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CRIME DE VIOLÊNCIA DOMÉSTICA
LESÕES CORPORAIS DA VÍTIMA
VALOR DA PERÍCIA MÉDICO LEGAL
ERRO NOTÓRIO NA APRECIAÇÃO DA PROVA
Sumário
I–O sistema adotado pela lei portuguesa é o da perícia oficial e não o da perícia contraditória: o perito nomeado é um perito do tribunal, não havendo indicação de um perito por parte da acusação e de um outro por parte da defesa. A perícia, que poderá ser colegial interdisciplinar, é realizada, em regra, em estabelecimento, laboratório ou serviço oficial apropriado, sendo ordenada, oficiosamente ou a requerimento, por despacho da autoridade judiciária competente;
II– Dispõe o art. 159º do mesmo Código que “ 1 – As perícias médico-legais e forenses que se insiram nas atribuições do Instituto Nacional de Medicina Legal são realizadas pelas delegações deste e pelos gabinetes médico-legais “. Ainda nos termos do disposto no art. 163º nº 1 do CPP, “ O juízo técnico, científico ou artístico inerente à prova pericial presume-se subtraído à livre apreciação do julgador “, sendo que no seu nº 2 que “ Sempre que a convicção do julgador divergir do juízo contido no parecer dos peritos, deve aquele fundamentar a divergência “. O legislador atribui à prova pericial valor reforçado, o que bem se compreende: se é indispensável recorrer ao juízo percetivo ou valorativo de técnicos ou de cientistas de determina área do saber, o relatório e as conclusões não podem deixar de gozar de “uma presunção solidamente fundada de certeza técnica, cientifica ou artística”. Por isso que o legislador processual penal estabeleceu que o juízo técnico, científico ou artístico da perícia só pode ser afastado pelo juiz com fundamentação de idêntica valia cientifica, técnica ou artística, não estando por isso o juízo técnico e científico submetido à livre apreciação do julgador ao mesmo nível de qualquer prova comum;
III– A presunção a que alude o n.º 1 do art. 163.º do CPP apenas se refere ao juízo técnico-científico e não, propriamente, aos factos em que o mesmo se apoia. Assim, a necessidade de fundamentar a divergência só se dará quando esta incida sobre o juízo pericial. Ou seja, o juízo de valor científico resultante de perícia integra prova vinculada; a esse juízo de valor científico, nos termos do art. 163.º, n.º 2, do CPP, o juiz só pode dissentir opondo um juízo, contrário ou divergente, igualmente científico; o juiz tem que jogar, então, no mesmo plano e no mesmo campo do perito. Terá que deixar claro as razões do porquê do seu afastamento do perito, sem que lhe seja conforme à lei argumentar com razões de ciência pessoal, bastando um juízo crítico que se funde não na sua pessoa, mas em juízos emanados de técnicos, cientistas ou artistas, que enfraqueçam ou anulem o primeiramente emanado ;
IV–Não consta do texto da sentença que o tribunal, em face da negação dos factos pelo arguido, no exercício do seu poder-dever de perseguir a descoberta da verdade material, nos termos do art. 340º do CPP, tivesse solicitado ao Perito Forense esclarecimentos sobre se as lesões que observou no corpo da vitima e vertidas no relatório pericial, “podem ser resultado do dia-a-dia” confrontando-o com esses episódios do dia-a-dia; nem constam descritos na sentença, em datas contemporâneas com os factos imputados ao arguido, episódios do acaso, sofridos pela ofendida no dia-a-dia relatados coincidentemente por esta ou pelo arguido (cair, tropeçar, escorregar e estatelar-se no chão, correr e embater contra portas ou paredes, por exemplo, entre outros possíveis) em que foi exercida força contundente sobre as zonas do corpo daquela onde o Perito Forense constatou as referidas dores e as lesões, com os quais o Perito tivesse sido confrontado e tivesse emitido um juízo técnico-científico que estabelecesse um nexo de causalidade provável entre tais episódios e as dores e lesões observadas;
V–Na situação em análise, não tendo o julgador procedido do modo descrito e ao arrepio do disposto no art. 163º do CPP, tendo decidido de forma totalmente arbitrária,( perante uma perícia medico legal efectuada às lesões corporais da vitima de violência doméstica) conforme fez constar expressamente da sentença no capítulo, “Fundamentação da matéria de facto dizendo que: “O Tribunal formou a sua convicção na ponderação, à luz das regras da experiência comum e na livre convicção do julgador, da análise crítica e conjugada do conjunto da prova produzida, nos termos do disposto no artigo 127.º do Código de Processo Penal, tal não é legalmente consentido uma vez que o Tribunal não pode fundamentar a sua convicção numa das versões dos factos em detrimento da outra pelos motivos supra referidos, quando existe uma perícia médico legal e incorrendo no erro notório da apreciação da prova, entre o mais.
Texto Integral
Acordam na 9ª Secção Criminal do Tribunal da Relação de Lisboa:
I–RELATÓRIO
1.1–Por sentença proferida em 19/10/2021, foi o arguido PP, absolvidoda prática de um crime de violência doméstica, p. e p. pelo artigo 152° n°s 1 b), 2 a) e 4 do Código Penal. ***
1.2–Recurso da decisão
O Ministério Público interpôs recurso da decisão apresentando as seguintes conclusões (transcrição):
“1ª–Nos presentes autos, o arguido PP foi submetido a julgamento e absolvido da acusação contra ele formulada pela prática de um crime de violência doméstica, p. e p. pelo artigo 152º, n.º 1, alínea b), n.º 2, alínea a) e n.º 4, todos do Cód. Penal. 2ª–Esta sentença absolutória não pode, a nosso ver, colher aplauso, dado que a prova produzida em audiência, conjugada com a prova pericial, impunha que se desse como provada toda a matéria de facto descrita na acusação relacionada com tal crime, com a consequente condenação do arguido. 3ª–Assim sendo, as razões da discordância relativamente à sentença recorrida prendem-se erro notório da apreciação da prova e contradição entre a fundamentação e a decisão, nos termos dos artigos 410.º, n.º 2, alíneas c) eb), do Cód. Processo Penal e, bem assim, com a discordância relativamente à decisão proferida sobre a matéria de facto provada. 4ª–A propósito dos vícios apontados à douta decisão recorrida, desde logo, resultou não provado sob o ponto 8 da douta sentença recorrida “Como consequência de tal conduta do arguido, a vítima sofreu dores, e bem assim:
- no braço esquerdo, ténue equimose arroxeada no terço distal da face dorsal do bordo ulnar do antebraço, com 1 centímetro de diâmetro;
- na perna direita, tumefação da região maleolar lateral, lesões que lhe fizeram demandar para cura dez dias de doença, sendo cinco com afetação da capacidade de trabalho geral.” 5ª–Resulta ainda da fundamentação da douta sentença, na pág. 4: “E as lesões que a mesma apresentava quando foi sujeita a exame médico não são suscetíveis de serem infligidas somente através da atuação que imputa ao arguido, podendo ser resultado do dia a dia.” 6ª–Nos autos, a ofendida foi submetida a exame médico de cujas conclusões resulta que as lesões documentadas são resultado de traumatismo de natureza contundente compatível com a informação de que aquela tinha sido vítima de violência doméstica. 7ª–A este propósito, há que salientar, que o valor da prova pericial vem fixado no artigo 163º do CPP, estabelecendo o nº 1 que “o juízo técnico, científico ou artístico inerente à prova pericial presume-se subtraído à livre apreciação do julgador”, acrescentando o nº 2 que “sempre que a convicção do julgador divergir do juízo contido no parecer dos peritos, deve aquele fundamentar a divergência”. 8ª– Deste modo, o juízo do perito não é livremente valorável pelo julgador e, divergindo terá de fundamentar em relação à conclusão do perito e a argumentação deverá assentar em razões de ordem técnica, científica ou artística, podendo, contudo, discordar livremente dos factos em que se apoia o juízo. 9ª–Assim sendo, resulta evidente que o tribunal a quo deu como não provado algo que não podia deixar de ter acontecido, fazendo-o de uma forma ilógica, arbitrária e notoriamente violadora do juízo pericial cientifico, do qual não divergiu. 10ª–Ainda que assim não se entenda, ao dar como não provadas as lesões verificadas pelo Exmo. Senhor Perito Médico, ao mesmo tempo que refere que aquelas haviam sido verificadas na fundamentação da matéria de facto, a Mmª Juiz incorre em contradição insanável entre a matéria de facto e a fundamentação. 11ª–Deste modo, uma vez que a douta sentença incorreu em erro notório na apreciação da prova e em contradição entre a fundamentação e a decisão, nos termos do artigo 410º, n.º 1, alíneas b) e c) do Cód. de Processo Penal, vícios esses que poderão ser ultrapassados com recurso ao próprio texto da decisão recorrida e às regras da experiência, sem necessidade de reenvio do processo para novo julgamento (artigos 426.º, n.º 1 e 431.º, al. b) do Cód. de Processo Penal). 12ª–Para o caso de não proceder a argumentação acima expendida, sempre se dirá que a Mmª Juiz incorreu em erro de julgamento ao incluir na matéria de facto não provada os factos 1 a 12 relativos à prática de maus tratos físicos e psíquicos à ofendida, às lesões sofridas e à intenção do arguido. 13ª–Na verdade, com relevância para a decisão a proferir sobre tais pontos da matéria de facto, impondo que sejam dados como provados, resulta a prova produzida em audiência de julgamento.
14ª–No dia 24/09/2021, na audiência de julgamento, o arguido PP, prestou declarações num total de 20.31 minutos, das quais se destacam as seguintes: -5.26- “Assim que chegámos a casa comecei a fazer as malas, estava a fazer os sacos para me ir embora e ela começou-me a agredir. Veio com computador e ela é que me deu com computador.”
