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FACTOS COMPLEMENTARES
CONCRETIZADORES E INSTRUMENTAIS
PRINCÍPIO DO CONTRADITÓRIO
PROIBIÇÃO DE ACTOS INÚTEIS (NA REAPRECIAÇÃO DA DECISÃO EM MATÉRIA DE FACTO)
MEDIAÇÃO IMOBILIÁRIA
Sumário
I - Podem ser considerados na sentença (com referência, sempre, aos limites de cognição do tribunal traçados pela causa de pedir e/ou excepção individualizadas e identificadas nos factos essenciais alegados pelo autor e pelo réu – art. 5º, nº 1 e 615º, nº 1 d) do CPC) os factos complementares e instrumentais – estes, quando resultem da instrução da causa (art. 5º, nº 2, a) do CPC); aqueles, quando resultem da instrução da causa, desde que sobre eles tenham tido as partes possibilidade de se pronunciar. II - Deve entender-se que a disciplina prevista no art. 5º, nº 2, b) do CPC exige para que os factos complementares ou concretizadores sejam considerados (independentemente de requerimento das partes nesse sentido), que as partes sejam expressamente advertidas, antes do encerramento da discussão de facto, sobre tal, pois que importa cumprir o contraditório quanto ao próprio aproveitamento do facto pelo tribunal. III - Se a matéria impugnada pelo recorrente não interfere de modo algum na solução do caso, sendo alheia à sorte da acção, de acordo com o direito aplicável (por não se visionar qualquer solução plausível da questão de direito que esteja dependente da modificação que o recorrente pretende operar no leque de factos provados ou não provados), não deverá a Relação sequer conhecer da pretendida alteração, sob pena de estar a levar a cabo actividade inútil, infrutífera, vã e estéril. VI - Não está excluído que do depoimento de parte se extraiam elementos que influam na formação da convicção sobre a matéria de facto controvertida e que o juiz o valorize para formar a sua convicção quanto a factos favoráveis ao depoente. V - A cláusula de exclusividade, ainda que simples, acordada em contrato de mediação imobiliária autoriza a presunção (de facto), ilidível, de que a actividade da (mediadora) contribuiu para a aproximação entre o comitente (a contraparte da mediadora no contrato de mediação imobiliária) e o terceiro, facilitando o negócio. VI - Ilidida tal presunção terá de concluir-se (relativamente a contrato de mediação com estabelecimento de cláusula de exclusividade simples) pela não demonstração dum dos requisitos para o surgimento do direito da mediadora à remuneração - a existência de nexo causal entre a actividade de mediação e a conclusão do negócio com ela visado.
Texto Integral
Acordam no Tribunal da Relação do Porto
Apelação nº 69243/20.7YIPRT.P1
Relator: João Ramos Lopes
Adjuntos: Rui Moreira
João Diogo Rodrigues
RELATÓRIO
Apelante (autora): B... - Mediação Imobiliária, Lda.
Apelados (réus): C..., D..., E... e F....
Juízo de competência genérica de Espinho (lugar de provimento de Juiz 2) - T. J. da Comarca de Aveiro.
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Intentou a autora procedimento de injunção pedindo a condenação dos demandados no pagamento da quantia de oito mil oitocentos e noventa e nove euros e quarenta e três cêntimos (8.899,43€), sendo 6.250,00€ a título de capital, 1.109,93€ de juros de mora vencidos, além dos vincendos, 1.437,50€ a título de outras quantias e, ainda, 102,00€ de taxa de justiça, alegando como fundamento que no âmbito da actividade de mediação imobiliária que constitui o seu objecto social celebrou com os réus (depois dum primeiro em regime de não exclusividade) um contrato de mediação imobiliária em regime de exclusividade com vista à venda de imóvel que identifica, mediante a remuneração de 5% do valor do negócio, no mínimo de 6.250,00€, acrescida de IVA, não sendo concretizado o negócio com um interessado por si encontrado por não ter o mesmo conseguido o financiamento bancário que necessitava para a aquisição, tendo entretanto recebido dos réus comunicação de ‘rescisão’ do contrato, verificando porém que em data anterior a tal comunicação (e assim em plena vigência do contrato), o imóvel já fora vendido pelos réus a terceiro (que identifica), negócio ao qual não foi alheia a actividade de divulgação por si desenvolvida (sendo que seguramente contribuiu para a aproximação entre os vendedores e o terceiro, facilitando o negócio), assistindo-lhe assim o direito à remuneração (mínima) acordada.
Deduziram oposição os apelados alegando, além do mais, que o comprador a quem venderam o imóvel não teve conhecimento do seu (apelados) interesse na alienação através das ações de promoção efetuadas pela apelante, não sendo, por isso, devida qualquer remuneração, concluindo pela sua absolvição do pedido.
Remetidos os autos à distribuição como acção declarativa especial para cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de contratos, após realizado o julgamento foi proferida sentença que julgou a acção improcedente e absolveu os réus do pedido.
Apela a autora, defendendo a revogação da sentença e sua substituição por decisão que condene os réus no pagamento da remuneração estipulada no contrato de mediação celebrado, acrescida do correspondente IVA, à taxa de 23%, e dos juros de mora à taxa legal comercial, até efectivo pagamento, extraindo das suas alegações as seguintes conclusões:
1. Com o claro intuito de não aplicar a jurisprudência citada pela autora no art. 34.º do RI,
foram considerados como provados factos que, para além de não terem resultado provados não foram alegados pelas partes.
2. Concretamente, a matéria considerada assente no ponto 37.º dos FP (Factos Provados), deverá ser eliminada dado que, como se pode comprovar pela análise dos articulados de autora e réus, a matéria que consta do mesmo não foi alegada.
3. Ainda que tivesse sido alegada, tal matéria não poderia ter resultado provada, dado que a própria autora, não poderia garantir nunca ter sido contactada pelo comprador do imóvel, na medida em que, para além de este poder ter tido acesso a divulgação do imóvel sem ter que se identificar (através de newsletters on line, folhetos, revistas, placas ou internet constantes nos FPs 20.º, 21.º, e 22.º) este até poderia ter contactado a B... sem que tivesse indicado a sua verdadeira identidade e a única pessoa que poderia testemunhar sobre tal facto, ou seja, o comprador do imóvel, não foi arrolado como testemunha, nem testemunhou.
