PRINCÍPIO DA ADESÃO AO PROCESSO PENAL
Sumário


1 - O princípio da adesão obrigatória ao processo penal (art. 71º do C.P.P.) tem as exceções que se encontram previstas no art. 72º do Cód. de Proc. Penal.
2 - Para que o lesado se possa prevalecer do preceituado na alínea a) do art. 72º, nº 1 do C.P.P. é necessário que a ação cível em separado tenha sido intentada após o decurso do prazo de 8 meses subsequente à notícia do crime, mas antes da dedução de acusação no respetivo processo-crime.
3 – Nos termos da al. d) do nº do mesmo preceito é permitida a dedução de ação cível em separado é quando os danos não forem conhecidos ou não forem conhecidos em toda a sua extensão à data em que for deduzida acusação no processo-crime.

Texto Integral


Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães

Relatório

Nos presentes autos, V. C.,, residente na Rua ..., Urbanização Quinta ..., Bloco …, instaurou ação declarativa, sob a forma de processo comum, contra L. M., residente na Rua … Vila Real e L. F., residente na Rua … Vila Real, peticionando a condenação solidária dos réus no pagamento do montante global de € 16.000,00 (dezasseis mil euros), acrescido de juros de mora, calculados à taxa legal e contados desde a data da instauração da ação e até integral pagamento.
Para tanto, o autor alegou, em súmula, que em 30/07/2018, pelas 18h30m, na localidade de …., freguesia de …, concelho de Vila Real, foi agredido com uma barra de ferro pelos réus L. M. e L. F., tendo dessas agressões resultado diversos danos patrimoniais e não patrimoniais, que avalia no valor global de € 16.000,00, para além de estar em curso processo crime, que corre termos no Juízo Local Criminal de Vila Real sob o n.º 265/18.1GCVRL, com vista ao apuramento da responsabilidade jurídico-criminal dos réus relativamente aos mesmos factos, após ter sido deduzida acusação, imputando-lhes a prática de um crime de ofensa à integridade física grave, p. e p. pelos artigos 143.º, n.º 1 e 144.º, n.º 1, al. a), do Código Penal.
Em paralelo, o autor advoga que é admissível a instauração de processo de indemnização civil em separado, por estarem verificadas as exceções ao princípio da adesão, previstas nas alíneas a), d) e i) do n.º 1 do artigo 72.º do C.P.P.

*
Os réus ofereceram contestação, na qual arguiram a incompetência deste Tribunal em razão da matéria, por não ter sido respeitado o princípio da adesão, para além de impugnarem a alegação do autor, quer quanto às propaladas agressões atribuídas aos réus, quer quanto aos danos invocados.
*
Foi proferida decisão que, considerando violado o princípio da adesão ao processo penal, declarou o tribunal civil incompetente em razão da matéria, absolvendo os réus da instância.
*
Inconformado, veio o A. recorrer, concluindo o seu recurso da seguinte forma:

I. A douta sentença de 27-06-2021, que declarou o Juízo Local Cível incompetente em razão da matéria e, absolveu os Rés, não pode manter-se, pois consubstancia uma solução que não consagra a justa e rigorosa interpretação e aplicação ao caso sub judice das normas e dos princípios jurídicos competentes.
II. Espera, pois, o Recorrente e assim, com o presente recurso, ver revogada a decisão proferida nos presentes autos, o que, conduzirá ao prosseguimento dos autos na 1.ª Instância.
III. O Meritíssimo Juiz decidiu por sentença: «a) Declarar este juízo incompetente em razão da matéria (…).».
IV. A discussão a fazer no presente recurso e, que motivou a douta sentença, reside no princípio da adesão.
V. O Recorrente invocou o preenchimento das exceções e esse princípio, previstas nas alíneas a), d) e i) do n.º 1 do art.º 72.º do CPP.
VI. Quanto à alínea a), não há dúvidas, pois conforme se admite na sentença recorrida, entre a denúncia dos factos (30/07/2018) e a acusação (27/05/2020) decorreu um lapso de tempo superior a 8 meses.
VII. Todavia, foi feita pelo Tribunal recorrido uma interpretação restritiva com a qual não poderemos concordar.
VIII. Referindo que a ação cível devida ter sido intentada após o decurso dos oitos meses e, antes da dedução da acusação.
IX. Discordámos com a posição do Tribunal recorrido por duas ordens de razão.
X. Primeiramente, a interpretação feita pelo Tribunal recorrido não cabe na letra da lei. XI. É demasiado restritiva, não tendo sido esse o objetivo pretendido pelo legislador.
XII. O introito do art.º 72.º é claro e inequívoco, definindo as situações/pressupostos mediante os quais se pode deduzir um pedido e indemnização perante o tribunal civil.
XIII. A alínea a) apenas exige que tenha decorrido entre a notícia do crime e, a acusação um prazo superior a oito meses.
XIV. Se o pressuposto da alínea decaísse com a dedução de acusação, o legislador tê-lo-ia previsto de forma clara e inequívoca.
XV. A interpretação a fazer deve até ser a contrária.
XVI. O Lesado deve esperar até à dedução da acusação e, só após a mesma, apresentar o pedido enxertado na ação penal nos prazos fixados no CPP.
XVII. Ou, deduzir uma ação cível, se verificada alguma exceção do art.º 72.º do CPP, em separado, tendo sempre em atenção o prazo prescrição de 3 anos.
XVIII. Mas, aceitando a interpretação dada, de que o preenchimento da alínea tem subjacente a ideia de evitar a morosidade.
XIX. Dir-se-á que a dedução da acusação não é o fim do processo penal.
XX. A interpretação correta é que tendo o processo penal atingido a morosidade retratada na dita alínea a), abre-se a possibilidade de o lesado optar por qualquer das vias, ou o pedido enxertado na ação penal, ou posteriormente um processo cível autónomo.
XXI. Quanto á previsão da alínea d), do n.º 1, do art.º 72.º do CPP, não pode ser afastada por um simples cálculo aritmético, ou por uma interpretação restritiva.
XXII. A mesma apenas pode ser invocada quando se desconhece a extensão dos danos e, já não a possibilidade do seu agravamento/ persistência ao longo do tempo, os denominados danos futuros.
XXIII. O Recorrente esclareceu, prontamente, que os danos psíquicos ainda não se encontram consolidados.
XXIV. O que se desconhece é a extensão dos danos e, já não a sua persistência e agravamento como parece concluir-se na sentença recorrida.
XXV. Mas, a comprovação ou não do conhecimento dos danos à data da acusação, far-se-ia em sede de exame pericial, requerido no processo cível.
XXVI. O lesado passa a ter o ónus, na posterior ação cível, de alegar e provar que os danos não existiam ou eram, em alguma medida, desconhecidos aquando da acusação.
XXVII. Cabia ao recorrente fazer essa prova e, por isso requereu o competente exame pericial. Por último temos a alínea i) do citado n.º 1 do art.º 72.º do CPP.
XXVIII. Por último temos a línea i) do citado nº 1 do art. 72º do CPP.
XXIX. Está provado, conforme consta do ponto 8. dos factos provados, que o Recorrente manifestou no processo penal o propósito de deduzir o pedido de indemnização civil.
XXX. Não ficou demonstrado, porque não ocorreu, a notificação do A. para deduzir o pedido de indemnização civil.
XXXI. O normativo é claro e cristalino, não deixando margem para interpretações como as efetuadas na sentença recorrida.
XXXII. Se a mera notificação da acusação cumprisse a citada norma, então seria desprovida de qualquer valor a alusão feita no art.º 72.º, n.º 1, alínea i) do CPP.
XXXIII. E teria a própria letra da lei a alusão a notificação da acusação e, já não à notificação para deduzir o pedido de indemnização civil.
XXXIV. A previsão do art.º 77.º, n.º 2 do CPP foi criada pelo legislador com o único objetivo de alertar os lesados para a possibilidade de deduzirem o pedido.
XXXV. Mas, não satisfeito com a referida proteção dos lesados, criou ainda a possibilidade de deduzir o pedido civil em separado e, por isso criou a citada alínea i).
XXXVI. Assim, se o Recorrente manifestou o propósito de deduzir pedido de indeminização civil, deveria ter sido notificado, de forma concreta e explícita, para o deduzir.
XXXVII. Não bastando a mera comunicação da acusação.
XXXVIII. Logo, também a dita alínea se mostra preenchida.
XXXIX. Por fim, diremos que o princípio da adesão alicerça-se em razões práticas como a economia e celeridade processuais, aliadas à promoção de uniformização de julgados e à proteção eficaz das vítimas de uma infração penal;
XL. Tal desiderato não fica beliscado no caso em apreço, já que o tribunal penal não apreciou sequer o mérito do pedido civil.
XLI. Por tudo isso, foram violadas as normas do art.º 72.º, n.º 1, alíneas a), d) e i) do CPP.