- Mmª Juiz “De que forma é que ela estava a agredi-lo?”
-5.32- “Dar-me socos, pontapés, tudo…porque eu assim que cheguei a casa comecei logo a fazer as malas” “A única coisa que fiz foi afastá-la.”
-Mmª Juiz “Quando o senhor diz que a afastou, afastou-a de que forma?” “Eu estava com a mochila assim.”
- Mmª Juiz “Em algum momento, o senhor cai ou ela cai ou caem ambos?” -13.02-“Ela caiu uma vez quando eu estava de costas.”
15ª–Na audiência de julgamento do dia 11/10/2021, no depoimento da ofendida com duração total de 29.31 minutos, a ofendida SV,prestou o seguinte depoimento:
-6.30- “Disse que eu era um monte de merda, não valia menos que um cão”
-7.00-“Parti a televisão dele. Depois ele veio para cima de mim bateu-me com computador. Depois apertou-me pescoço e fiquei com falta de ar”.
- “Largou o computador e sobe para cima de mim no sofá”
- Instada a descrever com mais pormenor, refere (9.25) “Ele partiu para cima de mim.
- Ele começou-me a agarrar, bateu-me com meu computador.”.
-9.55-“O computador estava na sala, ele pegou computador atirou-o para o chão.”
-10.45-“Ele bateu-me com o computador, mas foi no corpo”, apontando ao dizer que acertou na lateral esquerda da perna e da coxa (13.00) “Ele agarrou-me no pescoço e mandou-me para o sofá.
- Ficou a apertar o pescoço durante algum tempo. Fiquei com um pouco de falta de ar”
-14.56-“Acho que fiquei com ligeira marca, uma negrazinha, não me lembro, já foi há tanto tempo, se era pulso direito ou no esquerdo.”
-15.50- MP “Que tipo de expressões é que lhe eram dirigidas?”
-15.55- “As mesmas: És uma merda não vales nada, vales menos que um cão, coisas do género.”
-16.15-MP “Estas expressões foram dirigidas mais que uma vez?”
-16.20- “Sim, muitas vezes.”
-16.50-MP “Como é que a faziam sentir, estas expressões?”
-16.55-“Sentia-me mesmo uma nulidade que não valia nada, cheguei a pensar que eram verdade.”
-18.40- MP “Nesta discussão queria que o arguido se fosse embora ou não queria?”
-18.45-“No início da discussão não queria” “Quando começou a discussão não pensei que ficasse assim, mas no final ainda bem que saiu.”
-22.03-Mmª Juiz “O que é que a senhora lhe respondia quando lhe dizia estas expressões não és nada, vales menos que um cão.”
-22.07-“Não, eu simplesmente chorava.” “Não chamei nada…”
-24.45-“Andava a trocar as coisas de sítio, andava ali pela sala a trocar as coisas de sítio, estava nervosa, eu não queria que ele se fosse embora”
-24.50-Il. Defensora “Quando pegou no portátil, o que fez?”
-24.51-“Voltei a colocá-lo no sofá…” “Não usei o computador, não fiz nada ao computador.”
-25.01-Il. Defensora “Pegou no computador porquê?” “O computador devia estar na mesa e devo ter metido no sofá, foi só isso, só mudar de sítio.”
-25.23-“Não pegou computador e agrediu o arguido?”
-25.25-“Não, não.”
-25.33 a 25.53-“Porque pega no computador?” “Resolveu arrumar a casa naquela altura da confusão?”
-25.55-“Sim.”
-25.57-“Valorativo, Sra. Dra., o que a testemunha disse foi que estava a trocar as coisas de sítio enquanto ele estava a arrumar as coisas.”
-26.46- Mmª Juiz “Porque acreditou nas expressões?”
-27.12-“Era a única pessoa que eu via, era tudo online, por isso comecei a acreditar que aquilo que dizia era verdade.”
-27.53-Mmª Juiz “Porque não queria que fosse embora naquele dia?”
-27.57-“Era a única pessoa que eu tinha.”
16ª–Dos excertos acima transcritos decorre que o arguido negou os factos apresentando uma versão diferente dos mesmos daquela que consta da acusação. A este propósito, cumpre salientar que o facto de o arguido negar os factos não pode levar logo a concluir uma versão contraditória, já que a dúvida terá de ser objetiva e insanável quanto à forma como os factos ocorreram. 17ª–No que respeita ao depoimento da ofendida, conforme bem refere a Mmª Juiz, os factos são referidos por aquela da forma como se encontram descritos na acusação. 18ª–Contudo, a Mmª Juiz afirma ter dúvidas quanto à credibilidade da testemunha por aquela ter dito que estava a mudar as coisas de sítio. 19ª–A este propósito, cumpre salientar que, como é evidente das transcrições ‘supra’ que a ofendida, ao ser questionada pela defesa acerca do computador (que o arguido tinha dito ter sido usado pela mesma para lhe bater), não se apercebe da questão e começa por dizer que não usou o computador, enquanto o arguido está a arrumar as coisas para sair de casa. Depois afirma que terá tirado o computador da mesa para o sofá, pois estava nervosa. Estranho seria, efetivamente, se dissesse ter estado a usar o computador enquanto o arguido arrumava as coisas para sair de casa. 20ª–A ofendida não diz que está a arrumar a casa, esta é uma conclusão da defesa em resposta às palavras daquela, como bem salienta a Mmª Juiz na audiência. Afirma sim que, por estar nervosa, mudava as coisas de sítio. Tal comportamento é absolutamente compatível com o nervosismo de alguém que vê a outra pessoa a preparar-se para a abandonar, inicialmente sem saber bem se quer que isso aconteça, como referiu. 21ª–Ora, de acordo com o texto da douta decisão recorrida, é unicamente com base neste facto que a Mmª Juiz não considera a ofendida isenta, objetiva e levanta dúvidas quanto à credibilidade da mesma. 22ª–Sucede que, não se percebe como se pode afirmar a falta de isenção da testemunha quando a própria refere que inicialmente não queria que o arguido saísse de casa, mas que, depois de tudo acontecer, queria que saísse. Confirmou ainda a sua intervenção na discussão que veio a motivar a atuação do arguido ao dizer ter partido a televisão do arguido. E, também foi isenta ao dizer não se recordar das lesões sofridas, assim como afirmou já não ter nada contra o arguido por terem terminado a relação naquela altura. Por outro lado, salienta-se ainda que não relata os factos de forma totalmente coincidente com a descrição da acusação, o que poderia inculcar uma versão preparada. 23ª–A ofendida ainda foi sincera ao esclarecer como se sentiu com as expressões que o arguido lhe dirigiu, sendo-o ainda mais quando é questionada pela Mmª Juiz, dizendo que o arguido era a única pessoa com quem falava e que, quando ele dizia aquelas coisas, chegava a pensar que eram verdade. 24ª–Assim, dúvidas não restam que se tratou de um depoimento sentido e verdadeiro do qual resultou a verosimilhança dos factos relatados. 25ª–Ora, o arguido limitou-se a negar os factos e a apresentar uma versão ligeiramente diferente dos mesmos, omitindo as suas atuações que não lhe seriam favoráveis. 26ª–Deste modo, não pode ser apenas com base na afirmação de que a ofendida disse estar a mudar as coisas de sítio – o que como se disse, tem explicação convincente – que se pode desvalorizar o depoimento daquela ofendida. 27ª–Deste modo, é manifesto que a Mmª Juiz valorou o depoimento da ofendida de forma ilógica e contrária às regras da experiência comum, com base apenas na afirmação de que aquela “mudava coisas de sítio”. 28ª–Ora, o crime de violência doméstica ocorre no seio familiar e conjugal, em momentos onde apenas estão presentes agressor e agredido, pelo que, a avaliação da credibilidade da ofendida terá se fundar-se em algo mais que a questão da arrumação (neste sentido, vd. doutos Acórdãos do Tribunal da Relação de Évora, de 03-02-2015, proferido no processo n.º 485/09.0GEALR.E1 e datado de 20-12-2005, proferido no processo nº 2489/05-1, assim como douto Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, datado de 19/03/2019, no processo n.º 202/18.3PALSB.L1-5, todos disponíveis em dgsi.pt). 29ª–Acresce que, não é qualquer dúvida que poderá fundamentar o in dubio pro reo, pois, a mesma terá de ser insanável, razoável e objetivamente percetível. 30ª–Efetivamente, o que releva para a situação dos autos é que foi produzida toda a prova contra o arguido, sendo que, não basta uma negação dos factos consubstanciada numa outra versão para configurar a dúvida, designadamente a falta de valoração adequada do depoimento da vítima. 31ª–Pelo exposto, atendendo a todos os elementos supra expostos, não restam dúvidas que os factos 1 a 12 da matéria não provada devem ser dados como provados com base no depoimento da ofendida que se revelou isento, credível e objetivo, condenando-se o arguido em conformidade. ***
1.3– Resposta do arguido O arguido na resposta ao recurso pronunciou-se pela sua improcedência, limitando-se a afirmar que se deve manter o decidido. ***
1.4– Parecer do Ministério Público Nesta Relação, o Sr. Procurador-Geral Adjunto lavrou parecer onde pugna pela procedência do recurso. ***
1.5–Foi cumprido o disposto no art. 417º nº 2 do CPP, respondendo o arguido no sentido de que a sentença recorrida não merece qualquer censura. ***
1.6–Os autos foram a vistos e a conferência. ***
II–FUNDAMENTAÇÃO
1–Questões a decidir Como é jurisprudência assente, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso, é pelas conclusões que o recorrente extrai da motivação apresentada, em que sintetiza as razões do pedido ( art. 412º nº 1 do CPP), que se delimita o objeto do recurso e os poderes de cognição do Tribunal Superior.