4. Ainda que se considere que tais factos são instrumentais, complementares ou concretizadores dos que as partes alegaram, de acordo com o decidido por este venerável Tribunal da Relação no acórdão proferido em 30.04.2015 (RP201504305800/13.9TBMTS.P1), «Para poder levar em consideração factos que não resultem da instrução da causa e sejam instrumentais, complementares ou concretizadores dos que as apartes alegaram, o Tribunal tem que dar previamente, ás partes, a possibilidade de se pronunciarem sobre a atendibilidade desses factos», o que, nos presentes autos, não aconteceu.
5. A matéria considerada assente nos pontos 38.º dos FP (factos provados), também deverá ser eliminada dado que os réus, no artigo 24.º da sua oposição, alegaram que «através de um terceiro, fora indicado um interessado no imóvel» alegando de seguida, no artigo 25.º que «tal interessado surge por meio de “palavra passa palavra” de amigos dos requeridos» e no FP 38.º foi considerado provado que «O comprador do imóvel G... surgiu no âmbito do “passa palavra” entre amigos dos Réus, em particular dos Réus E... e F...».
6. Pelo exposto, verifica-se que o que resultou provado excede o que foi alegado pelos réus, que, salienta-se por não ser despiciendo, fizeram uma alegação vaga sem citar um único nome, indicando a intervenção de “um terceiro” que nem sequer se sabe se seria um mediador imobiliário…
7. Seja como for, a matéria alegada pelos réus, que, para além dos documentos juntos com a sua oposição, que nada têm que ver com esta matéria e do depoimento de parte do legal representante da autora, não produziram mais qualquer prova, nos presentes autos.
8. É certo que os réus depuseram como partes mas, como tal, não poderiam ser inquiridos à matéria por eles próprios alegada, mas tão só à matéria alegada pela autora e por ela indicada para o efeito no seu requerimento de instrução, ou seja «aos artigos 14.º, 15.º, 17.º,24.º, 25.º, 26.º; 27.º; 28.º, 31.º; 36.º e 37.º do RI».
9. Acresce que, distintamente do referido na sentença recorrida e de acordo com as normas aplicáveis aos depoimentos de parte (art.s 452.º a 465.º C.P.C) só a confissão poderia ter sido considerada provada, o que, manifestamente, não seria o caso dos factos contidos no FP 38.º.
10. No que concerne ao recurso da matéria de direito e aceitando-se que ao negócio que acabou por ser formalizado se aplica o regime de exclusividade e porque, conforme supra exposto em sede de recurso da matéria de facto, não pode aceitar-se que, de algum modo, tenha resultado provado que o comprador não foi angariado pela autora, nem tal poderia resultar apenas do facto de o comprador nunca ter solicitado à autora qualquer visita ao imóvel na medida em que a ampla divulgação do imóvel inerente ao regime de exclusividade do 2.º contrato celebrado entre a B... e os réus, pode ter chegado ao conhecimento do comprador, sem que este, forçosamente, tivesse que contactar a mediadora autora.
11. Isto porque é notório, e só com grande ingenuidade pode ser menosprezado, que os compradores muitas vezes preferem não contactar as mediadoras, contactando directamente os proprietários dos imóveis, na tentativa de obter melhores condições negociais que, por certo, conseguirão se os proprietários não tiverem que pagar qualquer remuneração aquelas empresas.
12. Acresce que, no caso em análise, a simulação do preço de 120.000€ declarado na escritura para um imóvel pelo qual os réus pediam 189.000€, é manifesta, o que pode ter consistido noutro motivo para que o comprador não estivesse interessado na intervenção da mediadora.
13. E, sem pôr em causa toda a jurisprudência citada na sentença recorrida sobre o ónus da prova do nexo de causalidade entre a actividade de mediação desenvolvida e a concretização do negócio, que, em contratos celebrados em regime de não exclusividade, efetivamente compete á mediadora, há que ter em conta que nos contratos que, como o dos presentes autos, foram celebrados em regime de exclusividade, se impõe outro regime de prova.
14. Isto porque, conforme doutamente expendido no Acórdão da Relação de Évora de 16.06.2016, in www.dgsi.pt, proc. 131855/14.4YIPR.E1, que também concluiu pela inversão do ónus da prova neste tipo de contratos de mediação «… os contratos de exclusividade pretendem impedir que o trabalho de divulgação massiva seja aproveitado por terceiros ou pelos próprios vendedores em prejuízo da mediadora.»
15. Pelo exposto e na impossibilidade de a mediadora provar que foi através da divulgação mais ampla que um contrato celebrado em regime de exclusividade impõe, que o interessado que acabou por fazer o negócio, tomou conhecimento da existência do imóvel e de produzir prova a um facto negativo, como seria o de comprovar que o interessado não teve conhecimento do negócio por contacto directo com os proprietários é que, no inicio do milénio começou a surgir jurisprudência, que entendeu e bem, que nestes casos se deveria aplicar uma presunção (de facto) que passou a permitir considerar que terá sido através da mais ampla divulgação do negócio que um regime de exclusividade supõe, que o comprador teve conhecimento do imóvel, o que levou a formalizar o negócio.
16. A referida presunção (de facto) foi consagrada no Ac. do STJ de 10.10.2002 e é ilidível por prova em contrario, pelo que não pode dizer-se, como diz a sentença recorrida, que esta anularia prorrogativas do cliente da mediadora.
17. E não se diga também, como o disse o Ilustre Magistrado recorrido, no decurso da audiência, desde logo antecipando o teor da sentença que seria proferida, que o acórdão é antigo, pois para além de só faz sentido alterar o que é “antigo” desde que as suas circunstâncias se alterarem também, o que não é o caso, na altura, tal como agora, perante a dificuldade de produzir prova sobre um facto que pode escapar ao seu conhecimento directo, da mediadora, fazia e faz sentido que o ónus da prova se inverta.
18. Por esse motivo o Tribunal da Relação de Guimarães, em Outubro de 2019 (Pr. 101261)
JusNet 7424/2019 continuou a considerar que «No caso do contrato de mediação em regime de exclusividade é devida a remuneração igualmente com a conclusão e perfeição do negócio visado, mas existe a presunção de que a actividade da mediadora contribuiu para a aproximação entre comitente e terceiros facilitando o negócio.»
19. E ainda mais recentemente o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 30.06.2020, no Pr. 2450/18.7T8TVD.L1-7, quase vinte anos depois, reproduziu o AC. ST de 2002 supra citado, decidindo que «A existência de um contrato de mediação em regime de exclusividade autoriza a presunção (de facto) de que a actividade da empresa mediadora contribuiu para a aproximação entre o comprador e terceiros, facilitando o negócio e revertendo o ónus da prova para os mediados».