TERMOS EM QUE O PRESENTE RECURSO DEVE MERECER PROVIMENTO E, EM CONSEQUÊNCIA, ALTERAR-SE A SENTENÇA RECORRIDA, REVOGANDO-A, JULGANDO-SE O JUÍZO LOCAL CÍVEL DE VILA REAL, JUIZ 2, COMPETENTE EM RAZÃO DA MATÉRIA, ORDENANDO-SE O PROSSEGUIMENTO DOS AUTOS NA 1.º INSTÂNCIA.

Os Réu apresentaram contra-alegações com as seguintes conclusões:

A. A sentença recorrida encontra-se fundamentada, assente em prova cabal, não sendo atacável;
B. Nos termos do artigo 71º do C.P.P., o pedido de indemnização civil fundado na prática de um crime é deduzido no processo penal respetivo!
C. Por força do princípio da adesão (artº 71º do CPP), o pedido de indemnização civil fundado na prática de um crime é deduzido no processo penal respetivo, podendo ser deduzido em separado, perante o tribunal civil, nos casos previstos nas diversas alíneas do artº 72º, nº1 do CPP.
D. O princípio da adesão, está diretamente ligado às inegáveis vantagens processuais, como sejam a exclusão de julgamentos contraditórios e a economia processual, tendo ainda a vantagem de permitir uma realização mais rápida, mais barata e mais eficaz do direito dos lesados à indemnização, e por isso o nosso sistema jurídico-penal o assumiu como princípio estruturante.
E. Ora, no que diz respeito á alínea a) do nº 1 do art. 72.º do CPP, o recorrente, não intentou a ação cível dentro do aludido lapso de tempo que decorreu entre o completamento do prazo de oito meses após a notícia do crime e a dedução da acusação.
F. Tendo-o feito, só a 5 de abril de 2021, ou seja, quase 1 ano depois do despacho de acusação!
G. Pelo que, tal a) não se mostra preenchida.
H. No que tange à exceção da alínea d), nº 1 do artº 72º do CPP, onde se dispõe que o pedido de indemnização civil pode ser deduzido em separado, perante o tribunal civil quando não houver ainda danos ao tempo da acusação, estes não forem conhecidos ou não forem conhecidos em toda a sua extensão, também a mesma se não verifica.
I. Do acervo documental junto aos autos pelo Autor, decorre com clareza que
ao tempo da acusação no processo-crime existiam os danos, alegadamente, causados pela conduta ilícita do réu e estes eram completamente conhecidos e em toda a sua extensão, não preenchido também esta a).
J. No que se refere à alínea i) do n.º 1 do art.º 72.º do CPP, ora Recorrente foi
notificado do despacho de acusação no âmbito do processo n.º 265/18.1GCVRL!
K. O Recorrente manifestou o propósito de deduzir pedido de indemnização civil!
L. Mais, o ora recorrente é assistente no processo n.º 265/18.1GCVRL!
M. O legislador estabelece-se no n.º1 do art.77.º, do CPP que o assistente deve deduzir o pedido de indemnização civil na acusação ou no prazo em que esta deva ser apresentada!
Não obstante, e mesmo que seja de considerar que o recorrente deveria ter sido informado, para deduzir pedido de indemnização civil, o que só por mera cautela se admite,
N. Sempre, a consequência de irregularidade estaria dependente de arguição.
O. O que não aconteceu!
P. Pelo que, convolou-se!
Q. Não se mostra preenchida qualquer a) do n.º 1 do art.º 72.º do CPP!
Razão pela qual deverá ser negado o Recurso interposto pela Requerente, confirmando-se a decisão recorrida nos seus precisos termos, fazendo-se, assim, a já acostumada JUSTIÇA.
*
As questões a decidir são as seguintes:
- Verificar se o tribunal civil é competente em razão da matéria para conhecer do pedido do A..
*
Os factos a ter em conta são os que constam do relatório desta decisão e que se têm aqui por reproduzidos.
*
Cumpre decidir:

Nos presentes autos cumpre analisar se estão reunidos os pressupostos para que o A. deduzisse o pedido cível em separado do processo penal.
O lesado, ora A. entende que podia deduzir pedido cível em separado com base nas al. a), d) e i), do nº 1 do art. 72º do C.P.Penal.

Vejamos:
No processo penal encontra-se consagrado o princípio da adesão (art. 71º do C. P. Penal) segundo o qual “O pedido de indemnização civil fundado na prática de um crime é deduzido no processo penal respetivo, só o podendo ser em separado, nos casos previstos na lei”.
A dedução do pedido de indemnização cível em separado da ação penal é apenas admissível nos casos previstos no art. 72º do C.P.Penal

Segundo este artigo:

1 - O pedido de indemnização civil pode ser deduzido em separado, perante o tribunal civil, quando:
a) O processo penal não tiver conduzido à acusação dentro de oito meses a contar da notícia do crime, ou estiver sem andamento durante esse lapso de tempo; b) O processo penal tiver sido arquivado ou suspenso provisoriamente, ou o procedimento se tiver extinguido antes do julgamento;
c) O procedimento depender de queixa ou de acusação particular;
d) Não houver ainda danos ao tempo da acusação, estes não forem conhecidos ou não forem conhecidos em toda a sua extensão;
e) A sentença penal não se tiver pronunciado sobre o pedido de indemnização civil, nos termos do artigo 82.º, n.º 3;
f) For deduzido contra o arguido e outras pessoas com responsabilidade meramente civil, ou somente contra estas haja sido provocada, nessa ação, a intervenção principal do arguido;
g) O valor do pedido permitir a intervenção civil do tribunal coletivo, devendo o processo penal correr perante tribunal singular;
h) O processo penal correr sob a forma sumária ou sumaríssima;
i) O lesado não tiver sido informado da possibilidade de deduzir o pedido civil no processo penal ou notificado para o fazer, nos termos dos artigos 75.º, n.º 1, e 77.º, n.º 2.
2 - No caso de o procedimento depender de queixa ou de acusação particular, a prévia dedução do pedido perante o tribunal civil pelas pessoas com direito de queixa ou de acusação vale como renúncia a este direito.

Conforme se refere no Acórdão deste Tribunal de 31/01/2019 (in www.dgsi.pt ) “Este princípio da adesão, está directamente ligado a inegáveis vantagens processuais, como sejam a exclusão de julgamentos contraditórios e a economia processual, tendo ainda a vantagem de permitir uma realização mais rápida, mais barata e mais eficaz do direito dos lesados à indemnização, e por isso o nosso sistema jurídico-penal o assumiu como princípio estruturante.”

Na decisão recorrida entendeu-se que não estavam reunidos os pressupostos para que a ação cível fosse instaurada em separado, podendo ler-se na mesma, nomeadamente, o seguinte:

“Perspectivando que a denúncia dos factos teve lugar em 30/07/2018 e o despacho final no inquérito foi proferido 27/05/2020, inexistem dúvidas que decorreu um lapso de tempo superior a 8 meses, pelo que formalmente estaria verificada a alínea a) do n.º 1 do artigo 72.º do C.P.P.
Todavia, não podemos desconsiderar que a presente acção somente foi instaurada em 05/04/2021, muito depois de ter sido proferido o despacho de acusação.
Ora, como se explica no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 23/05/2019, relator Ilídio Sacarrão Martins,, a excepção em apreço visa “(…) proteger o lesado da demora do andamento do processo penal, pondo em crise o interesse da vítima num rápido ressarcimento”, pelo que dela só podia o lesado prevalecer-se se tivesse instaurado a acção cível no hiato “entre o completamento do prazo de oito meses após a notícia do crime e a dedução da acusação”, ao contrário do que ocorreu no caso concreto, uma vez que a acção foi apresentada a juízo após ter sido deduzida acusação.
Conclui-se, pois, que com tal fundamento não é lícito ao autor instaurar acção autónoma.
Avançando na nossa análise, a previsão da alínea d) do n.º 1 do artigo 72.º do C.P.P. visa permitir ao lesado que demande o lesante autonomamente quando ao tempo da acusação não houver ainda danos, estes não forem conhecidos ou não forem conhecidos em toda a sua extensão, mas já não será suficiente que estejamos “(…) em presença, no momento da dedução da acusação, de danos qualificáveis como futuros (…)” para se concluir pela verificação desta excepção ao princípio da adesão, “(…) pois tal equivaleria a esvaziar de sentido a previsão do art.º 72.º do CPP”, conforme se alerta no Acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 11/07/2019, relatora Florbela Moreira Lança4, sendo certo ainda que se “(…) o lesado, ao tempo da acusação, conhecia os danos sofridos, em toda a sua dimensão, conquanto não soubesse o seu valor exacto, tal situação não é subsumível à excepção do princípio de adesão (…) não se pode confundir a eventual persistência dos danos ao longo do tempo e o seu agravamento com o desconhecimento dos danos ou da sua extensão (…)”, como se sublinha no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 22/11/2018, relator Oliveira Abreu5.
No caso “a quo”, o autor alega tão-somente que “(…) do exame de psiquiatria resulta, não ser possível apurar com exactidão a extensão dos danos nesse âmbito, pois no mesmo conclui-se que «não poder considerar existência de um dano psíquico definitivo, dado que o evento ainda foi recente»”, ou seja, estamos somente perante a convocação de dúvidas quanto à eventual existência de um dano futuro e ao valor correspondente à respectiva indemnização, e, nessa medida, revela-se arredada a convocação da alínea d) do n.º 1 do artigo 72.º do C.P.P., face à interpretação deste normativo, realizada nos termos supra expostos.
Finalmente, a alínea i) do n.º 1 do artigo 72.º do C.P.P. remete, no que ora releva (uma vez que em tempo o autor manifestou o propósito de deduzir pedido de indemnização civil), para o n.º 2 do artigo 77.º do C.P.P. [“o lesado que tiver manifestado o propósito de deduzir pedido de indemnização civil (…) é notificado do despacho de acusação (…) para, querendo, deduzir o pedido, em requerimento articulado, no prazo de 20 dias”].
Verifica-se que o autor e o Ilustre Mandatário que o representa foram notificados do despacho de acusação no âmbito do processo n.º 265/18.1GCVRL, mas não consta de forma expressa de tais notificações que poderia ser deduzido pedido de indemnização civil.
No entanto, a ausência de tal menção expressa na notificação não implica que não tenha sido cumprida a finalidade imposta pelo artigo 77.º, n.º 2, do C.P.P., pois o sujeito processual tomou conhecimento da prolação do despacho de acusação (finalidade visada pela notificação imposta pelo artigo 77.º, n.º 2, do C.P.P.), cabendo-lhe actuar em conformidade e exercer as faculdades que resultam directa e expressamente da lei (v.g. o artigo 77.º, n.º 2, do C.P.P., prevê um prazo para a dedução de um pedido de indemnização civil no prazo de 20 dias da notificação da acusação), tanto mais que o autor se encontrava representado por Advogado, sendo certo que eventuais irregularidades na realização de tal notificação careciam de ter sido arguidas no tempo devido, no âmbito do processo criminal respectivo, sob pena de se considerarem inelutavelmente sanadas.