Considerando as ditas conclusões, as questões suscitadas pelo recorrente, que deverão ser apreciadas por este Tribunal Superior, são, em sínteses, as seguintes: 1ª- a contradição insanável entre a decisão e a fundamentação nos termos do art. 410º nº 2 b) do CPP; 2ª- o erro notório na apreciação da prova nos termos do art. 410º nº 2 c) do CPP; 3ª- a impugnação da decisão sobre a matéria de facto em relação aos factos não provados sob os nºs 1 a 12, por entender que deveriam ter sido julgados como provados com base no depoimento da ofendida; 4ª- saber se existe dúvida insuperável que determine a aplicação do princípio in dubio pro reo; 5ª- a condenação do arguido, pela autoria do tipo de crime que lhe vinha imputado. ***
2–Sentença recorrida(que se transcreve no que concerne à matéria de facto assente pelo Tribunal a quo, quanto aos factos declarados provados e não provados e convicção da decisão):
“II–FUNDAMENTAÇÃO
Matéria de facto provada
Produzida a prova, resultaram provados os seguintes factos: 1.–O arguido e a vítima SV coabitaram na Rua …………, …………, em Lisboa, durante cerca de um ano, relacionamento amoroso e coabitação cessados em 31 de Janeiro de 2021, data em que o arguido abandonou a casa. 2.–No dia 31 de Janeiro de 2021, pelas 19H45, arguido e SV encontravam-se no domicílio comum, sito na Rua ………...-Lisboa. Então, no contexto de discussão, o arguido declarou à vítima “TENHO NOJO DE TI”. Mais se provou que: 4.–Foi o arguido quem tomou a decisão de terminar o relacionamento com SV. 5.–SV não queria o fim do relacionamento nem que o arguido deixasse de partilhar casa consigo. 6.–O arguido exerce funções como militar e aufere a remuneração mínima mensal garantida. 7.–Tem uma filha com 5 anos de idade que vive com a progenitora, suportando o arguido uma pensão de alimentos no valor de €125,00 mensais. 8.–Ao nível de habilitações literárias completou o 9º ano da escolaridade. 9.–Do certificado do registo criminal do arguido nada consta.
Factos não provados 1.–Ao longo de todo o período de coabitação, em múltiplas ocasiões, de número não apurado, no domicílio comum, no contexto de discussões, o arguido dirigiu à vítima expressões como “ÉS UM MONTE DE MERDA, VALES MENOS QUE UM CÃO, PUTA, ÉS ZERO, TENHO NOJO DE TI, ÉS UMA PUTA, ÉS UMA PORCA, ESTOU FARTO DE TI”. 2.–Nas circunstâncias referidas em 3. O arguido disse “ÉS UMA PUTA, ÉS UMA PORCA, ESTOU FARTO DE TI, MONTE DE MERDA”. 3.–O arguido deitou então mão ao computador portátil da vítima, de valor não apurado, e atirou-o ao solo. 4.–A vítima agarrou então no dito computador, momento em que o arguido arrebatou tal artigo das mãos da vítima. 5.–Acto contínuo, fazendo uso de tal computador, o arguido desferiu várias pancadas na vítima, atingindo-a no tronco e nas pernas. 6.–O arguido projetou-se então sobre a vítima, caindo ambos sobre um sofá. 7.–Então, com as mãos, o arguido cingiu e apertou o pescoço da vítima, a ponto de lhe causar aflição, por lhe dificultar a aspiração de oxigénio. 8.–Como consequência de tal conduta do arguido, a vítima sofreu dores, e bem assim:
- no braço esquerdo, ténue equimose arroxeada no terço distal da face dorsal do bordo ulnar do antebraço, com 1 centímetro de diâmetro;
- na perna direita, tumefação da região maleolar lateral, lesões que lhe fizeram demandar para cura dez dias de doença, sendo cinco com afetação da capacidade de trabalho geral. 9.–Por força da descrita conduta do arguido, o computador propriedade da vítima sofreu danos de conformação não apurada, ficando inutilizado, assim lhe causando prejuízo em montante não apurado. 10.–Ao agir da forma descrita, teve o arguido o propósito logrado e reiterado de humilhar e maltratar a vítima SV, apesar de saber que lhe devia particular respeito e consideração, na qualidade de sua companheira, não se coibindo de assim proceder no domicílio comum. 11.–Ao agir da forma descrita, teve o arguido o propósito logrado de danificar o computador propriedade da vítima, bem sabendo que tal coisa não lhe pertencia e que agia assim sem o consentimento e em prejuízo da sua legítima proprietária. 12.–O arguido agiu livre, deliberada e conscientemente, bem sabendo serem todas as suas condutas proibidas e punidas por lei.
Fundamentação da matéria de facto O Tribunal formou a sua convicção na ponderação, à luz das regras da experiência comum e na livre convicção do julgador, da análise crítica e conjugada do conjunto da prova produzida, nos termos do disposto no artigo 127.º do Código de Processo Penal.
O arguido nega no essencial os factos em causa nos autos, admitindo a matéria de facto que se consignou como provada.
A ofendida relata os factos de forma, no essencial, constante da acusação.
Confrontando as declarações do arguido e o depoimento da testemunha não se pode afirmar que um se revela mais consistente e coerente do que o outro por forma a que o Tribunal estruture a sua convicção com base num em detrimento do outro.
Que o arguido queria terminar a relação naquele dia e que se encontrava a arrumar as suas coisas para se ir embora, é afirmado por aquele e a testemunha confirma-o. E que a testemunha não queria o fim do relacionamento, não obstante imputar ao arguido condutas que à luz das regras da experiência comum, não fariam desejar a manutenção de relacionamento, foi por esta afirmado.
Diz a testemunha que enquanto o arguido estava a arrumar as suas coisas para se ir embora, estava na sala a “trocar as coisas de sítio”.
O depoimento da testemunha, não se revelou coerente, objectivo e credível analisado o mesmo à luz das regras da experiência comum. Dúvidas se suscitam, assim, quanto à credibilidade do depoimento da mesma.
E as lesões que a mesma apresentava quando foi sujeita a exame médico não são susceptíveis de serem infligidas somente através da actuação que imputa ao arguido, podendo ser resultado do dia a dia.
A convicção do Tribunal quanto à matéria de facto provada, resulta do que um e outro coincidiram nas declarações e depoimento prestados.
No mais, e como referido, uma vez que o Tribunal não pode fundamentar a sua convicção numa das versões dos factos em detrimento da outra pelos motivos supra referidos, tal matéria de facto tinha de resultar não provada como resultou.
No que respeita à situação pessoal do arguido atendeu-se às suas declarações.
Quanto à inexistência de antecedentes criminais atendeu-se ao teor do certificado do registo criminal do arguido “. ***
3– Apreciação do recurso
3.1-Vícios decisórios – art. 410º nº 2 b) e c) do CPP O MºPº recorrente invoca expressamente no seu requerimento recursivo os seguintes vícios decisórios: a)-A contradição insanável entre a matéria de facto (decisão) e a fundamentação, pelo facto de a vítima ter sido submetida a exame pericial médico-forense de cujas conclusões resulta que as lesões documentadas são resultado de traumatismo de natureza contundente compatível com a informação por ela prestada de que tinha sido vítima de violência doméstica e o tribunal a quo deu como não provadas as lesões verificadas pelo perito médico-forense e, ao mesmo tempo, na fundamentação da matéria de facto refere que as mesmas se verificavam; b)-O erro notório na apreciação da prova, porque o tribunal a quo violou o disposto no art. 163º do CPP, dando como não provado algo que não podia deixar de ter acontecido, fazendo-o de forma ilógica, arbitrária e violadora do juízo pericial científico, do qual não divergiu. Nos termos do nº 2 do art. 410º do C.P.P., “ (…) o recurso pode ter como fundamentos, desde que o vício resulte do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum: a)-A insuficiência para a decisão da matéria de facto provada; b)- A contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão; c)-Erro notório na apreciação da prova “.
Estes vícios, de conhecimento oficioso (Ac. de Fixação de Jurisprudência nº 7/95 de 19/10/1995), são vícios substanciais, respeitantes ao conteúdo da sentença; traduzem erros de julgamento, a partir dos quais se conclui que o juiz julgou mal ou decidiu mal e interferem com a justiça da decisão; o juiz errou ao julgar os factos ou a determinar o direito a eles aplicável e têm que resultar do próprio texto da decisão recorrida, por si só e, se necessário, conjugada com as regras da experiência comum; nunca a outro tipo de provas.
A indagação destes vícios consiste numa atividade puramente jurídica e não um reexame da causa, pois este poria em causa o princípio da imediação com que foi apreciada a prova na primeira instância e cujo cumprimento seria de muito difícil alcance pelo tribunal de recurso.
