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COMPETÊNCIA INTERNACIONAL DOS TRIBUNAIS PORTUGUESES
CRITÉRIOS
Sumário
I- A competência internacional dos Tribunais Portugueses afere-se pelos termos em que o autor configura a relação jurídica controvertida. II - É condição para aplicação do regime previsto no Regulamento (EU) n.º 1215/2012 que a ré tenha o seu domicílio num Estado-Membro da União Europeia ou que se verifique algum dos elementos de conexão especiais previstos no Regulamento na sua Secção 2 a 7. III - São três os critérios por via dos quais os tribunais portugueses gozam de competência internacional: o da coincidência [alínea a) do artigo 62º do CPC], o da causalidade [alínea b) do artigo 62º do CPC] e o da necessidade [alínea c) do artigo 62º do CPC], devendo entender-se que a sua verificação não tem de ser conjunta ou cumulativa, bastando a verificação de um dos fatores, ainda que isolado, para que haja competência dos tribunais portugueses. IV - O critério ou principio da coincidência, previsto na alínea a), é o que se baseia na circunstância da ação poder ser proposta em tribunal português, segundo as regras de competência territorial estabelecidas pela lei portuguesa e que constam dos artigos 70º e seguintes do CPC; isto é, o da coincidência entre a competência interna em razão do território e a competência internacional. V - O critério ou principio da causalidade, previsto na alínea b), significa que os tribunais portugueses têm competência internacional sempre que o facto que serve de causa de pedir na ação tenha sido praticado em território nacional ou, tratando-se de causa de pedir complexa (isto é, constituída por vários elementos), algum deles tenha ocorrido em Portugal”. VI - O critério ou princípio da necessidade, previsto na alínea c), traduz-se em os tribunais portugueses terem competência internacional quando o direito invocado não possa tornar-se efetivo senão por meio de ação intentada em tribunal português ou quando a sua propositura no estrangeiro constitua apreciável dificuldade para o autor, sendo de todo o modo imprescindível que entre a ação a propor e a ordem jurídica portuguesa haja um elemento poderoso de conexão pessoal ou real. VII - Invocando o Autor, jogador profissional de futebol, a utilização, sem o seu consentimento, da sua imagem, nome e caracteristicas pessoais e profissionais pela Ré, sociedade com sede nos EUA, em jogos FIFA e FIFA MANAGER por esta criados, e produzidos nos EUA e divulgados pela Ré nos Estados Unidos da América, Canadá e Japão, os Tribunais Portugueses não são internacionalmente competentes para derimirem o litigio, por, quer o facto ilícito quer o dano, não terem sido praticados em território nacional, não sendo relevantes, para o efeito de atribuição de competencia, os locais da posterior divulgação, visualização ou aquisição pelo consumidor final.
Texto Integral
ACORDAM NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE GUIMARÃES
I. Relatório
D. A., residente na Rua …, Esposende intenta a presente ação de processo comum contra X INSC., com sede em Califórnia, EUA, pedindo a condenação da Ré a pagar-lhe, a título de indemnização por danos patrimoniais de personalidade, pela utilização indevida da sua imagem e do seu nome, a quantia de €36.000,00 de capital, acrescida dos juros vencidos, no montante de €10.902,58, tudo no total de €46.902,58 e dos juros que se vencerem até integral pagamento, à taxa legal, e quantia nunca inferior a €5.000,00, a título de danos não patrimoniais, acrescida também dos juros vencidos, no montante de €2.147,95, tudo no total de €7.147,95 e dos juros que se vencerem até integral pagamento, à taxa legal.
Alega, para o efeito e em síntese, que a Ré utiliza indevidamente e sem a sua autorização a sua imagem, o seu nome e as suas características pessoais e profissionais em diversos jogos, sua propriedade, denominados FIFA e FIFA MANAGER, que são produzidos e comercializados pela Ré nos Estados Unidos da América, Canadá e Japão, jogos igualmente vendidos a consumidores não residentes nestes países através subsidiárias, destacando-se na Europa a Y que assume a responsabilidade pela venda dos produtos perante todos os consumidores não residentes nos Estados Unidos da América, Canadá e Japão, e que dessa atuação resultando os danos que computa nos acima quantificados.
A Ré apresentou nos autos requerimento suscitando a questão da incompetência internacional por não se verificar nenhum dos fatores de conexão elencados no artigo 62º do Código de Processo Civil (de ora em diante designado apenas por CPC), requerendo o conhecimento dessa questão e a sua absolvição da instância.
Notificado, veio o Autor pronunciar-se no sentido da competência dos tribunais portugueses, alegando a aplicabilidade do critério de competência territorial constante do artigo 71º n.º 2 do CPC em articulação com a alínea a) do artigo 62º, mais alegando, a dificuldade séria e apreciável da propositura da ação nos Estados Unidos da América o que constitui também um fator de atribuição da competência internacional aos tribunais portugueses e invocando ainda a inconstitucionalidade do artigo 38º n.º 4 do Contrato Coletivo de Trabalho celebrado entre o Sindicato de Jogadores Profissionais de Futebol e a Liga Portuguesa de Futebol Profissional
Foi proferida decisão que julgou o tribunal incompetente internacionalmente para apreciação e decisão da presente ação e absolveu a Ré da instância.
Não se conformando com a decisão proferida veio o Autor recorrer concluindo as suas alegações da seguinte forma:
“a) A decisão recorrida é salvo o devido respeito, que aliás é muito, injusta e precipitada, tendo partido de pressupostos errados.
b) Entende o Recorrente que as suas legítimas pretensões saem manifestamente prejudicadas pela manutenção da decisão recorrida.
c) O ora Recorrente não se conforma com a sentença proferida pelo Tribunal a quo, entendendo que a mesma padece de vícios, no que à decisão proferida sobre a sua incompetência internacional, já que não restam dúvidas da competência internacional do Tribunal a quo para o julgamento do presente litígio.
d) A ré produziu e comercializou, fisicamente e online, milhões de jogos de vídeo contendo a imagem, nome e demais características pessoais do Autor, sem o seu consentimento ou autorização e sem lhe pagar qualquer contrapartida económica.
e) Tal conduta constituiu uma apropriação da imagem do Autor, que tem um valor patrimonial, emergente do valor comercial que aquela imagem, tem no mercado.
f) O Autor – ao contrário do que a decisão recorrida refere - substanciou em factos a ocorrência de um dano, e os danos causados ao Autor (patrimoniais e não patrimoniais), por ação da ré, apenas a esta podem ser imputáveis, por ela a única autora do facto danoso (cfr. artigos 562.º, 563.º, 564, n.º 1, 565.º, 566.º n.ºs 1, 2 e 3, todos do Código Civil e ainda artigo 609.º n.º 2 do Código de Processo Civil).
g) Ao contrário do que a decisão recorrida refere, esses danos verificam-se no nosso país, porquanto os jogos são comercializados, distribuídos, jogados e a imagem, nome e demais caraterísticas do Autor são utilizadas, mundialmente, pelo que, logicamente, também em Portugal.
h) Isso mostra-se devidamente alegado nos artigos 15.º, 18.º, 102.º e 171.º, da petição inicial e reiterado nos artigos 23.º e seguintes do articulado de Resposta às Exceções de fls. ___.
i) É, pois, absolutamente evidente que são praticados em território português os factos que integram a causa de pedir na presente ação.
j) A obrigação de reparação, no caso concreto do Autor, resulta de um uso indevido de um direito pessoalíssimo, não sendo de exigir - ao menos na componente de dano não patrimonial - a prova da alegação da existência de prejuízo ou dano, porquanto o dano é a própria utilização não autorizada e indevida da imagem. (negrito e sublinhado nossos).
k) A obrigação de reparação, in casu, decorre de um uso indevido de um direito pessoalíssimo, não sendo de exigir - ao menos na componente de dano não patrimonial – a prova da alegação da existência de prejuízo ou dano, porquanto o dano é a própria utilização não autorizada e indevida da imagem. Tal como a decisão recorrida, salvo o devido respeito, ignora ostensivamente!