Deste modo, também a convocação desta excepção se mostra afastada. Por conseguinte, não se descortina a verificação de nenhuma das excepções ao princípio de adesão invocadas pelo autor, ou das demais alíneas do n.º 1 do artigo 72.º do C.P.P.
Por outro lado, a circunstância do autor não ter exercido em tempo a faculdade de deduzir pedido de indemnização civil no processo crime também não o habilita a recorrer a uma acção de indemnização autónoma por força do princípio de adesão consagrado no artigo 71.º do C.P.P., cujas excepções se mostram sujeitas a um “numerus clausus”, como se salientou, devendo outrossim concluir-se que precludiu o seu direito à indemnização por perdas e danos, por não ter sido exercida tal pretensão de forma tempestiva no processo criminal.
Trata-se, no essencial, de uma situação análoga à apreciada no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 30/04/2019, relator Olindo Geraldes6, onde se concluiu que “(…) tendo o pedido de indemnização civil sido deduzido no processo penal, mas sendo indeferido, por extemporaneidade, o tribunal civil não goza de competência material para conhecer do pedido (…)”
Termos em que, considerando todo o exposto, se conclui que a competência em razão da matéria não cabe não a este Juízo, por violação do princípio da adesão, pelo que se impõe, em conformidade, a absolvição da instância dos réus - cfr. artigos 64.º, 96.º, al. a), 97.º, n.º 1, 98.º e 99.º, n.º 1 e 278.º, n.º 1, al. a), do C.P.C. e 71.º e 72.º do C.P.P.”
Vejamos se o Autor não pode aproveitar-se do disposto na al. a) do nº 1, do art, 72º do C. P. Penal, não obstante à data de instauração da presente ação terem decorrido mais de 8 meses a contar da notícia do crime.
A norma contida em tal alínea visa não prejudicar o lesado quando a dedução de acusação não ocorre num prazo que o legislador entendeu razoável e que se encontra relacionado com o previsto no art. 276º, nº 1 do C. P. Penal para o encerramento do inquérito, permitindo-lhe, neste caso, instaurar ação cível em separado.
No caso, porém, embora à data da instauração da presente ação já tivessem decorrido mais de 8 meses desde a data em que o lesado apresentou queixa, o que é certo é que também já tinha sido deduzida acusação no processo penal e até já tinha decorrido cerca de um ano sobre a produção de tal ato (a acusação foi deduzida em 29/04/20 e a ação proposta em 5/4/21), pelo que, a proteção do lesado contra a demora do inquérito, não faz aqui sentido.
Para que o lesado se pudesse prevalecer do preceituado nessa alínea a) seria necessário que a ação cível em separado tivesse sido intentada após o decurso do prazo de 8 meses subsequente à notícia do crime, mas antes da dedução de acusação no respetivo processo crime (v. neste sentido Ac. do STJ de 23/05/2019 in www.dgsi.pt ).
Na verdade, estando deduzida a acusação, o processo está em condições de seguir para julgamento e, portanto, de o tribunal conhecer também do pedido de indemnização cível, cessando, a justificação de proteção do lesado relativamente à eventual morosidade do inquérito que, a existir o impediria de obter rapidamente o ressarcimento do damo sofrido.
Tendo a instauração desta ação sido muito posterior à dedução da acusação, não se mostram reunidos os pressupostos para que que o lesado possa prevalecer-se para tal do disposto na mencionada norma.
A este entendimento não obsta o que resulta do Assento nº 5/2000, de 19 de janeiro de 2000 (DR, Série I-A, nº 52, de 2 de março de 2000), que nos diz que ainda que o processo já tenha acusação, pode aplicar-se o disposto na mencionada al. a), do nº 1 do art. 72º do C.P. Penal quando o processo se encontra parado há mais de 8 meses após a dedução de acusação.
Pois, sem cuidar de saber se no caso o processo esteve sem andamento por mais de oito meses após a dedução de acusação, o decidido em tal Assento nunca teria aplicação no caso em apreço.
Na verdade para que o lesado se possa prevalecer da jurisprudência aí fixada teria de ter deduzido tempestivamente o pedido cível no processo-crime (1) e desistido da queixa que deu origem ao mesmo, quando a mesma é admissível, com a consequente extinção do procedimento criminal, o que não ocorre no caso em apreço.
Deste modo, tendo a instauração desta ação sido muito posterior à dedução da acusação e não estendo reunidos os pressupostos de aplicação do citado Assento, não se mostram reunidos os requisitos necessários a que o lesado se prevaleça da mencionada alínea a) para deduzir o pedido cível em separado do processo-crime.

