Deve proceder o recurso de revisão quando se conclua, com base nos elementos constantes dos autos principais, que o requerido não foi devidamente citado/notificado pessoalmente, conjugando um aviso de recepção assinado por um terceiro com o facto de ter sido devolvido o envelope contendo os elementos destinados a ser entregues ao requerido e com a menção “mudou-se”, aposta pelos serviços postais do país estrangeiro em data quase coincidente com a da assinatura daquele aviso de recepção.
O Recorrente concluiu o seu requerimento pela seguinte forma:
«I. O Recorrente não foi notificado/citado nos presentes autos.
II. Houve falta de citação porque o acto não se completou pela recepção da carta, como se comprova pela junção aos autos da carta expedida para o efeito.
III. A tramitação processual dos autos foi adequada não existindo por força daquela o momento da citação, pelo que a notificação da sentença passou a ser o acto primevo, através do qual e de acordo com o artigo 219º, n.ºs 1 e 2, do Código de Processo Civil, o tribunal dá conhecimento ao Réu de que foi proposta contra ele determinada acção e o chama a juízo para se defender ou para dar conhecimento do facto.
IV. Importa acautelar, como exigência constitucional, que os destinatários de uma decisão judicial tenham conhecimento do seu conteúdo, nomeadamente para contra ela poderem reagir, através dos meios processuais adequados;
V. Aquelas normas visam acautelar que, com certeza e segurança jurídicas, se fixe no processo o termo inicial da contagem dos prazos para a prática de determinados actos cujo decurso tem consequências preclusivas.
VI. No caso concreto, a sentença só transita em julgado se tiver havido notificação pessoal ao Recorrente, facto que não ocorreu, pois que, a carta para Notificação/citação expedida no dia 14 de Fevereiro de 2020, para o ..., foi devolvida com a menção “Mudou-se” e foi reintegrada no processo no dia 21 de Julho de 2020.
VII. O presente processo correu, assim, à revelia do Recorrente, por falta absoluta da sua intervenção em consequência da falta da citação/notificação da sentença ao Requerido/Recorrente.
VIII. Houve falta de citação porque o acto não se completou pela recepção da carta ou pela sua reexpedição, como se comprova pela junção aos autos da carta expedida para o efeito, dando origem, por isso, a uma situação de omissão da citação.
IX. A não notificação – aqui equivalente à citação - do Recorrente da sentença proferida neste processo de revisão de sentença, implica a nulidade do processado posterior à prolação da sentença nos autos, nos termos do artigo 701º, nº 1, alínea c) do CPC, o que, devendo proceder-se à notificação em falta, de modo a permitir-se que o Recorrente, se assim o entender, deduza Oposição e que a lide prossiga com a sua intervenção activa.
X. A douta decisão impugnada não pode manter-se, pois preteriu o disposto no artº 187º, 188º, 195º e 219º do Cod. Proc. Civil e nº 2 do artº 20º da Constituição de República Portuguesa.»
O Recorrido, BB, apresentou resposta, pugnando pela improcedência do recurso.
Foi proferida decisão sumária, que veio a ser confirmada em conferência, após reclamação, decidindo-se pela improcedência da revisão.
Inconformado, recorreu (qualificando o recurso como de apelação) o Requerente, para este Supremo Tribunal, sendo o recurso admitido como de revista.
Concluiu as suas alegações pela seguinte forma:
«I. Recorrente teve conhecimento, pela primeira, vez, da existência da presente Processo Especial de Revisão e Confirmação de Sentença Estrangeira aquando da sua citação no Processo Executivo nº 3577/29.... a correr no Tribunal Judicial da Comarca de ... – ... Juízo de Execução – Juiz ..., ocorrida no dia 20.08.2020.
II. Na sequência tomou, também pela 1ª vez, conhecimento da existência do processo que correu termos no Tribunal de Justiça do Estado de ..., no ....