Os referidos vícios, que se traduzem em nulidades da decisão, irão conduzir, nuns casos, à anulação integral do julgamento e noutros, apenas à anulação da decisão, impondo a reformulação desta, pela primeira instância por via do reenvio parcial ou total, ou pelo tribunal de recurso, se este puder decidir da causa, eliminando ele o próprio vício, o que poderá acontecer por duas vias: a primeira,
pelo art. 380º do CPP; a segunda pelos arts. 412º nºs 3 e 4 e 6 e 430º nº 1 do CPP([1]). Por último e antes de se entrar na análise de cada um dos invocados vícios do art. 410º nº 2 do CPP, cumpre assinalar que não podem ser confundidos com a divergência entre a convicção pessoal do recorrente sobre a prova produzida em audiência e a convicção que o tribunal firme sobre os factos, no respeito pelo princípio da livre apreciação da prova inscrito no art. 127ºdo CP([2]). ***
3.2–Vício da contradição insanável da fundamentação ou entre os fundamentos e a decisão – art. 410º nº 2 b) do CPP Quando o recorrente alega este vício deve especificar, no texto da decisão recorrida, a matéria da contradição, aquilo que está em contradição, o que no caso destes autos ocorreu. A contradição insanável tanto pode existir na motivação da decisão da matéria de facto como na própria decisão da matéria de facto. Existirá contradição insanável da fundamentação, quando ocorrer uma incompatibilidade, não ultrapassável através da própria decisão recorrida, entre os factos provados ou entre estes e os não provados. A contradição entre os factos ocorre quando os provados e os não provados se contradigam entre si ou por forma a excluírem-se mutuamente([3]). Na definição do Ac. do STJ de 08/05/96([4]), “Por contradição entende-se o facto de afirmar e de negar ao mesmo tempo uma coisa ou a emissão de duas proposições contraditórias que não podem ser simultaneamente verdadeiras e falsas; proposições contraditórias são as que tendo o mesmo sujeito e o mesmo atributo diferem na quantidade e em qualidade “, ou como se diz no Ac. do STJ de 25/09/96([5]), “ Para haver contradição insanável é necessário que haja oposição entre factos que mutuamente se excluem por impossibilidade lógica ou de outra ordem por versarem a mesma realidade. (…) “.
Há contradição na motivação quando para a decisão de um determinado ponto de facto são invocados meios probatórios totalmente incompatíveis entre si.
E também há contradição entre os fundamentos e a decisão quando haja oposição entre o que ficou provado e o que é referido como fundamento da decisão tomada([6]) ([7])([8]); como refere o Sr. Juiz Conselheiro Pereira Madeira([9]), “Por vezes a contradição surpreende-se até no modo como se apresenta a fundamentação da matéria de facto, quando essa fundamentação resulta contraditória com a solução de facto encontrada“. E é esta última hipótese que vem invocada no presente recurso.
De facto, o tribunal a quo julgou como não provado: “ (…); 8–Como consequência de tal conduta do arguido,a vítima sofreu dores e bem assim:
-no braço esquerdo, ténue equimose arroxeada no terço distal da face dorsal do bordo ulnar do antebraço, com 1 centímetro de diâmetro;
-na perna direita, tumefação da região maleolar lateral, lesões que lhe fizeram demandar para cura dez dias de doença, sendo cinco com afetação da capacidade de trabalho geral“.
A este propósito, na motivação da matéria de facto pode ler-se na sentença recorrida: “ (…). E as lesões que a mesma apresentava quando foi sujeita a exame médico não são susceptíveis de serem infligidas somente através da actuação que imputa ao arguido, podendo ser resultado do dia a dia“(sublinhado nosso). Efetivamente, da leitura da sentença recorrida nos referidos segmentos constata-se que pese embora o tribunal a quo tivesse julgado como não provadasas lesões que o perito médico forense observou no corpo da vítima SV, na fundamentação da sua convicção afirma que “ E as lesões que a mesma apresentava quando foi sujeita a exame médico…”, o mesmo é dizer, “as dores eno braço esquerdo, ténue equimose arroxeada no terço distal da face dorsal do bordo ulnar do antebraço, com 1 centímetro de diâmetro; - na perna direita, tumefação da região maleolar lateral, lesões que lhe fizeram demandar para cura dez dias de doença, sendo cinco com afetação da capacidade de trabalho geral“ admitindo a existência das referidas lesões na data da realização do exame médico. Quer dizer, o tribunal decide pela inexistência de um concreto facto objetivo – as lesões e dores no corpo de SV – e na motivação da sua convicção, aceita a ocorrência do facto objetivo negado. Procede assim, o invocado vício. Tal vício é suscetível de ser corrigido por este Tribunal da Relação nos termos do disposto nos arts. 426º nº 1 a contrario, 431º a) e 428º do CPP. Antes, porém, irá passar-se a conhecer das restantes questões suscitadas pelo recorrente, visto que, este vício da sentença apontado pelo recorrente, configura, em simultaneao, erro notório na apreciação da prova previsto no art. 410º nº 2 c) do CPP. ***
3.3–Do erro notório na apreciação da prova – art. 410º nº 2 c) do CPP. Alega o recorrente que o tribunal a quo violou o disposto no art. 163º do CPP, dando como não provado algo que não podia deixar de ter acontecido, fazendo-o de forma ilógica, arbitrária e violadora do juízo pericial científico, do qual não divergiu. O vício do erro notório na apreciação da prova só pode verificar-se relativamente aos factos tidos como provados ou não provados; é um erro que é evidente, crasso, escancarado à luz dos olhos do cidadão comum, de que todos
se apercebem diretamente, de molde a considerar-se, sem margem para dúvidas, que a prova foi erroneamente apreciada([10]).
Na definição de Leal-Henriques e Simas Santos([11]), haverá um tal erro quando um homem médio, perante o que consta do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com o senso comum, facilmente se dá conta de que o tribunal violou as regras da experiência ou se baseou em juízos ilógicos, arbitrários ou mesmo contraditórios ou se desrespeitaram as regras sobre o valor da prova vinculada ou das leges artis ( por ex., como se decidiu no Ac. da R.P. de 16/12/2009([12]), “Constitui erro notório na apreciação da prova a alteração do valor da TAS indicado pelo alcoolímetro, pois, sendo esse valor fiável sempre que o aparelho seja utilizado em condições normais, a subtração do erro máximo admissível (EMA) à medição efetuada é totalmente desprovida de justificação metrológica “; ou no Ac. da R.C. 13/06/2018([13]) de “ O princípio da livre apreciação da prova, previsto no artigo 127.º do CPP, determina que,salvo existência de prova vinculada ou tarifada(como é o caso da pericial, face ao valor que lhe é reconhecido no artigo 163º nº 1 do CPP ) o tribunal decide quanto ao mais de acordo com as regras da experiência e a livre convicção “.
Ainda para Miguel Teixeira de Sousa (Estudos Sobre o Novo Processo Civil, pág. 438) o erro na apreciação da prova é o erro sobre a admissibilidade e a valoração dos meios de prova([14]).
Assinalou-se no Ac. da R.E. de 03/06/2014([15]) que “Revela erro notório na apreciação da prova a sentença que apresenta como provados factos daacusação contra resultados da prova pericial e suportados apenas em prova indireta “e nos Acs. do STJ de 18/11/1998, proc. 98P615([16]) e de 15/10/97, proc. 97P1494, que, “I - Consubstancia erro notório na apreciação da prova, a divergência não fundamentada da convicção do tribunal, relativamente ao juízo técnico, científico ou artístico inerente à prova pericial contido no parecer dos parecer dos peritos, em virtude de tal juízo se presumir subtraído à livre apreciação do julgador (art. 163º nºs 1 e 2 do CPP). II – O erro em questão, quando resulta do texto da decisão recorrida, constitui vício que implica a anulação daquela, e o reenvio do processo para novo julgamento ( cfr. arts. 410º nº 2 c), 426º e 436º, todos do CPP ) “ (negrito nosso). Estabelece o art. 124º º 1 do CPP que “ Constituem objeto de prova todos os factos juridicamente relevantes para a existência ou inexistência do crime, da punibilidade ou não punibilidade do arguido e a determinação da pena ou da medida de segurança aplicáveis “. O art. 341º do Cód. Civil, epigrafado « Função das provas» dispõe que “ As provas têm por função a demonstração da realidade dos factos “. Nos termos do art. 127º do CPP, “ Salvo quando a lei dispuser diferentemente, a prova é apreciada segundo as regras da experiência e a livre convicção da entidade competente “. Debruçando-se sobre esta norma, o TC ( cfr. Ac. nº 1165/96, de 19/11m, no proc. nº 142/96 - 1ª, publicado no BMJ 461º/93), realçou que a livre apreciação da prova não pode ser entendida como uma operação puramente subjetiva, emocional e portanto imotivável. Há-de traduzir-se em valoração racional e crítica, de acordo com as regras comuns da lógica, da razão, das máximas da experiência e dos conhecimentos científicos, que permita ao julgador objetivar a apreciação dos factos, requisito necessário para uma efetiva motivação da decisão([17]). Este princípio sofre limitações prevenidas de forma genérica na lei, como sucede no caso da prova pericial; o valor probatório da perícia é fixado na lei em termos gerais que subtraem o juízo do perito ao princípio da livre apreciação da prova, isto é, o resultado da perícia não é livremente valorável pelo julgador. O julgador deve fundamentar a divergência em relação às conclusões do perito([18]), e essa divergência deve ser justificada no mesmo plano científico em que se produziu o exame – cfr. Ac. do STJ de 12/11/1997, proc. 97P492([19]).
No caso presente, de acordo com o texto da sentença recorrida, o MºPº imputa ao arguido a autoria de um crime de violência doméstica p. e p. pelo art. 152º nºs 1 b) 2 a) e 4 do Cód. Penal perpetrado contra a ofendida SV, com quem manteve uma relação amorosa durante cerca de 1 ano, com coabitação, que cessaram em 31 de Janeiro de 2021, data em que o arguido abandonou a habitação e os factos ocorreram no interior da referia residência sem a presença de quaisquer testemunhas; a vítima sofreu dores e bem assim:
-no braço esquerdo, ténue equimose arroxeada no terço distal da face dorsal do bordo ulnar do antebraço, com 1 centímetro de diâmetro;
- na perna direita, tumefação da região maleolar lateral, lesões que lhe fizeram demandar para cura dez dias de doença, sendo cinco com afetação da capacidade de trabalho geral. Como meios de prova, foram arrolados o relatório médico-legal e o depoimento da ofendida SV, para além do CRC, referidos na sentença. Como resulta ainda da sentença, o arguido negou a prática dos factos típicos e a ofendida relatou-os de forma, no essencial, constante da acusação – cfr. pág. 3 da sentença, no segmento “ Fundamentação da matéria de facto “.
