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PROCESSO DE EXPROPRIAÇÃO
RECURSO DA REJEIÇÃO DE MEIOS DE PROVA
INDEMNIZAÇÃO POR APROVEITAMENTO CONJUNTO E NORMAL DE PARCELAS CONTÍGUAS EXPROPRIADAS
JUROS NA EXPROPRIAÇÃO
Sumário
I - O processo de expropriação, sendo um processo especial, submete-se à disciplina do processo comum, sempre que as disposições próprias e as gerais não estabeleçam regime diferente, pelo que a impugnação de qualquer decisão que rejeite meios de prova deve ser operada por apelação autónoma, e não com o recurso interposto da decisão final. II - A apensação de processos de expropriação de parcelas contíguas e do mesmo dono resulta do art. 39º do C. Expropriações, que é uma norma de cariz essencialmente processual, pretendendo realizar interesses de economia processual e de custos, de prevenção de contradição de julgados, além de potenciar uma unidade de apreciação global da situação. III - Esta norma não pode impedir a avaliação e eventual indemnização que considerem uma solução de aproveitamento conjunto das parcelas contíguas, como se de um só prédio se tratassem, desde que esse aproveitamento fosse possível segundo os regulamentos de utilização do solo pertinentes e essa solução correspondesse a aproveitamento económico normal, designadamente por proporcionar a maximização de resultados económicos. IV - As razões que subjazem à regra do nº 12 do art. 26º do C. Expropriações não são aplicáveis a situações em que a classificação dos solos resulta de outros instrumentos de ordenamento do território, que não os municipais, o que impede a respectiva aplicação analógica. V - O regime do art. 51º do C. Expropriações revela a essencialidade do envio do processo expropriativo, pelo expropriante, ao tribunal, devendo incluir comprovativo do depósito da quantia indemnizatória fixada no acórdão arbitral. É essa essencialidade que justifica a presunção de culpa reconhecida ao mesmo normativo, em caso de incumprimento dessa obrigação pelo expropriante, motivando uma indemnização nos termos do nº 2 do art. 70º, através de um valor de juros sobre os montantes definitivos da indemnização, pelo período correspondente ao atraso. VI - O legislador, no nº 1 do art. 24º do C. Expropriações, estabeleceu os termos da indemnização do dano constituído pela privação do bem expropriado entre o momento da perda da sua disponibilidade e o do recebimento da indemnização devida: a actualização do valor desse bem como se dele o expropriado só abrisse mão à data da decisão final.
Texto Integral
PROC. N.º 10694/11.6TBVNG.P1
REL. N.º 629
Relator: Rui Moreira
Adjuntos: João Diogo Rodrigues
Anabela Andrade Miranda
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ACORDAM NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DO PORTO:
I - RELATÓRIO
Foram apensos dois processos de expropriação em que figura como expropriante o MUNÍCIPIO DE …., com sede na Rua …., em ..., e como expropriada B...– … Imobiliária S.A, com sede na Rua …, n.º .., sala ., Porto, relativos a duas parcelas designadas por 1J e por 1H, assim descritas:
- Nestes autos principais – parcela n.º 1J, com a área de 1.400m2, correspondente ao prédio sito junto à Avenida ..., freguesia de ..., concelho de …., descrito na 1ª Conservatória do Registo Predial de …., sob o n.º 2547/031198, da freguesia de ....
A fls. 16 e ss. dos autos está junto o relatório de avaliação desta parcela 1J da obra de requalificação do litoral de ..., no montante de €63.297,50 e cuja declaração de utilidade pública está a fls. 23.
A fls. 34 e ss. está junto o relatório da vistoria ad perpetuam rei memoriam.
A fls. 69 consta o auto de posse administrativa.
A fls. 106 e ss. está junto o acórdão arbitral que fixou a indemnização no montante de €226.818,73.
Foi proferido o despacho de adjudicação a fls. 162 e ss.
A fls. 167 e ss. a expropriada interpôs recurso, requerendo produção de prova.
O recurso foi admitido a fls. 190 e a que a expropriante respondeu a fls. 215 e ss.
A fls. 195 e ss. foi interposto recurso subordinado e requerida produção de prova a que a expropriada respondeu a fls. 259/v e ss. e que a fls. 242 foi admitido.
– No apenso B –
A parcela com o n.º 1H, com a área de 2.200 m2, situada no ..., freguesia do ..., concelho de ..., inscrita na matriz predial urbana da freguesia de …., concelho de ..., sob o artigo 5342, e descrita na 1ª Conservatória de Registo Predial de …., sob o n.º 01047/160191, a confrontar do norte com herdeiros de C..., do sul com a Rua..., do nascente com D... e do poente com a actual Avenida …..
A fls. 149 e ss. (fls. 226 e ss.) está junto aos autos o relatório da vistoria ad perpetuam rei memoriam, complementado pelo relatório de fls. 413.
A fls. 396 consta o auto da posse administrativa.
A fls. 447 e ss. está junto o acórdão dos árbitros que fixou a indemnização no montante de €340.932,50.
Foi proferido o despacho de adjudicação a fls. 527 e ss.
A fls. 535 a expropriante interpôs recurso e, a fls. 551, interpôs recurso a expropriada. Requereram a produção de prova. Recursos que foram admitidos a fls. 577 e que foram reciprocamente respondidos.
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A apensação dos dois processos expropriativos decorreu em cumprimento acórdão deste Tribunal da Relação do Porto, de 9/2/2015.
Entretanto, em sede da instrução probatória, veio a expropriada alegar que as duas parcelas, que lhe pertenciam já à data da DUP, eram contíguas e passíveis de anexação, requerendo, assim, a sua avaliação conjunta, tanto mais que era sua pretensão realizar o seu aproveitamento conjunto, na edificação de um empreendimento de talassoterapia, para o que já detinha um projecto de arquitectura que o pressupunha, isto é, que se baseava na utilização conjunta das parcelas.
Tal requerimento mereceu o seguinte despacho:
“Despacho com refª 357938497: “3. Nos termos do artigo 39º, do CE, foi superiormente determinada a apensação a estes autos dos que agora têm a letra B. A expropriada veio a fls. 426 e ss. requerer que seja realizada a avaliação conjunta de «ambas as parcelas a realizar por todos os peritos em função nos autos». A expropriante pronunciou-se a fls. 434 e ss., no sentido do indeferimento. Apreciando e decidindo. Citando Luís Perestrelo de Oliveira, no Código das Expropriações, em anotação ao artigo 39º, «a aplicação do presente artigo conduz, ainda, a que os mesmos árbitros e peritos avaliem: a) todas as parcelas delimitadas num único prédio base; todas as parcelas delimitadas em dois ou mais prédios base, quando estes tenham pertencido a um só proprietário ou a um só grupo de comproprietários.» Portanto, não há lugar a qualquer avaliação conjunta das parcelas a expropriar. Mas, há lugar à avaliação de todas as parcelas pelo mesmo corpo de peritos. Nestes autos a avaliação já foi efectuada e são estes os autos principais. Logo, a haver a renovação da diligência de avaliação é nos autos apensos e não nestes e pelo corpo de peritos nomeados nestes autos. Assim, indefere-se a avaliação conjunta nos termos em que a mesma foi pedida pela expropriada. Notifique.”
O processo foi instruído com as competentes avaliações, com relatórios subscritos pelos peritos nomeados e, após o indeferimento quanto à realização de outras diligências instrutórias e o oferecimento de alegações pelas partes, foi proferida sentença que concluiu pela justeza da indemnização de 101.668,00€ pela expropriação da parcela n.º 1J e de 117.576,00€ pela expropriação da parcela n.º 1H, valores estes calculados à data da declaração de utilidade pública e a actualizar à data da decisão final de acordo com a evolução do índice de preços do consumidor, com exclusão da habitação.
Foram, então, interpostos recursos pela expropriada e pelo expropriante, nos quais foram organizadas as seguintes conclusões:
No Recurso da expropriada B...– … Imobiliária S.A,:
“1ª-O recurso principal incide sobre os fundamentos de facto e de direito, bem como sobre os meios probatórios usados na sentença para decidir que a indemnização pela parcela n.º 1J, com a área de 1.400m2, correspondente ao prédio sito junto à Avenida ..., freguesia de ..., concelho de ..., descrito na 1ª Conservatória do Registo Predial de ..., sob o n.º 2547/031198, da freguesia de ..., é de Cento e Um Mil Seiscentos e Sessenta e Oito Euros, e a indemnização pela parcela 1H situada no ..., freguesia do …, concelho de …, inscrita na matriz predial urbana da freguesia de ..., concelho de ..., sob o artigo 5342º, e descrita na 1ª Conservatória de Registo Predial de …, sob o n.º 01047/160191, a confrontar do norte com herdeiros de C..., do sul com a Rua …., do nascente com D... e do poente com a atual Avenida ..., no montante de Cento e Dezassete Mil, Quinhentos e Setenta e Seis Mil Euros;
2ª-O recurso interlocutório sobre o despacho referencia 357938497 do processo principal incide sobre a fundamentação e decisão do indeferimento da avaliação conjunta dos prédios contíguos da expropriada, donde saem as parcelas expropriadas
3ª- O recurso interlocutório sobre os despachos referencia 401371014 do processo principal, e referencia 401372493 do apenso B, incidem sobre o indeferimento da prova requerida pela expropriada por testemunhas que arrolou, e ainda sobre a não realização do pedido da expropriada de esclarecimentos aos peritos, o qual foi omitido apesar de deferido pelo despacho referencia citius 19400038 de 29-1-2014;
Dito Isto,
4ª- O despacho referencia 357938497 do processo principal deve ser revogado, ordenando-se a avaliação dos prédios e parcelas como se tratasse de prédio único, porquanto (i) tratando-se de prédios contíguos pertença do mesmo proprietário à data da DUP, (ii) assistindo à expropriada o direito à anexação e edificação nesses prédios como se de um se tratasse, e (iii) em face do douto aresto do distinto Tribunal da Relação do Porto que determina a apensação também com fundamento nessa anexação e avaliação dos prédios como se de um único se tratasse, requerida pela expropriada, ocorre denegação do direito da expropriada à edificação e justa indemnização, por violação do disposto no artigo 23º nº1 e nº5 do CExp99 o qual manda atender, no calculo do valor do solo apto à construção, à construção que nele seria possível efetuar se não tivesse sido sujeito a expropriação, num aproveitamento económico normal, de acordo com as leis e os regulamentos em vigor.
5ª- Destarte, revogado o despacho em crise, é de anular o laudo pericial, o qual deve ser repetido por forma a que os Senhores Peritos calculem o custo da construção que nele – prédio único da expropriada - seria possível efetuar se não tivesse sido sujeito a expropriação, num aproveitamento económico normal, de acordo com as leis e os regulamentos em vigor, excluindo, portanto, o Plano de Ordenamento da Orla Costeira (POOC), publicado unicamente em 7-4-1999, para depois alcançarem o valor por metro quadrado da área expropriada de cada um das parcelas e o valor da parte sobrante.
6ª- O despacho referencia 401371014 do processo principal, e o despacho referencia 401372493 do apenso B devem ser revogados, porquanto, tendo a expropriada pedido a produção de prova testemunhal que arrolou, tais despachos incorrem em violação do disposto no artigo 411º do C.P.C., o qual não consagra uma faculdade, outrossim, um poder-dever do Julgador, e violam também o despacho referencia citius 19400038 de 29-1-2014 já transitado nos autos, tendo formado caso julgado formal, o que acarreta a anulação de todo o processado;
7ª- Por aplicação do disposto no artigo 712º do C.P.C., no uso dos concretos poderes de reapreciação da prova deste distinto Tribunal de recurso, impetra a modificação da decisão da matéria de facto, aditando aquela que consta dos pontos A-1, e 2 e B do pedido de reapreciação da prova aqui tidos por reproduzidos por mera questão de economia;
8ª- Nos termos do art. 25º do CExp99, os prédios e as parcelas expropriadas devem ser classificados como “solo apto à construção” para efeitos do cálculo da justa indemnização, o que advém dos factos provados, mormente da zona onde estão inseridos no P.D.M. de ..., válido e eficaz à data da D.U.P., com exclusão da aplicação ao caso do POOC publicado em data posterior à da aquisição pela expropriada dos prédios em apreço, pelo que diversa classificação diversa como é feita na douta sentença em crise (pois que admite a aplicação do POOC) afeta a obtenção do valor real e corrente dos prédios e das parcelas, e viola o disposto nos art.s 1º, 23º nºs 1, 4 e 5 do CExp99, 1310º do C.C. e os princípios constitucionais da justa indemnização e da igualdade do cidadão perante a lei consagrados nos art.s 62º nº 2 e 13º nº 1 da CRP;
9ª- A justa indemnização corresponde ao valor real e de mercado da parcela a expropriar, a determinar de acordo com os critérios, designadamente dos mencionados artigos 23º e seguintes do CExp99.