III. O Recorrente desconhecia a pendência de qualquer das acções, porquanto, nunca foi citado, nem notificado no âmbito destas.
IV. Razão pela qual interpôs recurso extraordinário de revista.
V. Vem o presente recurso interposto do acórdão da Conferência proferido no Recurso de Revista proferido pelo Tribunal da Relação de ... que confirmou o processado do processo de Revisão de Sentença Estrangeira.
VI. A não concordância com a douta decisão ora posta em crise baseia-se no entendimento feito das normas dos artigos 698º, nº1 do C.P.C. e 342º, nº 1 do C.C..
VII. Não foi efetuada a citação do Recorrente a que alude a alínea e) do n.º 1 do artigo 188º do Código de Processo Civil, verificando-se a preterição de formalidades prescritas na lei para a sua realização.
VIII. A citação é um ato fundamental do processo, razão pela qual o legislador a rodeou de várias formalidades a observar com vista à certeza da sua correcta efetivação.
IX. Através da citação dá-se a conhecer ao Réu de que foi proposta contra ele determinada acção e se chama o mesmo a juízo para se defender (art. 219º, n.º 1 do C.P.C.), pelo que é pela citação que se assegura o cumprimento do princípio do contraditório e o inerente exercício do direito de defesa pelo Réu.
X. No nosso ordenamento jurídico subsiste uma rigorosa observância da igualdade de armas ou igualdade processual, bem como o princípio do contraditório (cfr. art. 3º, nº 3 do C.P.C.).
XI. O acto da citação deve garantir um efetivo ou eficaz chamamento à acção ou um efectivo conhecimento por parte do réu de que foi proposta contra ele determinada acção, sem o qual acaba postergado o direito fundamental de qualquer cidadão a um processo equitativo.
XII. No caso vertente não se verificou qualquer acto que nos permita concluir pela presunção de citação/notificação do Réu.
XIII. Conforme resulta dos autos, a carta de citação/notificação remetida ao Recorrente veio devolvida pelo seguro do correio com a menção “mudou-se” e não existe qualquer indicação em contrário que garanta a efectiva residência, entende-se que não se pode considerar citado o Réu.
XIV. Não se vislumbra qualquer fundamentação fáctica e jurídica quando o douto Tribunal da Relação de ... sufraga o entendimento de que “é sobre o Réu que recai o ónus de alegar e provar” que não teve conhecimento da carta de notificação e “a simples devolução do envelope com as declarações nele exaradas não podem fazer fé em juízo”.
XV. O Douto acórdão referido faz impender sobre o destinatário da citação – aqui Recorrente – o ónus de uma prova de facto negativo que, é evidente e notoriamente, a mais difícil, senão impossível das provas;
XVI. Tal ocorrendo, afrontaria – e afronta - os valores constitucionalmente consagrados (cfr. art.20 da C.R.P.), o que, desde já se invoca.
XVII. Ainda que se diga que, nos termos das disposições constantes no artigo 342º do C.C., que impende sobre o Recorrente o dever de fazer prova sobre os factos constitutivos da presente situação,
XVIII. ter o ónus da prova não significa que se tenha o exclusivo da prova, isto porque pode o tribunal oficiosamente fazê-lo, ao abrigo do artigo 411º do C.P.C..
XIX. O Recorrente pretende fazer valer o seu direito ao processo justo e equitativo que se encontra consagrado no art. 20°, n°4 da Constituição, para além do art. 6° da CEDH que expressamente o prevê.
XX. Não pode o douto Tribunal imputar ao Recorrente o ónus de demonstrar que foram cumpridos dos princípios e os trâmites legalmente exigíveis na administração da justiça, nem presumir a priori uma inexistente citação.