E, quanto às dores e lesões que a vítima apresentava descritas no exame médico, que a Sra. Juiz a quo julgou não provadas no nº 8 dos “Factos não provados”,fundamentou tal juízo/decisão da seguinte forma: “ E as lesões que a mesma apresentava quando foi sujeita a exame médico não são susceptíveis de serem infligidas somente através da actuação que imputa ao arguido, podendo ser resultado do dia a dia“. Nos termos do disposto no art. 151º do CPP, “ A prova pericial tem lugar quando a perceção ou a apreciação dos factos exigirem especiais conhecimentos técnicos, científicos ou artísticos “, o que determina depois o seu valor, nos termos do art. 163º do mesmo Código. Conforme ensina Maria João Antunes([20]), “ O sistema adotado pela lei portuguesa é o da perícia oficial e não o da perícia contraditória: o perito nomeado é um perito do tribunal, não havendo indicação de um perito por parte
da acusação e de um outro por parte da defesa. A perícia, que poderá ser colegial e interdisciplinar, é realizada, em regra, em estabelecimento, laboratório ou serviço oficial apropriado, sendo ordenada, oficiosamente ou a requerimento, por despacho da autoridade judiciária competente “ (fim de transcrição). Dispõe o art. 159º do mesmo Código que “ 1 – As perícias médico-legais e forenses que se insiram nas atribuições do Instituto Nacional de Medicina Legal são realizadas pelas delegações deste e pelos gabinetes médico-legais “. O art. 2º da Lei nº 45/2004 de 19/08 na redação introduzida pelo D.L. nº 53/2021 de 16 de Julho estabelece que “ As perícias são realizadas, obrigatoriamente, nas delegações e nos gabinetes médico-legais e forenses do Instituto Nacional de Medicina Legal e Ciências Forenses, I. P. (INMLCF, I. P.), nos termos dos respetivos estatutos“. Ainda nos termos do disposto no art. 163º nº 1 do CPP, “ O juízo técnico, científico ou artístico inerente à prova pericial presume-se subtraído à livre apreciação do julgador “. Acrescenta o seu nº 2 que “ Sempre que a convicção do julgador divergir do juízo contido no parecer dos peritos, deve aquele fundamentar a divergência “. Sobre o valor da prova pericial, escreveu-se no Ac. do STJ de 24/02/2021([21]) que“O legislador atribui à prova pericial valor reforçado, o que bem se compreende: se é indispensável recorrer ao juízo percetivo ou valorativo de técnicos ou de cientistas de determina área do saber, o relatório e as conclusões não podem deixar de gozar de “uma presunção solidamente fundada de certeza técnica, cientifica ou artística”. Por isso que o legislador processual penal estabeleceu que o juízo técnico, científico ou artístico da perícia só pode ser afastado pelo juiz com fundamentação de idêntica valia cientifica, técnica ou artística. De outro modo, se o juízo técnico e científico estivesse submetido à livre apreciação do julgador ao mesmo nível de qualquer
prova comum, a perícia, - e doravante temos em mente apenas as perícias médico-legais -, necessária quando a perceção ou a avaliação de factos que exigem conhecimentos especializados de um determinado ramo da técnica e/ou de um campo da ciência, não seria mais que um inútil desperdício de meios e de tempo. Estar-se-ia perante um inexplicável absurdo legislativo e probatório consistente em, por um lado, reconhecer que para a perceção e avaliação de determinados factos são indispensáveis conhecimentos especializados, que o juiz não tem, e, pelo outro lado, colocar a prova pericial sob a livre apreciação do juiz, exatamente ao mesmo nível de qualquer outra. Em registo com expressão em alguns setores da sociedade atual, embora reconhecendo a necessidade da técnica e da ciência para compreender determinados factos ou alguns resultados, contudo negava-se valor especial à perceção ou avaliação dos técnicos ou dos cientistas. A lei confere à prova pericial valor reforçado só admitindo que seja afastada por juízo de igual valia, com conhecimentos reconhecidamente semelhantes e argumentos de equivalente densidade técnica ou cientifica. Assim mesmo coincidem jurisprudência e doutrina.
No Ac. STJ de 16/10/2013(desta secção) expende-se: “III - Fixa-se, assim, o valor da prova pericial, estabelecendo uma presunção juris tantum de validade do parecer técnico apresentado pelo perito o qual obriga o julgador.Significa o exposto que a conclusão a quechegou o perito só pode ser afastada se o julgador, para poder rebatê-la, dispuser de argumentos, da mesma forma, científicos(nº 2 do art. 165.º do CPP).
A presunção a que alude o n.º 1 do art. 163.º do CPP apenas se refere ao juízo técnico-científico e não, propriamente, aos factos em que o mesmo se apoia. Assim, a necessidade de fundamentar a divergência só se dará quando esta incida sobre o juízo pericial. No Ac. STJ de 15/12/2011, expende-se, expressivamente VII - O juízo de valor científico resultante de perícia integra prova vinculada; a esse juízo de valor científico, nos termos do art. 163.º, n.º 2, do CPP, o juiz só pode dissentir opondo um juízo, contrário ou divergente, igualmente científico; o juiz tem que jogar, então, no mesmo plano e no mesmo campo do perito. Terá que deixar claro as razões do porquê do seu afastamento do perito, sem que lhe seja conforme à lei argumentar com razões de ciência pessoal, como conhecedor enciclopédico, que não é. IV - O fundamento da divergência não tem que ascender à contraprova desse juízo, bastando um juízo crítico que se funde não na sua pessoa, mas em juízos emanados de técnicos, cientistas ou artistas, que enfraqueçam ou anulem o primeiramente emanado“ – negrito e sublinhado nossos.
Não consta do texto da sentença que o tribunal, em face da negação dos factos pelo arguido, no exercício do seu poder-dever de perseguir a descoberta da verdade material, nos termos do art. 340º do CPP, tivesse solicitado ao Perito Forense esclarecimentos sobre se as lesões que observou no corpo de SV e verteu no relatório pericial, “podem ser resultado do dia-a-dia” confrontando-o com esses episódios do dia-a-dia; nem constam descritos na sentença, em datas contemporâneas com os factos imputados ao arguido, episódios do acaso, sofridos pela ofendida no dia-a-dia relatados coincidentemente por esta ou pelo arguido (cair, tropeçar, escorregar e estatelar-se no chão, correr e embater contra portas ou paredes, por exemplo, entre outros possíveis) em que foi exercida força contundente sobre as zonas do corpo daquela onde o Perito Forense constatou as referidas dores e as lesões, com os quais o Perito tivesse sido confrontado e tivesse emitido um juízo técnico-científico que estabelecesse um nexo de causalidade provável entre tais episódios e as dores e lesões observadas. De facto, na situação em análise, não tendo o julgador procedido do modo descrito e ao arrepio do disposto no art. 163º do CPP, decidiu de forma totalmente arbitrária, conforme fez constar expressamente da sentença no capítulo “Fundamentação da matéria de facto” - cfr. pág. 3 – dizendo que: “O Tribunal formou a sua convicção na ponderação, à luz das regras da experiência comum e na livre convicção do julgador, da análise crítica e conjugada do conjunto da prova produzida, nos termos do disposto no artigo 127.º do Código de Processo Penal. (…). No mais, e como referido, uma vez que o Tribunal não pode fundamentar a sua convicção numa das versões dos factos em detrimento da outra pelos motivos supra referidos, tal matéria de facto tinha de resultar não provada como resultou “.
Outros motivos existem ainda para que o juízo pericial vertido no exame médico tivesse sido valorado em conformidade com o disposto no art. 163º do CPP e que infra se indicarão no âmbito da apreciação da impugnação ampla da matéria de facto, por extravasarem o texto da decisão recorrida.
Concluindo, procede o invocado vício.
Em conformidade com a procedência dos referidos vícios decisórios, aos factos provados deve ser aditado o seguinte (sem prejuízo da decisão a proferir quanto às restantes questões suscitadas): “Na data em que foi submetida a exame médico, SV padecia de dores à mobilização do tornozelo direito, acompanhado de sensação de inchaço local; E apresentava ainda: No membro superior direito: ténue equimose arroxeada no terço distal da face dorsal do bordo ulnar do antebraço, medindo 1 cm de diâmertro; No membro inferior direito: tumefação da região maleolar lateral; dor à inversão e eversão do pé, que se encontram preservadas; Tais lesões determinarão, em condições normais, um período de doença fixável em 10 dias, com afetação da capacidade de trabalho geral (5 dias) “. ***
3ª– Questão:a impugnação da decisão sobre a matéria de facto em relação aos factos não provados sob os nºs 1 a 12, por entender o recorrente que deveriam ter sido julgados como provados com base no depoimento da ofendida. O recorrente insurge-se contra a decisão em matéria de facto alegando que os factosnão provados sob os nºs 1 a 12 da sentença foram incorretamente julgados, pois entende que da prova produzida em audiência de julgamento esses factos, relativos à prática de maus tratos físicos e psíquicos sobre a ofendida, às lesões sofridas e à intenção do arguido, resultam do depoimento sentido e verdadeiro prestado pela ofendida do qual resultou a verosimilhança dos factos relatados.
Cumpre apreciar.
Nos termos do disposto no art. 428º do CPP, “As relações conhecem de facto e de direito “.