l) Não podia, pois, o Tribunal a quo deixar de concluir, in casu, pela verificação do fator de conexão previsto na alínea b) do artigo do artigo 62.º do Código de Processo Civil: ter sido praticado em território português o facto que serve de causa de pedir na ação ou algum dos factos que a integram (à causa de pedir).
m) Neste sentido, e no que respeita a situações análogas já analisadas pelo TJUE quanto a esta matéria salientam-se os acórdãos Shevill e eDate Advertising GmbH, cujos textos, para efeitos de exposição, aqui se dão por reproduzidos e ainda a doutrina já fixada no douto acórdão do STJ de 25-10-2005.
n) Para além disso, o Autor é cidadão português, tem aqui o seu domicílio e os seus familiares mais próximos, pelo que o seu centro de interesses é em Portugal.
o) Sendo irrelevante o facto da distribuição dos jogos ser feita na prática por uma subsidiária da ré, pois é esta a proprietária dos jogos e é só ela que aufere os avultados lucros resultantes da sua comercialização.
p) O que está em causa é a utilização e divulgação da imagem, nome e demais características do Autor, sem o consentimento deste, pela ré nos seus jogos, bem como os avultados lucros daí decorrentes e que esta aufere exclusivamente.
q) Pelo que, atento o disposto no artigo 71.º, n.º 2, do Código de Processo Civil, em articulação com a alínea a) do artigo 62.º do mesmo Código, os tribunais portugueses são internacionalmente competentes para julgar a presente causa.
r) Tanto mais que, eventuais, dificuldades de aplicação do critério da materialização do dano não podem por em causa a gravidade da lesão que possa vir a sofrer o titular de um direito de personalidade que constata que um conteúdo ilícito está disponível em qualquer ponto do globo, como sucede in casu.
s) E, estando em causa a violação, pela ré, de direitos de personalidade do Autor, com tratamento e proteção constitucional e infraconstitucional, cfr. artigo 26.º n.º 1 da Constituição da República Portuguesa e artigos 70.º e 72.º do Código Civil, não se concebe como o poderia o julgamento da causa nestes autos ser atribuído a uma jurisdição estrangeira de um outro país.
t) Tanto mais que, nos autos é arguida pelo Autor, aqui Recorrente, a inconstitucionalidade do artigo 38.º n.º 4 do Contrato Coletivo de Trabalho celebrado entre o Sindicato de Jogadores Profissionais de Futebol e a Liga Portuguesa de Futebol Profissional, por se considerar que o mesmo é ofensivo do conteúdo de um direito fundamental (o já invocado artigo 26.º n.º 1 da Constituição da República Portuguesa), cfr. alegado nos artigos 41.º e seguintes da Resposta às Exceções de fls. ___.
u) Ora, a necessidade de efetiva tutela jurídica, ao abrigo do princípio da necessidade contido no artigo 62.º, alínea c), do Código de Processo Civil, também se cumpre se as circunstâncias do caso, além de revelarem forte conexão real ou pessoal com a ordem jurídica portuguesa, evidenciarem que o direito exercendo, a não se admitir que seja atuado perante os Tribunais portugueses, está ameaçado na sua praticabilidade e exercício.
v) Ora, in casu, essa praticabilidade e exercício está irremediavelmente comprometida, com a decisão agora proferida e de que se recorre.
w) O princípio da necessidade vale, assim, como salvaguarda para tais situações funcionando como alargamento ou extensão excecional da competência internacional dos Tribunais portugueses.
x) Por outro lado, é evidente que o tribunal do lugar onde a “vítima” (in casu, o Autor) tem o centro dos seus interesses, pode apreciar melhor o impacto de um conteúdo ilícito colocado em jogos de vídeo físicos e online sobre os direitos de personalidade, pelo que lhe deverá ser atribuída competência segundo o princípio da boa administração da justiça.
y) Ora, o Autor toda a sua vida organizada e estabilizada em Portugal, pelo que não tem qualquer nexo estreito com outro país, muito menos com os Estados Unidos da América.
z) Para além disso, não pode ser descurado o princípio da previsibilidade das regras de competência, a ré, enquanto autora da difusão do conteúdo danoso, encontra-se manifestamente, aquando da colocação da imagem, nome e demais características das “vítimas” da sua ação, nos jogos de que é proprietária com vista à sua distribuição mundial, em condições de conhecer os centros de interesses das pessoas afetadas por este.
aa) Sem necessidade de mais considerações, estão os Tribunais portugueses melhor posicionados para conhecer do mérito da ação.
bb) Teria, assim, de improceder a deduzida exceção de incompetência internacional do Tribunal a quo, aduzida pela ré, por verificação dos elementos de conexão constantes das alíneas a), b) e c) do artigo 62.º do Código de Processo Civil.
cc) Face ao que antecede, a sentença em crise violou o disposto nos artigos 615.º, n.º 1, alínea d), 2.ª parte, 591.º, 592.º e 593.º, n.º 1, 62.º, alíneas a), b) e c), 71.º, n.º 2 e 80.º n.º 3, todos do Código de Processo Civil, o artigo 26.º n.º 1 da Constituição da República Portuguesa e ainda os artigos 70.º e 72.º do Código Civil”.
Pugna o Recorrente pela integral procedência do recurso, com a consequente revogação da decisão recorrida, sendo substituída por outra que julgando internacionalmente competentes os tribunais portugueses, prossiga a tramitação dos autos.
A Ré apresentou contra-alegações pugnando pela improcedência do recurso e confirmação da decisão recorrida.
Foram colhidos os vistos legais.
Cumpre apreciar e decidir.
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II. DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO
O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do recorrente não podendo este tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, sem prejuízo das de conhecimento oficioso (artigo 639º do CPC).
A única questão a decidir, tendo em conta o teor das conclusões formuladas pela Recorrente é a de saber se o tribunal recorrido é internacionalmente competente para dirimir o presente litígio.
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III. FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO
O tribunal recorrido fez consignar como matéria relevante para a apreciação da competência internacional dos tribunais portugueses o seguinte:
“À data da propositura desta ação, os factos relevantes, tal como configurados pelo autor, são os seguintes:
a) O autor refere ser jogador de futebol (artigo 3.º da petição inicial); b) A ré é uma sociedade norte-americana, com sede no Estado da Califórnia, nos Estados Unidos da América; c) A ré dedica-se à exploração, distribuição e venda de jogos nos Estados Unidos da América, Canadá e Japão, sendo certo que o autor não alega que a ré o faz em Portugal (artigos 1.º e 2.º da petição inicial) – ou seja, de acordo com a própria alegação do autor, não há qualquer atuação da ré em território nacional; d) O autor refere, ainda, que “…a ré conta com várias subsidiárias, entre as quais se destaca, na Europa, a Y…” (artigo 2.º da petição inicial), o que demonstra mais uma vez que a ré não atua em Portugal ou, sequer, na Europa; e) O ato ilícito que o autor imputa à ré consiste na utilização da sua imagem que ocorrerá aquando a produção dos jogos objeto dos presentes autos, sendo certo que a produção dos jogos não ocorre em Portugal – algo que o autor tão pouco alega; f) De igual modo, em momento algum, o autor afirma em toda a petição inicial que a ré vende, em Portugal, os jogos FIFA e FIFA MANAGER, chegando mesmo a reconhecer, quanto a versões antigas dos jogos, que os mesmos são comercializados por terceiros (artigos 26.º e 37.º da petição inicial); g) Nenhum dano é alegado ou concretizado, pelo autor, na petição inicial, como ocorrendo em Portugal”.
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III. FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO
O Recorrente veio interpor o presente recurso por se não conformar com a decisão proferida pelo tribunal a quo que julgou o tribunal incompetente internacionalmente para apreciação e decisão da presente ação e absolveu a Ré da instância.