10ª- Não é da competência dos peritos a interpretação e aplicação das normas legais, nas quais se inserem aquelas provindas dos próprios instrumentos de ordenamento do território, sendo certo que, em processo de expropriação, a força probatória do laudo pericial abrange apenas a perceção e valoração técnica dos factos, mas não se estende aos juízos jurídico-normativos que a lei reserva ao julgador;
11ª- Nos presentes autos, o Laudo Pericial maioritário dos Senhores Peritos do Tribunal não logra obter o valor real e corrente das parcelas e dos prédios, pois que, nos respetivos critérios e cálculos de avaliação, esses Peritos ignoram os textos legais, essencialmente a construção possível de efetuar no prédio único formado após anexação dos prédios contíguos da expropriada, como legalmente lhe confere o Regulamento do P.D.M. de ..., aprovado pela resolução do Conselho de Ministros nº 28/94, o que não foi acolhido na sentença, em violação do disposto nos art.s 1º, 23º nºs 1, 4 e 5, 25º e 26º do CExp99, 1310º do C.C. e os princípios constitucionais da justa indemnização e da igualdade do cidadão perante a lei consagrados nos art.s 62º nº 2 e 13º nº 1 da CRP;
12ª- O legislador impõe que a avaliação com vista à obtenção do valor do solo apto para construção, o qual há-de ser similar ao valor real de mercado, e que, por sua vez, há-de corresponder à justa indemnização seja o resultado da média aritmética actualizada entre os preços unitários de aquisições, ou avaliações fiscais que corrijam os valores declarados e demais critérios do nº2 referido, que compete à expropriante solicitar, pelo que os Peritos, ao dizerem no Laudo que faltam os elementos a que alude o nº2 da norma, não dizem que os pediram à entidade expropriante, nem dizem que interpelaram a entidade expropriante a obtê-los, e que, caso ela os não pudesse obter, que tal consubstanciava uma impossibilidade superveniente, absoluta e definitiva, razão pela qual o recurso direto ao critério supletivo do nº4 da norma por parte dos Peritos na avaliação feito mostra-se ilegal e infundado, o que deve determinar a anulação do Laudo.
13ª- O Laudo dos Peritos deve também ser anulado, porquanto incorre em violação do disposto na parte final do nº1 do artigo 26º referido, por remissão ao disposto no nº5 do artigo 23º do CExp99.
14ª- Os Peritos, designadamente do Tribunal, usaram, como critério de avaliação que a sentença acolheu, as regras provenientes do Plano de Ordenamento da Orla Costeira de Caminha – Espinho, resolução do Conselho de Ministros nº 25/99, publicado em 07 de Abril de 1999, o qual é inaplicável no caso dos autos pelo facto de os solos pertencerem à expropriada desde data anterior à entrada em vigor do POOC, como provado nos pontos 11 e 29º de II-Factos Provados da sentença, o que consubstancia violação do artigo 26º referido, e é causa de anulação do Laudo na parte em que usa como critério de avaliação dos solos as regras provindas do POOC.
15ª- No laudo maioritário dos peritos, foi atribuída 14% à percentagem a que alude o nº6 do artigo 26º do CExp99, o que a sentença sancionou, mas para esta percentagem não se apresentam razões apoiadas em quaisquer parâmetros legais, o que impede o Julgador e as partes de perceber quais os critérios usados, quais os fundamentos utilizados, enfim as premissas lógicas do raciocínio empreendido que observe a lei, o que os Peritos omitem, razão pela qual a percentagem de 14% considerada pelos peritos maioritários, sem qualquer justificação, está aquém da devida.
16º- Em face dos factos provados em II da sentença, não resulta qualquer elemento objetivo que aconselhe a redução dessa percentagem, pelo que ela deve ser fixado em 15%, porquanto e ademais, estando em causa um valor (a justa indemnização) constitucionalmente protegido, essencial se torna que a determinação da percentagem seja objetiva, sólida, clara e transparente, e assim a fixação em 14% desta percentagem, mostra-se desadequada, desigual e desproporcionada, e fere o direito da expropriada à justa indemnização, devendo, outrossim, fixar-se a percentagem de 15% a esse título.
17ª- A razão de ser da norma do nº10 do artigo 26º do CExp99 assenta no princípio da igualdade entre o expropriado que não corre os riscos inerentes à construção, e o não expropriado que levasse a cabo tal processo construtivo, sendo certo que um raciocínio à letra exclui do âmbito da dicotomia expropriado-não expropriado as situações em que ambos podem vender no mercado o terreno, sem encetarem o processo construtivo, e assim sem qualquer tipo de risco, auferindo idêntico valor.
18ª- Destarte, somente quando se demonstra – o que não foi o caso - que o expropriado decidira pela construção, ele próprio, na parcela, é que poderá equacionar-se tal fator de risco, o qual vem consubstanciado nos riscos inerentes aos custos de organização, marketing, impostos, aumentos do custo dos fatores produtivos, entre outros, ou ainda os riscos atinentes a uma comercialização da construção acabada mais ou menos difícil, com os inerentes custos financeiros e de depreciação do imóvel, aliados a custos de manutenção/ conservação, o que exclui a aplicação automática deste fator de risco feita na sentença que viola os princípios da justa indemnização e da igualdade, razão pela qual, omitindo o valor de todo e qualquer fator de risco apontado, mostra-se desadequada, injusta e desigual a percentagem de 5% consignada, que deve ser eliminada.
19ª- Dentro do aproveitamento economicamente normal a que alude o art. 26º nº 1 do CExp99, é de admitir a construção abaixo do solo, em cave, de uma área igual à área de implantação acima do solo, destinada a estacionamentos de utentes e a armazenamentos, cujo custo influi no custo final da edificação, e assim no valor real e corrente de mercado da parcela, nos termos do disposto nos art.s 1º, 23º nº 1 do CExp99, 1310º do C.C. e 62º nº 2 da CRP, o que o laudo pericial parcialmente ignorou em prejuízo da expropriada.
20ª- A área dos prédios da expropriada em resultado da anexação é de 4.356 m2 (1.400m2 + 2956m2), e os índices devem ser enquadrados de acordo com o PDM do Município de ... (publicado no Diário da República nº105 de 6 de maio de 1994), em vigor a data da aquisição pela expropriada, estando as parcelas classificados nesse PDM em “Áreas Urbanas-Edificabilidade Extensiva", o qual (P.D.M.) não define quantitativamente valores para os índices de ocupação para construção, e por isso importa atender à envolvente, onde se vêm construções de vários pisos, desde 3 a 5 pisos, o que eleva o COS (Coeficiente Ocupação Solo) para valores superiores 1,50 m2, acima do solo, podendo a expropriada edificar também abaixo do solo uma área destinada a parqueamento, para o que é adequado uma área igual à área da implantação acima do solo.
21ª- A expropriada aceita, como custo da construção de 900,00€/m2, a percentagem de 15% para a localização, qualidade ambiental e equipamentos a que alude o nº6 do artigo 26º do CExp99, à qual se soma a percentagem total de 10% referente ao previsto no nº7 da norma, o que permite concluir que o valor do solo apto para a construção corresponde a 25% do custo da construção.
22ª- Para fixação do C.O.S. atende-se à envolvente descrita, que os edifícios nessa envolvente possuem entre três a cinco pisos, pelo que é adequado adotar três pisos acima do solo, como o valor médio, constatando-se ainda que nessas construções, na envolvente, a área de implantação é sempre superior a 50% da área do terreno, exceto um ou outro caso pontual, razões pelas quais, ou seja, se a área de implantação é superior a 50%, e tendo em média a cércea de três pisos acima do solo, o COS (m2/m2) será sempre superior a 150%, a saber, superior a 1,50 m2/m2.
23º- Em resultado, face à (i) área total dos dois prédios (parcelas 1J + 1H) de 4.356 m2, (ii) área de implantação acima do solo de 1400 m2, (iii) área de construção total acima solo de 6.534 m2 (COS =1,5 m2/m2), (iv) área de construção abaixo do solo (cave) de 1400m2, (v) área construção total acima e abaixo do solo de 7.934m2 (6.534m2+1400m2), (vi) custo de construção de 900,00 €/m2 e aos (vii) coeficientes do artigo 26º nºs 6 e 7 CExp99 de 25%, obtém-se como valor do m2 do solo a quantia de €409,81.
24ª- Pelo que o valor da parcela 1 J é de €573.734,00 (409,81 x 1400 m2), e da parcela 1 H é de €1.211.398,30 (409,81 x 2956 m2).
25ª- A expropriante atrasou o andamento do procedimento administrativo, incumprindo os prazos processuais para a conclusão do mesmo e sua remessa a Juízo, pelo que, sem qualquer causa justificativa, o procedimento esteve parado e por causa imputável à inércia da entidade expropriativa, o que é causal da obrigação dela em ressarcir os expropriados nos juros moratórios sobre o capital da justa indemnização acima calculada, juros esses calculados de acordo com o disposto no art. 559º do CC, questão esta colocada em 1ª instância, mas que não foi apreciada, nem decidida, o que consubstancia o vicio da sentença vicio previsto na 1ª parte da alínea d) do nº1 do artigo 615º do C.P.C., que se invoca.
26ª- Assim como na expropriação amigável, os juros provenientes da privação do capital para além do momento do pagamento, que deve ser contemporâneo com a DUP, é cumulável com a atualização do capital a efetuar por aplicação do disposto no art. 24º nº 1 do CExp99 (cf. neste sentido, o Ac. RG de 12-6-2003 proferido no agravo nº 775/03 da 1ª Secção, o qual reconheceu ser cumulável, em expropriação contenciosa (ou amigável) o direito dos expropriados aos juros, frutos civis, pela privação do capital.).
27ª- A expropriante deve, pois, ser condenada no pagamento de quantia a liquidar em fase de pagamento sobre o capital da justa indemnização fixada, e por aplicação da taxa de juro anual de 4%, desde a DUP de 30-06-2009 e até o efetivo pagamento, a título de danos provenientes da privação do capital indemnizatório, questão esta colocada em 1ª instância, mas que não foi apreciada, nem decidida, o que consubstancia o vicio da sentença vicio previsto na 1ª parte da alínea d) do nº1 do artigo 615º do C.P.C., que se invoca.”
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No recurso do expropriante Município de ...:
1ª - A decisão sob recurso apreciou, e bem, autonomamente as duas parcelas, todavia padece de erros de julgamento de facto e de direito, violando, nomeadamente os artigos 23º, 24°, 25° e 26° do Código de Expropriações e o princípio do contraditório previsto no artigo 3° do CPC e do inquisitório previsto no artigo 4110 do mesmo Código bem como o princípio da descoberta da verdade material.
- Segmento da decisão respeitante à Parcela 1H
2 ª - A entidade expropriante impugna desde logo a matéria de facto dada como assente no respeitante à área desta parcela porquanto a decisão sob recurso decidiu que a área efectiva da parcela a expropriar é de 2956m2, muito embora a VAPRM refira que a área é de 2200m2, os árbitros também digam que a área a expropriar é de 2200m2 bem como os peritos também assim o consideraram e a expropriante na resposta ao Recurso da Decisão Arbitral não aceitou que a área era de 2956m2 e veementemente defendeu a área de 2200m2 e a própria expropriada ao longo do processo administrativo tenha junto a referida certidão com a indicação da área da parcela ser de 2200m2.
3 ª - Não obstante, a decisão sob recurso sustenta essa sua decisão de facto tão só em certidão de registo predial anexa ao relatório de peritagem pelo Perito da Expropriada, a fls. 743, e na Resolução de Expropriar também a ele anexa pelo perito da Expropriada, onde consta a área de 2956 m2.
4 ª - Porém, analisados tais documentos verifica-se que os mesmos não são idóneos para se concluir que a área da parcela é de 2956m2, para já não falar no facto de tal área ter sido impugnada e haver outros documentos idóneos que atestem que a parcela 1H à data da DUP tinha a área de 2200m2.
5 ª - A mencionada certidão suscita estranheza porquanto está identificada como sendo a mesma que tinha sido junta ao processo aquando da Declaração de Utilidade Pública, apenas com a diferença da área que nesta refere 2956m2 ao invés dos 2200m2.
6 ª - Contudo, independentemente desta estranheza, o que se verifica é que a certidão do registo que refere que a área da parcela é de 2200m2 e que serviu de base à Declaração de Utilidade Pública está datada de Março de 2009, pouco tempo antes da DUP, emitida em 30 de Junho de 2009, bem como a certidão também junta no Relatório Pericial pelos peritos do Tribunal e da Expropriante datada de Agosto de 2009, (pouco depois da DUP).
7 ª - Ao invés, a certidão junta pelo perito dos expropriados no mesmo Relatório Pericial apresenta a área de 2956m2 só que esta certidão apenas foi emitida em Abril de 2011, isto é, muito depois da DUP.
8 ª - Deste modo, e devendo a parcela ser avaliada à data da DUP, independentemente de como na referida certidão do registo a área da parcela veio a ser alterada, o que prevalece é a que existia á data da DUP, onde consta a área de 2200m2.
9 ª - Além disso, o outro documento que o perito do expropriado juntou para insistir que a área da parcela é de 2956m2 e não 2200m2 foi uma "Minuta" de Resolução de Expropriar, sem data, que refere que a parcela 1H tem a área de 4356,00m2.
10 ª - Assim, tal "Minuta", sem qualquer validade não é idónea a atestar que a área da parcela expropriada 1H é de 2956m2, sendo que nessa "Minuta" consta que a parcela pertence a E... e não à expropriada.
11 ª - Por isso, e atendendo a que a DUP da parcela em apreço foi publicada em Julho de 2009 no Diário da Republica e nela consta a área de 2200m2, aquela "Minuta" não tem qualquer valor para o caso concreto e o Tribunal ao decidir com base na mesma incorreu em erro de julgamento grave e grosseiro nos seus pressupostos de facto.
12 ª - Em face de todo o exposto, deveria ser dado como assente na matéria de facto que a área da parcela 1H é de 2200m2 e, consequentemente, o valor indemnizatório a atribuir deveria ter como base esse facto.