Analisemos então se o Autor podia instaurar esta ação com base na al. d) do nº 1 do art. 72º.
A Autor refere que à data da acusação, os danos psíquicos não se encontravam ainda consolidados, desconhecendo a sua extensão.

Analisando:

Conforme diz António da Silva Henriques Gaspar (in Código de Processo Penal comentado, 2016, 2ª ed. revista e atualizada, pág. 239) “A adesão só tem sentido no caso da atualidade dos danos; se nos danos próprios do processo penal (tempo da acusação - art. 77º, nº 1) o titular do direito não puder determinar o conteúdo do direito que pretende exercer, não tem utilidade a dedução do pedido com aproveitamento das vantagens processuais da adesão; em tais circunstâncias, o pedido poderá ser deduzido nos tribunais civis quando o lesado puder conhecer a extensão dos danos e conteúdo do direito.
Ora, do exame pericial junto aos autos, efetuado em 20/11/19 e cujo relatório foi elaborado em 6/1/20, resulta, na parte com interesse para o caso em apreço que “Considera o perito não poder considerar existência de um dano psíquico definitivo, dado que o evento ainda foi recente e em termos psicopatológicos ser semelhante ao encontrado em exame anterior.”.
Resulta ainda do relatório pericial que o ora Autor, à data do evento que deu origem ao processo-crime, já sofria de síndrome de stress pós-traumático como consequência de um acidente de viação (atropelamento) de que foi vítima (2)
Vemos, pois, que os danos não eram conhecidos em toda a sua extensão na altura em que foi encerrado o processo-crime, pois até o Sr. Perito refere que “o evento ainda foi recente”, “não podendo considerar a existência de um dano psíquico definitivo”.
Deste modo, na data em que foi deduzida acusação não era clara a existência dos danos psíquicos invocados nesta ação.
Pelo exposto, podia o lesado deduzir pedido de indemnização cível em separado.
Em face do exposto, desnecessário se torna analisar se a ação cível em separado se podia basear na al. i), do mencionado preceito.
*
*
DECISÃO:

Pelo exposto, acorda-se nesta secção cível do Tribunal da Relação de Guimarães em julgar procedente o recurso, revogando-se a decisão recorrida e determinando-se o prosseguimento dos autos.
Custas pelos Recorridos.
Guimarães, 13 de janeiro de 2022

Alexandra Rolim Mendes
Maria dos Anjos Melo Nogueira
José Cravo



1. “(…) quando o referido pedido de indemnização haja sido apresentado depois de exercido o direito de queixa e estando o processo sem andamento há mais de 8 meses após a formulação da acusação (…) quando o respetivo titular tendo-o já exercido, deduzir em separado o pedido de indemnização civil, resulta que, não determinando a extinção de procedimento criminal a mera dedução em separado do pedido de indemnização, fundado nos mesmos factos que constituem objeto da acusação, quando o referido pedido civil tiver sido apresentado depois de exercido o direito de queixa e o processo se encontrar sem andamento há mais de oito meses, o que sucederá é a extinção do procedimento criminal por desistência da queixa, desde que ocorram os pressupostos exigidos pelo art. 116º, nº 2 do Código Penal revisto”
2. “No entanto o Examinado já apresentava um quadro semelhante previamente ao evento o qual foi diagnosticado e feito acompanhamento. As queixas de ansiedade, tensão, humor depressivo que apresentada serão semelhantes às descritas actualmente, embora o foco de tensão seja diferente, dado que actualmente o que parece de novo existir é uma ansiedade antecipatória focada na possibilidade de encontrar os agressores, assim como da resolução legal do conflito”.