Sustenta para o efeito que se verificam os fatores de conexão previstos nas alíneas a), b) e c) do artigo 62º do CPC.
Vejamos se lhe assiste razão.
Como é consabido um dos pressupostos mais importantes, relativo aos tribunais, é o da sua competência, isto é “a medida da sua jurisdição” (v. Manuel de Andrade, Noções Elementares de Processo Civil, p. 88), sendo a competência internacional, a “fracção do poder jurisdicional atribuída aos tribunais portugueses no seu conjunto em face dos tribunais estrangeiros para julgar as acções que tenham algum elemento de conexão com ordens jurídicas estrangeiras” (v. Antunes Varela/Miguel Bezerra/Sampaio e Nora, Manual de Processo Civil, 2ª Edição revista e Atualizada, p. 198).
Conforme resulta do disposto nos artigos 37º n.º 2 e 38º n.º 1 da Lei n.º 62/2013, de 26/08, a lei de processo fixa os fatores de que depende a competência internacional dos tribunais judiciais fixando-se a competência no momento em que a ação se propõe, sendo irrelevantes as modificações de facto que ocorram posteriormente, a não ser nos casos especialmente previstos na lei.
A competência do tribunal afere-se pelos termos em que a ação é proposta, atendendo-se aos fundamentos invocados e ao pedido formulado, “pela natureza da relação jurídica tal como ela é configurada pelo autor na petição inicial, ou seja, no confronto entre a pretensão deduzida – pedido - e os respetivos fundamentos - causa de pedir” (v. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 08/06/2021, Processo n.º 20526/18.9T8LSB.L1.S1, Relatora Maria João Vaz Tomé, disponível em www.dgsi.pt), sendo irrelevantes circunstâncias que venham a ocorrer posteriormente.
O legislador nacional estabeleceu efetivamente no Código de Processo Civil regras delimitadoras da competência internacional, consagrando no artigo 59º que os tribunais portugueses são internacionalmente competentes quando se verifique algum dos elementos de conexão referidos nos artigos 62º (factores de atribuição da competência internacional) e 63º (competência exclusiva dos tribunais portugueses) ou quando as partes lhes tenham atribuído competência nos termos do artigo 94º, mas ressalvando “o que se encontre estabelecido em regulamentos europeus e em outros instrumentos internacionais”.
Importa salientar, por um lado, que estas regras determinativas da competência internacional dos tribunais portugueses apenas fixam a competência (internacional) dos tribunais portugueses, não podendo um tribunal estrangeiro sentir-se condicionado no exercício da sua jurisdição pela existência e validade daquelas regras e, por outro lado, que este regime estabelecido no CPC só será aplicável quando a ação não for abrangida pelo âmbito de aplicação do regime comunitário.
De facto, a competência internacional dos tribunais portugueses depende, em primeira linha, do que resultar de convenções internacionais ou dos regulamentos europeus (v. António Santos Abrantes Geraldes/Luís Filipe Pires de Sousa/Paulo Pimenta, Código de Processo Civil Anotado, Vol. I, Coimbra, Almedina, 2018, p. 91.; como refere Remédio Marques (Ação Declarativa à Luz do Código Revisto, Coimbra Editora, 2007, p. 173) “coexistem na nossa ordem jurídica regras de competência internacional direta impostas por fontes normativas supranacionais, de direito comunitário da União Europeia – os regulamentos comunitários –, que determinam a competência internacional direta dos diferentes tribunais dos Estados membros. Asregras de competência internacional (direta), que constam desses regulamentos comunitários, valem tanto para os tribunais do foro (isto é, para os tribunais de um Estado membro onde, em concreto, a ação foi proposta), como para os tribunais de qualquer outro Estado membro.” In casu, não se mostra alegado ter sido celebrado entre as partes qualquer pacto atributivo de jurisdição e, tal como se refere na decisão recorrida, não existe instrumento internacional a considerar sobre a matéria do litigio nem são aplicáveis, apesar de Portugal ser Estado-Membro da União Europeia, regulamentos europeus (designadamente não é aplicável o regime definido pelo Regulamento (UE) n.º 1215/2012, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 12 de Dezembro de 2012, relativo à competência judiciária, ao reconhecimento e à execução de decisões em matéria civil e comercial, que revogou o Regulamento (CE) n.º 44/2001, de 22/12/2000), atendendo designadamente ao facto de a Ré ter a sua sede na Califórnia, Estados Unidos da América.
A este propósito deixamos desde já expresso não ter aqui aplicação a jurisprudência do Tribunal de Justiça da União Europeia citada pelo Recorrente, designadamente o acórdão eDate Advertising GmbH (https://eur-lex.europa.eu/legal-content/PT/TXT/PDF/?uri=CELEX:62009CJ0509&from=IT), que declarou que “1) O artigo 5.º, ponto 3, do Regulamento (CE) n.º 44/2001 do Conselho, de 22 de Dezembro de 2000, relativo à competência judiciária, ao reconhecimento e à execução de decisões em matéria civil e comercial, deve ser interpretado no sentido de que, em caso de alegada violação dos direitos de personalidade através de conteúdos colocados em linha num sítio na Internet, a pessoa que se considerar lesada tem a faculdade de intentar uma ação fundada em responsabilidade pela totalidade dos danos causados, quer nos órgãos jurisdicionais do Estado-Membro do lugar de estabelecimento da pessoa que emitiu esses conteúdos quer nos órgãos jurisdicionais do Estado-Membro onde se encontra o centro dos seus interesses. Esta pessoa pode igualmente, em vez de uma ação fundada em responsabilidade pela totalidade dos danos causados, interpor a sua ação nos órgãos jurisdicionais de cada Estado-Membro em cujo território esteja ou tenha estado acessível um conteúdo em linha. Estes são competentes para conhecer apenas do dano causado no território do Estado-Membro do órgão jurisdicional em que a ação foi intentada”.
É que, conforme já referimos, não tem aqui aplicação pelo Regulamento (UE) n.º 1215/2012 que prevê, como regra geral em matéria de competência, no seu artigo 4º que “1. Sem prejuízo do disposto no presente regulamento, as pessoas domiciliadas num Estado-Membro devem ser demandadas, independentemente da sua nacionalidade, nos tribunais desse Estado-Membro”; e no artigo 6º que “1. Se o requerido não tiver domicílio num Estado-Membro, a competência dos tribunais de cada Estado-Membro é, sem prejuízo do artigo 18.º, n.º 1, do artigo 21.º, n.º 2, e dos artigos 24.º e 25.º, regida pela lei desse Estado-Membro”.
O princípio geral vigente em sede do Regulamento é o de que a competência tem por base o domicílio do requerido:desde que este tenha o seu domicílio, à data da propositura da ação, dentro de um Estado-Membro, ainda que a nacionalidade seja extracomunitária, os tribunais do Estado-Membro onde se encontra domiciliado são competentes para conhecer do litígio. In casu, a Ré não tem domicílio em nenhum Estado-Membro.
É certo que existem elementos de conexão especiais em relação ao referido critério geral e que encontram enunciados nas Secções 2 a 7 do Regulamento (cfr. n.º 1 do artigo 5º).
Assim, de acordo com o critério especial previsto no artigo 7º n.º 2 do Regulamento, em matéria extracontratual, as pessoas domiciliadas num Estado-Membro podem ser demandadas noutro Estado-Membro perante o tribunal do lugar onde ocorreu ou poderá ocorrer o facto danoso.
Significa isto que, em matéria extracontratual, nos termos do Regulamento, a ação pode ser proposta, à escolha do autor, tanto no Estado-Membro em que a ré tenha o seu domicílio (critério geral) ou no Estado-Membro do lugar onde ocorreu ou poderá ocorrer o facto danoso (critério especial).