13 ª - Ao assim não decidir a sentença viola frontalmente o princípio da justa indemnização previsto no artigo 23° do Código das Expropriações e ainda o disposto no artigo 24° ao não ter como referência a data da Declaração de Utilidade Pública.
14 ª - Além disso, ao dar como assente que a área da parcela 1H é de 2956m2 quando a entidade expropriante impugnou tal matéria bem como todos os Peritos que intervieram no processo, seja na VAPRM, no Acórdão Arbitral e na Peritagem, confrontados com a situação, sempre afirmaram que a área da parcela 1H expropriada era de 2200m2, além de constarem certidões emitidas à data da DUP onde consta a área de 2200m2, viola frontalmente o princípio do contraditório bem como do inquisitório e da descoberta da verdade material.
15 ª - Por isso, a decisão da matéria de facto deve ser alterada, mormente o ponto 28 de modo a que onde consta que a área da parcela 1H a expropriar é de 2956m2 passe a constar que a área da parcela 1H a expropriar é de 2200m2.
16 ª - Os Planos de Ordenamento da Orla Costeira (POOC) são planos especiais de ordenamento do território de âmbito nacional, que vinculam direta e imediatamente os particulares e prevalecem sobre os Planos Municipais de Ordenamento do Ordenamento do Território (artigos 3° e nº4 do 24º do Regime Jurídico dos Instrumentos de Gestão Territorial)
17 ª - Ora, sendo o PDM de ... um plano municipal de ordenamento do território, as disposições do POOC Caminha/Espinho prevalecem sobre as disposições do PDM de ..., pelo que as parcelas abrangidas por aquele Plano Especial de Ordenamento devem ser avaliadas em conformidade com as suas disposições e não com as do PDM.
18 ª - No âmbito do POOC a parcela 1H integra-se na Unidade Operativa de Planeamento e Gestão (UOPG) nº 11 e cumulativamente em área classificada de "Barreiras de Protecção" e, simultaneamente, encontra-se totalmente inserida na REN em Áreas de Infiltração Máxima, sendo que ambas estas áreas são áreas non aedificandi ou seja sem possibilidade de construção.
19 ª - E à data da DUP, a parcela não possui alvará de loteamento ou licença de construção em vigor nem se encontra classificada como zona verde, de lazer ou para instalação de infraestruturas ou equipamentos públicos pelo plano municipal de ordenamento do território.
20 ª - Deste modo, a parcela 1H não podia ser classificada como solo apto para construção, como o fez a sentença, mas como solo para outros fins já que a parcela expropriada não tem aquela possibilidade, isto é, a construção não constitui o aproveitamento económico normal da parcela em causa.
21 ª - A decisão sob recurso ao avaliar a parcela expropriada como solo apto para construção errou no seu julgamento e violou o disposto no artigo 25° do Código de Expropriações e no nº l do artigo 26° que dispõe: "O valor do solo apto para construção calcula-se por referência á construção que nele seria possível efectuar se não tivesse sido sujeito a expropriação/ num aproveitamento económico normal de acordo com as leis e regulamento em vigor.
22 ª - A sentença deu como assente que o custo de construção é no montante de 900,00€/m2, apenas por ter sido o valor apresentado pelos peritos do Tribunal que apresentam este valor sem qualquer fundamento.
23 ª - Ora, o valor de 900,00€/m2, assente na douta decisão, e apontado pelos peritos do Tribunal sem qualquer fundamento ou justificação, é extremamente exagerado para a construção precária de um apoio de praia (única construção permitida na parcela) e mais adequado para uma habitação de grande qualidade, pelo que a douta sentença também deve ser revogada, nesta parte, e substituída por outra que dê como assente que o custo de construção é no montante de 667,32€/m2.
24 ª - Não visando a justa indemnização compensar o benefício alcançado pela entidade expropriante, mas ressarcir o prejuízo que para o expropriado advém da expropriação, correspondente ao valor real e corrente do bem de acordo com o seu destino efectivo ou possível numa utilização económica normal, à data da publicação da declaração de utilidade pública tendo em consideração as circunstâncias e condições de facto existentes naquela data, como dispõe o artigo 23° do Código das Expropriações.
25 ª - O valor justo e adequado pela expropriação da parcela 1H será a correspondente ao valor de €87.185,00, conforme cálculos apresentados pelo perito da expropriante.
26 ª - Sendo o valor da parte da parcela admitida como área de construção de apoio de praia de €24.557,00 (160m2 x 667,32€/m2 x0,23), a que corresponde 153,5€/m2 de área de terreno, considerando-se que a percentagem de 23% para qualidade e infraestruturas existentes já é uma excelente valorização da parcela.
27 ª - E o valor da parte da parcela como área complementar de lazer e que corresponde a 2040m2 (2200m2-160m2), não edificada é de €62.628,00, correspondente ao valor de 20% do valor por m2 de área de terreno, ou seja de 153,50€/m2, que corresponde a 30,70€/m2, aplicado a toda a área de 2040m2.
28 ª - Em face dos motivos invocados só fixando à parcela 1H expropriada o valor de indemnização de €87.185,00 se assegura uma indemnização equitativa para o expropriado mas também para o interesse público, de acordo com o destino legalmente possível numa utilização económica normal.
- Segmento da decisão respeitante à Parcela 1J
29 ª - Na parte respeitante à parcela 1J a expropriante discorda da decisão sob recurso apenas no valor atribuído ao preço pelo m2 de construção pelos mesmos motivos pelos quais discordou para parcela 1H, razão pela qual os dá aqui por reproduzidos.
30 ª - Resulta dos elementos juntos aos autos que a parcela em causa foi adquirida pela expropriada por escritura celebrada em 2001, ou seja, depois da entrada em vigor do POOC.
31 ª - No âmbito deste Plano Especial (POCC) a parcela 1J, integra-se na Unidade Operativa de Planeamento e Gestão (UOPG) nº 11 - Litoral de ... e, de acordo com este plano, 1162m2 estão em área classificada de "Barreiras de Protecção" e REN, ou seja, solo sem possibilidade de construção, por serem zonas non aedíficandi, e os restantes 238m2 estão em zona de construção, e, por isso, a parcela 1] expropriada com 1400m2 foi avaliada pelos peritos como solo apto para construção.
32 ª - Tendo os Srs. Peritos considerado para os 238m2, inseridos na UOPG nº11, uma área de construção de 357m2 = 238m2 x 0,5 (COS) x 3 (cércea) e para os 1.162 m2, situados em "Barreiras de Protecção", considerando que nas imediações da parcela existem apoios de praia, os Srs. Peritos maioritários admitiram a possibilidade abstrata de construção de um apoio de praia com área semelhante àquele existente nas imediações da parcela expropriada de 160m2.
33 ª - Assim, o valor de 900,00€m2, assente na douta decisão, e apontado pelos peritos do Tribunal sem qualquer fundamento ou justificação, é extremamente exagerado para a construção precária de um apoio de praia e mais adequado para uma habitação de grande qualidade, pelo que a douta sentença também deve ser revogada, nesta parte, e substituída por outra que dê como assente que o custo de construção é no montante de 667,32€fm2.
34 ª - Deste modo, o valor justo e adequado pela expropriação da parcela 1] será a correspondente ao valor de € 79.351,00, conforme cálculos apresentados pelo perito da expropriante.
35 ª - Sendo a área de construção total 517m2 (357m2+160m2), o coeficiente de qualidade ambiental e infraestruturas existentes de 23% (o qual é um excelente coeficiente) e o custo de construção de 667,32€fm2, perfaz o valor total de 79.351,00€.
36 ª - Deste modo, em face dos motivos invocados só fixando à parcela 1J expropriada o valor de indemnização de €79.351,00 se assegura uma indemnização equitativa para o expropriado mas também para o interesse público, de acordo com o destino legalmente possível numa utilização económica normal.
37 ª - A sentença sob recurso violou o disposto nos artigos 23º, 24º, 25º e 26º do Código de Expropriações e o princípio do contraditório previsto no artigo 3° do CPC e do inquisitório previsto no artigo 411° do mesmo Código bem como o princípio da descoberta da verdade material, pelo que deve ser revogada e substituída por outra que atribua à parcela 1H a indemnização de €87.185,00 e à parcela 1J o valor de €79.351,00.”
O Município ofereceu resposta ao recurso, onde se pronunciou especificamente sobre cada uma das questões suscitadas pela expropriada B... – … Imobiliária S.A, e pela ausência de razão em relação a qualquer delas.
Os recursos foram admitidos como apelação, com subida nos próprios autos e efeito devolutivo.
Foram recebidos nesta Relação, onde foi ordenada a notificação das partes para que se pronunciassem sobre a eventual inadmissibilidade do recurso da expropriada em relação à decisão de indeferimento de produção de alguns meios de prova. Nem expropriada, nem expropriante se pronunciaram.
Assim, antes de mais, cumpre decidir da admissibilidade do referido recurso.
Como se referiu em anterior despacho, a expropriada B…, … Imobiliária, S.A., além de outros, interpôs um recurso destinado a impugnar os despachos com a referência 401371014 do processo principal e referencia 401372493 do apenso B.
Diz a apelante: “Em suma e na essência, em ambos os despachos o Mº Julgador negou a produção da requerida prova testemunhal, e ignorou ainda a obtenção dos esclarecimentos que a expropriada queria pedir em sede de diligência oral aos Senhores Peritos, o qual estava deferido pelo despacho referencia citius 19400038 de 29-1-2014.
(…) Assim, ao negar a produção da prova testemunhal, e ao não dar cumprimento ao despacho referencia citius 19400038 de 29-1-2014, o qual deferia o pedido de esclarecimentos aos peritos, os despachos em apreço incorrem em violação do disposto no artigo 411º do C.P.C.”
É óbvio que tal recurso se dirige à impugnação de decisões que indeferiram a produção de meios de prova, quer no respeitante à expressa rejeição da produção da prova testemunhal oferecida, quer no respeitante à rejeição implícita quanto à recolha de esclarecimentos dos peritos, o que havia sido remetido para a data em que viessem a ser inquiridas as testemunhas oferecidas, nos termos do despacho de 29/1/2014, a fls. 381 do suporte físico deste processo. Com efeito, ao afirmar que não seria recolhido o depoimento das testemunhas oferecidas e ao notificar as partes para os efeitos do art. 64º do C.E. (alegações prévias à decisão), o tribunal deixou claro que também rejeitava o complemento da prova pericial anteriormente requerido pela expropriada, constituído pela recolha de esclarecimentos orais aos peritos, a qual havia sido remetida para a audiência que, desta forma, se deixaria de realizar.
Assim, em qualquer das situações, estamos perante decisões que rejeitam a produção de meios de prova requeridos pela expropriada.
Ora, o processo de expropriação, sendo um processo especial, submete-se à disciplina do processo comum, sempre que as disposições próprias e as gerais não estabeleçam regime diferente, tal como prescreve o art. 549º, nº 1 do CPC. Consequentemente, nos termos do art. 644º, nº 2, al d) do CPC, aplicável ao caso em face da inexistência de disposição própria no regime do processo de expropriação, a impugnação de qualquer decisão que rejeite meios de prova deve ser operada por apelação autónoma, e não com o recurso interposto da decisão final.
No caso, não tendo os despachos referidos sido alvo de recurso de apelação interposto em tempo oportuno, tem de ter-se por transitado o respectivo dispositivo, não podendo agora admitir-se recurso tendente à sua impugnação (cfr, neste sentido, entre outros, o ac. do TRG de 11/7/2017, proc. nº 384/12.8TBVPA.G1).
Pelo exposto, rejeita-se a apreciação do recurso no segmento tendente à impugnação dos despachos com a referência 401371014, de 21/2/2019 do processo principal (fls. 455 do suporte físico) e referencia 401372493, também de 21/2/2019, do apenso B (fls. 1011 do suporte físico).
Importa, assim, passar à apreciação dos demais recursos que se mostram interpostos.
2- FUNDAMENTAÇÃO
É perante as conclusões das alegações de cada um dos recursos que se definem os respectivos objectos, não podendo ser apreciadas outras matérias, a não ser que sejam de conhecimento oficioso.
No recurso da expropriada B... – … Imobiliária S.A, resultam por decidir as seguintes questões:
A - O direito da expropriada a obter uma avaliação (e, eventualmente, uma indemnização) baseada no aproveitamento conjunto das duas parcelas expropriadas, correspondentes a prédios contíguos e do mesmo dono; anulação e repetição da avaliação e correspondente relatório.
B - Alteração da matéria provada, dando-se por provado: UM - Para o conjunto de terrenos constituído pelas parcelas 1H e 1J, em 12-12- 1994 e sob o registo n.º 10.384, F... apresentou um pedido de informação previa sobre a edificabilidade de um edifício de 20 moradias, o qual teve deliberação tomada em reunião ordinária de camara de 05/05/97, transcrita na ata n°19, a qual diz: "Deliberado, por unanimidade, concordar com a informação do Director de Departamento de Urbanismo, data de 97/04/16." Por sua vez a informação do diretor do DU, anteriormente referido tem o seguinte teor: "A pretensão transita há mais de 2 anos, havendo em paralelo uma (compreensível) insistência dos interessados, no desfecho favorável da mesma. Só que, pela sua localização, face aos pareceres da DRARN, bem como a última previsão do traçado da Avenida ..., o terreno fica sem potencialidade construtiva. A P.T. n° 2772- A, anexada pelo SCT, contem a previsão do traçado da Avenida, no local da pretensão, no seguimento do estudo elaborado e com o qual se concorda. O referido estudo ira ser presente à Câmara em breve, razão pela qual se propõe que a pretensão seja também presente a Câmara, sendo a proposta deste D.U. no sentido de não viabilizar a mesma, atendendo aos pareceres da DRARN bem como a previsão do traçado da Avenida. 97/04/21."