XXI. No texto são referidos acórdãos com jurisprudência contrária e sufragando interpretações da lei, que nos colocam numa situação paralela ao sagrado princípio do processo penal in dubio pro Reo, ressaltando que será preferível uma maior delonga do que a dúvida do desconhecimento da lide por não citação
XXII. O processo equitativo é um princípio fundamental de qualquer sociedade democrática, profundamente imbricado com o Estado de Direito.
XXIII. Houve falta de citação, porquanto o acto não se completou pela receção da carta.
XXIV. O Réu nunca residiu no ... e a carta expedida para citação para o ..., veio devolvida pelo seguro do correio.
XXV. A não citação do Recorrente implica a nulidade do processado posteriormente à petição/requerimento executivo (artº 187º, do CPC).
XXVI. Cabe ao Tribunal, enquanto órgão de soberania com competência para administrar a justiça, assegurar e fazer observar o princípio do contraditório.
XXVII. O recorrente não foi citado para os termos da presente lide, verificando-se a nulidade do processo por violação do disposto nos artigos 3.º, nº 3, 187º, 191º, n.º1, 232.º, n.º 1 e 2 e artigo 20.º da Constituição da República Portuguesa e princípios processuais aplicáveis, violação constitucional que, desde já, se invoca.»
O Recorrido contra-alegou, concluindo o seguinte:
«01 - Não cabe recurso de apelação para o Supremo Tribunal de Justiça do acórdão do Tribunal da Relação de ..., ... Secção, de 22 de Abril de 2021,
02 – O disposto na alínea a) do nº 1 do artigo 644º e no nº 1 do artigo 647º do código de processo civil não permite, que do acórdão do Tribunal da Relação de ..., ... Secção, de 22 de Abril de 2021, seja interposto recurso de apelação para o Supremo Tribunal de Justiça com efeito meramente devolutivo,
03 – Por isso o recurso de apelação para o Supremo Tribunal de Justiça interposto pelo recorrente no dia 26 de Maio de 2021 do acórdão do Tribunal da Relação de ..., ... Secção, de 22 de Abril de 2021, deve ser liminarmente rejeitado,
Seja como for
04 – Não há dúvidas sobre a citação do réu no processo de revisão de sentença estrangeira que correu termos com o número 146/0.9YRLSB pela ... Secção do Tribunal da Relação de ..., 05 – Na verdade no dia 6 de Fevereiro de 2020 (referência 15444606) a secretaria expediu carta registada para citação do réu, ora recorrente, com aviso de recepção e acompanhada por todos os elementos mencionados no artigo 227º do código de processo civil,
06 – No dia 24 de Fevereiro de 2020 essa carta foi entregue no destino e o aviso de recepção foi assinado por CC, identificado no acto,
07 - No dia 10 de Março de 2020 (referência 479771) foi recebido nos autos o aviso de recepção com carimbo da estação postal de ..., ..., Estado de ..., tendo apostas a data e a assinatura referidas na conclusão anterior. Assim
08 - O réu, agora recorrente, foi citado no dia 24 de Fevereiro de 2020 e o receptor, CC, assumiu o encargo de lhe entregar a carta. Portanto
09 – Não corresponde à realidade que o recorrente apenas tenha conhecido o processo especial de revisão de sentença estrangeira e do processo que correu termos no Tribunal de Justiça do Estado de ..., no ..., aquando da sua citação no processo executivo 3577/29....,
10 – Em ambas essas acções e processos o recorrente foi citado regularmente, de acordo com a lei,
11 – Na citação que aqui interessa, a citação do réu, aqui recorente, para os termos do processo de revisão de sentença estrangeira então pendente na ... Secção do Tribunal da Relação de ... com o número 146/20...., a secretaria realizou a citação expedindo para o efeito carta registada com aviso de recepção contendo todos os documentos que a lei exige, a qual foi entregue ao réu na sua morada,