De acordo com a jurisprudência firmada pelo Tribunal de Justiça da União Europeia (TJUE) o conceito de “lugar onde ocorreu ou poderá ocorrer o facto danoso” refere-se simultaneamente ao lugar da materialização do dano e ao lugar do evento causal que está na origem desse dano, de modo que o requerido pode ser demandado, à escolha do requerente, perante o tribunal de um ou outro destes lugares; mas “segundo essa mesma jurisprudência aquela expressão «lugar onde ocorreu ou poderá ocorrer o facto danoso», não pode ser objeto de interpretação extensiva, a ponto de englobar qualquer lugar onde possam ser sentidas as consequências danosas de um facto que já causou um prejuízo efetivamente ocorrido noutro lugar, reportando-se, antes, ao lugar onde o lesado direto alega ter sofrido um dano inicial e ao lugar onde os efeitos deste dano se manifestam concretamente, havendo necessidade, em alguns casos, de recorrer às «circunstâncias concretas» do processo para, numa apreciação global, complementar o critério da competência estabelecido no artigo 7º, nº 2, do Regulamento 1215/2012, por forma a assegurar o cumprimento dos objetivos de proteção jurisdicional de ambas as partes e os respeitantes à gestão do processo que estão subjacentes a esta regra” (v. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 14/10/2021, Processo n.º 26412/16.0T8LSB.L1-A.S1, Relatora Conselheira ROSA TCHING, disponível em www.dgsi.pt).
Segundo a jurisprudência do TJUE o dano relevante para efeitos da aplicação do referido preceito é apenas o dano direto, o lugar onde ocorre o dano inicial, o lugar do dano onde ocorreram os resultados diretos da ação ou da omissão que originou o dano; assim, “o lugar da ocorrência do dano direto no sentido da jurisprudência do TJUE será o lugar onde ocorreram os efeitos diretos do facto que gerou a situação de responsabilidade, o lugar onde esses efeitos diretos são produzidos, o lugar que se traduz na violação do direito protegido” (Anabela Susana de Sousa Gonçalves, “O ligar do delito nas atividades ilícitas on line e a delict oriented approach”, Direito e Pessoa no Mundo Digital-Algumas Questões, p. 001-p.016, consultar em https://www.trg.pt/gallery/A%20DOS%20DELITOS%20ONLINE%20-%20Anabela%20Gon%C3%A7alves.pdf).
Ora, no caso dos autos, não só o facto ilícito ocorreu nos Estados Unidos da América, onde segundo o Autor a Ré utilizou indevidamente e sem a sua autorização a sua imagem, o seu nome e as suas características pessoais e profissionais nos jogos, sua propriedade, que são por si produzidos e comercializados nos Estados Unidos da América, Canadá e Japão, como é também aí, com a produção dos jogos, que ocorre o dano direto, a violação do seu direito.
Do exposto decorre que não se verifica nenhum dos critérios (geral e especial) atributivos de competência internacional nos termos do Regulamento, não sendo aplicável o Regulamento (EU) n.º 1215/2012. De facto, é condição para aplicação do regime previsto no Regulamento que a ré tenha o seu domicílio num Estado-Membro da União Europeia ou que se verifique algum dos elementos de conexão especiais previstos no Regulamento na sua Secção 2 a 7.
De todo o modo não podemos também deixar de referir que a regra prevista no referido Regulamento para a competência em matéria extracontratual não é totalmente coincidente com a que se mostra prevista na legislação portuguesa. Enquanto no artigo 7º n.º 2 do Regulamento se prevê que as pessoas domiciliadas num Estado-Membro podem ser demandadas noutro Estado-Membro perante o tribunal do lugar onde ocorreu ou poderá ocorrer o facto danoso; no artigo 71º n.º 2 do CPC estabelece-se apenas que o tribunal competente é o correspondente ao lugar onde o facto ocorreu e, ainda que a causa de pedir nas ações destinadas a efetivar a responsabilidade baseada em facto ilícito seja complexa, envolvendo não só o facto ilícito, mas ainda o dano, releva apenas o local onde ocorreu o facto ilícito (v. António Santos Abrantes Geraldes/Luís Filipe Pires de Sousa/Paulo Pimenta, ob. cit. p. 102).
De referir ainda que a jurisprudência firmada no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 25/10/2005, também citado pelo Recorrente, em nada respeita à questão suscitada no presente recurso relativa à competência internacional dos tribunais portugueses porquanto naquele se decide da validade do contrato de cedência da exploração comercial da imagem de um desportista profissional, jogador profissional de futebol, celebrado para vigorar por período determinado, tendo em vista apenas a imagem do respetivo titular enquanto desportista, e tendo o desportista titular do direito à imagem sido previamente remunerado pela cedência, o qual foi julgado válido, por não ser contrário a princípios de ordem pública.
Não sendo de aplicar, no caso concreto, o Regulamento (EU) n.º 1215/2012 a questão da competência internacional tem de ser analisada à luz das normas previstas no regime interno, ou seja, pelo disposto no artigo 62º do CPC, uma vez que é manifesto não estarmos perante qualquer das situações previstas no artigo 63º, em que os tribunais portugueses são exclusivamente competentes.
E, segundo o disposto no referido artigo 62º, a competência internacional dos tribunais portugueses depende da verificação das circunstâncias ou fatores aí elencados:
- quando a ação possa ser proposta em tribunal português, segundo as regras de competência territorial estabelecidas na lei portuguesa;
- quando tenha sido praticado em território português o facto que serve de causa de pedir na ação, ou algum dos factos que a integram;
- quando o direito invocado não possa tornar-se efetivo senão por meio de ação proposta em território português, ou se verifique para o autor dificuldade apreciável na propositura da ação no estrangeiro, desde que entre o objeto do litígio e a ordem jurídica portuguesa haja algum elemento ponderoso de conexão, pessoal ou real.
São, por isso, três os critérios por via dos quais os tribunais portugueses gozam de competência internacional: o da coincidência [alínea a) do artigo 62º], o da causalidade [alínea b) do artigo 62º] e o da necessidade [alínea c) do artigo 62º], devendo entender-se que a sua verificação não tem de ser conjunta ou cumulativa, bastando a verificação de um dos fatores, ainda que isolado, para que haja competência dos tribunais portugueses. Estamos perante fatores que são autónomos, funcionando cada um de forma independente relativamente aos outros, sendo de per si bastante para desencadear a atribuição da competência aos tribunais portugueses (neste sentido Manuel de Andrade, ob. cit., p. 92 e 93, José Lebre de Freitas/Isabel Alexandre, Código de Processo Civil Anotado, Volume 1º, 3ª Edição, p. 131; Paulo Pimenta, Processo Civil Declarativo, Almedina, 2014, p. 88; Antunes Varela/Miguel Bezerra/Sampaio e Nora, ob. cit. p. 199).
In casu, o tribunal a quo afastou a aplicação de todos os fatores previstos nas alíneas a), b) e c) do artigo 62º do CPC, decisão com a qual o Recorrente se não conforma sustentando, em sentido contrário, que todos se verificam.
Vejamos.
O critério ou principio da coincidência, previsto na alínea a), é o que se baseia na circunstância da ação poder ser proposta em tribunal português, segundo as regras de competência territorial estabelecidas pela lei portuguesa e que constam dos artigos 70º e seguintes do CPC; isto é, o da coincidência entre a competência interna em razão do território e a competência internacional (v. Paulo Pimenta, Processo Civil Declarativo, Almedina, 2014, p. 88; Antunes Varela/Miguel Bezerra/Sampaio e Nora, ob. cit. p. 200).
Assim, se o facto a que a lei atende para delimitar a competência territorial ocorrer em Portugal os tribunais portugueses serão competentes.
O critério da causalidade, previsto na alínea b), significa que “os tribunais portugueses têm competência internacional sempre que o facto que serve de causa de pedir na ação tenha sido praticado em território nacional ou, tratando-se de causa de pedir complexa (isto é, constituída por vários elementos), algum deles tenha ocorrido em Portugal” (v. Paulo Pimenta, ob. cit. p.88).