Contudo o parecer da DRARN datado de 95.02.03, refere "Reportando-me ao requerimento de V. Exa de 95.01.26 referente ao assunto em epígrafe (Assunto: "VIABILIDADE DE CONSTRUÇÃO DE EDIFÍCIO") informo que por parte dessa Direção é viável a construção de um edifício no terreno assinalado na planta por ABCD desde que seja implantado para nascente da linha demarcada a vermelho na planta anexa (limite da área a integrar da Reserva Ecológica Nacional), planta essa na qual se apos o selo branco dessa Direção. Para poente daquela linha não poderão ser feitas quaisquer obras nomeadamente arruamentos, acessos, estacionamentos, aterros, etc."
Mais se refere que a planta referida se encontra no processo, folha 136. Posteriormente a expropriada apresentou nova solução de acordo com as instruções exigidas e a C.M…. através do ofício 1999/12/10, refª 199930124, informou que iria enviar a DRAN pedido de novo parecer, que veio a ser aprovado pela DRAN em 2000/01/19.
A DRAN aprovou a implantação e era a única condicionante ao licenciamento. DOIS:
- A expropriada apresentou um pedido de licenciamento para edificação no sobredito terreno de uma unidade de talassoterapia, acerca do qual a expropriante Câmara, no seu oficio 647/09 de 2009/10/02 refere, dizendo” Face ao acima exposto, e apesar de se reconhecer o interesse do programa agora proposto pela requerente - unidade de talassoterapia -, considera-se que não é atualmente passível proceder à pretendida alteração ao traçado da nova Marginal Atlântica seja porque não e apresentado qualquer argumento valido por parte da requerente, seja porque o traçado da marginal consta dos Planos de Praia que acompanham o POOC, seja ainda pelo facto da obra já ter sido adjudicada e ser objeto de financiamento comunitário ao abrigo do Quadro de Referência Estratégica Nacional (QREN)." sendo certo que a viabilidade de deferimento não era impossível. TRÊS -A edificação a erigir nas parcelas 1 J e 1 H devia ter estacionamento em cave.
C – Classificação das parcelas como solo apto para construção.
D – Anulação da avaliação, por não aplicação do critério do nº 2 do art. 26º do CE, sem justificação adequada;
E - Anulação da avaliação, por condicionamento desta à aplicação indevida das regras do Plano de Ordenamento da Orla Costeira de Caminha – Espinho.
F – Alteração, de 14% para 15%, do factor de avaliação a que alude o art. 26º, nº 6 do CE.
G- Desaplicação do factor correctivo de 5%, pela inexistência de risco e esforço de construção.
H – Adição do custo de construção de área abaixo do solo igual à área de implantação acima do solo.
I – Cálculo do valor das parcelas em função dos vários factores.
J – Nulidade da sentença por falta de decisão sobre os pedidos de condenação da expropriante numa indemnização por danos provocados pelo atraso no processo expropriativo, a calcular à taxa de 5% sobre o valor da indemnização e pelo período da mora, e no pagamento de juros, em montante a liquidar em fase de pagamento sobre o capital da justa indemnização fixada, por aplicação da taxa de juro anual de 4%, desde a DUP de 30-06-2009 e até ao efectivo pagamento.
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No recurso da expropriante, detectam-se as seguintes questões:
K – Alteração da matéria de facto provada quanto à área da parcela 1H, que deverá ser de 2.200 m2 em vez dos 2.956 m2 considerados no item 28 dos factos provados).
L – Classificação da parcela 1H como solo para outros fins e não como solo apto para construção.
M – Ponderação do custo de construção por m2 com o valor de 667,32€/m2, em vez dos 900,00/m2 usados.
N – Fixação do valor da indemnização relativa à parcela 1H em 87.185,00€, resultante de uma área de construção de apoio de praia a valer €24.557,00 (160m2 x 667,32€/m2 x0,23), considerando-se a percentagem de 23% para qualidade e infraestruturas existentes; e do valor de €62.628,00 respeitante a parte da parcela como área complementar de lazer, de 2040m2, não edificada, ponderando um factor de 20% aplicado a toda a área de 2040m2.
O - Fixação do valor da indemnização relativa à parcela 1J em € 79.351,00€, no que deve ser ponderado um custo de construção de por m2 com o valor de 667,32€/m2, em vez dos 900,00/m2 usados.
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Não obstante as alíneas antecedentes elencarem as questões a decidir segundo a ordem por que vêm organizadas em cada um dos recursos, o seu tratamento segundo uma ordem lógica, de economia processual e em atenção às suas interligações levará a que sejam apreciadas segundo ordem diversa, como infra melhor se verificará.
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A solução das questões enunciadas importa que se tenham presentes os factos dados por provados na sentença recorrida, que são os seguintes:
II – FACTOS PROVADOS
1. A parcela 1J, referida na Planta Parcelar da Expropriação, da obra de "Requalificação do Litoral de ...", foi feita a Declaração de Utilidade Pública (DUP) com carácter de urgência e a autorização para a tomada de posse administrativa da parcela, através da Declaração da Directora Geral das Autarquias Locais n.º 71/2010 de 11 de Março de 2010, publicado no Diário da República nº 57, II Série, de 23 de Março de 2010.
2. A parcela n.º 1J, situa-se no lugar da Praia de ..., na freguesia de ..., concelho de ..., inscrito na matriz predial urbana sob o nº 6093 U, descrita na conservatória do registo predial soba descrição nº 2547/19981103, e com a área inscrita de 1.400 m2.
3. A parcela 1J tem uma configuração trapezoidal, sem afloramentos rochosos, sendo que o terreno nalgumas zonas se encontrava rebaixado até 1,5 m e era apenas ocupado por areia e vegetação rasteira.
4. Os acessos efectuavam-se através da Rua ... e da Av. ..., ambas artérias pavimentadas a betuminoso.
5. À data da DUP e de acordo com a VAPRM, junto à parcela, e em serviço, existiam todas as infra-estruturas previstas a que alude o n.º 7, do art.º 26 do Código das Expropriações, com excepção da rede de gás.
6. A zona é predominantemente vocacionada para habitação.
7. A zona apresenta uma componente de lazer, decorrente da proximidade ao mar (1.ª linha de mar).
8. A zona é actualmente conhecida como marginal marítima de ..., estando provida de diversos equipamentos de lazer, desportivos e de apoios à praia.
9. O comércio local reporta-se essencialmente a pequenos negócios de proximidade tipo cafés, restaurantes, papelaria.
10. Em termos de transportes públicos a zona era provida de autocarros urbanos sendo estes suficientes para as necessidades locais.
11. Esta parcela 1J, antes da expropriação e antes da entrada em vigor do P.O.O.C confinava com uma parcela do mesmo expropriado (parcela 1H), cuja área era muito superior.
12. As parcelas referidas em 11. tinham interesse económico pela sua localização face ao mar (primeira linha de mar) e pela procura existente no local.
13. A parcela era definida como zona de construção no PDM de ..., onde era permitida a utilização para habitação, comércio, serviços e equipamentos sem índice limitativo.
14. À data da D.U.P. a parcela encontrava-se qualificada, em quase toda a sua extensão em "Barreira de Protecção", não sendo portanto passível de construção e impermeabilização.
15. O solo encontrava-se, à data da D.U.P., enquadrado na “U.O.P.G n.º 11 – Litoral de ...”, do POOC - Plano de Ordenamento da Orla Costeira de Caminha – Espinho, resolução do Conselho de Ministros nº 25/99, publicado em 07 de Abril de 1999.
16. De acordo, com tal plano, cerca de 1162 m2 encontravam-se qualificados como “Barreiras de Protecção” e “REN”, solo sem possibilidade de construção e 238 m2 em zona de construção.
17. Na parcela não existiu o esforço/risco da actividade construtiva.
18. A parcela 1H situa-se no lugar da praia do ..., na freguesia do ...,..., inscrito na matriz urbana sob o n.º 5342 U e descrita na conservatória do registo predial sob a descrição 01047/19910116, com a área inscrita de 2.956m2.
19. A Declaração de Utilidade Pública (DUP) com carácter de urgência e a autorização para a tomada de posse administrativa da parcela foram obtidas por despacho do secretário de estado adjunto e da administração local, por despacho de 30.06.2009, publicado no Diário da República nº 140, II Série, de 22 de Julho de 2009.
20. A parcela à data da DUP tinha uma configuração trapezoidal, com uma ligeira pendente para poente, ocupado com uma vegetação espontânea, sem afloramentos rochosos, sendo o terreno de textura arenosa, incipiente, do tipo Regossolo (proveniente de rochas não consolidadas) Areias do Litoral- Minho, Beira Litoral, Caparica ao Cabo Espichel e Península de Tróia.
21. Os acessos efectuavam-se directamente da Av. ... e da Rua ..., ambas artérias pavimentadas a betuminoso.
22. À data da DUP Junto à parcela e em serviço, existiam todas as infra-estruturas previstas no n.º 7, do Art.º 26 do Código das Expropriações, com excepção da rede de gás.
23. A zona é predominantemente vocacionada para habitação.
24. A zona apresenta uma componente de lazer, decorrente da proximidade ao mar (1.ª linha de mar).
25. Actualmente é conhecida como marginal marítima de ..., estando provida de diversos equipamentos de lazer, desportivos e de apoios à praia.
26. O comércio local reporta-se essencialmente a pequenos negócios de proximidade tipo cafés, restaurantes, papelaria.
27. Em termos de transportes públicos a zona era provida de autocarros urbanos sendo estes suficientes para as necessidades locais.
28. A área da parcela 1H a expropriar é de 2.956,00 m2.
29. Esta parcela 1H, antes da expropriação e antes da entrada em vigor do P.O.O.C confinava com a avenida ... a poente e com a Rua ... a sul e confinava com uma parcela do mesmo expropriado (parcela 1J), com a área de 1.400m2.
30. A parcela 1H tinha interesse económico pela sua localização face ao mar (primeira linha de mar) e pela procura existente no local e estava definida como zona de construção.
31. Era permitida a utilização para habitação, comércio, serviços e equipamentos e não se encontrava definido qualquer índice limitativo.
32. À data da D.U.P. a parcela encontrava-se qualificada, em quase toda a sua extensão em "Barreira de Protecção", não sendo portanto passível de construção e impermeabilização.
33. O apoio praia existente nas imediações poderia ter sido construído nesta parcela.
34. A qualidade ambiental e infra-estruturas existentes considera-se um valor total de 23,0%.
35. O custo de construção é no montante de 900,00 €/m2.
36. Constam dos autos as certidões prediais e as matriciais relativos das parcelas expropriadas.
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A primeira das questões assinaladas respeita ao despacho que indeferiu a pretensão da expropriada B... … Imobiliária, S.A, a obter a avaliação conjunta e, eventualmente, uma indemnização abrangente das duas parcelas expropriadas, na consideração da hipótese de as mesmas poderem ter um aproveitamento construtivo conjunto.
Tal pretensão foi indeferida com apelo à regra do art. 39º do C.E., assim se decidindo que a consequência de duas parcelas do mesmo dono serem expropriadas é a apensação dos processos de expropriação respectivos e as avaliações de cada parcela serem realizadas pelo mesmo número de peritos.
É óbvio, desde logo pela sua inserção sistemática, que esta norma tem um cariz essencialmente processual, pretendendo realizar interesses de economia processual e de custos, de prevenção de contradição de julgados, além de potenciar uma unidade de apreciação global da situação (Salvador da Costa, Código das Expropriações e Estatuto dos Peritos, Anotados, Almedina, 2010, pg. 269).
Porém, a norma não dá resposta à questão colocada pela expropriada, que é de natureza substantiva: a identificação de um direito de unir as parcelas expropriadas numa só, a qual ganharia uma potencialidade construtiva diversa e certamente superior, por comparação com a soma das apresentadas por cada uma das parcelas de per si.
Em suma, afirma a expropriada, se o valor do solo se calcula por referência ao custo da construção que nele seria possível edificar, e essa construção poderia ser de maior envergadura (tipo de construção, área, volume, etc.) se unidas as duas parcelas de solo num só prédio, para sobre este se construir, é a essa hipótese que cumpre atender, e não apenas às duas construções que, isoladamente, poderiam ser erigidas em cada uma das parcelas. Por exemplo, se unindo as duas parcelas se poderia construir um prédio de cave e 4 andares, cumpre avaliar o custo desta construção para aferir o valor do solo, em vez de se atentar na hipótese de construção de duas moradias de dois pisos, que certamente teriam um custo de construção inferior e determinariam um valor do solo igualmente inferior.
Para aferir da justeza dessa pretensão não é, então, útil convocar a norma processual do art. 39º do C. E.
Com efeito, dispõe o art. 23.º do mesmo código que “A justa indemnização (visa) ressarcir o prejuízo que para o expropriado advém da expropriação, correspondente ao valor real e corrente do bem de acordo com o seu destino efectivo ou possível numa utilização económica normal, à data da publicação da declaração de utilidade pública, tendo em consideração as circunstâncias e condições de facto existentes naquela data.”