12 – Essa carta não veio devolvida elo seguro do correio, o que veio devolvido foi o sobrescrito, aberto, que chegou aos autos dia 21 de Julho de 2020 – 6 meses e 15 dias depois da expedição da carta e 5 meses e 27 dias depois da recepção da carta no destino assinado o aviso de recepção por CC,
13 – A citação do réu, ora recorrente, garantiu-lhe o conhecimento de que o autor, ora recorrido, tinha instaurado contra ele uma acção declarativa de simples apreciação com processo especial de revisão de sentença estrangeira e garantiu-lhe a possibilidade de contestar e de acompanhar a tramitação desse processo,
14 – Tal garantiu ao réu, ora recorrente, a rigorosa observância do princípio de igualdade de armas ou igualdade processual, bem como o princípio do contraditório,
15 – O sobrescrito – que não a carta de citação – foi “devolvida” para os presentes autos muito depois de o réu, ora recorrido, ter recebido a citação e ter tido conhecimento da petição inicial e dos documentos anexos a ela - cerca de seis meses depois da citação – à qual o então réu não quis deduzir oposição certamente por entender que a sentença brasileira seria sempre revista e confirmada pelo Tribunal da Relação de ... na medida em que todas as normas legais brasileiras nela aplicadas estavam de de acordo com os princípios da ordem jurídica, pública e privada, portuguesa,
16 - O ónus da prova dos factos cabe a quem os invoca, designadamente quando esses factos pretendem por em causa os efeitos de outros já provados pela parte contrária ou constam do processo.
17 - A norma jurídica que tal determina não viola o artigo 20º da Constituição da República Portuguesa, na medida em que esta norma constitucional não protege quem não faz prova dos factos que invoca em oposição a outros que constam demonstrados no processo designadamente por terem sido provados pela parte contrária.
18 – Tal como resultava já da decisão singular de 4 de Fevereiro de 2020, também o acórdão proferido no dia 22 de Abril de 2021 pelo Tribunal da Relação de ..., ... Secção, nos autos de recurso de revisão com o nº 146/20...., não viola do disposto nos artigos 187º, 188º, 195º e 219º, nos nºs 1 e 2 do artigo 225º, nos artigos 227º e 228º e no nº 1 do artigo 230º, todos do código de processo civil e no nº 2 do artigo 20º da Constituição da República Portuguesa”. Assim
19 – O recurso de apelação para o Supremo Tribunal de Justiça interposto pelo recorrente no dia 26 de Maio de 2021 do acórdão do Tribunal da Relação de ..., ... Secção, de 22 de Abril de 2021, deve ser liminarmente rejeitado,
20 – Assim não sendo julgado – hipótese que o mandatário judicial do recorrido coloca apenas por cautela e dever de patrocínio - o recurso de apelação para o Supremo Tribunal de Justiça interposto pelo recorrente do acórdão proferido no dia 22 de Abril de 2021 pelo Tribunal da Relação de ..., ... Secção, deve em qualquer caso o mesmo ser julgado improcedente e deve ser integralmente mantido o acórdão do Tribunal de ... que “indeferiu a reclamação” (…)».
Em primeiro lugar, defendeu a inadmissibilidade do recurso, argumentando que não cabe recurso de apelação de um acórdão do Tribunal da Relação de ... para o Supremo Tribunal de Justiça.
1. BB instaurou contra AA, dado como residente na Rua..., ..., ..., ..., processo de revisão de sentença proferida no dia 9 de outubro de 2017 e transitada em julgado no dia 9 de novembro de 2017 no processo 1019636-73.... que correu termos na ..a Vara Cível de ... da Comarca de ... do Tribunal de Justiça do Estado de ..., que condenou o réu a pagar ao autor 5% do valor real dos bens indicados nas alíneas "a" e "d" do item 6, II, da escritura de inventário e partilha de folhas 84/99 na época da partilha a ser apurado em fase de liquidação por arbitramento, momento em que se poderá aferir o real valor dos bens, tudo devidamente actualizado por ocasião do pagamento e acrescido dos juros legais, a partir da citação e com o abatimento do valor de 40.000,00 Reais já recebido pelo autor.