20. E se é certo que a autora não logrou comprovar o nexo de causalidade entre a sua actividade e o negócio que os réus acabaram por formalizar, o que seria imprescindível se se tratasse de contrato celebrado em regime de não exclusividade, mas não no caso dos autos em que o contrato de mediação foi celebrado em regime de exclusividade, também é verdade que os réus, com a parca prova que produziram e que, em boa verdade se limitou ao depoimento de parte do legal represente da autora e à junção de alguns documentos, não lograram afastar a referida presunção de que foi o trabalho de promoção do imóvel desenvolvido pela autora que do negócio que os réus acabaram por fazer, pelo que deverão ser condenados no pedido deduzido pela autora.
21. Isto porque, como referido no supra citado Ac. TRE de 16.06.2016 «Se assim não fosse facilmente seria colocado em causa o contrato de mediação com exclusividade, sem que a imobiliária conseguisse provar que a sua actividade de divulgação teria levado à celebração do negócio, o que violaria o princípio da auto-responsabilidade das partes quando tomam decisões contratuais livres»
22. A não se entender assim e a tornarem-se efectivas e públicas decisões como aquela de que ora se recorre, que dando cobertura a uma versão vaga de contacto “passa palavra” feita por um terceiro, que até poderá ter sido outro mediador, absolveu os réus, dificilmente as mediadoras conseguirão ser remuneradas pelo serviço que prestam e pelo trabalho que desenvolvem, pois bastaria que os clientes arquitectassem uma, mais ou menos bem contada, história para que as mediadoras nunca recebessem a remuneração a que legitimamente têm direito, como pagamento do serviço que prestam.
Normas violadas:
A sentença recorrida violou o disposto nos artigos 349.º e 350.º do CC, 3.º, 5.º, 452.º a 465.º do CPC e 19.º do DL15 /2013 de 08.02.
Não foram apresentadas contra-alegações.
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Colhidos os vistos, cumpre decidir.
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Da delimitação do objecto do recurso
Considerando, conjugadamente, a sentença recorrida (que constitui o ponto de partida do recurso) e as conclusões das alegações, as questões a decidir reconduzem-se a apreciar:
- da modificabilidade da decisão da 1ª instância sobre a matéria de facto,
- da verificação dos pressupostos para reconhecer à autora o direito a exigir judicialmente dos réus a remuneração acordada no contrato de mediação imobiliária celebrado, à luz do art. 19º da Lei 15/2013, de 8/02.
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FUNDAMENTAÇÃO
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Fundamentação de facto
Na sentença recorrida consideraram-se:
Factos provados
1º- A autora é uma sociedade comercial por quotas que se dedica à atividade de mediação imobiliária, detentora da licença AMI nº …., emitida pelo Instituto dos Mercados de Obras Públicas e Particulares e do Imobiliário (IMOPPI) e é agente da ‘H... Rede Imobiliária’.
2º- Os réus pretendiam vender uma moradia com a tipologia V4, sita na Travessa ..., n.º .., Esmoriz, inscrita na matriz sob o artigo 3554, descrito na Conservatória do Registo Predial de ... sob o nº .....
3º- Por documento particular denominado ‘Contrato de Mediação Imobiliária’ com o nº ……..., datado de 21 de agosto de 2017, foram identificados como segundos contratantes C..., viúva, NIF ……..., residente na Travessa ..., nº .., ..., E.., casado na comunhão de adquiridos com F..., NIF ……..., residente na Rua ..., nº ..., ..., D..., NIF ……..., residente na Travessa ..., nº .., ....
4º- No documento identificado em 3º consta da cláusula 1ª que ‘o segundo contratante é proprietário e legítimo possuidor do prédio destinado a habitação sito na Travessa ..., nº .., ..., descrita na Conservatória do Registo Predial de ... sob o nº …, inscrito sob o artigo 3554.’
5º- Na cláusula 2ª consta que ‘a mediadora obriga-se a diligenciar no sentido de conseguir interessado na compra pelo preço de €215.000,00 (duzentos e quinze mil euros), desenvolvendo para o efeito, ações de promoção e recolha de informações sobre os negócios pretendidos e características dos respetivos imóveis.’.
6º- A cláusula 4ª do documento identificado em 2º tem a seguinte identificação ‘1. O Segundo Contratante contrata a Mediadora em regime de não exclusividade. (…).’.
7º- É do seguinte teor a cláusula 5ª do contrato identificado em 2º:
‘1. A remuneração só será devida se a Mediadora conseguir interessado que concretize o negócio visado pelo presente contrato, nos termos e com as exceções previstas no artigo 19º da Lei 15/2013.
2. O segundo Contratante obriga-se a pagar à Mediadora a título de remuneração: A quantia de 5% sobre o preço pelo qual o negócio é efetivamente concretizado, nunca podendo ser inferior a 6.000,00 Euros (seis mil euros) acrescido de IVA à taxa legal de 23%
3. O pagamento da remuneração apenas será efetuado nas seguintes condições: o total da remuneração aquando da celebração do contrato-promessa.’.
8º- Na cláusula 8ª foi fixado o prazo de vigência do contrato em 12 meses renovando-se automaticamente por iguais e sucessivos períodos de tempo, caso não seja denunciado por qualquer das partes através de carta registada com aviso de receção ou outro meio equivalente com uma antecedência mínima de 10 dias em relação ao termo do contrato.
9º- Na cláusula 9ª consta que ‘O Segundo Contratante colaborará com a Mediadora na entrega de todos os elementos julgados necessários e úteis no prazo de 30 (trinta) dias, a contar da data de assinatura do presente contrato.’
10º- Não obstante o estudo de mercado realizado pela B... aconselhar o preço de 174.525€ para o imóvel, de acordo com o previsto na cláusula 2ª ficou, inicialmente, estipulado que o preço de venda seria de 215.000€, que em 28.12.2017 desceu para 190.000€ e, em 29.12.2017, para 189.000€.
11º- Após a celebração do contrato de mediação em referência a B... começou a diligenciar a promoção do imóvel publicitando o negócio na Internet, onde o mesmo foi também divulgado junto das 180 agências da Rede H… de todos o país.
12º- Em Outubro de 2017 o imóvel foi incluído na Revista Proprietários Regional, com uma tiragem de cerca de 20.000 exemplares.
13º- O imóvel esteve na montra da agência durante 126 dias.
14º- A autora promoveu, também, a venda do imóvel dos réus, através da atividade dos seus vendedores que, com o objetivo de conseguir comprador para o mesmo, o mostraram virtualmente, na agência, a 6 interessados e acompanharam 9 visitas ao imóvel com destinatários que pretenderam vê-lo.