Distingue-se aqui a causa de pedir simples e a causa de pedir complexa, bastando neste caso que alguns dos factos tenham ocorrido em Portugal.
Conforme refere Rui Pinto (Código de Processo Civil Anotado, Volume I, Almedina, 2018, p. 202 a 204) “efetivamente, no plano literal do preceito, atenta a sua indistinção e a sua origem histórica, a alínea em apreço abrange qualquer facto causal da procedência do pedido (...) sendo suficiente qualquer conexão objetiva com o nosso País, integrante da causa petendi”.
Aferindo-se a competência internacional dos tribunais portugueses em função da causa de pedir alegada pelo autor, os tribunais portugueses serão internacionalmente competentes se, de acordo com essa alegação, se praticaram atos em território nacional integradores da concreta causa de pedir.
Ainda assim, António Santos Abrantes Geraldes/Luís Filipe Pires de Sousa/Paulo Pimenta (ob. cit. p. 94) referem como especialmente melindrosa a questão quando se trata de causa de pedir complexa, como ocorre em sede de responsabilidade civil extracontratual, e consideram duvidoso “que se assuma a competência internacional dos tribunais portugueses só porque um determinado acidente, que ocorreu no estrangeiro, provocou num individuo danos que vieram a manifestar-se ou agravar-se quando o mesmo passou a residir em território nacional”.
Quanto à alínea c) consagra o critério ou princípio da necessidade que se traduz em os tribunais portugueses terem competência internacional quando o direito invocado não possa tornar-se efetivo senão por meio de ação intentada em tribunal português ou quando a sua propositura no estrangeiro constitua apreciável dificuldade para o autor, sendo de todo o modo imprescindível que entre a ação a propor e a ordem jurídica portuguesa haja um elemento poderoso de conexão pessoal ou real.
Esta alínea contém uma cláusula de salvaguarda tendente a evitar que o direito em causa fique desprovido de garantia judiciária, de tutela efetiva; visa prevenir conflitos negativos de jurisdição e evitar situações de denegação de justiça, quer as decorrentes de impossibilidade prática ou jurídica, ou de dificuldade em tornar efetivo o direito por meio de ação instaurada em tribunal estrangeiro. Estão em causa as hipóteses em que nenhuma das jurisdições com as quais o caso se encontra conexo se considera competente para o conhecimento da ação ou quando a jurisdição estrangeira não reconhece, em abstrato, o direito carecido de tutela, mas também as situações de guerra ou outras calamidades ou de ausência de relações diplomáticas.
Contudo, este alargamento excecional da competência internacional dos tribunais portugueses depende sempre da verificação de uma forte conexão com a ordem jurídica portuguesa, seja de ordem pessoal (como é o caso da nacionalidade ou da residência) ou real (o facto do bem que é objeto imediato ou mediato da ação se situar em território nacional), pois de outra forma “o critério da necessidade converter-se-ia numa tola ou pretensiosa lição de altruísmo judiciário que ninguém pediu à legislação portuguesa. E que esta realmente não pretende dar, como não gostaria de receber” (v. Antunes Varela/Miguel Bezerra/Sampaio e Nora, ob. cit. p. 200).
Aferindo-se a competência pelos termos em que a ação é proposta, atendendo-se aos fundamentos invocados e ao pedido formulado, analisemos então a causa de pedir invocada pelo Autor/Recorrente que peticiona nestes autos a condenação da Ré a pagar-lhe uma indemnização por danos patrimoniais de personalidade, pela utilização indevida da sua imagem e do seu nome, e uma indemnização a título de danos não patrimoniais.
A pretensa atuação da Ré, tal como o Autor a configura, enquadra-se inquestionavelmente no campo da responsabilidade civil extracontratual, tal como considerado pelo tribunal a quo.
As normas que regulam a competência territorial interna encontram-se nos artigos 70º a 90º do CPC, sendo aplicável, in casu, a do n.º 2 do artigo 71º nos termos da qual “[S]e a ação se destinar a efetivar a responsabilidade civil baseada em facto ilícito ou fundada no risco, o tribunal competente é o correspondente ao lugar onde o facto ilícito ocorreu.”
Em face dos factos alegados pelo Autor, temos de concluir, que o Tribunal a quo (Juízo Central Cível de Braga), onde a presente ação foi instaurada, não dispõe de competência territorial uma vez que dos mesmos não resulta que o facto ilícito praticado pela Ré tenha ocorrido na área territorial de competência desse tribunal.
De facto, o Autor alega a utilização indevida e sem a sua autorização pela Ré da sua imagem, do seu nome e das suas características pessoais e profissionais em diversos jogos, sua propriedade, denominados FIFA e FIFA MANAGER, que são produzidos e comercializados pela Ré nos Estados Unidos da América, Canadá e Japão, jogos igualmente vendidos a consumidores não residentes nestes países através subsidiárias, destacando-se na Europa a Y que assume a responsabilidade pela venda dos produtos perante todos os consumidores não residentes nos Estados Unidos da América, Canadá e Japão.
O facto ilícito imputado à Ré, a alegada utilização sem autorização da sua imagem, do seu nome e das suas características pessoais e profissionais, ocorreu no estrangeiro com a produção dos jogos, pelo que segundo as regras de competência territorial estabelecidas na lei portuguesa os tribunais portugueses (designadamente o Juízo Central Cível de Braga) não são competentes para a causa.
Acresce ainda que resulta da petição inicial que a comercialização dos jogos na Europa, logo eventualmente em Portugal, é efetuada por terceiro que “assume a responsabilidade pela venda dos produtos perante todos os consumidores não residentes nos Estados Unidos da América, Canadá e Japão”.
Por outro lado, e tal como se salienta na decisão recorrida, tal competência também não decorre do preceituado no artigo 80º do CPC pois a regra prevista neste preceito tem natureza supletiva apenas sendo aplicável “em todos os casos não previstos nos artigos anteriores ou em disposições especiais”; quando a lei prevê neste preceito que é competente para a ação o tribunal do domicilio do réu, e que se este tiver domicilio e residência em pais estrangeiro e não se encontrar em território português é demandado no do domicilio do autor, está a consagrar uma regra que apenas tem aplicação nos casos que não encontrem regulação nos artigos 70º a 79º, ou em disposições especiais. Ora, no caso concreto, e como já vimos, é aplicável o n.º 2 do artigo 71º.
De referir também que pelo tribunal a quo foi considerado que a aplicação do critério da coincidência demonstra que as normas internas relativas à competência territorial afastam a competência dos tribunais portugueses e que a essa conclusão se chega “ainda que se considere que o autor formulou dois pedidos num só: i) indemnização fundada em responsabilidade civil extracontratual por factos ilícitos e ii) restituição por enriquecimento sem causa. O segundo pedido é subsidiário do primeiro (art. 474.º do Cód. Civil), pelo que só este releva para efeitos da aferição da competência territorial deste tribunal (art. 82.º, n.º 3, do CPC)”.
Não entendemos que no caso dos autos o Autor tenha deduzido pedido subsidiário fundado em enriquecimento sem causa (ainda que na petição inicial refira este instituto); mas, ainda que se pudesse conceder que o formulou tal não relevaria para a questão em análise porquanto efetivamente, nas situações de cumulação de pedidos entre os quais haja uma relação de dependência ou subsidiariedade, vale a competência de acordo com o critério a que se subordinar o pedido principal (n.º 3 do artigo 82º do CPC).
Assim, e considerando o critério da coincidência elencado na alínea a) do artigo 62º do CPC, falece competência internacional aos tribunais nacionais para conhecerem do presente litígio.
Analisemos agora se os tribunais portugueses são internacionalmente competentes à luz do critério ou princípio da causalidade [alínea b) do referido artigo 62º].