2. A tramitação dos presentes autos foi, por despacho de 16.01.2020, formalmente adequada passando o processo a tramitar de acordo com os seguintes actos:
A - Petição Inicial;
B. Vista ao Ministério Público tendo em conta os interesses ordem pública que a revisão pode afectar, designadamente para sindicato dos requisitos e condições das alíneas c) e f) do artigo 980.º;
C - Diligências de prova;
D. Julgamento com antecipação da decisão final.
E - Notificação pessoal do requerido, com a expressa advertência, em caso de
procedência do pedido, de que, querendo, deve deduzir oposição nos trinta dias (mais dilação) subsequentes à notificação sob pena de a decisão proferida se consolidar como revisão definitiva da decisão estrangeira.
3. A 4.2.2020 foi proferida decisão que julgou procedente o pedido e, consequentemente confirmou a sentença acima referida.
4. Em 6.2.2020 foi expedida carta registada com AR para a morada indicada no n.° 1 para notificação do requerido.
5. A fls. 598 consta assinado pelo punho de CC o AR com data de 24.2.2020.
6. Com data de 17.7.2020 foi emitida certidão a certificar que a decisão singular proferida em 4.2.2020 transitou em julgado no dia 6 de Julho de 2020.
7. Em 21 de Julho de 2020 foi recebido nesta Relação um envelope contendo o requerimento e documentos enviados na carta de notificação, encontrando-se escrito no
rosto daquele os seguintes dizeres: "Mudou-se; informou o Sr. CC".»
Defende o Recorrido que o recurso deve ser rejeitado, por não caber recurso de apelação para o Supremo Tribunal de Justiça do acórdão do Tribunal da Relação.
O Tribunal a quo recebeu o recurso como revista (entendendo-se que ajustadamente, podendo ver-se o Ac. do STJ de 10/11/2016 (Rel. Lopes do Rego), Proc. 1052/14.1TBBCL.P1.S1, publicado em www.dgs.pt, sobre a interpretação do art. 671º, nº1, do CPC, no sentido de abranger as causas em que a Relação haja excepcionalmente actuado, não como tribunal de recurso, mas como órgão jurisdicional que, em 1ª instância, apreciou o objecto do litígio). Ora, sendo o recurso admissível, não é o facto de o Recorrente o ter rotulado de apelação que deve levar à sua rejeição, devendo proceder-se à convolação, nos termos do art. 193º, nº3, do CPC (veja-se, a propósito, Abrantes Geraldes, Recursos em Processo Civil, Almedina, Coimbra, 2020, anotação ao art. 641º do CPC, p. 218).
Não há, assim, motivo para não se admitir o recurso e não conhecer do seu objecto.
III.2.
Em sede de direito, depois de o acórdão recorrido integrar o fundamento de revisão invocado no art. 696º, al. a), do CPC, circunscreveu o caso dos autos à previsão do art. 188º, nº 1, a), do CPC, preceito no qual se prevê que:
«1 - Há falta de citação:
(…)
e) Quando se demonstre que o destinatário da citação pessoal não chegou a ter conhecimento do ato, por facto que não lhe seja imputável.»
Ponderou-se, em seguida:
«A aplicação desta norma está reservada às situações em que; apesar de terem sido cumpridas todas as formalidades prescritas para a modalidade da citação o citando não chegou a tomar conhecimento do acto por razões que não lhe podem ser imputadas.
É necessário portanto que:
i) se trate de citação/notificação pessoal;
ii) tenha existido falta de conhecimento da citação pelo seu destinatário;
iii) este desconhecimento não possa ser imputado ao próprio destinatário
iv) que os requisitos ii) e iii) sejam demonstrados nos autos (cfr. Acs. STJ de 11.3.92 e de 25.6.96, BMJ 415:512 e 458:354, respectivamente).