15º- Em 04/01/2018, a autora visitou o imóvel com o interessado I… que, não obstante ter ficado muito interessado, como vivia na Suíça e o imóvel era usado pretendia fazer uma aquisição mais segura.
16º- Dado que essa segurança acrescida poderia ser facultada pela H... através do serviço disponível em contratos de mediação celebrados em regime de exclusividade, «Casas com Garantia» que confere, a um imóvel usado, a garantia de um ano após a aquisição, a autora sugeriu aos réus a celebração de um contrato de exclusividade.
17º- Em 08/01/2018, a autora e os réus celebraram novo contrato de mediação com as mesmas cláusulas do contrato identificado em 2º, com as seguintes alterações:
Cláusula 2ª que passou a ter a seguinte redação:
‘A mediadora obriga-se a diligenciar no sentido de conseguir interessado na compra pelo preço de €189.000,00, desenvolvendo para o efeito, acções de promoção e recolha de informações sobre os negócios pretendidos e características dos respectivos imóveis.’
Cláusula 4ª que passou a ter a seguinte redação:
‘1. O Segundo Contratante contrata a Mediadora em regime de exclusividade.
2. Nos termos da legislação aplicável quando o contrato é celebrado em regime de exclusividade, só a mediadora contratada tem o direito de promover o negócio objecto do contrato de mediação durante o respectivo período de vigência. No que respeita ao pagamento da remuneração caso o negócio visado tenha sido celebrado em regime de exclusividade e não se concretize por causa imputável ao cliente proprietário ou ao arrendatário trespassante de bem imóvel é devida à empresa a remuneração acordada.’ e
Cláusula 5ª que passou a ter a seguinte redação:
‘1. A remuneração só será devida se a Mediadora conseguir destinatário que concretize o negócio visado pelo presente contrato, nos termos e com as excepções previstas no artigo 19.º da Lei 15/2013.
2. O segundo Contratante obriga-se a pagar à Mediadora a título de remuneração: A quantia de 5% calculada sobre o preço pelo qual o negócio é efetivamente concretizado, nunca podendo ser inferior a 6.250,00 Euros (seis mil duzentos e cinquenta euros) acrescido de IVA à taxa legal de 23%.
3. O pagamento da remuneração apenas será efectuado nas seguintes condições: o total da remuneração aquando da celebração do contrato-promessa.’.
18º- Em 08/01/2018, I… apresentou proposta de aquisição pelo valor de 170.000,00€.
19º- A proposta foi aceite pelos réus mas não chegou a concretizar-se dado que o referido interessado/proponente não conseguiu o financiamento bancário de que necessitava para adquirir o imóvel.
20º- Após a celebração do contrato identificado em 17º, o imóvel dos réus foi de novo incluindo em três campanhas de newsletters online, que chegaram a 1.820 interessados;
21º- Foi incluído no folheto da agência de Fevereiro de 2018, com uma tiragem de 10.000 exemplares;
22º-E foi incluído na Revista Proprietários Nacional de Março de 2018, com uma tiragem de cerca de 150.000 exemplares.
23º- Num contacto de rotina, os réus disseram ao diretor comercial da autora que um interessado angolano os tinha contactado e manifestado interesse em comprar o imóvel.
24º- O diretor comercial alertou-os para a necessidade de colocarem a autora em contacto com o referido interessado, para darem sequência ao negócio.
25º- A autora manteve as visitas ao imóvel.
26º- Em 10, 12 e 18 de Abril e em 2 de Maio de 2018, a autora tentou contactar telefonicamente os réus, sem que o tenha conseguido.
27º- Em 3 de Maio de 2018, os réus enviaram carta registada para a autora, que esta recebeu, a ‘rescindir o contrato’.
28º- A autora respondeu por e-mail datado de 11/07/2018, no qual alertava para o facto de, nos termos do contrato de mediação celebrado, a denuncia só produzir os seus efeitos em 08/01/2019.
29º- Por estranhar esta atitude dos réus, a autora acabou por consultar o registo predial onde constatou que, em 24/04/2018, ainda dentro do prazo de vigência do contrato celebrado com os réus, o imóvel tinha sido vendido a G….
30º- Na sequência de tal constatação a autora obteve a escritura de compra e venda do imóvel, onde pôde verificar que o mesmo tinha sido vendido por 120.000,00€.
31º- Em 22 de Janeiro de 2019, a autora através dos seus advogados enviou a todos e a cada um dos réus uma carta, que os mesmos receberam, solicitando o pagamento até ao final do mês de Janeiro do mesmo ano, do montante de 7.687,50€ correspondente a 6.250,00€ de remuneração mínima prevista no n.º 2 da cláusula 5ª do contrato de 08.01.2018, acrescido de 1.437,50€ relativamente ao IVA à taxa de 23%.
32º- A cópia do contrato de 8 de Janeiro de 2018 apenas foi rececionada pelos réus em 22 de Janeiro de 2018, via correio, apesar de a carta que o acompanhava referir a data de 10 de Janeiro e de do sobrescrito constar como data de entrega nos correios 11 de Janeiro de 2018.
33º- Em 15 de Janeiro de 2018, pela autora foi enviado e-mail informando a ré C… que tinha sido apresentada uma reserva do imóvel por 170.000,00€ e que o contrato promessa seria assinado até 18 de Janeiro de 2018.
34º- Em 17 de Janeiro de 2018, a autora enviou novo e-mail à mesma C… lembrando esta que estava agendado a assinatura do contrato promessa do imóvel para o dia seguinte, ou seja, 18 de Janeiro de 2018.
35º- Os réus dirigiram-se ao escritório da autora em 23 de Janeiro de 2018 por antes disso não terem conseguido contactar telefonicamente os responsáveis da ‘H...’ pelas informações prestadas através dos e-mails datados de 17 e 18 de Janeiro de 2018 e, nesse mesmo dia, foram informados que a pessoa que teria manifestado interesse na compra – Sr. I… – já não estava interessado no negócio.
36º- O imóvel foi vendido por 120.000,00€ a G…, o interessado referido em 23º.
37º- O referido comprador nunca contactou a autora ou algum dos seus colaboradores a demonstrar interesse em visitar o prédio ou a manifestar interesse na aquisição do imóvel.
38º- O comprador do imóvel G… surgiu no âmbito do ‘passa a palavra’ entre amigos do réus, em particular dos réus E… e F….