Ora, um aproveitamento económico normal de duas parcelas contíguas sempre seria uni-las como se de um só prédio se tratassem, desde que isso fosse possível segundo os regulamentos de utilização do solo pertinentes e essa solução facultasse a construção de um edifício mais rentável do que a edificação sobre cada parcela de per si. Se por essa via o proprietário das parcelas conseguisse maximizar os resultados da actividade construtiva a desenvolver, conseguiria necessariamente incrementar o valor do solo respectivo. Então, repete-se, esse seria o aproveitamento económico normal, pois é normal essa pretensão de maximização de valores.
Pareceria, assim, que, atento o princípio estabelecido no citado art. 23º, ao qual nenhum obstáculo haveria de resultar da regra do art. 39º, que – como se referiu supra - não dispõe para a situação em análise, deveria ser facultada à expropriada B... a possibilidade de ver apurado o custo da construção que seria possível construir sobre as duas parcelas expropriadas se não tivesse ocorrido a expropriação, perseguindo uma solução construtiva mais valiosa do que a correspondente à soma das duas que poderiam ser adoptadas para cada uma das parcelas, se usadas separadamente.
Porém, para isso, não basta que, em abstracto, fosse admissível a união das duas parcelas num único prédio. Sob pena da prática de actos inúteis, só teria sentido fazer essa indagação se, à data da publicação da DUP, ainda fosse possível um tal aproveitamento construtivo. Ou se, não o sendo, isso pudesse ainda ser considerado ao abrigo do regime do nº 12 do art. 26º do C.E. que, relembra-se, dispõe: “12- Sendo necessário expropriar solos classificados como zona verde, de lazer ou para instalação de infra-estruturas e equipamentos públicos por plano municipal de ordenamento do território plenamente eficaz, cuja aquisição seja anterior à sua entrada em vigor, o valor de tais solos será calculado em função do valor médio das construções existentes ou que seja possível edificar nas parcelas situadas numa área envolvente cujo perímetro exterior se situe a 300 m do limite da parcela expropriada.”
Acontece, porém, que à data da publicação da DUP, não só a expropriada não detinha qualquer prerrogativa de construção de um lote de moradias que inicialmente ponderara implantar sobre o solo resultante da união das duas parcelas 1H e 1J, nem de construção de um edifício que, sucessivamente, projectou para o local, destinado a um centro de talassoterapia.
Nesta fase, esta primeira questão a resolver entronca com a segunda, nos termos da qual a apelante pretende que se aditem ao teor dos factos provados dois textos descritivos da sua interacção com a Câmara Municipal, sobre aquelas duas pretensões construtivas, textos esses acima descritos.
Acontece que, por um lado, jamais se poderiam incluir tais textos entre o elenco de factos provados. Com efeito, sob a designação de factos Um e DOIS, a apelante alude a documentos que constituem meios de prova (v.g. deliberação em reunião ordinária da Câmara, transcrita na acta nº 19; informação do director de Urbanismos de 16/4/97; parecer da Dir. Regional do Ambiente – Norte de 3/2/95; novo parecer desta DRAN, de 19/1/2000) e desenvolve pura argumentação a partir deles concluindo, quer que a DRAN chegou a dar um parecer positivo, no ano 2000, o que implicava a aprovação da implantação do projecto de moradias, quer “que a viabilidade de deferimento não era impossível”, quanto ao projecto do complexo de talassoterapia.
Por outro lado, desses elementos de prova não resulta, à luz da respectiva interpretação e relevância no âmbito dos procedimentos administrativos em que se inseriram, que qualquer das pretensões construtivas sobre a união das duas parcelas tivesse alcançado uma aprovação camarária, passível de sustentar a conclusão pelo reconhecimento de um direito da apelante à respectiva construção, em momento anterior ao da publicação da DUP. Pelo contrário, o que tais documentos evidenciam à recusa de deferimento de qualquer das duas pretensões.
Consequentemente, nem se podem incluir tais textos entre o elenco dos factos provados, nem tão pouco se podem aproveitar os meios de prova mencionados para sustentar qualquer facto provado com interesse para a decisão da causa, designadamente o da existência, em qualquer momento, por parte da Câmara Municipal (do Município agora expropriante) de uma admissibilidade quanto ao aproveitamento conjunto das duas parcelas 1H e 1J, para o desenvolvimento de qualquer projecto construtivo pela expropriante.
Esta conclusão conduz-nos, então, à discussão sobre a verificação do pressuposto de aplicação do nº 12 do art. 26º do CE, citado supra, em termos que correspondem ao tratamento da questão identificada no objecto do recurso sob a al. E).
No caso, à data da publicação da DUP relativamente às duas parcelas (22/7/2009, quanto à parcela 1H e 23 de Março de 2010, quanto à parcela 1H), os respectivos solos encontravam-se “enquadrado na “U.O.P.G n.º 11 – Litoral de ...”, do POOC - Plano de Ordenamento da Orla Costeira de Caminha – Espinho, resolução do Conselho de Ministros nº 25/99, publicado em 07 de Abril de 1999” (item 15º dos factos provados) e em quase toda a sua extensão era inviável a construção, dada a sua classificação como “Barreiras de Protecção e REN (itens 16 e 32), por tais espaços constituírem áreas non aedificandi (art. 24º, nº 1 do referido POOC). Isto, sem prejuízo de uma pequena área da parcela 1J, na qual, segundo aquela UOPG nº 11, ainda seria possível a construção, como resultou provado nos termos do item 16 dos factos provados e infra melhor se analisará.
A inibição construtiva derivou, in casu, de um instrumento de gestão territorial distinto do referido no nº 12 do art. 26º, que se refere apenas aos planos municipais de ordenamento do território. Instrumento aquele, de resto, de categoria superior aos instrumentos de cariz municipal e pelo qual estes estão naturalmente condicionados, como dispunha o art. 24º do DL n.º 380/99, de 22 de Setembro (Regime Jurídico dos Instrumentos de Gestão Territorial) na versão vigente ao tempo da DUP, entretanto substituído pelo DL n.º 80/2015, de 14/05, mas sem alteração da solução prescrita a este propósito.
Como se assinala em diversa jurisprudência, as razões que subjazem à regra desse nº 12 não são aplicáveis a situações em que a classificação dos solos resulta de outros instrumentos de ordenamento do território, que não os municipais. Com efeito, essa solução legal pretende salvaguardar os interesses do proprietário de um prédio que vê o respectivo destino/classificação alterado por disposição municipal, de forma a que, sob a nova classificação, o seu valor diminua, podendo ser expropriado mediante uma menor indemnização. Para prevenir tal hipótese, o nº 12 do art. 26º consagra uma válvula de segurança.
Porém, isso não acontece quando a classificação do solo resulta de instrumentos de gestão territorial mais amplos, de cariz nacional ou regional, perante os quais “(…) a proibição de construir que incide sobre os solos (…) é consequência da vinculação situacional da propriedade, sendo uma manifestação da hipoteca social que onera a propriedade privada - consubstanciada na imposição, por via legal, aos particulares de restrições, decorrentes da natureza intrínseca dos terrenos, e que se mostram necessárias e funcionalmente adequadas para acautelar uma reserva de terrenos (…) que propiciem (…), o equilíbrio ecológico e outros e fundamentais interesses públicos.
Pelo contrário, a inclusão de certos terrenos no âmbito das zonas verdes e equiparadas (zonas de lazer ou destinadas a diferentes infra-estruturas urbanísticas) tem uma base meramente regulamentar – radicando no plano municipal de ordenamento do território – e depende decisivamente, não das características intrínsecas dos terrenos em causa, da sua natureza e vocação económica, mas antes de juízos de oportunidade, amplamente discricionários, das entidades administrativas responsáveis pela urbanização e ordenamento do território - sendo precisamente essa ampla discricionariedade da Administração na ordenação subjacente aos planos municipais de ordenamento do território – e os riscos acrescidos de manipulação das regras urbanísticas por quem os elabora – que está na base do regime especial que consta do referido nº12 do art. 26º.”
Assim, se dispôs no Ac. do STJ de 29/11/2012 (proc. nº 11214/05.7TBMTS.P1.S1, em dgsi.pt), respeitante à inserção de um terreno na RAN, cujas razões são igualmente pertinentes no caso em apreço, em que a classificação do solo das parcelas não resulta de um plano municipal, mas do referido POOC Caminha-Espinho.[1]
No caso em apreço, para além do referido, ocorre ainda a circunstância de a entidade expropriante nem ser a autora do instrumento de gestão de território de onde deriva a inibição construtiva que afecta ambas as parcelas, o que mais contribui para a conclusão pela não verificação de qualquer razão para a aplicação da regra do nº 12 do art. 26º, por analogia, maxime a circunstância de a facti species da norma não ser análoga à situação sub judice.
Em conclusão, nem sequer à luz do deste regime seria possível configurar uma hipótese que compreendesse a utilização de ambas as parcelas como se de um único prédio se tratasse, no desenvolvimento de um projecto de construção imobiliária.
Assim sendo, nas concretas circunstâncias do caso, nenhuma utilidade teria a avaliação conjunta das parcelas, como pretende a apelante.
Resultam, pois, resolvidas negativamente as duas primeiras questões identificadas no objecto do recurso (A e B, em parte), bem como a quinta (E) o que compreende, nos termos descritos a conclusão pela improcedência do recurso interlocutório dirigido à impugnação do despacho com a referência 357938497, que, embora por diferentes razões, se confirma.
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Ainda quanto à al. B) e à pretensão de alteração do substrato factual da decisão, requer também a apelante que se dê por provado que “A edificação a erigir nas parcelas 1 J e 1 H devia ter estacionamento em cave”.
Não tem, porém, razão na sua pretensão. Como já se decidiu supra, as duas parcelas inserem-se quase totalmente em área classificada como Barreira de Protecção, sendo inviável a actividade construtiva invocada pela apelante B.... E mesmo que assim não fosse e ainda que se pudesse classificar o solo das duas parcelas como solo apto para construção sem o condicionamento do POOC (hipótese também tratada pelos peritos, para o caso de se entender aplicável a regra do nº 12 do art. 26º, em termos que já se rejeitaram), nem por isso seria de considerar a construção em cave, pois que todos os peritos, nos relatórios de avaliação e por referência ao PDM de ... na sua versão anterior (de 1994) ao POOC Caminha-Espinho admitem considerar tão só a hipótese de edificabilidade extensiva, consubstanciada em soluções de moradias unifamiliares, com três pisos acima do solo. Esta mesma solução é, de resto, a aplicável à área da parcela 1J a considerar como área edificável, para a qual nenhum dos peritos indicados pela expropriante e pelo tribunal assinala a viabilidade de construção abaixo do solo. A isso acresce que o próprio perito indicado pela expropriada, mesmo operando no pressuposto já rejeitado de aplicação, por analogia, do regime do nº 12 do art. 26º do CE, definindo a edificabilidade das parcelas em função das construções existentes nas proximidades, também pondera apenas a construção em 3 pisos acima do solo.
Não pode, pois, em caso algum, acolher-se a tese da apelante B... … Imobiliária S.A., também nesta parte.
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A conclusão a que acaba de chegar-se tem necessariamente uma outra consequência, esta respeitante à questão identificada sob a al. H), em sede de identificação do objecto do recurso.
Com efeito, excluído que está o pressuposto constituído pela hipótese de edificação, em qualquer das parcelas, em nível inferior ao solo, fica prejudicada a inclusão do custo dessa edificação nas soluções construtivas que se hão-de considerar para a avaliação do valor do solo das parcelas em questão, sendo caso disso.
Por consequência, em relação à questão descrita sob a referida al. H), no objecto do recurso, também haverá de improceder a apelação da expropriada B....
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Na estrutura do presente acórdão, antes de se passar à análise da questão sucessivamente colocada pela apelante B... … Imobiliária S.A., referente à classificação do solo de cada um a das parcelas (questão C), de resto partilhada no recurso da expropriante em relação à parcela 1H (questão L), é útil acabar de fixar o substrato factual da decisão, o que implica resolver a questão suscitada pela expropriante em relação à área da parcela 1H (questão K). Assim, por ser logicamente anterior às restantes, passaremos de imediato à apreciação dessa questão.
Alega o expropriante, pretendendo a alteração da matéria de facto provada em conformidade, que a área da parcela 1H é de 2.200 m2 em vez dos 2.956 m2 considerados no item 28 dos factos provados).
A questão mereceu decisão e fundamentação específicas na sentença recorrida, explicitando-se a razão da fixação da área da parcela nos referidos 2.956m2, em vez dos 2.200 m2 que haviam sido considerados na vistoria ad perpetuam rei memoriam.
Compulsados todos os elementos dos autos, é óbvio o acerto da decisão recorrida.
Com efeito, o processo expropriativo iniciou-se sobre a parcela 1H na convicção do expropriante de que toda a sua área correspondia a um único prédio. É isso que consta expressamente da Resolução de Expropriar constante a fls. 9 do processo de expropriação respectivo. Só em momento ulterior o expropriante se apercebeu de que a área de terreno envolvia dois prédios diferentes, iniciando então um processo expropriativo autónomo, como se impunha, para a parcela que veio a ser designada por 1J. Ora, quanto a esta parcela é incontroversa para as partes, para todos os peritos e para o tribunal, a respectiva área, que é de 1.400 m2.
Mais se verifica que, na fase inicial do processo expropriativo referente à parcela 1H, quando se admitia, embora em erro, que a mesma incluía a área da parcela que veio a ser a 1J, ao total do espaço a expropriar foi reconhecida a área de 4.356 m2. Isso foi inserido na minuta da Resolução de Expropriar respectiva, bem como, sucessivamente, na Resolução de Expropriar definitiva, constante a fls. 46 do processo que lhe respeitava, com base na análise da planta cadastral da área.