Uma das situações em que esta hipótese pode ocorrer será o caso de a citação postal ser remetida para a morada do réu no estrangeiro, onde é recebida, mas não ser entregue ao citando por quem tinha o dever de o fazer ou não ser entregue em tempo útil. É sobre o réu que recai o ónus de alegar e provar os pressupostos legais referidos (artigos 698.°, 1, CPC e 342.°, 1, CC).
Ora o recorrente não demonstrou probatoriamente que não morava no dia 24.2.2020 na morada para onde foi enviada a carta de notificação, nem que o tal CC não lhe deu conhecimento da carta. Compreende-se que a simples devolução do envelope com as declarações nele exaradas não pode fazer a fé em juízo que o recorrente pretende».
O Recorrente alega que teve conhecimento, pela primeira vez, da existência da Revisão de Sentença Estrangeira nº 146/20.... aquando da sua citação no Processo Executivo nº 3577/29...., a correr no Tribunal Judicial da Comarca de ... – ..., Juízo de Execução – Juiz ..., ocorrida no dia 20.08.2020, tendo só então tomado conhecimento também da existência do processo que correu termos no Tribunal de Justiça do Estado de ..., no ....
Relativamente ao que aqui nos interessa (o que se passou no processo de Revisão de Sentença Estrangeira), afirma o Recorrente que não foi citado ou notificado.
Refere que, no caso vertente, não se verificou qualquer acto que nos permita concluir pela presunção de citação/notificação.
Observa o Recorrente que a carta de citação/notificação veio devolvida pelo seguro do correio com a menção “mudou-se” e não existe qualquer indicação em contrário que garanta a efectiva residência.
Acrescenta que:
- não se vislumbra qualquer fundamentação fáctica e jurídica quando o douto Tribunal da Relação de ... sufraga o entendimento de que “é sobre o Réu que recai o ónus de alegar e provar” que não teve conhecimento da carta de notificação e “a simples devolução do envelope com as declarações nele exaradas não podem fazer fé em juízo”.
- o acórdão referido faz impender sobre o destinatário da citação – aqui Recorrente – o ónus de uma prova de facto negativo, o que afronta os valores constitucionalmente consagrados (cfr. art.20 da C.R.P.);
- ainda que se diga que, nos termos das disposições constantes no artigo 342º do C.C., impende sobre o Recorrente o dever de fazer prova sobre os factos constitutivos da presente situação;
- ter o ónus da prova não significa que se tenha o exclusivo da prova, isto porque pode o tribunal oficiosamente fazê-lo, ao abrigo do artigo 411º do C.P.C..
Vejamos:
In casu, o fundamento de revisão da decisão enquadra-se na previsão do art. 696º, nº1, al. e) do CPC:
«e) Tendo corrido o processo à revelia, por falta absoluta de intervenção do réu, se mostre que:
i) Faltou a citação ou que é nula a citação feita;
ii) O réu não teve conhecimento da citação por facto que não lhe é imputável;
iii) O réu não pode apresentar a contestação por motivo de força maior».
Estabelece-se no art. 698º do CPC:
«1 - No requerimento de interposição, que é autuado por apenso, o recorrente alega os factos constitutivos do fundamento do recurso e, no caso da alínea g) do artigo 696.º, o prejuízo resultante da simulação processual.
2 - Nos casos das alíneas a), c), f) e g) do artigo 696.º, o recorrente, com o requerimento de interposição, apresenta certidão, consoante os casos, da decisão ou do documento em que se funda o pedido.»
Dispõe o art. 700º, nº1, do CPC:
«Salvo nos casos das alíneas b), d) e g) do artigo 696.º, o tribunal, logo em seguida à resposta do recorrido ou ao termo do prazo respetivo, conhece do fundamento da revisão, precedendo as diligências consideradas indispensáveis.»