Factos não provados:
a. As visitas ao imóvel solicitadas a 15/02/2018 e a 28/02/2018, foram recusadas.
b. Embora J…, comercial da autora, em 05/04/2018, tenha combinado com o réu E… uma nova visita ao imóvel, quando aquele chegou ao local com o interessado ninguém lhes abriu a porta.
c. O contrato de 8 de Janeiro de 2018 foi assinado em regime de exclusividade apenas e tão só para satisfazer os interesses do alegado interessado na compra I… o qual pretendia beneficiar da garantia ‘H...’.
d. Apesar do contrato celebrado em 27 de Agosto de 2017 com a autora, o imóvel em causa estava a ser publicitado em outras agências bem sabendo aquela dessa situação e à mesma não se opondo.
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Fundamentação de direito
A - Da modificabilidade da decisão da 1ª instância sobre a matéria de facto.
Impugna a apelante a decisão da 1ª instância sobre a matéria de facto sustentando:
- ter sido vazada na fundamentação de facto provada matéria não alegada (o facto provado número 37), cuja consideração, a ser entendida como instrumental, concretizadora ou complementar da alegada, teria de ser precedida da possibilidade de sobre ela as partes se pronunciarem, o que não aconteceu, tratando-se além do mais de matéria que não pode ser tida por provada por ausência de prova,
- ter sido julgada provada matéria (facto provado número 38) que excede o alegado, que ademais não pode ser considerada demonstrada, por não ter sido produzida prova que o permita – além do depoimento de parte do legal representante da autora os réus prestaram depoimento, mas não podem ser a propósito valorizadas as suas declarações (por não poderem ser inquiridos a matéria por eles alegada), que só podiam ser atendidas se e na medida em que fossem confessórias (o que não é caso quanto ao facto em causa).
A.1. Da impugnação deduzida ao facto provado número 37.
O nosso ordenamento processual admite a atendibilidade, na decisão da causa, de matéria não alegada pelas partes desde que não consubstancie factualidade essencial (que identifique ou individualize a causa de pedir e/ou excepção alegadas).
Na decisão da causa, para lá de integrar os factos notórios ou que tenham sido revelados ao tribunal por força do exercício das suas funções, deve o juiz ‘ponderar, mesmo oficiosamente, os factos complementares (constitutivos do direito ou integrantes da exceção, embora não identificadores dos mesmos) e os factos concretizadores de anteriores afirmações de pendor mais genérico que tenham sido feitas, acautelando substancialmente o contraditório (arts. 607º, nºs 3 a 5, e 5º, nº 2, al.b))’[1].
Porque reservada às partes a alegação dos factos essenciais identificadores ou individualizadores da causa de pedir e/ou excepção alegadas (factos essenciais nucleares), não pode o juiz considerar, na decisão, factos essenciais diversos dos alegados pelas partes, podendo já ser atendidos e integrados na fundamentação de facto da decisão da causa (além dos notórios e daqueles que o tribunal conheça por virtude do exercício das suas funções – alínea c) do nº 2 do art. 5º do CPC), os factos que, não desempenhando tal função individualizadora ou identificadora da causa de pedir e/ou excepção alegadas, se revelem imprescindíveis à procedência da acção ou da excepção, por também constitutivos do direito invocado ou excepção arguida (factos essenciais complementares), assim como os factos instrumentais (aqueles que permitem a afirmação, por indução, de factos de cuja prova depende o reconhecimento do direito ou da excepção)[2].
Podem assim ser considerados na decisão (com referência, sempre, aos limites de cognição do tribunal traçados pela causa de pedir e/ou excepção individualizadas e identificadas nos factos essenciais alegados pelo autor e pelo réu – art. 5º, nº 1 e 615º, nº 1 d) do CPC) os factos complementares e instrumentais[3] – estes, quando resultem da instrução da causa (art. 5º, nº 2, a) do CPC); aqueles, quando resultem da instrução da causa, desde que sobre eles tenham tido as partes possibilidade de se pronunciar.
A conformidade da aquisição da matéria elencada no facto 37 não merecerá qualquer censura (à luz do preceituado no art. 5º, nº 2, a) do CPC) se entendida como instrumental relativamente à matéria de defesa alegada – alegaram os réus que o comprador teve conhecimento do seu (réus) interesse em alienar o imóvel com fundamento em meios diversos da actividade de divulgação desenvolvida pela autora (factos 24 e 25 da oposição), e o facto provado no número 37 poderia ser considerado em vista de permitir (por presunção judicial - arts. 349º e 351º do CC) a demonstração daquela matéria.
Diversa solução se tal matéria consubstanciar facto complementar ou concretizador da defesa apresentada pelos réus. Na verdade, a consideração do novo (novo no sentido de não alegado pela parte nos articulados) facto complementar ou concretizador exige, face ao disposto na parte final do art. 5º, nº 2, b) do CPC, que o ‘tribunal se pronuncie expressamente sobre a possibilidade de ampliar a matéria de facto’ com o facto em causa, ‘disso dando conhecimento às partes antes do encerramento da discussão’: não basta que o facto novo aflore na discussão da causa, onde o contraditório é observado, para que se possa concluir que às partes foi dada a possibilidade de sobre os mesmos se pronunciarem – a exigência de observância do princípio da audiência contraditória na produção do meio de prova (donde emerge o facto novo a considerar) vale, em geral, para a produção de qualquer meio prova e, ‘portanto, é pressuposto que se coloca a montante do aproveitamento do facto’ que resulte do meio de prova, seja tal facto instrumental, complementar ou concretizador; admitir-se que o ‘juiz possa, sem mais (isto é, apenas com a exigência de audiência contraditória na produção do meio de prova), considerar o facto novo, essencial (complementar ou concretizador), corresponderia a exigir ao mandatário da parte interessada um grau de atenção e diligência incomum, dirigida não só à produção e valoração da prova que fosse sendo realizada, mas também, antecipando o juízo valorativo do tribunal, à possibilidade de vir a ser retirado desse meio de prova e considerado provado um novo facto nele mencionado’, sendo por isso de entender que a disciplina prevista no art. 5º, nº 2, b) do CPC exige para que tais factos sejam considerados (independentemente de requerimento das partes nesse sentido), que o tribunal expressamente advirta as partes, antes do encerramento da discussão de facto, sobre a possibilidade de tais factos serem considerados[4], pois importa cumprir o contraditório quanto ao próprio aproveitamento do facto pelo tribunal[5]. É esta a solução que se nos afigura respeitadora do processo justo e equitativo e a que resulta da ponderação do princípio da cooperação na obtenção da justa composição do litígio (art. 7º do CPC), sendo a mais consentânea com a proibição de decisões-surpresa[6].