Em face dos factos alegados pelo Autor a causa de pedir, tal como este a configura, consiste na utilização indevida e sem autorização da sua imagem, do seu nome e das suas características pessoais e profissionais por parte da Ré em jogos sua propriedade denominados FIFA e FIFA MANAGER, que esta produz e põe em circulação, e que comercializa Ré nos Estados Unidos da América, Canadá e Japão (pois fora destes países são vendidos aos consumidores por terceiros que assumem, segundo o Autor, a responsabilidade pela venda dos produtos).
A pretensa atuação da Ré, tal como o Autor a configura, enquadra-se no campo da responsabilidade civil extracontratual e no campo da tutela dos direitos de personalidade, concretamente dos previstos nos artigos 72º (direito ao nome) e 79º (direito à imagem) do Código Civil, também com assento constitucional no artigo 26º da Constituição da República Portuguesa, que se apresenta concretamente “como a sede fundamental do direito geral de personalidade (v. Jorge Miranda/Rui Medeiros, Constituição Portuguesa Anotada, Tomo I-2ª Edição, Coimbra Editor, 2010, p. 607 e seguintes) onde se consagra que “1. A todos são reconhecidos os direitos à identidade pessoal, ao desenvolvimento da personalidade, à capacidade civil, à cidadania, ao bom nome e reputação, à imagem, à palavra, à reservada intimidade da vida privada e familiar e à proteção legal contra quaisquer formas de discriminação”.
Para Pedro Pais de Vasconcelos os Direitos de Personalidade são os meios pelo qual é garantida a efetividade da Personalidade Jurídica: “[O] Direito de Personalidade, como direito subjetivo que tem como fim a defesa da dignidade humana de cada uma das pessoas singulares, integra no seu conteúdo um número, em princípio, não limitado de poderes, que constituem a sua estrutura. Estes poderes são aqueles que forem necessários, ou mesmo apenas convenientes, ou simplesmente úteis, para que o fim do direito de personalidade seja realizado com êxito” (Teoria Geral do Direito Civil, 8ª Edição, Almedina, p. 41).
Os direitos de personalidade constituem direitos gerais, extrapatrimoniais e absolutos, inalienáveis e irrenunciáveis (ainda que possa assumir relevo o consentimento do lesado, devendo a limitação voluntária ao exercício dos direitos de personalidade ser sempre conforme aos princípios da ordem pública – cfr. artigo 81º do Código Civil) de que todas (e qualquer pessoa) são titulares e que se impõem ao respeito de todos os outros (v. Carlos Alberto da Mota Pinto, Teoria geral do Direito Civil, 3ª Edição, Coimbra Editora, p. 206 a 213;
Não obstante o direito à imagem ser um direito indisponível, no plano constitucional, a lei permite, dentro de determinados limites, a captação, reprodução e publicitação da imagem, desde que o titular do direito anua ou consinta essas atividades, ainda que seja de exigir que esse consentimento seja expresso (v. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 07/06/2011, Processo n.º 581/07.3TVLSB.L1.S1, Relator Conselheiro Gabriel Catarino, disponível em www.dgsi.pt, onde se considera ainda que “III - Em situações limite poderá ocorrer uma presunção de consentimento, bastando para tal que a conduta do titular do direito à própria imagem revele um comportamento de tal modo alheado à sorte da captação de imagens que dele se possainferir uma anuência desprendida ou inane ao conteúdo e destino das imagens” e que “V - Para que ocorra uma situação de consentimento tácito, significação externa de autorização para a captação, reprodução e publicitação da imagem de quem quer, torna-se necessário que os sinais (significantes ou exteriorizáveis) do titular do direito se revelem ou evidenciem como inequívocos ou desprovidos de qualquer dúvida”).
E, não obstante ser inalienável o direito à imagem, já não o é o direito de a explorar comercialmente, como ocorre com figuras de interesse para o público em geral, como são os artistas e os desportistas; como se afirma no já citado Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 25/10/2005 já “o direito à imagem, em si, enquanto direito de personalidade, é inalienável, mas a exploração comercial da imagem de alguém não o é, podendo ser feita pelo próprio titular desse direito diretamente ou por intermédio de outrem, ou por outrem com o seu consentimento. Pelo que um contrato de cedência do próprio direito à imagem seria efetivamente nulo por contrário à ordem pública, nos termos dos art.ºs 81º, n.º 1, e 280º, n.º 2, do Cód. Civil, mas o mesmo não se passa em relação à cedência daquela exploração comercial, que a lei expressamente permite.”
Sufragamos, por isso, o entendimento que a imagem de um desportista, como é o caso do jogador de futebol profissional, pode ser efetivamente explorada comercialmente por terceiro, desde que exista consentimento. In casu, o Autor sustenta a sua pretensão nos presentes autos exatamente na inexistência do seu consentimento e, por isso, na utilização da sua imagem e do seu nome, bem como características pessoais e profissionais, de forma ilícita, ou seja, na responsabilidade civil extracontratual por factos ilícitos (cfr. artigos 483º e seguintes do Código Civil).
É entendimento pacifico que são pressupostos, cumulativos, da obrigação de indemnizar decorrente da responsabilidade civil extracontratual por factos ilícitos: a existência de facto voluntário pelo agente, a ilicitude, a culpa, o dano e o nexo de causalidade entre o facto e o dano.
Em sede de responsabilidade civil extracontratual estamos perante uma causa de pedir complexa pelo que, conforme já referimos, de acordo com o critério da causalidade, previsto na alínea b), basta para que os tribunais portugueses tenham competência internacional que algum dos factos integradores da concreta causa de pedir tenha ocorrido em Portugal.
De onde resulta, tal como consta do Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 26/10/2021 (Processo n.º 3239/20.9T8CBR-A.C1, Relatora, Desembargadora Cristina Neves, disponível em www.dgsi.pt) que trata de questão idêntica e que aqui acompanhamos nesta parte, que integrando o dano igualmente a causa de pedir, quando está invocada a responsabilidade civil decorrente de facto ilícito, “verificando-se em território nacional os danos (ou pelo menos parte significativa e relevante destes danos, ter-se-ia por atribuída a competência internacional aos tribunais portugueses, com fundamento nesta alínea b). Assim sendo, o facto ilícito imputado à R. no que se reporta à utilização e exploração alegadamente abusiva do seu nome e imagem, verifica-se aquando da criação deste jogo, contendo o nome, outras características pessoais e profissionais e a imagem do jogador, alegadamente sem a sua autorização e com a sua posterior divulgação. (…) A criação e divulgação destes jogos é feita pela R. nos EUA, sendo a partir deste território que serão comercializados por outras empresas, subsidiárias ou não da R., para o resto do mundo, incluindo para Portugal. Mas se a divulgação destes jogos em todo o mundo, será relevante para efeitos de quantificação dos danos e, se esta comercialização e divulgação é feita a nível mundial, não se pode afirmar que se produz em território nacional o dano ou parte relevante dos danos. Há que não esquecer que o facto constitutivo essencial desta causa se reporta à produção e divulgação destes jogos utilizando a imagem e o nome do A., sem sua autorização e que esta produção e divulgação localizam-se em solo norte-americano, independentemente de o poderem ser posteriormente para todo o mundo, mediante acordos feitos com a proprietária dos jogos, suas subsidiárias, ou por qualquer outro meio (seja por compras online, pela sua utilização posterior em jogos e torneios)”.
O dano alegado pelo Autor ocorre com a utilização não autorizada e indevida da imagem e consubstancia-se na própria criação dos jogos contendo o nome e imagem do Autor; a divulgação e comercialização dos jogos, designadamente em larga escala, por diversos países e até continentes, potenciadoras do agravamento do dano resultante da criação/produção dos jogos onde foram utilizados a imagem e nome do Autor, podem relevar para efeitos do quantum indemnizatório, mas não constituem o dano direto, a violação do direito protegido que ocorre com aquela criação/produção, e não constituem elemento determinante para atribuição da competência internacional.