Refere Abrantes Geraldes que, no que concerne ao fundamento da al. e) – que, como se viu, é o que aqui se discute –, «praticamente bastará a articulação com os elementos decorrentes do processo onde ocorreu a falta ou nulidade da citação» (op. cit., p. 569)[1].
Em conformidade com a ideia da suficiência dos elementos constantes dos autos para a solução do caso, com a ressalva de o Tribunal entender que há diligências indispensáveis a realizar, está o facto de o conhecimento deste fundamento da revisão ter lugar logo após a resposta do recorrido.
O Recorrente estribou-se no que consta do processo, sublinhando que o expediente destinado à citação foi devolvido com a menção “mudou-se”.
O Tribunal a quo não procedeu à realização de diligências que se pudessem ter por indispensáveis e proferiu decisão sumária, que veio a ser mantida pelo acórdão recorrido.
Quem deduz um recurso de revisão tem, antes de mais, o ónus de alegação, a que se associa, naturalmente, o ónus da prova, nos termos do art. 342º, nº1, do CPC, e a parte não está isenta desse ónus relativamente a factos negativos que sejam constitutivos do seu direito (Ac. do STJ de 24-01-1991, Rel. Pereira da Silva, Proc. 079309, www.dfsi.pt), sem olvidar, no entanto, que o acto de citação está, pela sua natureza, documentado no processo, podendo, por isso, o Recorrente, na perspectiva da dita suficiência ou eloquência dos respectivos dados, chamar a atenção para o que dos autos seja possível extrair, na defesa do seu ponto de vista.
Dispõe o art. 239º do CPC:
«1 - Quando o réu resida no estrangeiro, observa-se o que estiver estipulado nos tratados e convenções internacionais.
2 - Na falta de tratado ou convenção, a citação é feita por via postal, em carta registada com aviso de receção, aplicando-se as determinações do regulamento local dos serviços postais.
3 - Se não for possível ou se frustrar a citação por via postal, procede-se à citação por intermédio do consulado português mais próximo, se o réu for português; sendo estrangeiro, ou não sendo viável o recurso ao consulado, realiza-se a citação por carta rogatória, ouvido o autor.
4 - Estando o citando ausente em parte incerta, procede-se à sua citação edital, averiguando-se previamente a última residência daquele em território português e procedendo-se às diligências a que se refere o artigo 236.º.»
O meio utilizado – cuja validade não é questionada – foi a carta registada com aviso de recepção.
Sucede que o aviso de recepção foi devolvido, com assinatura de um terceiro (CC), dando entrada no Tribunal da Relação em 10-03-2020.
Deu-se como provado que a assinatura é de 24-02-2020. Ora, parece-nos que poderá, antes, tratar-se de 14-02-2020 (após emenda), data que é, aliás, a do carimbo dos serviços postais que consta do aviso de recepção.
Por outro lado, está provado que, em 21 de Julho de 2020, foi recebido na Relação um envelope contendo o requerimento e documentos enviados na carta de notificação, encontrando-se escrito no rosto daquele os seguintes dizeres: "Mudou-se; informou o Sr. CC".»
Analisando esse envelope, verifica-se que, nele, há dois carimbos com a data de 18 de Fevereiro de 2020 (uma data muito próxima da do aviso de recepção), sendo que, na parte destinada à indicação da devolução e respectivo motivo, apresenta-se manuscrita a mesma data de “18/02/20”, com uma rubrica que – não haverá grande margem para dúvidas – é do mesmo funcionário que rubricou o aviso de recepção.
Por aqui se vê que o envelope poderia (deveria) ter sido devolvido quando o foi o aviso de recepção, pois, em 18-02-2020, estava em poder dos serviços postais, recordando-se que o aviso de recepção deu entrada na Relação de ... em 10-03-2020.