Assim que na situação dos autos, por não ter sido observado tal pressuposto para a sua aquisição oficiosa, não poderia tal facto ser tomado em consideração, se fosse de concluir que se trata de facto complementar ou concretizador – sem prejuízo de, em tal caso, e mostrando-se o facto relevante para a decisão da causa, poder (dever) ser anulada a decisão, nos termos do art. 662º, nº 2, c) do CPP (sem prejuízo de tal solução pressupor que o facto em questão emergisse da discussão da causa com a consistência suficiente e necessária para a sua demonstração em juízo).
O facto em análise não consubstancia, todavia, qualquer complemento ou concretização da matéria alegada pelos réus como defesa, não sendo necessário à procedência da oposição (não resulta dele a concludência da alegação dos réus) – a alegação de que a actividade de mediação desenvolvida pela autora não contribuiu para o negócio que viria a ser celebrado não necessita, em vista da sua concludência, da matéria vazada no facto 37, tanto mais quanto este não demonstra a inexistência da contribuição da actividade de mediação da autora na celebração do negócio (melhor, na aproximação do comprador interessados aos réus vendedores): do facto do interessado comprador nunca ter contactado qualquer responsável ou colaborador da autora demonstrando interesse na aquisição do imóvel não pode concluir-se com segurança (à luz de critérios de lógica e de racionalidade e de acordo com as regras da experiência da vida) que não tenha sido através da actividade de mediação por ela desenvolvida que tomou conhecimento do interesse dos réus na alienação.
Esta inaptidão da matéria elencada no facto 37 dos factos provados para indiciar o facto essencial da defesa (para permitir a prova, enquanto facto base de presunção, do facto essencial – a inexistência de contribuição da actividade de mediação da autora para a outorga do negócio) tem como consequência necessária e relevante – não tanto a de demonstrar que o facto em questão não consubstancia factualidade instrumental – a de permitir constatar que (independentemente da sua aquisição oficiosa ser justificada à luz do art. 5º, nº 2, a) do CPC) se trata de matéria inócua e indiferente à boa decisão da causa, devendo por isso a Relação abster-se de apreciar da sua impugnação (impugnação também deduzida com fundamento na ausência de prova).
Se a matéria impugnada pelo recorrente não interfere de modo algum na solução do caso, sendo alheia à sorte da acção, de acordo com o direito aplicável (por não se visionar qualquer solução plausível da questão de direito que esteja dependente da modificação que o recorrente pretende operar no leque de factos provados ou não provados), não deverá a Relação sequer conhecer da pretendida alteração[7], sob pena de estar a levar a cabo actividade inútil, infrutífera, vã e estéril – se os factos impugnados não forem relevantes para qualquer das soluções plausíveis de direito da causa, é de todo inútil a reponderação da correspondente decisão da 1ª instância, como sucederá nas situações em que, mesmo com a substituição pretendida pelo impugnante, a solução e enquadramento jurídico do objecto da lide permaneçam inalterados[8].
Irrelevância que se detecta no facto provado número 37 – porque, como se disse, não se trata de fato complementar ou concretizador (tal facto não é necessário à procedência da defesa dos réus - não resulta dele a concludência da oposição) nem tampouco constitui, como facto instrumental, base de presunção de facto essencial da defesa (da inexistência de contribuição da actividade de mediação desenvolvida pela autora para a outorga do negócio), a sua exclusão da factualidade provada não tem qualquer reflexo na apreciação e decisão da causa: não é a consideração de tal facto (por si ou em conjugação com a demais matéria) que permite afirmar a inexistência de contribuição da actividade de mediação desenvolvida pela autora para a outorga do negócio nem é a sua exclusão da matéria provada que permitirá concluir pela existência de tal contribuição (ainda que por presunção). Dito doutro modo: a matéria vazada no facto 37 é indiferente tanto à afirmação da existência quando da inexistência da contribuição da actividade de mediação da autora na celebração do negócio (na aproximação do comprador interessados aos réus vendedores): não podendo tal inexistência fundar-se na sua consideração, também a afirmação da sua existência não está dependente da sua exclusão dos factos provados.
Por se tratar (a constante no facto provado número 37) de matéria irrelevante, indiferente e inócua à solução da causa, insusceptível de influenciar o mérito da acção, abstém-se a Relação de conhecer da impugnação que a tem por objecto.
A.2. Da impugnação deduzida ao facto provado número 38.
Argumenta a apelante, preliminarmente, ter sido julgada provada matéria que excede a alegação – alegam que os réus tão só alegaram que lhes foi indicado por um terceiro um interessado na aquisição do imóvel, que tal interessado surgiu por meio do ‘passa a palavra’ de amigos, julgando a decisão apelada como provado que o ‘comprador do imóvel G… surgiu no âmbito do «passa a palavra» entre amigos dos réus, em particular dos réus E… e F…’, o que excede o alegado.
Argumento de fluorescente improcedência – a decisão não padece de qualquer excesso, pois que o segmento que a apelante refere exceder o alegado (seja a identificação do comprador, seja a especificação dos réus cujos amigos indicaram o interessado) não constitui mais que um simples esclarecimento, situado no âmbito factual alegado (inserido no ‘círculo formado pela matéria de facto alegada’[9]).
Manifestamente improcedente também o argumento de que os elementos probatórios produzidos nos autos não permitem concluir pela demonstração do facto em juízo, por não poderem os depoimentos de parte dos réus ser valorizados senão na parte em que são confessórios, não permitindo sustentar a convicção do tribunal quanto a factos que ao depoente sejam favoráveis.
Apesar do depoimento de parte se destinar a obter a confissão do depoente (e por isso o seu âmbito estar naturalmente circunscrito aos factos que admitem confissão – arts. 354º, 355º e 356º do CC e arts. 452º e ss do CPC), não está excluído que dele se extraiam ‘elementos que influam na formação da convicção sobre a matéria de facto controvertida’, e que o ‘juiz forme a sua convicção sobre outros factos a partir da apreciação crítica de todo o depoimento de parte, no segmento que não implique efeitos confessórios’[10]; à luz do código actual, que admite a prova por declarações de parte, que pode redundar num relato de factos favoráveis, ‘não se vê motivo para excluir a possibilidade de valoração de relatos favoráveis que surjam na sequência de prestação do depoimento de parte.’[11]
Não se verifica, pois, que o tribunal recorrido tenha ponderado, na formação da convicção quanto ao facto provado número 38º, elemento probatório que lhe estava vedado valorizar – o depoimento de parte é objecto da livre apreciação do julgador (art. 607º, nº 5 do CPC) na parte que não integra confissão, podendo basear a formação da convicção do juiz quanto a factos favoráveis ao depoente.