Conforme se exarou no Ac. do STJ de 25/03/2010([22]), “ Se o recorrente pretende impugnar a matéria de facto constante de um acórdão proferido pelo tribunal coletivo, pode fazê-lo de duas formas: 1) através da revista ampliada ou alargada com invocação dos vícios decisórios do art. 410º nº 2 a), b) e c) do CPP cuja indagação apenas se poderá fazer através da leitura do texto da decisão recorrida, circunscrevendo-se a apreciação da matéria de facto ao que consta desse texto, por si só considerado ou em conjugação com as regras da experiência comum, sem possibilidade de apelo a outros elementos estranhos ao texto, mesmo que constem do processo; 2) e uma outra mais ampla e abrangente, porque não confinada ao texto da decisão, com base nos elementos de documentação da prova produzida em julgamento, permitindo um efetivo grau de recurso em matéria de facto, mas impondo-se na sua adoção a observância de certas formalidades, nos termos do art. 412º nºs 3 e 4 do CPP. Neste último caso, a apreciação do tribunal superior abrange a prova documentada produzida em audiência, mas sempre a partir das balizas fornecidas pelo recorrente no estrito cumprimento do ónus imposto pelos nºs 3 e 4 do art. 412º do CPP, tendo em vista o reexame dos erros de procedimento ou julgamento e visando a modificação da matéria de facto, nos termos do art. 431ºb)do CPP. Esta possibilidade de sindicância de matéria de facto, não sendo tão restrita como a operada através da análise dos vícios decisórios – que se circunscreve ao texto da decisão em reapreciação – por se debruçar sobre a prova produzida em audiência de julgamento, sofre, no entanto,quatro tipo de limitações: - uma limitação decorrente da necessidade de observância por parte do recorrente de requisitos formais da motivação de recurso face à imposta delimitação precisa e concretizada dos pontos da matéria de facto controvertidos, que o recorrente considera incorretamente julgados, das concretas provas e referência ao conteúdo concreto dos depoimentos que o levam a concluir que o tribunal julgou incorretamente e que impõem decisão diversa da recorrida, tudo com referência ao consignada na ata, com o que se opera a delimitação do âmbito do recurso – cfr. art. 412º nº 3 do CPP.
- a nível do poder cognitivo do tribunal de recurso, temos a limitação decorrente da natural falta de oralidade e de imediação com as provas produzidas em audiência, a não vivência do julgamento, sede do contraditório, circunscrevendo-se o “contacto” com as provas ao que consta das gravações; - há limites à pretendida reponderação de facto, já que a Relação não fará umsegundo/novo julgamento integral, mas antes um reexame necessariamente segmentado, envolvendo tal reponderação um julgamento/reexame meramente parcelar, de via reduzida, substitutivo (a este propósito, pronunciou-se o T.C. nº Ac. nº 98/06 dizendo que “ O verdadeiro julgamento da causa é aquele que é efetuado na 1ª instância, em que imperam os princípios da imediação e da oralidade e são produzidas todas as provas e as testemunhas, o arguido e o ofendido são ouvidos em pessoa. O recurso para a Relação, mesmo a matéria de facto, não constitui um novo julgamento em que toda a prova documentada …é reapreciada pelo Tribunal Superior que, como se não tivesse havido julgamento em 1ª instância, estabeleceria os factos
provados e não provadose assim validaria ou não a factualidade anteriormente assente )([23]); -e a reapreciação só pode determinar alteração à matéria de facto assente se o Tribunal da Relação concluir que os elementos de prova impõem uma decisão diversa e não apenas permitam uma outra decisão “ – (fim de transcrição). Assim, nos termos do art. 412º nº 3 do CPP, “ Quando impugne a decisão proferida sobre matéria de facto, o recorrente deve especificar: a)-Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados; b)-As concretas provas que impõem decisão diversa da recorrida; c)-(…). De acordo com o seu nº 4, “Quando as provas tenham sido gravadas, as especificações previstas nas alíneas b) e c) do número anterior fazem-se por referência ao consignado na ata, nos termos do disposto no nº 3 do artigo 364º, devendo o recorrente indicar concretamente as passagens em que se funda a impugnação “. Diz-se ainda no nº 6 do art. 412º que “ No caso previsto no nº 4, o tribunal procede à audição ou visualização das passagens indicadas e de outras que considere relevantes para a descoberta da verdade e a boa decisão da causa “. O artigo 364º nº 3 impõe que deve ser consignado na ata o início e o termo da gravação de cada declaração, tendo em vista, por certo, facilitar a procura e a deteção da gravação desses atos – cfr. Oliveira Mendes no Código de Processo Penal Comentado, 2016, 2ª edição revista, pág. 1097 e 1098. E esta especificação deve ser feita tanto na motivação como nas conclusões da motivação. Como refere P. Pinto de Albuquerque([24]) em anotação ao art. 412º do CPP, a motivação do recurso sobre a matéria de facto deve especificar os concretos pontos de facto que que considera incorretamente julgados e as concretas provas que impõem decisão diversa da recorrida. A especificação dos “concretos pontos de facto” só se satisfaz com a indicação do facto individualizado que consta da sentença recorrida e que se considera incorretamente julgado. A especificação das “concretas provas” só se satisfaz com a indicação do conteúdo específico do meio de prova ou de obtenção de prova que impõe decisão diversa da recorrida…mais exatamente, no tocante aos depoimentos
prestados na audiência, a referência aos suportes magnéticos só se cumpre com a indicação do número de “voltas” do contador em que se encontram as
passagens dos depoimentos gravados que impõem diferente decisão, não bastando a indicação das rotações correspondentes ao início e ao fim de cada depoimento. No caso presente, o recorrente cumpriu o ónus imposto pelo art. 412º nº 3 do CPP. Ouvida toda a prova produzida em audiência, constata-se que no dia 24/09/2021 o arguidoPPprestou declarações das quais resulta o seguinte:
- negou a prática dos factos;
- apenas admitiu ter dado um empurrão na ofendida SV quando ela estava a agredi-lo;
- admitiu ter dito à ofendida apenas por duas vezes, “ tenho nojo de ti “, que justificou “pela forma como ela trata as pessoas que lhe tratam” e já na parte final da relação;
- negou as restantes injúrias descritas nos arts. 2º e 4º da acusação pública; - negou existir coabitação entre ambos, pois o arguido residia e reside no quartel e só pernoitava em casa da ofendida alguns dias, quando era para tal convidado;
- afirmou ter sido agredido pela ofendida com socos de punho fechado e com pontapés e ainda com o computador nas costas e no braço;
- afirmou que o computador portátil da ofendida caiu ao chão na segunda vez que ela o agrediu com o computador;
- a única coisa em que o arguido “agarrou” foi na sua roupa que colocou em sacos para se ir embora, “porque já estava farto daquilo, já não conseguia mais aguentar aquelas discussões”;
- afirmou que nunca pegou no computador da ofendida porque se encontrava a fazer as malas para se ir embora e ia colocando à porta de casa;
- afirmou que a ofendida caiu ao chão uma vez, numa altura em que o arguido se encontrava voltado de costas para ela não sabendo dizer se a queda foi devida ao empurrão que lhe deu ou se ela caiu sozinha;
- o arguido exerce a profissão de militar auferindo o salário mínimo nacional;
- reside no quartel ou em casa dos pais;
- tem uma filha de 5 anos de idade que reside com a respetiva progenitora;
- contribui com a quantia mensal de € 125,00 a título de alimentos para a filha menor;
- como habilitações literárias, tem o 9º ano de escolaridade que concluiu com aproveitamento;
- o contrato de trabalho do arguido, com a duração de 6 anos, vai terminar no dia 22 de Janeiro de 2022;
- findo o contrato, pretende frequentar e obter um curso de pintura de interiores e manutenção de automóvel.
E da audição do depoimento da ofendida SV prestado no dia 11/10/2021 resultou o seguinte:
- coabitou com o arguido durante cerca de 1 ano, iniciando-se essa coabitação em dia que não se recorda de Janeiro de 2020, na residência da sua avó (sendo esta última residente em Viseu) sita na Rua …………-O............-Lisboa;
- essa coabitação e relação amorosa, terminaram no final de Janeiro de 2021, data que fixou por ter ido á esquadra policial apresentar queixa;
- residiram sempre juntos desde que começaram a namorar, embora tivessem tido algumas “discussões pelo meio”;
- o arguido pernoitava em casa da ofendida todos os dias;
- o arguido só não dormia na casa da ofendida quando estava de serviço, o que sucedia durante 24 horas;
- o arguido trabalha apenas nos 5 dias úteis e só num dia desses dias (quando estava de serviço) não dormia em casa da ofendida;
- e também não dormia em casa da ofendida quando, em fins-de-semana alternados, estava na companhia da filha, pernoitando o arguido e a filha, em casa dos progenitores daquele;
- na data referida na acusação, o arguido e ofendida estavam em casa quando começaram a discutir;
- a certa altura da discussão, o arguido começou a arrumar as coisas dele para se ir embora;
- a ofendida tentou impedir que ele se fosse embora pedindo-lhe que não saísse;
- enquanto o arguido arrumava as suas coisas, a ofendida encontrava-se na sala, trocando as coisas de sítio e pegou no seu computador portátil, que costumava estar colocado numa mesa, pousando-o no sofá;
- nunca agrediu o arguido com o computador;
- no decurso dessa discussão, o arguido dirigindo-se á ofendida afirmou: “ és monte de merda”, “vales menos que um cão”, “ que ela não valia nada mesmo “ e outras afirmações do género;
- estes insultos já lhe tinham sido dirigidos pelo arguido algumas vezes em outras ocasiões, em contexto de discussões;
- quando ouvia tais expressões, a ofendida sentia-se uma nulidade, sentia que não valia nada e até chegou a acreditar que seriam verdade, porque o arguido era a única pessoa com quem a ofendida convivia no dia-a-dia e que a ofendida via;
- a ofendida, estudante universitária, tinha aulas online;
- na data referida na acusação, a ofendida deu um pontapé na televisão do arguido que estava colocada no hall de entrada da residência, para ser por ele de lá retirada;
- como o arguido nunca contribuiu com nada para a casa, a ofendida por estar zangada, pensou consigo que ele não iria levar a única coisa que deu para a casa e, desferiu um pontapé na televisão, partindo-a;
- então o arguido veio na sua direção, “veio para cima dela”, agarrou-a pela cintura, levando-a para a sala;
- já na sala, o arguido bateu-lhe com o computador no corpo, na anca e coxa do lado esquerdo e depois largou-o;
- depois agarrou-a pelo pescoço e projetou-a para cima do sofá, local onde lhe apertou o pescoço mas não sentiu falta de ar;
- em momento anterior, o arguido já tinha atirado para o chão o computador da ofendida que estava pousado no sofá;
- não sabe se o arguido atirou o seu computador para o chão por ela ter-lhe partido a televisão;
- o arguido também desferiu um pontapé no aquecedor da ofendida, partindo-o;
- depois de largar o pescoço da ofendida, o arguido pegou nos seus pertences e saiu de casa;
- a ofendida ficou com uma “negrazinha”, ligeira mas, mas já não se lembra se foi no pulso direito ou esquerdo;
- o computador ficou partido e sem possibilidade de reparação;
- a ofendida é estudante universitária. ***
Como se vê, o arguido negou a prática da maioria dos factos que lhe vêm imputados pelo MºPº e apresentou uma versão diferente dos mesmos, afirmando ter sido ele agredido pela ofendida com socos, pontapés e com o computador portátil; inexistem testemunhas presenciais no interior da habitação da ofendida quer no dia 31 de Janeiro de 2021, quer durante o período em que decorreu a relação amorosa e a coabitação entre ambos. É muito difícil a recolha de prova nestas situações.