Sucessivamente, no Relatório de Avaliação elaborado nos termos do nº 4 do art. 10º do C.E., o perito avaliador confirmou e trabalhou por referência a essa área de 4.356 m2.
Só ulteriormente surgiu nos autos um documento camarário referindo que a área da parcela 1H seria de 2.200 m2 (a fls. 71 dos autos), em conformidade com a área constante da descrição do prédio na C.R.P., onde se encontra descrito como um prédio rústico, sob o nº 42.349, com a área de 2.200 m2. Sucessivamente, todos os actos, incluindo o relatório da VAPRM, passaram a considerar essa área, tendo sido operada uma rectificação da Resolução de Expropriar.
No entanto, se essa parcela só tivesse 2.200 m2, tendo a parcela 1J uns inequívocos 1.400 m2, ficaria por explicar o desaparecimento de 756 m2, dos 4356 m2 que o expropriante havia concluído corresponderem ao que se veio a verificar ser a soma das áreas das duas parcelas. A ter apenas 2.200 m2, na inicial Resolução de Expropriar, determinada em função da planta cadastral, o que o Município pensava corresponder à Parcela 1H só deveria ter 3.600m2. E não foi isso que o Município identificou como área a expropriar.
Só se pode concluir, assim, que a referência aos 2.200 m2, eventualmente resultante da importação, para o processo expropriativo, dos termos da descrição do prédio correspondente à parcela 1H na CRP, não correspondia à real área dessa parcela, pois que o próprio expropriante, ao tratar da sua expropriação, lhe reconheceu a mais os referidos 756 m2, em termos que, conjuntamente com os 1400 m2 da parcela 1J, somariam os referidos 4.356 m2.
Por todo o exposto, não se encontram razões para discordar da decisão recorrida, nesta parte, cumprindo reconhecer, pelo contrário, que os elementos probatórios constantes dos autos justificam que se atribua à parcela 1H a referida área de 2.956 m2.
Improcederá, pois, nesta parte a apelação do expropriante.
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Por fim, ainda em sede de discussão sobre a matéria de facto dada por provada, constatata-se que o tribunal a quo inseriu, sob o item 35, a afirmação de que o custo de construção nas parcelas em causa ascende a 900,00€/m2.
O Município expropriante contesta este facto, em relação à parcela 1J (pois que quanto à parcela 1H exclui a hipótese da sua classificação como solo apto a qualquer tipo de construção), defendendo que o tipo de construção possível para o local, constituído por um simples apoio de praia, não justifica um custo superior a 667,23/m2. (questão identificada sob as als. M) e O), do objecto do recurso).
A este propósito, dispõe o nº 5 do art. 26º do C.E.: “Na determinação do custo da construção atende-se, como referencial, aos montantes fixados administrativamente para efeitos de aplicação dos regimes de habitação a custos controlados ou de renda condicionada.”
Tal como explica Salvador da Costa (ob. cit, pg. 181), esta norma não vincula o tribunal a utilizar, no cálculo da indemnização, o valor fixado administrativamente como preço de construção da habitação por metro quadrado, consoante as zonas do País, para efeitos de cálculo da renda condicionada, que, na situação sub judice seria, de 741,48€/m2 para a área útil, conforme previsto na Portaria n.º 1379-B/2009, de 30 de Outubro, para vigorar em 2010. Apenas determina que esse valor deve ser tido como referência, devendo os peritos (e sucessivamente o tribunal) utilizar como factores aqueles que conduzam à fixação de uma justa indemnização.
A este propósito, o perito da expropriante recorreu ao valor referido na citada Portaria e, convertendo a área útil em área bruta numa proporção de 90%, encontrou como custo de construção o de 667,32€. Os peritos “do tribunal”, afirmando apenas terem feito uma “pesquisa” sobre a questão, entenderam usar um custo de 900,00/m2. Por sua vez, o perito indicado pela expropriada explicou que, pesquisados os valores praticados no local, entendeu adequado usar um custo de 950,00/m2.
Por outro lado, diferentemente do alegado pelo Município expropriante, na Parcela 1J não está sob análise a mera aptidão da parcela expropriada para a construção de um apoio de praia. Com efeito, quer os peritos da expropriante, quer os do tribunal lhe reservam a possibilidade de construção numa área de 238 m2, implantada sobre a UOPG nº 11. Aí, com um coeficiente de ocupação do solo de 0,5, e com uma construção típica em 3 cérceas, consideram a possibilidade de construção habitacional num total de 238 m2.
Para os outros 1162 m2, os peritos consideraram unanimemente a possibilidade de construção de um apoio de praia, atendendo à existência de outros, nas proximidades, Esta hipótese não é posta em causa pelo apelante. Quanto ao custo de construção de uma tal estrutura, os peritos consideraram igualmente o valor de 900,00€/m2, justificando-o (em sede de respostas a quesitos formulados pela expropriante) com o facto de a qualidade dos apoios de praia existentes no local apresentarem uma qualidade que determina que o respectivo custo construtivo seja idêntico ao correspondente ao custo de construção para habitação ou para comércio (esta correspondência é admitida pelo próprio perito da expropriante, embora este tenha proposto um valor inferior ao dos demais.
Atentas as razões expostas pelos peritos e a natureza técnica da matéria, que desaconselha que delas se divirja sem especial fundamentação que, no caso, se não descortina, não resta mais do que acolhê-las, designadamente por revelarem a atenção às especificidades da construção no local e não ao critério puramente formal do preço fixado administrativamente. Entendemos, por isso, estar justificada a utilização do valor de 900,00€ por m2 como preço de construção.
Por isso, também nesta parte, improcederá a apelação do expropriante.
Esta conclusão tem uma outra consequência, relativamente à questão descrita na al. O) do objecto do recurso: como a divergência para com o valor indemnizatório devido pela expropriação da parcela 1J resultava apenas da discordância em relação ao preço da construção por m2 e não de qualquer outro factor, não poderá deixar de concluir-se pela improcedência da apelação do expropriante Município, no tocante à fixação de um tal valor.
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Fixada que está a matéria de facto, importa, agora resolver o problema relativo à classificação do solo de cada uma das parcelas (questão C), suscitada pela expropriada B… … Imobiliária S.A., partilhada no recurso da expropriante em relação à parcela 1H (questão L).
A tese da expropriada resume-se no seguinte:
- a soma da área das duas parcelas ascende a 4.356 m2 (2956 m2 + 1400 m2);
- toda a área deveria ser classificada como solo apto para construção;
- a área de implantação adequada seria de 1400 m2;
- o coeficiente de ocupação seria de 1,5 m2/m2, resultando em 6.534 m2 acima do solo e em 1400 m2 em cave.
Já para o expropriante, não impugnando a qualificação constante da sentença em relação à parcela 1J (solo apto para construção e Barreira de Protecção), a parcela 1H deve ser qualificada como Barreira de Protecção, sem qualquer aptidão construtiva, sequer para apoio de praia. E, assim, como solo apto para outros fins, nos termos do nº 3 do art. 25º do C.E.
Já se decidiu supra sobre a sujeição de ambas as parcelas ao regime do Plano de Ordenamento da Orla Costeira Caminha-Espinho e, consequentemente, às limitações daí resultantes para a sua utilização, designadamente para fins de construção de edifícios destinados a habitação, comércio ou serviços. Aquele POOC, plenamente eficaz à data da DUP e sem a ocorrência de quaisquer circunstâncias que, designadamente à luz do nº 12 do art. 26º do C.E., pudessem fazer ponderar a necessidade da sua avaliação segundo qualquer outra aptidão, pelas razões anteriormente expostas, determina necessariamente a improcedência da pretensão da expropriada quanto à integral classificação do solo de ambas as parcelas como solo apto para construção sem especiais condicionamentos, prejudicando que daí se possa inferir uma aptidão construtiva tal como a por si ficcionada.
De qualquer forma, não se hesita em reconhecer que qualquer das parcelas, mesmo considerada isoladamente, preencheria os requisitos da al. a) do nº 2 do art. 25º do C.E. para poder ser classificada como solo apto para construção. E assim seria face a uma versão antiga do PDM do Município de ....
Porém, não deve esquecer-se que, à data da publicação da DUP, estava em plena vigência o referido POOC, do qual resultava a inserção de uma quase totalidade da área daquelas parcelas em Barreiras de Protecção, com excepção de uma área da Parcela 1J, com 238 m2, apta a edificabilidade de um edifícios de r/c e dois andares, com um COS de 0,5m2 por m2 e da possibilidade de construção de um apoio de praia, tudo no regime definido para a UOPG nº 11.
Ora, como se referiu no Ac. deste TRP de de 24/5/2007, doc. nº 0732451, em dgsi.pt (citado supra) não basta a presença das infra-estruturas descritas no art. 25º do CE para que um prédio se classifique como solo apto para construção. Necessário se torna que essa aptidão não resulte inibida por instrumentos eficazes de gestão do território, como acontece no caso em apreço.
Não estando em causa a classificação do solo quanto à parcela 1J, que o foi enquanto solo apto para construção, mas com as condicionantes já referidas, fica em causa a classificação do solo da parcela 1H. E esta, tal como consta da pronúncia dos peritos do tribunal e do expropriante, no respectivo relatório de avaliação, só pode classificar-se como solo apto para outros fins. É certo que a sentença recorrida chega a afirmar o contrário, atribuindo-lhe a qualidade de solo apto para construção. Porém, chega a parecer que isso tenha sido lapso, porquanto os pressupostos dessa afirmação do tribunal são os mesmos que levaram aqueles peritos a afirmar o contrário, designadamente que “O solo encontrava-se, à data da D.U.P., enquadrado na “U.O.P.G n.º 11 – Litoral de ...”, do POOC - Plano de Ordenamento da Orla Costeira de Caminha – Espinho, resolução do Conselho de Ministros nº 25/99, publicado em 07 de Abril de 1999. De acordo, com tal plano, a parcela encontrava-se inserida na unidade operativa de planeamento e gestão e cumulativamente classificada como “Barreiras de Protecção” e simultaneamente e em termos de condicionantes a parcela também se encontra totalmente inserida dentro da "REN', com a subclassificação de "Áreas de infiltração máxima" ou seja, "áreas non aedíficandi", consequentemente solo sem possibilidade de construção, sendo que as áreas inseridas em "barreiras de protecção", de acordo com os n." 1 e 3 do Artigo 24 do POOC, são consideradas zonas "non aedificandi"…”.
Tem, pois, razão a apelante nesta questão, devendo reconhecer-se que a parcela 1H deve ser classificada como solo apto para outros fins, e não como solo apto para construção.
Em qualquer caso, esta classificação acaba por ser indiferente para a economia deste recurso, já que, quanto ao método usado pelos peritos para o apuramento do respectivo valor, o Município apelante nada propõe de diferente. Assim, independentemente da alteração dessa qualificação, essa determinação deverá fazer-se ainda em função do valor do edifício para apoio de praia que os peritos do tribunal e do próprio expropriante admitem que seria viável edificar, com uma área de 160 m2, nos termos do Quadro nº 1 do Anexo II do POOC que prevê essa possibilidade, e definindo o valor da área remanescente como uma percentagem do valor dessa área, que os peritos calculam em 20%.
Resolvem-se, pois, nestes termos as questões identificadas no objecto do recurso sob as als. C) e L).
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Cumpre agora decidir a questão identificada sob a al. D, correspondente à pretensão da expropriada quanto à anulação da avaliação, por não aplicação do critério do nº 2 do art. 26º do C.E., bem como por inobservância do disposto no nº 5 do art. 23º do mesmo código, sem justificação adequada.
Os peritos, por unanimidade, declararam não dispor de tais elementos. Dos autos não resulta que expropriante ou expropriada tenham desenvolvido qualquer iniciativa em ordem a habilitar os peritos com tal tipo de informações, nem sequer, designadamente por parte da expropriada ora apelante, qualquer requerimento tendente a que a avaliação decorresse segundo o critério em questão, ou qualquer outro, como habilitaria o disposto no nº 5 do art. 23º do C.E. Sabe-se, de resto, como é raríssima a possibilidade de utilização desse critério de origem fiscal, sempre dependente da organização sistemática de informação verdadeira sobre as transacções imobiliárias em determinada região, por parte da autoridade tributária local. Disso mesmo dá nota Salvador da Costa, ob. cit., pgs. 177 e 178. Neste contexto, não pode deixar de ter-se por justificada a informação de todos os peritos sobre a indisponibilidade de tais meios e legitimado o recurso ao critério subsidiário estabelecido no nº 4 do citado art. 26º.
Em qualquer caso, a nulidade em questão, a ter ocorrido, consubstanciada pela deficiente instrução do processo com elementos de prova que deveriam ter sido oferecidos, sempre haveria de ter sido arguida em momento próprio e perante o tribunal recorrido, nos termos dos arts. 195º e 199º do CPC. Designadamente na sequência da notificação à expropriada dos relatórios de avaliação apresentados pelos peritos. Não o tendo sido, mesmo a entender-se que tal omissão resultaria numa nulidade processual, o que não se concede, jamais poderia deixar de ter-se por sanada tal nulidade.
Improcedem, por isso, também as razões da apelante B… quanto a esta questão.
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As questões seguintes, descritas sob as als. F), G), I) e N) do objecto do recurso conforme acima este foi segmentado, reconduzem-se à determinação do valor das parcelas 1H e 1J segundo os critérios já referidos, em função de premissas concretas que agora cabe analisar.
