póvoas), proc. n.º 12/09.9T2STC.E1.S1.
[22] Cf. António Menezes Cordeiro, Direitos Reais, Lisboa, Lex, 1993, pp.211, 517.
Adotando, nesta sede, “um critério relacional que, partindo dos regimes jurídicos em abstrato aplicáveis, articula as dimensões subjetiva, objetiva e pragmática”, vide Henrique Sousa Antunes, Direitos Reais, Lisboa, Universidade Católica Editora, 2017, pp.260-261.
[23] Cf. Júlio Manuel Vieira Gomes, Da acessão, mormente da acessão industrial imobiliária, Porto, Universidade Católica Editora, 2020, pp.102-103.
[24] Cf. Júlio Manuel Vieira Gomes, O conceito de enriquecimento, o enriquecimento forçado e os vários paradigmas do enriquecimento sem causa, Porto, Universidade Católica Portuguesa, 1998, pp. 327 e ss..
[25] Cf. Antunes Varela/J. Miguel Bezerra/Sampaio e Nora, Manual de Processo Civil, Coimbra, Coimbra Editora, 1985, p.450.
[26] Cf. Manuel A. Domingues de Andrade, Noções elementares de Processo Civil, Coimbra, Coimbra Editora, 1979, pp.196-197.
[27] Cf. Alberto dos Reis, Código de Processo Civil Anotado, Volume III, Coimbra, Coimbra Editora, 1950, p. 272.
[28] Cf. Miguel Teixeira de Sousa, As Partes, o Objecto e a Prova na Acção Declarativa, Lisboa, Lex-Edições Jurídicas, 1995, pp. 215-216.
[29] Cf. Antunes Varela/J. Miguel Bezerra/Sampaio e Nora, Manual de Processo Civil, Coimbra, Coimbra Editora, 1985, pp. 449-450.
[30] Cf. Antunes Varela/J. Miguel Bezerra/Sampaio e Nora, Manual de Processo Civil, Coimbra, Coimbra Editora, 1985, p.449.
[31] Cf. António Menezes Cordeiro, “A decisão segundo a equidade”, in O Direito, Ano 122, 1990, abril-junho, p.272.