Mas como pode ler-se no Ac. da R.E. de 30/06/2015([25]), “num sistema de prova livre, nada obsta a que os factos da acusação resultem demonstrados exclusivamente das declarações da vítima, mesmo quando desacompanhados de outros meios de prova([26])e opostas à negação do arguido. Perante provas de sinal contrário – declarações do arguido versus declarações da vítima – deve, porém, o tribunal justificar especialmente na sentença a maior credibilidade que estas tenham em concreto merecido “. Passando a aplicar este ensinamento ao caso destes autos, entendemos assistir razão ao recorrente quando entende que os factos julgados como não provados descritos sob os nºs 1 a 12 deveriam julgar-se como provados com base no depoimento sentido e verdadeiro da ofendida; mas não só, entendemos nós, como se verá adiante. E assiste-lhe ainda razão quando afirma que o julgador valorou o depoimento da ofendida de uma forma ilógica e contrária às regras da experiência comum, com base apenas na afirmação de que enquanto o arguido arrumava as suas coisas, a ofendida que se encontrava na sala da habitação, “mudava as coisas de sítio “, sendo, de acordo com a audição do seu depoimento, o computador portátil que costuma estar pousado numa mesa e foi daí retirado pela ofendida que o colocou no sofá. “ Mudar as coisas de sítio” pode muito bem ser manifestação de um estado de nervosismo de alguém que vê a outra pessoa a preparar-se para a abandonar, inicialmente sem saber bem se quer que isso aconteça, como refere o MP. O recurso a gestos e posturas pacificadores (mordiscar as hastes dos óculos, do plástico da caneta colocada na boca, mexer nas mãos, no cabelo, esfregar os olhos, coçar o nariz, massajar o pescoço, coçar a testa, mexer na roupa, segurar/prender um lápis ou caneta entre o nariz e o lábio superior, lamber os lábios, mexer em objetos, como no caso concreto, mudando-os de um sítio para o outro) tem sido identificado como um sinal não verbal de desconforto psicológico.
Como ensina António Sacavém([27]), “A linguagem corporal revela estados emocionais habilitadores, mas também nos revela momentos em que estamos a sentir ansiedade, nervosismo, tensão e desconforto psicológico. Quando nos sentimos ameaçados o nosso sistema límbico envia uma ordem para o nosso corpo manifestar um pacificador; estes pacificadores, ou manipuladores, servem para nos acalmar quando experimentamos algo que é desconfortável e que percecionamos como sendo perigoso “.
Concorre ainda para a credibilidade do depoimento da ofendida o facto de ela não ter ocultado ao tribunal em que medida a sua intervenção na contenda deu origem às agressões perpetradas pelo arguido sobre o seu corpo: pelo facto de o arguido “nunca ter contribuído com nada para a casa”, subentenda-se, para as despesas, ao ver que ele se preparava para dali retirar o televisor, único bem que trouxe para a casa, a ofendida decidiu impedi-lo de o fazer desferindo um pontapé no televisor, partindo-o.
A isenção do seu depoimento revelou-se ainda ao afirmar que já não se recordava das lesões sofridas e a sua localização, apenas uma “negrazinha”, não sabendo ao certo em qual dos braços, não se recordando se as pancadas desferidas pelo arguido com o computador sobre a sua anca e coxa, ocorreram do lado esquerdo ou direito e afirmando não ter sofrido lesões nas pernas.
O seu discurso sobre o que sentia quando ouvia o arguido a dirigir-lhe afirmações tais como “ tenho nojo de ti”, “vales menos que um cão”, “não vales nada”, “és um monte de merda”, afirmando que se sentia uma nulidade, que chegou a acreditar que eram verdade, constitui um entre os vários indicadores do abuso emocional/psicológico.
A propósito, ensina Teresa Magalhães([28]), que a médio-prazo a vítima sofre, entre outras alterações, baixa-autoestima (aliás, a ofendida referiu-o no seu depoimento) e autoconceito negativo ( desvalorização pessoal).
E também não colhe o argumento da Sra. Juiz a quo para não dar credibilidade à versão dos factos apresentada pela ofendida e, consequentemente não provados, os factos típicos assacados ao arguido, com base no facto de, como diz, “ela não querer o fim do relacionamento, não obstante imputar ao arguido condutas que à luz das regras da experiência comum, não fariam desejar a manutenção do relacionamento”; trata-se, na verdade, de uma análise puramente racional, fria, distante, descontextualizada e desgarrada das vivências das vítimas de violência doméstica, muitas delas emocionalmente dependentes do seu agressor.
Tem-se aliás, reconhecido que é falsa a conceção de que a mulher tem o poder de interromper a situação abusiva quando quiser, o que não é verdade na maioria dos casos, fruto das estratégias de manipulação e controlo que o abusador implementa e das consequências psicológicas da própria violência doméstica e suas dinâmicas abusivas, que tem por consequência que muitas vítimas só tomam consciência da sua situação quando a violência se tornou regular e grave e a rutura é complexa e exige capacidades que a vítima, por muitos fatores, não possui naquele momento.
Essa falta de capacidade da vítima pode resultar entre outros fatores, do medo que, na sequência das diversas dependências afetiva, (económica, que não é o caso dos autos ) e social, face ao abusador, a vítima sente perante possíveis perdas, caso denuncie a situação; no caso da dependência afetiva torna-se muito difícil e doloroso para a vítima admitir que uma pessoa que ama e da qual espera também receber amor, compreensão e apoio incondicional, a despreza e maltrata([29]).
Por outro lado, reconhece-se ainda que mesmo nos casos mais graves de violência doméstica existem períodos em que não ocorrem agressões; sobretudo nos primeiros tempos da relação, estes períodos de não violência ou mesmo de manifestação de afetos positivos, alternam e coexistem com períodos em que são exercidos atos violentos. É por isso frequente e normal que muitas vítimas continuem a sentir afetos positivos/amor pelos agressores, mesmo quando a violência doméstica já se instalou([30]).
E ainda há que considerar as hipóteses em que a própria vítima não se reconhece como tal.
No caso concreto, a vítima SV explicou que apesar das injúrias que lhe eram dirigidas pelo arguido em contexto de discussões no decurso do namoro e no dia 31/01/2021, e apesar das agressões físicas perpetradas por ele sobre o seu corpo nesta última data, não queria que o arguido saísse de casa porque ele era “a única pessoa que ela tinha, com quem convivia e via no seu dia-a-dia”; de resto, tudo o mais na sua vida, tal como as aulas, decorria online.
Mas nos autos, existe outra prova que reforça a credibilidade do depoimento da ofendida quando afirma que foi agredida fisicamente pelo arguido com o computador portátil: o exame pericial de Avaliação do Dano Corporal em Direito Penal de fls. 43 e 44.
Esta perícia médico-legal de avaliação do dano corporal é de grande relevância para a pormenorizada caraterização dos danos corporais resultantes dos maus tratos físicos e para determinar as suas consequências; por outro lado, contém uma componente de perceção e outra de interpretação, exigindo-se especiais conhecimentos técnicos para realizar tal exame e percecionar os seus resultados([31]). A fase da “Discussão“ do exame médico-legal destina-se a pôr em evidência e discutir os elementos principais da situação e sobretudo os problemas que esta suscita, nomeadamente em formular um diagnóstico preciso das sequelas face a uma discordância entre as queixas e a constatação clínica, em diferenciar o que é devido ao traumatismoe o que é devido a um eventual estado anteriore em demonstrar a imputabilidade das sequelas ao evento traumático – cfr. Cristina Silveira Ribeiro, 2010, INML, 2º e 3º Ciclos de Estudos Interdisciplinares em Ciências Forenses da U.P., pág. 16. E no caso destes autos, concluiu o perito médico-legal sobre as lesões que observou no corpo de SV no dia 01 de Fevereiro de 2021, e descreveu no capítulo “ ExameObjectivo “, que existe o nexo de causalidade entre o traumatismo e o dano descrito pela ofendida no capítulo “História do Evento“([32]) num momento em que a sua memória sobre os acontecimentos se encontrava ainda preservada e que corresponde no essencial ao depoimento que prestou na audiência de julgamento; e concluiu ainda que “tais lesões terão resultado de traumatismo de natureza contundente, o que é compatível com a informação “.