Tais premissas, ou factores de cálculo, operam num contexto que já se mostra estabelecido:
- A parcela 1H, classificada como solo apto para outros fins, deve ser avaliada em função da possibilidade de construção de um apoio de praia com uma área de 160 m2, que determinará o valor da parcela nessa mesma medida, correspondendo o remanescente a uma proporção de 20% do valor do m2 dessa área.
- A parcela 1J, classificada como solo apto para construção, deve ser avaliada em função da possibilidade de construção de uma habitação de 3 pisos acima do solo, numa área de 238m2, com um COS de 0,5m2/m2, e de um apoio de praia com uma área de 160 m2, na restante área de 1162 m2, que determinará o valor da área da parcela inseria em “Barreiras de Protecção” da área de protecção costeira.- Para qualquer dos casos, o preço de construção a considerar é de 900,00€/m2.
Neste contexto, cumprindo aplicar os critérios prescritos pelo art. 26º do C.E., começa a apelante B… por defender que o factor referido no respectivo nº 6, com um máximo de 15%.
Dispõe esta regra que “Num aproveitamento economicamente normal [em conformidade com os princípios constantes do art. 23º,nº 5 e 26º, nº1] o valor do solo apto para a construção deverá corresponder a um máximo de 15% do custo da construção, devidamente fundamentado, variando, nomeadamente, em função da localização, da qualidade ambiental e dos equipamentos existentes na zona, sem prejuízo do disposto no número seguinte.
Definindo este factor, os peritos do tribunal e do expropriante entenderam adequado usar a proporção de 14%; o perito da expropriada optou pelo máximo, de 15%.
Sobre a questão, a matéria provada revela que a zona onde se situam as parcelas é predominantemente vocacionada para habitação, apresenta uma componente de lazer, decorrente da proximidade ao mar, estando provida de diversos equipamentos de lazer, desportivos e de apoios à praia. O comércio local reporta-se essencialmente a pequenos negócios de proximidade tipo cafés, restaurantes, papelaria. É provida de autocarros urbanos sendo estes suficientes para as necessidades locais e as parcelas apresentavam interesse económico em face da procura existente no local, marcada pela sua localização face ao mar (primeira linha de mar).
Atentos estes factores, afigura-se-nos inexistir motivo para divergir do entendimento de 4 dos 5 peritos intervenientes na avaliação, que já reconheceram às parcelas uma qualidade ambiental e de localização muito elevadas (em apenas um ponto inferior ao máximo admitido) o que não deixa de ponderar que, no tocante a equipamentos, acesso e transportes algo poderia ser melhor, como se depreende da análise dos factos provados, para o caso em apreço. Com efeito, não é difícil deixar de equacionar localizações, nas mais diversas áreas do país, com mérito superior no tocante aos parâmetros em equação, para as quais se justifica reservar o valor máximo. Assim, a atribuição desse máximo às duas parcelas em causa sempre se poderia considerar uma avaliação exagerada, como bem entenderam aqueles peritos.
Pelo exposto, a sentença em crise, acolhendo essa solução proposta pelos peritos, a quem apenas se não juntou o perito da expropriada, não merece qualquer crítica.
Improcede, por isso, também nesta parte [questão F)] a apelação da expropriada.
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Apenas em relação à parcela 1J, classificada como solo apto para construção, para a qual foi reconhecida a edificabilidade de um edifício com área de construção de 357 m2, em função da área de solo, do coeficiente de ocupação e da viabilidade de construção em 3 pisos (238m2 x 0,5 x 3 pisos), bem como de um apoio de praia com 160 m2 de área, vieram os peritos do tribunal e da expropriante defender a aplicação de um factor de correcção por ausência de risco inerente à actividade construtiva, em que a expropriada não incorreu por não ter chegado a empreendê-la, que os primeiros fixaram em 5% e o último em 10%. Justificaram-no com o facto de, ao tempo da DUP, em 2010, já se sentirem as condições adversas de mercado, em especial quanto à liquidez e procura de produto imobiliário, sem prejuízo de reconhecerem o caracter limitado dessa adversidade em função da localização da parcela em frente ao mar.
Já o perito da expropriada rejeitou a verificação desse risco, alegando que a iniciativa construtiva da expropriada se desenvolveu a partir de 1994, quando tudo se vendia, mesmo que ainda em projecto.
A sentença em crise veio acolher, com os seus precisos fundamentos, a tese maioritária dos peritos, admitindo, pelas razões por eles expostas, a justeza de um factor correctivo de 5%.
No presente recurso, a expropriada justifica a não aplicação deste factor por não estar demonstrado que decidira ser ela própria a desenvolver a actividade construtiva, inexistindo o risco no caso de optar pela venda da parcela. É o que consta da conc. 18ª do seu recurso.
Acontece, por um lado, que todo o processo expropriativo decorreu sob a alegação de que a expropriada desenvolveu iniciativas tendentes à viabilização de construção sobre ambas as parcelas. Por isso, a argumentação agora usada para a eliminação do factor sob análise roça a litigância de má fé, por contradizer toda a alegação da expropriada ao longo do processo. Por outro lado, tal hipótese é completamente nova, jamais tendo sido discutida na 1ª instância, consubstanciando uma questão nova que, não sendo de conhecimento oficioso, se revela impertinente quando arguida em sede de recurso.
Assim, e atentando na justeza e pertinência dos argumentos invocados na sentença para a aplicação do factor em causa, com os quais integralmente se concorda, designadamente à luz da solução proposta por 4 dos 5 peritos intervenientes na avaliação, relativamente à qual se não identificam razões para divergir, cumpre concluir, também nesta parte, pela improcedência da tese da apelação.
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Após a resolução das questões anteriormente descritas, instrumentais em relação à determinação do valor das duas parcelas expropriadas que há-de ser indemnizado pelo Município expropriante, sucede-se a questão essencial, que é a da própria determinação desse valor, à luz daquelas já resolvidas ou de outras que carecessem de solucionar-se (questões identificadas sob as als. I) e N), do objecto do recurso).
A este propósito, a expropriada B... … Imobiliária S.A. calcula tal valor, em relação às duas parcelas, por aplicação da percentagem de 25% que diz resultar da utilização dos critérios especificados nos nºs 6 e 7 do art. 26º do C.E., ao preço da construção que defendera ser possível no conjunto das duas parcelas.
Aquela percentagem de 25% resultaria do valor de 15%, nos termos do nº 6, e do valor de 10%, nos termos das diferentes alíneas do nº 7.
Quanto à percentagem de 15%, já antes se decidiu confirmar a sentença recorrida que, a esse propósito, utilizou o valor de 14%.
Por outro lado, quanto à soma das parcelas resultantes dos critérios descritos no nº 7, o tribunal a quo concluiu pelos seguintes valores, num total de 9%: acesso rodoviário pavimentado, 1,5%; passeios em toda a extensão do arruamento, 0,5%; rede de abastecimento domiciliário de água, 1,0%; rede de saneamento com colector, 1,5%; rede de distribuição de energia eléctrica em bt, 1,0%; rede de drenagem de águas pluviais, 0,5%; estação depuradora, 2,0%; rede gás, 0,0%; rede telefónica, 1,0%.
Quanto a estes valores, a expropriada refere “aceitar” um total de 10%, mas sem especificar qual a razão da sua discordância para com qualquer um dos critérios que redundaram na soma de 9%, nem quais os que estão subjacentes à sua contabilização de 10%. Por conseguinte, inexiste razão que possa motivar a alteração da decisão recorrida quanto a essa parte.
Por fim, quanto ao preço da construção a que cumpriria aplicar a percentagem encontrada, que – como acabámos de concluir - sempre haveria de ser a de 23%, já se recusou a opção por aquele que corresponderia ao custo da actividade construtiva defendida pela expropriante. Com efeito, o aproveitamento das parcelas foi definido conforme acima se justificou, em termos bastante diferentes dos pretendidos pela apelante. Por isso, também quanto a essa matéria cumpre concluir pela improcedência da apelação.
No tocante ao recurso do Município expropriante, as razões da sua divergência para com a fixação do valor devido pela expropriação da parcela 1H resultam quer da alegação de uma diferente área da parcela (2.200 m2, em vez dos 2.956 m2 considerados na sentença), quer da alegação de um diferente custo de construção por m2 (667,32€/m2 em vez dos 900,00€/m2 considerados), razão esta, de resto, que era a única oposta à alteração do valor devido pela parcela 1J.
Já se concluiu (em sede de resolução das questões definidas sob as als. K) e M) do objecto do recurso) pela improcedência dessas razões.
Por conseguinte, ainda quanto a esta questão, cumpre concluir pela improcedência das razões da apelante.
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Cabe, por fim resolver a questão colocada pela expropriada, sobre o pedido de condenação do expropriante numa indemnização por danos provocados pelo atraso no processo expropriativo, a calcular à taxa de 5% sobre o valor da indemnização e pelo período da mora, e sobre o pedido de condenação em juros, por privação do capital devido, para além da actualização a operar nos termos do art. 24º, nº 1 do C.E, que a sentença não deixou de prescrever.
A apelante B... veio ainda arguir a nulidade da sentença, nos termos do art. 615º, nº1, al. d) do CPC, afirmando que tal questão, colocada nos recursos da decisão arbitral de cada processo expropriativo antes da sua apensação, não foi alvo de apreciação, como deveria ter sido.
É evidente a razão da apelante quanto à ocorrência dessa nulidade, sem prejuízo do que deve esta ser agora suprida, por este tribunal de recurso, nos termos do art. 665º, nºs 1 e 2 do CPC, sem que careçam de ser ouvidas as partes, já que o próprio expropriante se pronunciou sobre as questões, em sede de resposta ao recurso.
A este propósito, alegou a expropriada que os acórdãos de arbitragem não foram remetidos ao tribunal no prazo devido, dando origem a que as sentenças de adjudicação tivessem sido proferidas mais tarde do que o adequado, assim a privando do capital que tinha direito a receber. Pede, a esse propósito, a fixação de uma indemnização correspondente a 5% sobre o capital da justa indemnização e pelo período da mora.
O expropriante recusou a existência de tal atraso e justificou o período que decorreu até à remessa do processo expropriativo com a circunstância de a expropriada ter interposto acção de anulação do acto de posse administrativa.
Com relevo para a apreciação desta questão, os autos demonstram o seguinte:
1 - A publicação da DUP relativa à parcela 1J ocorreu em 23/3/2010.
2 - O Acórdão de arbitragem relativo à parcela 1J foi proferido em 11/9/2010, fixando em 226.818,73€ o valor da indemnização (fls. 106-111).
3 - A expropriada, em Novembro de 2011, requereu a avocação do processo expropriativo, em processo que correu sob o nº 10280/11.0TBVNG, no 5º J. Cível do Trib. de V.N.Gaia, o qual mereceu uma decisão de inutilidade, por o expropriante ter remetido esse processo expropriativo ao tribunal, encontrando-se o mesmo a correr pelo 4º Juízo Cível, desde 14/12/2011 (fls. 3 e 157).
4 - O depósito da indemnização ocorreu em 1/8/2012 (fls. 159-160)
5 - A sentença de adjudicação da propriedade da parcela IJ foi proferida em 6/9/2012.
6 - A publicação da DUP relativa à parcela 1H ocorreu em 22/7/2009.
7 - Em 8/11/2009, a expropriada intentou providência cautelar, no TAF do Porto, tendente à suspensão da eficácia do acto de tomada de posse administrativa da Parcela 1H, que então se dizia ter a área de 4356 m2., apesar de só ter sido declarada a utilidade pública relativamente a 2.200 m2.
8 - O Acórdão de arbitragem relativo à parcela 1H foi proferido em 11/9/2010, fixando em 340.932,50€ o valor da indemnização (fls. 446-451).
9 - O depósito da indemnização ocorreu em 8/11/2010 (288.682,50€) e em 30 de Maio de 2012, após interpelação do tribunal, o Município veio informar ter depositado, em 29/5/2012, o valor em falta (cfr. fls. 523 e 524; 52.250,00€).
10 - A expropriada, em Novembro de 2011, requereu a avocação do processo expropriativo, em processo que correu sob o nº 10259/11.2TBVNG, no 1º J. Cível do Trib de V.N.Gaia, o qual mereceu uma decisão de inutilidade, por o expropriante ter remetido esse processo expropriativo ao tribunal, encontrando-se o mesmo a correr pelo 2º Juízo Cível, desde 14/12/2011 (fls. 3 e 516).
11 - A sentença de adjudicação da propriedade da parcela 1H foi proferida em 5/6/2012.
Com relevo para o caso em apreço, o art. 70º do C.E dispõe, no seu nº 1, que “Os expropriados (…) têm o direito de ser indemnizados pelos atrasos imputáveis à entidade expropriante no andamento do procedimento ou do processo expropriativo ou na realização de qualquer depósito no processo litigioso.”
Além disso, no seu nº 1 do art. 51º, dispõe o C.E.: “A entidade expropriante remete o processo de expropriação ao tribunal da comarca da situação do bem expropriado (…) no prazo de 30 dias, a contar do recebimento da decisão arbitral, acompanhado de certidões (…) bem como da guia de depósito à ordem do tribunal do montante arbitrado ou, se for o caso, da parte em que este exceda a quantia depositada nos termos da alínea b) do n.º 1 ou do n.º 5 do artigo 20.º; se não for respeitado o prazo fixado, a entidade expropriante deposita, também, juros moratórios correspondentes ao período de atraso, calculados nos termos do n.º 2 do artigo 70.º, e sem prejuízo do disposto nos artigos 71.º e 72.º.