Por isso, não se pode afirmar que o dano ocorreu em Portugal, ainda que em Portugal possa ocorrer a divulgação e comercialização dos jogos (sendo certo que segundo a alegação do Autor a venda ao consumidor final é aqui, como no resto da Europa, levada a cabo por um terceiro e não pela Ré).
O que constitui elemento relevante para atribuição da competência internacional é o local onde ocorreu o dano, onde foram criados e produzidos os jogos, enquanto elemento integrador da causa de pedir, e não o local onde a divulgação dos jogos ocorre com a sua venda ao consumidor final.
Assim, não sendo de afirmar ter ocorrido em Portugal o dano, tal como entendeu o tribunal a quo, também por força do critério da causalidade elencado na alínea b) do artigo 62º do CPC, falece competência internacional aos tribunais portugueses para conhecerem do presente litígio.
Por último, passando ao critério da necessidade previsto na alínea c) daquele artigo 62º, pelo qual se alarga, a título excecional, a competência internacional dos tribunais portugueses às situações em que o direito invocado apenas se possa efetivar por meio de ação proposta em território português ou quando se verifique para o autor dificuldade apreciável na propositura da ação no estrangeiro, dir-se-á que não existe impossibilidade absoluta de instaurar a ação nos tribunais dos Estados Unidos da América, que dispõe de tribunais e o respetivo ordenamento jurídico sanciona também a violação do direito à imagem
Não se vê que o Autor esteja impossibilitado e nem que tenha dificuldade apreciável em intentar a ação fora dos tribunais portugueses: o direito invocado pelo Autor pode tornar-se efetivo por meio de ação proposta fora de território português e nem se verifica qualquer impossibilidade ou dificuldade apreciável na propositura da ação no estrangeiro, designadamente nos Estados Unidos da América.
De facto, pelo menos por via de regra, a defesa dos direitos de personalidade é reconhecida à escala mundial; e, concretamente, a defesa do direito à imagem é tutelada, segundo o próprio Recorrente, nos Estados Unidos da América pois alega ter tido acesso a uma notícia amplamente divulgada nos meios de comunicação social (doc. 22), “a qual demonstra que a Ré já foi processada nos EUA, através de uma ação judicial intentada pelo jogador de futebol americano: “Jim Brown, ex-jogador do Cleveland Browns, contra a EA Sports parece ter chegado ao fim. Depois de usar a imagem do lendário fullback sem permissão em algumas edições de Madden NFL, a produtora terá de pagar 600 mil dólares ao jogador.” (Fonte: http://espn.uol.com.br/noticia/609518_ea-sports-e-obrigada-apagar-indenizacao-de-600-mil-dolares-a-lenda-do-futebol-mericano, em 28.06.2016)” (artigo 174º da petição inicial).
Em face do exposto, e tal como entendeu o tribunal a quo, também por força do critério da necessidade elencado na alínea c) do artigo 62º do CPC, falece competência internacional aos tribunais portugueses para conhecerem do presente litígio.
Acresce dizer que não entendemos que releve para efeitos da atribuição de competência internacional aos tribunais portugueses para dirimirem o presente litigio que o Autor invoque nos presentes autos que os direitos de personalidade do Autor têm em Portugal tratamento e proteção constitucional e infraconstitucional, sendo certo que também têm proteção na generalidade dos ordenamentos jurídicos e têm concretamente nos Estados Unidos da América, local da criação/produção dos jogos, em particular o direito à imagem, conforme aliás o afirma o próprio Autor.
E também não releva como fator de conexão que o Autor tenha em Portugal a sua vida organizada e estabilizada, o centro dos seus interesses, não permitindo os elementos constantes dos autos afirmar serem os tribunais portugueses os melhor posicionados para apreciarem o impacto de um conteúdo ilícito colocado em jogos de vídeo físicos e online sobre os direitos de personalidade, tanto mais que o Autor, segundo alega, conta com a exposição pública da sua imagem, tanto nos espetáculos desportivos, como fora deles, em participações televisivas, de radiodifusão, meios virtuais etc, sendo conhecido internacionalmente, tendo atuado em diversos clubes não só em Portugal mas também no estrangeiro, designadamente no … da Roménia, e participado em competições não só em Portugal mas também no estrangeiro, o que lhe permitiu atingir notoriedade internacional.
Não vemos, por isso, que, considerando o já exposto relativamente à não aplicação no caso concreto do Regulamento (EU) n.º 1215/2012 e à não atribuição aos tribunais portugueses de competência internacional segundo os três critérios previstos pelo legislador nacional no artigo 62º do CPC, se possa ou deva fazer apelo ao princípio da boa administração da justiça e ao princípio da previsibilidade das regras de competência como forma de, ultrapassando o previsto expressamente no nosso regime interno, atribuir competência internacional aos tribunais portugueses para dirimirem o litigio em apreço.
Importa referir que os princípios a que o Recorrente faz apelo, do centro dos seus interesses, da boa administração da justiça e ao princípio da previsibilidade das regras de competência, correspondem à fundamentação constante do acórdão do TJUE eDate Advertising GmbH, por si citado nas suas alegações e a que já nos referimos, e correspondem ainda à jurisprudência que vem sendo firmada pelo TJUE.
Neste acórdão o TJUE considerou que no caso de alegada violação dos direitos de personalidade por meio de conteúdos colocados em linha num sítio da Internet, a regra de competência especial prevista no artigo 5º/3 (do Regulamento 44/2001), em derrogação ao princípio da competência dos tribunais do domicílio do demandado, se baseia na existência de um nexo territorial particularmente estreito entre o litígio e os tribunais do lugar onde ocorreu o facto danoso, suscetível de justificar uma atribuição de competência a estes últimos, por razões de boa administração da justiça e de organização útil do processo e se refere ao lugar do evento causal e ao da materialização do dano, podendo ambos constituir um nexo significativo do ponto de vista da competência judiciária, e sendo cada um deles suscetível, segundo as circunstâncias, de fornecer uma indicação particularmente útil em sede de prova e de organização do processo (v. sobre esta matéria Alexandre Dias Pereira, “O tribunal competente em casos da Internet segundo o acórdão «eDate Advertising» do Tribunal de Justiça da União Europeia”, Revista Jurídica Portucalense / Portucalense Law Journal, N.º 16 | 2014, p. 1 a 19, a consultar em https://revistas.rcaap.pt/juridica/issue/view/219).
O TJUE teve em consideração as dificuldades de aplicação do critério da materialização do dano quando está em causa a violação online de direitos de personalidade e entendeu ser necessário adaptar os referidos critérios de conexão, considerando que o tribunal do lugar onde a vítima tem o centro dos seus interesses pode apreciar melhor o impacto de um conteúdo colocado em linha sobre os direitos de personalidade, pelo que lhe deve ser atribuída competência segundo o princípio da boa administração da justiça; considerando ainda que a competência do tribunal do lugar onde a vítima tem o centro dos seus interesses respeita o princípio da previsibilidade das regras de competência pois o autor da difusão do conteúdo danoso se encontra, aquando da colocação em linha desse conteúdo, em condições de conhecer os centros de interesses das pessoas afetadas por este.
De todo o modo o TJUE destaca a especificidade da Internet, em que a violação dos direitos de personalidade ocorre simultaneamente em todo o mundo, em cujo território é ou foi acessível o conteúdo colocado online; nestes casos, em que a violação se dá por exemplo através de uma publicação numa página da internet, a localização do dano ocorrido online não é fácil.
De facto, a internet reduz a utilidade do critério relativo à difusão uma vez que o âmbito da difusão dos conteúdos colocados em linha é, em princípio, universal, pois pode ser consultado imediatamente e em simultâneo por um número indeterminado de utilizadores em todo o mundo e daí a necessidade de desenvolvimento do critério do centro de interesses do lesado.