A pergunta que terá de ser feita é esta: se a devolução do envelope, contendo o requerimento e documentos enviados na carta de notificação, tivesse sido feita na mesma altura do aviso de recepção, considerar-se-ia realizada a citação/notificação? Afigura-se-nos difícil responder afirmativamente a isso.
Por outro lado, há que ter em conta que, na acção de honorários intentada pelo ora Recorrido em Julho de 2015, foi indicada a residência do ora Recorrente em ..., resultando, no entanto, infrutífera a citação nessa morada.
No mesmo processo, não foi considerada realizada a citação na pessoa de DD (irmã do Recorrente), por a procuração que possuía não lhe conferir poderes para receber citações e representar o réu em juízo.
Acabaria o ora Recorrente por ser citado editalmente.
É certo não ter o Recorrente feito prova, no presente processo, de que não vivesse na morada referida na petição do processo de Revisão de Sentença Estrangeira, mas entende-se que a indicação da residência do réu na petição inicial de uma acção não é, só por si, suficiente para desencadear a presunção de que este vivia nessa morada no momento em que se procura citá-lo.
Considera-se que, apesar da aposição da assinatura no aviso de recepção, por terceiro, não estão, neste caso, reunidas as condições para que se considere presumida a citação/notificação pessoal do Recorrente. É que não se pode extrair do facto de o envelope ter sido devolvido em Julho (e não em Fevereiro) que o terceiro que apôs a assinatura no a.r. terá, durante esses meses, tido a oportunidade de facultar ao Recorrente os elementos que o envelope continha. Na verdade, como se disse, a menção “mudou-se”, subscrita pelos serviços postais, surgiu em data contemporânea (com escassos dias de diferença e não meses depois) da dita assinatura, do que resulta que poderia o envelope, na posse daqueles serviços – que, ademais, lhe aplicaram dois carimbos com a data de 18/2/2020 –, ter sido devolvido na mesma altura do aviso de recepção.
Com todo o respeito por tese diversa, será de concluir, em face dos elementos constantes do processo, dentro de um critério de razoabilidade, que o R. não foi citado/notificado pessoalmente.
Sendo assim, tendo o processo corrido à revelia do ora Recorrente, não tendo este sido citado/notificado pessoalmente, haverá que, nos termos do art. 701º, nº 1, al. c), do CPC, anular o processado no que tange aos actos levados a cabo no sentido dessa citação/notificação, devendo proceder-se à respectiva repetição.
Cabe lembrar que, no processo de Revisão de Sentença Estrangeira, foi proferido despacho, em 16-01-2020, no qual, nos termos do art. 547º do CPC, se decidiu adoptar a tramitação processual referida no ponto 2 da matéria de facto. Assim, entendeu-se antecipar a decisão final, a ela se seguindo a “notificação pessoal do requerido, com a expressa advertência, em caso de procedência do pedido, de que, querendo, deve deduzir oposição nos trinta dias (mais dilação) subsequentes à notificação sob pena de a decisão proferida se consolidar como revisão definitiva da decisão estrangeira”.
O Tribunal da Relação não deixará, naturalmente, de retirar os devidos efeitos da dedução (ou não) de oposição, de acordo com o esquema processual que definiu e relativamente ao qual não tem este Supremo Tribunal de se pronunciar.
Procede o recurso.
Sumário (da responsabilidade do relator)
Custas pelo Recorrido.
Tibério Nunes da Silva (relator)
Maria dos Prazeres Beleza
Fátima Gomes
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[1] José Alberto dos Reis explicava, relativamente a este fundamento da revisão, que «o recorrente não tem de juntar ao requerimento quaisquer provas, porque os vícios constam do próprio processo em que se proferiu a sentença a rever» e «procurará demonstrar, pelo exame do processo, que a causa correu à revelia do réu e que este não foi citado ou o foi com preterição de formalidades legais» (Código de Processo Civil Anotado, Vol. VI, 3ª edição (reimpressão), Wolters Kluwer/Coimbra Editora, 2012, p. 389).