Esclarecendo este regime, explica o Ac. do TRP de 27/5/2008 (proc. nº 0726243, em dgsi.pt), que “A remessa do processo a tribunal após a notificação do acórdão arbitral não é a única obrigação da entidade expropriante. Até àquele momento e desde a DUP, várias outras obrigações impendem sobre a entidade expropriante, tais como, propor ao expropriado a expropriação amigável, promover a realização da vistoria ad perpetuam rei memoriam e a constituição da arbitragem (artºs 35º, nº 1, 21º, nº 1 e artº 42º, nº 1), etc. – para cujo cumprimento a lei estabelece prazos.
O que sucede é que se entendeu legislar expressamente sobre o caso de atraso da entidade expropriante na remessa dos autos a tribunal.
Nos termos do art. 51º, nº 1 na sua parte final a entidade expropriante tem de remeter o processo ao tribunal no prazo de 30 dias a contar do recebimento da decisão arbitral e, se não respeitar esse prazo, tem de depositar juros moratórios correspondentes ao período de atraso conjuntamente com a quantia fixada no acórdão arbitral, (…).
Como se questiona no mencionado acórdão (Ac. do TRP de 20/12/2005, em www.dgsi.trp.pt) qual é então a razão de ser da norma do art 51º, nº 1, parte final? Aí se refere o entendimento que inteiramente se sufraga: (…) o art. 51º, nº1 contém um comando dirigido directamente à entidade expropriante e estabelece uma presunção de culpa desta entidade no atraso da remessa dos autos. Presunção de tal maneira forte que a entidade expropriante tem de depositar logo os juros de mora conjuntamente com o depósito da quantia arbitrada, sem dependência de requerimento do expropriado ou de notificação do tribunal. (…)
A nosso ver, o estabelecimento de uma presunção tão forte tem a ver com o facto de, entre o recebimento pela entidade expropriante do acórdão arbitral e a remessa dos autos a tribunal, não terem de ser praticados quaisquer actos, a não ser as diligências necessárias à efectivação do depósito. E para estas já a lei concede à entidade expropriante o prazo de 30 dias, pelo que dificilmente esta terá justificação para atrasar a remessa dos autos.”
No caso em apreço, vejamos o que aconteceu em relação à Parcela 1H: após a publicação da DUP, em 22/7/2009, e sem relevância, para os factos em apreço, de uma providência cautelar intentada pela expropriada para obstar à posse administrativa, certo é que veio a ser proferido acórdão de arbitragem em 11/9/2010, fixando em 340.932,50€ o valor da indemnização. Só em 14 de Dezembro de 2011 o processo foi remetido ao tribunal, após a expropriada ter suscitado incidente de avocação, embora fora do âmbito deste. E só em 29/5/2012 o expropriante completou o depósito do valor indemnizatório, após interpelação do tribunal, só após o que, em 5/6/2012 foi proferida a sentença de adjudicação da propriedade à expropriante.
Quanto à Parcela 1J, algo de semelhante aconteceu: a publicação da DUP ocorreu em 23/3/2010 e o acórdão de arbitragem foi proferido em 11/9/2010, fixando em 226.818,73€ o valor da indemnização. Porém, só em 14 de Dezembro de 2011 o processo foi remetido ao tribunal, após a expropriada ter suscitado incidente de avocação, embora fora do âmbito deste. O depósito da indemnização ocorreu em 1/8/2012 e a sentença de adjudicação da propriedade da parcela IJ foi proferida em 6/9/2012.
O regime do art. 51º do C.E. revela a essencialidade do envio do processo expropriativo, pelo expropriante, ao tribunal, processo que deve ser integrado por comprovativo do depósito da quantia indemnizatória fixada no acórdão arbitral. Será na sequência disso que o tribunal profere decisão de adjudicação da propriedade dos bens expropriados (nº 5 do art. 51º), de cuja notificação decorre o prazo para recurso da decisão arbitral (art. 52º).
É essa essencialidade que justifica a presunção de culpa reconhecida ao mesmo normativo, em caso de incumprimento dessa obrigação pelo expropriante, como acima se enunciou.
No caso em apreço, sem qualquer justificação apta a afastar essa presunção de culpa – não o é, obviamente, a providência cautelar que antecedeu a posse administrativa da parcela 1H, pois que o acórdão arbitral ocorreu em 11/9/2010, depois desse acto, e o atraso que se analisa é o decorrido desde 11/9/2010 até ao envio do processo a tribunal – em 14/12/2011 – em qualquer caso ainda desacompanhado do depósito integral do valor devido, que só veio a ocorrer em 29/5/2012. Neste contexto, a decisão de adjudicação da propriedade só ocorreu em 5/6/2012.
Em relação à parcela 1J, o acórdão de arbitragem ocorreu em 11/9/2010, o processo foi remetido a tribunal em 14/12/2011, após – à semelhança do procedimento relativo á parcela 1H – instauração de incidente de avocação do processo, e o depósito do valor arbitrado só veio a ocorrer, depois de interpelação do tribunal, em 1/8/2012, dando azo a que a decisão de adjudicação só fosse proferida ulteriormente, em 6/9.
Atentando em que a remessa dos autos a juízo deveria ter ocorrido no prazo de 30 dias após a junção dos acórdãos de arbitragem aos processos de expropriação de cada parcela, prazo esse que deverá contar-se, na falta de outra data, desde as suas datas, conclui-se que:
- Em relação à parcela 1H, para a qual foi arbitrada uma indemnização de 340.932,50€, e para a qual agora se decidiu ser justa a indemnização no valor de 117.576,00€, a actuação da expropriante deu azo a um atraso entre 11/11/2010 e 5/6/2012;
- Em relação à parcela 1J, para a qual foi arbitrada uma indemnização de 226.818,73€, e para a qual agora se decidiu ser justa a indemnização no valor de 101.668,00€, a actuação da expropriante deu azo a um atraso entre 11/11/2010 e 6/9/2012.
Assim, atento o regime descrito, prescrito pelos arts. 70º., nº 1 e 51º, nº 1 do C.E., a expropriada tem direito a ser indemnizada nos termos do nº 2 do art. 70º, isto é, devem ser-lhe pagos juros sobre os montantes definitivos da indemnização, pelo período correspondente ao atraso. É oportuno referir que o capital de referência para a contabilização de tais juros corresponde aos valores definitivos da indemnização e não aos valores dos depósitos, pois o art. 70º, nº 1 refere-se aos depósitos devidos no processo litigioso, isto é, no processo de expropriação na sua fase contenciosa ou judicial.
Os juros devidos são os juros legais, contados à taxa anual de 4%, nos termos do art. 559º do Código Civil, aplicável por remissão do citado art. 70º, nº 2.
Em conclusão, cumpre condenar a ré a pagar, a título de indemnização pelo atraso que a sua conduta omissiva determinou nos processos expropriativos das parcelas 1H e 1J, o valor correspondente à taxa de 4% ao ano, respectivamente aplicado sobre o capital de 117.576,00€, entre 11/11/2010 e 5/6/2012; e sobre 101.668,00€, entre 11/11/2010 e igualmente 5/6/2012, já que outra data ulterior não foi indicada pela apelante, não se podendo transcender o seu pedido.
Procederá, nesta parte, parcialmente a apelação da expropriada B... … Imobiliária, S.A.
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Para além disso, a expropriada pede ainda uma indemnização por entender que deveria ter a disponibilidade dos valores indemnizatórios desde a data da DUP ou, pelo menos, desde a posse administrativa das parcelas pelo expropriante. Por não dispor desse capital, afirma ter ficado privada dos respectivos frutos, pretendendo ser disso indemnizada, sustentando ainda que esta indemnização se não confunde com a actualização do valor indemnizatório.
Não tem, porém, razão. No exercício de uma opção específica, o legislador, no nº 1 do art. 24º do C.E., estabeleceu os termos da indemnização do dano constituído pela privação do bem expropriado entre o momento da perda da sua disponibilidade e o do recebimento da indemnização devida: a actualização do valor desse bem como se dele o expropriado só abrisse mão à data da decisão final (1 - O montante da indemnização calcula-se com referência à data da declaração de utilidade pública, sendo actualizado à data da decisão final do processo de acordo com a evolução do índice de preços no consumidor, com exclusão da habitação).
Foi esta a compensação que a decisão recorrida não se esqueceu de determinar.
Cumular com esta compensação uma indemnização pelo rendimento que o expropriado deixou de receber por não dispor do capital desde a data da DUP seria facultar-lhe uma dupla indemnização pelo mesmo prejuízo: por um lado, seria compensado por não ter recebido a indemnização à data da DUP; por outro, seria compensado como se só perdesse o bem à data da decisão final.
Conclui-se, assim, pela falta de fundamento desta pretensão do apelante, cabendo concluir pela improcedência da apelação nesta parte.
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Decididas todas as questões identificadas no objecto de todos os recursos, da expropriada B... … Imobiliária, S.A. e do expropriante Município de ..., cumpre concluir nos termos seguintes:
- Afirmar a improcedência do recurso da expropriada em relação ao despacho interlocutório de rejeição da avaliação conjunta das parcelas.
- Afirmar o acerto das indemnizações devidas pela respectiva expropriação, com fundamento na ausência de qualquer vício reconhecido nos processos de expropriação que afectem a sua regularidade e na confirmação de todos os factores de cálculo dos valores do solo parcelas 1H e 1J, improcedendo as apelações da expropriada e do expropriante a esse propósito.
- Confirmar a nulidade da sentença por omissão de pronúncia sobre as pretensões indemnizatórias da expropriada em razão dos atrasos provocados nos processos de expropriação de ambas as parcelas e em razão da indisponibilidade das indemnizações devidas por tais expropriações.
- Suprir essa nulidade, por apreciação de tais pretensões.
- Condenar o expropriante a pagar à expropriada uma indemnização por atraso provocado no processo expropriativo, correspondente ao valor de uma taxa de juro anual de 4%, aplicada sobre o capital de 117.576,00€ e sobre o capital de 101.668,00€, entre 11/11/2010 e 5/6/2012.
- Julgar, no mais, improcedente a pretensão indemnizatória da expropriada, absolvendo o expropriante do restante que contra si vinha pedido.
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Nestes termos, em suma, resultará totalmente improcedente o recurso do expropriado Município de ...; resultará improcedente o recurso da expropriada sobre a decisão interlocutória de não avaliação conjunta das parcelas; e resultará parcialmente procedente o recurso da expropriada, no tocante ao direito à sua pretensão indemnizatória pelos danos determinados pelo atraso indevido dos processos expropriativos.
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Sumário (art. 663º, nº 7 do CPC):
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3- DECISÃO
Pelo exposto, acordam os juízes que constituem este Tribunal em julgar improcedente a apelação deduzida pelo expropriante Município de ..., confirmando a sentença recorrida em relação às questões suscitadas no respectivo recurso.
Mais acordam em julgar improcedente o recurso de apelação deduzido pela expropriada B…. … Imobiliária S.A. na parte que teve por objecto o despacho interlocutório de rejeição da avaliação conjunta das parcelas expropriadas, com refª 357938497.
Por fim, acordam em julgar parcialmente procedente o recurso de apelação deduzido pela apelante B... … Imobiliária S.A. em relação à sentença final, alterando-a na parte em que absolvera o expropriante Município de ... de um pedido de indemnização pelos danos causados pelo atraso nos processos expropriativos das parcelas 1H e 1J aqui em causa, entretanto apensados, que substituem pela condenação do expropriante Município de ... a pagar à expropriada uma indemnização por atraso provocado em tais processos expropriativos, indemnização essa correspondente ao valor de uma taxa de juro anual de 4%, aplicada sobre o capital de 117.576,00€ e sobre o capital de 101.668,00€, entre 11/11/2010 e 5/6/2012. Em tudo o mais se declara improcedente a apelação, confirmando o decidido na sentença recorrida.
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Custas pelo Município de ..., em relação ao respectivo recurso, que improcedeu totalmente.
Custas por apelante e apelada, na proporção do decaimento, no tocante ao recurso da expropriada.
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Porto, 23/11/2021
Rui Moreira
João Diogo Rodrigues
Anabela Andrade
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[1] No mesmo sentido, cfr Ac. do TRP de 24/5/2007, doc. nº 0732451, em dgsi.pt: “I – Para que determinado solo seja classificado como apto para construção não basta a verificação de alguma das circunstâncias enumeradas nas als. que integram os nº/s 2 do art. 24º do Cód. das Exp. de 91 e 25º do Cód. vigente (Lei nº168/99, de 18.09). Antes é necessário que, de acordo com as leis e regulamentos em vigor, seja possível a construção nesse solo e que constitua o seu aproveitamento económico normal. II – O art. 26º, nº12, do CE constitui norma excepcional, a visar a salvaguarda de alguns possíveis desvios ao planeamento urbanístico. E, como excepcional que é, tem de ser vista e aplicada dentro de balizas bem determinadas e precisas. III – Assim, não é aceitável a interpretação extensiva ou analógica daquela norma, antes a mesma deve ser aplicada apenas às situações ali previstas – isto é, para o caso de existir uma tentativa por parte da Administração para, de forma ilegítima, fazer reduzir o valor dos solos que já tinha intenção de expropriar –, não se devendo, portanto, estender a situações em que não existe qualquer hipótese de fraude via plano, ou seja, em que as restrições existentes sobre um determinado terreno resultam de outras entidades públicas que não o autor do plano”.