Ademais, a decisão recorrida motiva a convicção sobre a matéria do facto 38 conjugando o depoimento de parte dos réus com depoimentos testemunhais (testemunhas K… e L…), estando assim estribada em elementos probatórios atendíveis e valorizáveis, não se tratando de facto cuja demonstração em juízo esteja dependente de prova vinculada (v.g., documental ou por confissão).
Improcede, pois, a impugnação deduzida pela apelante à decisão da 1ª instância sobre o facto 38.
B. Da verificação dos pressupostos para reconhecer à autora o direito a exigir judicialmente dos réus a remuneração acordada no contrato de mediação imobiliária celebrado, à luz do art. 19º da Lei 15/2013, de 8/02.
Não vem questionada na presente apelação, enquanto requisito do direito da mediadora à remuneração, a exigência do nexo de causalidade entre a actividade desenvolvida pelo mediador e a conclusão do negócio – trata-se de requisito que decorre dos compromissos assumidos pelas partes no âmbito da relação contratual de mediação imobiliária, incansavelmente lembrado e pela doutrina[12] pela jurisprudência[13].
Tampouco se questiona que impende sobre o mediador (enquanto facto constitutivo do invocado direito) o ónus de prova da verificação de todos os requisitos necessários ao exercício do direito à remuneração, incluindo a existência do nexo causal entre a actividade de mediação exercida e a conclusão do negócio[14] – tão só se argumenta que a cláusula de exclusividade acordada no contrato de mediação autoriza a presunção (de facto) de que a actividade da autora (mediadora) contribuiu para a aproximação entre o comitente (os réus – a contraparte da mediadora no contrato de mediação imobiliária) e o terceiro, facilitando o negócio (presunção cuja não ilisão a apelada sustenta, na apelação, na pretendida exclusão dos factos que com os 37 e 38 foram vazados na matéria provada).
Devendo reconhecer-se que a cláusula de exclusividade, ainda que simples[15] (como tem de ser considerada a que as partes estabeleceram no contrato celebrado, pois que não estabeleceram de forma clara e inequívoca a obrigação dos réus se absterem de procurar eles mesmos o melhor negócio[16] - do facto provado com o número 17º não pode concluir-se que a cláusula acordada abrangesse a proibição do réus diligenciarem por encontrar interessado na aquisição do sem imóvel, sendo certo que à autora incumbe o ónus de prova dos factos a tanto necessários[17]), acarreta a presunção de que o negócio visado foi concluído por causa do exercício da actividade de mediação[18] (que autoriza a presunção - de facto - de que a actividade da empresa mediadora contribuiu para a aproximação entre o comitente e o terceiro, facilitando o negócio[19]), pois que a sua função é a de ‘afastar a necessidade de demonstração do nexo de causalidade entre a actividade do mediador e a conclusão’ do negócio visado[20], certo é que na situação dos autos tem de considerar-se afastada tal presunção.
Aceitando que a matéria do facto 37 não permite afastar a possibilidade de que a actividade desenvolvida pela autora (mediadora) haja contribuído para a aproximação entre os réus alienantes e o terceiro adquirente [como acima se referiu, do facto do terceiro comprador não ter contactado qualquer responsável ou colaborador da autora, demonstrando interesse na aquisição do imóvel, não pode concluir-se com segurança, à luz da lógica e da racionalidade e de acordo com as regras da experiência da vida, que não tenha sido através da actividade de mediação desenvolvida pela autora que aquele terceiro tomou conhecimento do interesse dos réus na alienação, contactando-os directamente], não pode negar-se que o facto provado número 38 afasta a possibilidade de presumir tal contributo da actividade da autora, entidade mediadora, para a aproximação entre os réus e o terceiro, facilitando o negócio.
Resultando provado que a aproximação entre os réus e o terceiro adquirente ocorreu em razão do ‘passa a palavra’ entre amigos dos réus, tem de conceder-se estar demonstrado que a aproximação entre uns e outro não adveio de actividade desenvolvida pela autora (ou sequer que para tal aproximação a actividade da autora tenha contribuído) – o terceiro foi trazido ao negócio por actos de amigos dos réus.
Ilidida, pois, pelos réus, a presunção de facto de que a autora beneficiava (em razão da cláusula de exclusividade, simples, acordada entre as partes) – e assim que tem de concluir-se não estar demonstrado um dos requisitos necessários para o surgimento do direito da autora, mediadora, à remuneração, qual seja o da existência de nexo causal entre a actividade de mediação desenvolvida e a conclusão do negócio: apesar do contrato visado ter sido celebrado na vigência do contrato de mediação acordado, sujeito ao regime de exclusividade simples, certo é que a sua celebração resultou de actuação dos comitentes (dos réus), caso em que o mediador não tem direito à remuneração[21].
Não merece censura, pois, a sentença apelada ao concluir pela improcedência da pretensão da autora.
C. Síntese conclusiva.
Atento o exposto, improcede da apelação, podendo sintetizar-se a argumentação decisória (nº 7 do art. 663º do CPC) nas seguintes proposições:
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DECISÃO
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Pelo exposto, acordam os juízes desta secção cível em julgar improcedente a apelação e, em consequência, em confirmar a decisão recorrida.
Custas pela apelante.
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Porto, 23/11/2021
João Ramos Lopes
Rui Moreira
João Diogo Rodrigues
(por opção exclusiva do relator, o presente texto não obedece às regras do novo acordo ortográfico, salvo quanto às transcrições/citações, que mantêm a ortografia de origem).