Também o recente acórdão do TJUE de 21/12/2021 (C 251/20, Gtflix Tv/DR, a consultar em https://eur-lex.europa.eu/legal-content/PT/TXT/HTML/?uri=CELEX:62020CJ0251&from=PT) se pronunciou sobre a interpretação do artigo 7.°, ponto 2, do Regulamento (UE) n.º 1215/2012; nele se afirma que “(…) 24 Essa regra de competência especial baseia‑se na existência de um vínculo particularmente estreito entre o litígio e os tribunais do lugar onde ocorreu ou poderá ocorrer o facto danoso, que justifica uma atribuição de competência a esses tribunais por razões de boa administração da justiça e de organização útil do processo (Acórdão de 17 de outubro de 2017, Bolagsupplysningen e Ilsjan, C‑194/16, EU:C:2017:766, n.° 26 e jurisprudência referida). (…) 26 Ora, em matéria extracontratual, o juiz do lugar onde ocorreu ou poderá ocorrer o facto danoso é normalmente o mais apto para decidir, nomeadamente por razões de proximidade do litígio e de facilidade na produção das provas (Acórdão de 17 de outubro de 2017, Bolagsupplysningen e Ilsjan, C‑194/16, EU:C:2017:766, n.° 27 e jurisprudência referida). 27 Segundo jurisprudência constante do Tribunal de Justiça, a expressão «lugar onde ocorreu ou poderá ocorrer o facto danoso» abrange simultaneamente o lugar do evento causal e o da materialização do dano, sendo cada um deles suscetível, segundo as circunstâncias, de fornecer uma indicação particularmente útil no que diz respeito à prova e à organização do processo (Acórdão de 17 de outubro de 2017, Bolagsupplysningen e Ilsjan, C‑194/16, EU:C:2017:766, n.° 29 e jurisprudência referida). (…) 30 No que respeita especificamente a alegações de violação dos direitos de personalidade através de conteúdos colocados em linha num sítio Internet, o Tribunal de Justiça declarou que, em conformidade com o artigo 7.°, ponto 2, do Regulamento n.° 1215/2012, a pessoa que se considerar lesada tem a faculdade de intentar uma ação fundada em responsabilidade, com vista à reparação da totalidade dos danos causados, quer nos órgãos jurisdicionais do lugar de estabelecimento da pessoa que emitiu esses conteúdos com fundamento no lugar do evento causal, quer nos órgãos jurisdicionais do Estado‑Membro onde se encontra o centro dos seus interesses com fundamento na materialização do dano. Esta pessoa pode igualmente, em vez de uma ação fundada em responsabilidade com vista à reparação da totalidade dos danos causados, intentar a sua ação nos órgãos jurisdicionais de cada Estado‑Membro em cujo território esteja ou tenha estado acessível um conteúdo em linha. Estes são competentes para conhecer apenas dos danos causados no território do Estado‑Membro do órgão jurisdicional em que a ação foi intentada (…)”.
Importa salientar, contudo, que não só a jurisprudência do TJUE se reporta à interpretação de normas do Regulamento (EU) n.º 1215/2012 que, como já vimos, aqui não tem aplicação, como a interpretação em causa tem por base as especificidades decorrentes das características da internet, ou seja a sua natureza global e difusa e a consequente dificuldade em determinar o lugar onde ocorre o facto danoso nos casos em que a atuação ilícita, violadora de direitos de personalidade e geradora de responsabilidade civil extracontratual, ocorre online, podendo ter um alcance imediato e em simultâneo em qualquer lugar do mundo.
Não entendemos que a situação concreta seja equiparável à violação de direitos de personalidade, designadamente do direito à imagem ou ao nome, por via da internet.
De facto, no caso concreto, a alegada atuação ilícita da Ré utilizando sem autorização a imagem, o nome e as características pessoais e profissionais do Autor, a violação do seu direito à imagem e ao nome, ocorre, nos termos alegados pelo Autor, nos Estados Unidos da América com a criação e produção dos jogos FIFA e FIFA MANAGER.
A alegada atuação ilícita, violadora de direitos de personalidade do Autor não ocorre de forma direta, imediata e em simultâneo em qualquer lugar do mundo, não existindo dificuldade em determinar o lugar onde ocorre o facto danoso, ao contrário da violação através da internet; o dano direto invocado pelo Autor ocorre com a alegada utilização não autorizada e indevida e consubstancia-se na própria criação e produção dos jogos contendo o nome e imagem do Autor. E, relembramos novamente, mesmo segundo a jurisprudência do TJUE o dano relevante é apenas o dano direto, o lugar onde ocorreram os efeitos diretos do facto que gerou a situação de responsabilidade, o lugar que se traduz na violação do direito protegido.
Assim, e face ao exposto não merece censura a decisão recorrida, improcedendo integralmente o recurso do Autor.
As custas são da responsabilidade do Recorrente atento o seu decaimento (artigo 527º do Código de Processo Civil).
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SUMÁRIO (artigo 663º n.º 7 do Código do Processo Civil)
I- A competência internacional dos Tribunais Portugueses afere-se pelos termos em que o autor configura a relação jurídica controvertida. II - É condição para aplicação do regime previsto no Regulamento (EU) n.º 1215/2012 que a ré tenha o seu domicílio num Estado-Membro da União Europeia ou que se verifique algum dos elementos de conexão especiais previstos no Regulamento na sua Secção 2 a 7. III - São três os critérios por via dos quais os tribunais portugueses gozam de competência internacional: o da coincidência [alínea a) do artigo 62º do CPC], o da causalidade [alínea b) do artigo 62º do CPC] e o da necessidade [alínea c) do artigo 62º do CPC], devendo entender-se que a sua verificação não tem de ser conjunta ou cumulativa, bastando a verificação de um dos fatores, ainda que isolado, para que haja competência dos tribunais portugueses. IV - O critério ou principio da coincidência, previsto na alínea a), é o que se baseia na circunstância da ação poder ser proposta em tribunal português, segundo as regras de competência territorial estabelecidas pela lei portuguesa e que constam dos artigos 70º e seguintes do CPC; isto é, o da coincidência entre a competência interna em razão do território e a competência internacional. V - O critério ou principio da causalidade, previsto na alínea b), significa que os tribunais portugueses têm competência internacional sempre que o facto que serve de causa de pedir na ação tenha sido praticado em território nacional ou, tratando-se de causa de pedir complexa (isto é, constituída por vários elementos), algum deles tenha ocorrido em Portugal”. VI - O critério ou princípio da necessidade, previsto na alínea c), traduz-se em os tribunais portugueses terem competência internacional quando o direito invocado não possa tornar-se efetivo senão por meio de ação intentada em tribunal português ou quando a sua propositura no estrangeiro constitua apreciável dificuldade para o autor, sendo de todo o modo imprescindível que entre a ação a propor e a ordem jurídica portuguesa haja um elemento poderoso de conexão pessoal ou real. VII - Invocando o Autor, jogador profissional de futebol, a utilização, sem o seu consentimento, da sua imagem, nome e caracteristicas pessoais e profissionais pela Ré, sociedade com sede nos EUA, em jogos FIFA e FIFA MANAGER por esta criados, e produzidos nos EUA e divulgados pela Ré nos Estados Unidos da América, Canadá e Japão, os Tribunais Portugueses não são internacionalmente competentes para derimirem o litigio, por, quer o facto ilícito quer o dano, não terem sido praticados em território nacional, não sendo relevantes, para o efeito de atribuição de competencia, os locais da posterior divulgação, visualização ou aquisição pelo consumidor final.
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IV. Decisão
Pelo exposto, acordam os Juízes desta Relação em julgar improcedente a apelação, confirmando a decisão recorrida.
Custas pelo Recorrente.
Guimarães, 13 de janeiro de 2022 Texto elaborado em computador e integralmente revisto pela signatária
Raquel Baptista Tavares (Relatora) Margarida Almeida Fernandes (1ª Adjunta) Afonso Cabral de Andrade (2º Adjunto)