_________________________________________ [1] Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa, Código de Processo Civil Anotado, Vol. I, p. 27. [2] Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa, Código de Processo Civil Anotado, Vol. I, pp. 27 e 29. [3] Teixeira de Sousa, in ‘Algumas questões sobre o ónus de alegação e de impugnação em processo civil’, Scientia Iuridica, Tomo LXII, n.º 332, 2013, pp. 396 e 397 (na sequência do que ensina já nos Estudos Sobre o Novo Processo Civil, 2ª Edição, pp. 71 a 74), nota que deve distinguir-se a factualidade necessária ‘para individualizar a pretensão material alegada pelo autor, isto é, para se saber qual a pretensão material que o autor quer defender em juízo’, que constitui a causa de pedir, daquela que constitui factualidade complementar ou instrumental: - os factos complementares ‘concretizam ou complementam os factos que integram a causa de pedir (cf. art. 5.º, n.º 2, al. b))’ e ‘asseguram a concludência da alegação da parte’; não ‘esgotam uma previsão legal, mas, como complemento dos factos que integram a causa de pedir, são necessários para a procedência da pretensão da parte’ e ‘realizam, por isso, uma função de fundamentação desta pretensão’; - os ‘factos instrumentais (cf. art. 5.º, n.º 2, al. a)) são os factos que indiciam, através de presunções legais ou judiciais (cf. art. 349.º a 351.º CC), os factos que constituem a causa de pedir ou os factos complementares; os factos instrumentais compõem a base de uma presunção e a causa de pedir ou os factos complementares os factos presumidos; portanto, os factos instrumentais cumprem apenas uma função probatória dos factos indispensáveis à procedência da causa.’ [4] Acórdão do STJ de 7/02/2017 (Pinto de Almeida), no sítio www.dgsi.pt. No mesmo sentido, e com o mesmo relator, os acórdãos do STJ de 23/02/2021 e de 10/04/2018, também no sítio www.dgsi.pt. [5] Citado acórdão do STJ de 10/04/2018. [6] Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa, Código (…), p. 29. [7] Assim, ainda que considerando o anterior regime processual civil, Abrantes Geraldes, Recursos em Processo Civil, Novo Regime (Decreto Lei nº 303/07, de 24/08) – 2ª edição revista e actualizada, p. 298. Os argumentos expendidos mantêm inteira valia à luz do regime processual vigente. [8] Acórdão da Relação de Coimbra de 14/01/2014 (Henrique Antunes), no sítio www.dgsi.pt. No mesmo sentido, por mais recentes, os acórdãos do STJ de 19/05/2021 (Júlio Gomes) e de 14/07/2021 (Fernando Batista), no sítio www.dgsi.pt. [9] A expressão foi encontrada em Abrantes Geraldes, Temas da Reforma do Processo Civil, II Volume, 2ª edição revisa e ampliada, p. 228. [10] Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa, Código (…), pp. 521/522. [11] José de Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, Código de Processo Civil Anotado, Volume 2º, 4ª Edição, p. 282. [12] Afirmação de Higina Castelo, Contratos de mediação imobiliária: simples e com exclusividade, in Revista de Direito Comercial (ano de 2020), a pp. 1424 e ss (consulta on-line em Novembro de 2021). Cfr. também, a propósito do requisito em questão, Maria de Fátima Ribeiro, O contrato de mediação e o direito do mediador à remuneração, in Revista de Direito Comercial (ano de 2017), a pp. 226/227 e pp. 243 e ss (consulta on-line em Novembro de 2021), Carlos Lacerda Barata, Contrato de mediação, in Estudos do Instituto de Direito do Consumo, Volume I, Almedina, Coimbra, 2002, p. 203, e Manuel Salvador, Contrato de Mediação, 1964, pp. 105 e 106. [13] Por mais recentes, os acórdãos do STJ de 11/07/2019 (Maria da Graça Trigo) e de 17/06/2021 (Vieira e Cunha), no sítio www.dgsi.pt. [14] P. ex., Maria de Fátima Ribeiro, O contrato de mediação e o direito do mediador à remuneração (…), p. 227 (em nota) e p. 246 e Carlos Lacerda Barata, Contrato de mediação (…), p. 207. [15] Devem distinguir-se, entre as cláusulas de exclusividade, as cláusulas de exclusividade simples, em que o cliente da mediadora se obriga apenas a não procurar mais nenhuma empresa de mediação, e a cláusula de exclusividade reforçada, em que o cliente se obriga a não procurar um interessado – assim, António Menezes Cordeiro (com a colaboração de A. Barreto Menezes Cordeiro), Direito Comercial, 4.ª edição, pp. 726/727 e Maria de Fátima Ribeiro, O contrato de mediação e o direito do mediador à remuneração (…), p. 248. A este propósito, cfr. também Higina Castelo, Contratos de mediação imobiliária: simples e com exclusividade (…), pp. 1429 e 1430. [16] ‘Quando do teor do próprio contrato de mediação não resulte expressamente qual o alcance da exclusividade estabelecida em benefício do mediador, saber se se está perante uma cláusula de exclusividade simples ou uma cláusula de exclusividade reforçada vai depender da interpretação do mesmo, considerando-se todas as circunstâncias conhecidas por ambas as partes, embora seja de considerar que, na dúvida, a exclusividade é simples – pois deve resultar claramente do contrato que o comitente se abstém de procurar ele próprio o melhor negócio, dispondo-se a remunerar o mediador no caso em que o consiga directamente (e não em resultado da actividade de mediação)’ - Maria de Fátima Ribeiro, O contrato de mediação e o direito do mediador à remuneração (…), pp. 248/249. [17] Assim, Maria de Fátima Ribeiro, O contrato de mediação e o direito do mediador à remuneração (…), p. 249 (em nota). [18] Assim, António Menezes Cordeiro (com a colaboração de A. Barreto Menezes Cordeiro), Direito Comercial, cit. pp. 726/727. [19] Maria de Fátima Ribeiro, O contrato de mediação e o direito do mediador à remuneração (…), pp. 250/251 e acórdão do STJ de 10/10/2002 (Moitinho de Almeida), no sítio www.dgsi.pt (citado pelos apelantes). Ponderando também esta presunção de facto da cláusula de exclusividade, os acórdãos da Relação de Lisboa, de 20/03/2014 (Ezagüy Martins) e de 30/06/2020 (Cristina Silva Maximiano) e acórdão da Relação do Porto de 27/03/2017 (Miguel Baldaia de Morais), também no sítio www.dgsi.pt. [20] Maria de Fátima Ribeiro, O contrato de mediação e o direito do mediador à remuneração (…), p. 250. [21] Diferente seria se tivesse sido acordada cláusula de exclusividade reforçada – em tais situações, o direito da mediadora à remuneração mantém-se mesmo que o negócio se tenha concretizado por actuação exclusiva dos comitentes [na ‘vigência de uma cláusula de exclusividade reforçada, o direito do mediador existe, qualquer que tenha sido a origem da actividade que levou à conclusão do negócio’ – assim, Maria de Fátima Ribeiro, O contrato de mediação e o direito do mediador à remuneração, (…), p. 250; no mesmo sentido, Higina Castelo, Contratos de mediação imobiliária: simples e com exclusividade, (…), p. 1439].