Cumpre salientar que com vista a evitar que o perito médico-legal seja enganado pelo examinado (no caso concreto dos autos, a ofendida SV) quanto à origem das lesões apresentadas (v.g. lesões auto-infligidas) esse nexo de causalidade estabelece-se com recurso aos seguintes critérios (de Muller e Cordonier, mais conhecidos por critérios de Simonin), que devem estar verificados para se estabelecer esse nexo de causalidade: a)-A natureza adequada do traumatismo (ato ou evento) para produzir as lesões evidenciadas; b)-A natureza adequada das lesões a uma etiologia traumática ( por forma a despistar/excluir lesões que tiveram origem noutro evento diferente do relatado pela vítima); c)-Adequação entre a sede do traumatismo e a sede da lesão; d)-Encadeamento anátomo-clínico (o que significa a continuidade evolutiva da sintomatologia, que deve ser consequência, do ponto de vista clínico, do evento traumático relatado pela vítima); e)-Adequação temporal entre o evento traumático e as lesões apresentadas pela vítima; f)-Exclusão da pré-existência do dano relativamente ao evento traumático; g)-Exclusão de uma causa estranha ao traumatismo([33]).
Por isso, pese embora a Sra. Juiz a quo sem qualquer base factual e científica tivesse vertido na sentença que tais lesões podiam “ser resultado do dia-a-dia”, o certo é que do dito exame pericial forense resulta o contrário, de acordo com os critérios acima explanados. Mais acresce que o perito forense no Capítulo “Conclusões” do relatório pericial, exarou que “ Os dados clínicos apurados e atrás descritos poderão configurar uma situação de risco para a examinada e requerer a adoção de medidas tendentes a assegurar a sua proteção”.
4ª–Questão:saber se existe dúvida insuperável que determine a aplicação do princípio in dubio pro reo O princípio in dúbio pro reo é uma decorrência da presunção constitucional de inocência([34]) e significa que se o tribunal, depois de produzir todos os meios de prova (incluindo os que ordenou oficiosamente), ficar com uma dúvida razoável não poderá dar como provados os factos constantes da acusação, devendo absolver o arguido por falta de provas. Em suma, o tribunal deve decidir a favor do arguido – cfr. arts. 10º e 11º nº 1 da DUDH, 6º nº 2 da CEDH e 350º do CC([35]). Porém, não basta que tendo havido versões díspares e até contraditórias sobre factos relevantes, o arguido deva ser absolvido em obediência a tal princípio([36]). Como se salientou no Ac. da R.L. de 24/10/2021([37]), “ Antes de se aplicar este princípio tem o Tribunal de eliminar, dentro da razoabilidade, toda a dúvida existente. Só em presença de dúvida insuperável poderá o princípio ser aplicado “.
No caso presente o tribunal a quo bastou-se com as versões contraditórias dos factos apresentadas pelo arguido e pela vítima que justificou na forma que acima se deixou transcrita para julgar como não provados os factos incriminatórios; violou o disposto no art. 163º do CPP sobre prova pericial junta aos autos; decidiu não investigar melhor os factos perante as suas dúvidas, nomeadamente, solicitando esclarecimentos ao perito forense subscritor do relatório pericial de avaliação do dano corporal em Direito Penal, nem solicitando exame pericial de psicologia forense à vítima SV por forma a ficar esclarecido sobre a existência ou ausência de sinais de abuso emocional. Todavia, em nosso entender, do depoimento da ofendida conjugado com o teor do relatório médico-legal, não existe qualquer dúvida, muito menos insuperável, sobre a ocorrência dos factos imputados ao arguido. 5ª–Questão:da condenação do arguido. Nos termos do disposto no art. 428º do CPP, sob a epígrafe « Poderes de cognição», as relações conhecem de facto e de direito; ainda nos termos do art. 426º do mesmo diploma legal o reenvio só se impõe quando não for possível decidir da causa e nos termos do disposto no art. 431º a decisão do tribunal da 1ª instância pode ser modificada: a) se do processo constarem todos os elementos de prova que lhe servirem de base; b) se a prova tiver sido impugnada nos termos do disposto no nº 3 do art. 412º do CPP([38]). Assim definidos os precisos limites da intervenção deste Tribunal de recurso, altera-se a matéria de facto nos seguintes termos: MATÉRIA DE FACTO PROVADA: 1.–O arguido e a vítima SV coabitaram na Rua …………-Lisboa, durante cerca de um ano, relacionamento amoroso e coabitação cessados em 31 de Janeiro de 2021, data em que o arguido abandonou a casa; 2.–Ao longo do período de coabitação, em alguma ocasiões, de número não apurado e no contexto de discussões no referido domicílio da ofendida, onde fixaram domicilio comum, o arguido dirigiu à vítima pelo menos as seguintes expressões: “és um monte de merda”, “vales menos que um cão”, “não vales nada”, “tenho nojo de ti “; 3.–No dia 31 de Janeiro de 2021, pelas 19H45, arguido e SV encontravam-se no domicílio comum, sito na Rua …………- Lisboa; 4.–Então, no contexto de discussão, o arguido declarou à vítima, pelo menos: “tenho nojo de ti”; 5.–O arguido deitou então mão ao computador portátil da vítima, em valor não inferior a € 200,00 (duzentos euros) e atirou-o para o chão; 6.–A vítima, ao aperceber-se que o arguido pretendia levar consigo o televisor, pois colocou-o no hall de entrada, único bem que levara para a casa e dado que nunca com mais nada contribuiu para a vida em comum, por estar zangada, desferiu-lhe um pontapé, partindo-o; 7.–O arguido, ao ver o seu televisor destruído, enervou-se ainda mais e, ato contínuo, agarrou a vítima pela cintura levando-a para a sala; 8.–Fazendo uso do computador da vítima, o arguido desferiu várias pancadas na ofendida, atingindo-a na zona lateral esquerda da perna e da coxa; 9.–O arguido ainda deitou as mãos ao pescoço da vítima, agarrando-o com as mãos e projetou-a para o sofá, para onde também se lançou; 10.–Volvidos alguns momentos, o arguido abandonou o local, assim cessando a coabitação com a vítima; 11.–Foi o arguido quem tomou a decisão de terminar o relacionamento com SV; 12.–SV não queria o fim do relacionamento nem que o arguido deixasse de partilhar casa consigo; 13.–Como consequência da descrita conduta do arguido, a vítima sofreu dores e bem assim:
- no membro superior esquerdo: ténue equimose arroxeada no terço distal da face dorsal do bordo ulnar do antebraço, medindo 1 cm de diâmetro;
- no membro inferior direito: tumefação da região maleolar lateral; dor à inversão e eversão do pé, que se encontram preservadas; 14.–Tais lesões fizeram-lhe demandar para cura 10 dias de doença, sendo cinco com afetação da capacidade de trabalho geral; 15.–Por força da descrita conduta do arguido, o computador pertencente à vítima, de marca e modelo não apurados, sofreu danos de conformação não apurada, ficando inutilizado, assim lhe causando um prejuízo de pelo menos € 200,00; 16.–Ao agir da forma descrita, teve o arguido o propósito logrado e reiterado de humilhar e maltratar a vítima SV, apesar de saber que lhe devia particular respeito e consideração, na qualidade de sua companheira, não se coibindo de assim proceder no domicílio comum; 17.–Ao agir da forma descrita, teve o arguido o propósito logrado de danificar o computador pertencente à vítima, bem sabendo que tal coisa não lhe pertencia e que agia assim sem o consentimento e em prejuízo da sua legítima proprietária; 18.–O arguido agiu livre, deliberada e conscientemente, bem sabendo serem todas as suas condutas proibidas e punidas por lei; 19.–O arguido exerce funções como militar e aufere a remuneração mínima mensal garantida; 20.–Reside no quartel e nos fins-de-semana em que não se encontra de serviço, em casa dos progenitores; 21.–Tem uma filha de 5 anos de idade que reside com a respetiva progenitora; 22.–O arguido contribui com a quantia mensal de € 125,00 a título de alimentos para a filha menor; 23.–Ao nível de habilitações literárias, completou o 9º ano de escolaridade com aproveitamento; 24.–O contrato de trabalho do arguido, com a duração de 6 anos, terminará no dia 22 de Janeiro de 2022; 25.–Findo tal contrato, o arguido tem por objetivo frequentar um curso de pintura de interiores e manutenção automóvel; 26.–Após a rutura da relação de namoro, o arguido não mantém contactos com a ofendida; 27.–O arguido não tem antecedentes criminais; 28.–A ofendida é estudante universitária; 29.–O computador portátil da ofendida já tinha muitos anos, ou seja, já era antigo; 30.–Mas encontrava-se operacional e era utilizado pela ofendida, que tinha aulas online. ***
FACTOS NÃO PROVADOS 1.–Que ao longo de todo o período de coabitação, em múltiplas ocasiões, de número não apurado, no domicilio comum, em contexto de discussões, o arguido dirigiu à vítima as seguintes expressões: “ puta”, “ és um zero”, “és uma puta”, “ és uma porca”; 2.–Que no dia 31 de Janeiro de 2021, pelas 19.45 horas, quando o arguido e a vítima se encontravam no domicilio comum, no contexto de discussão, o arguido tivesse declarado à vítima: “ és uma puta”, “ és uma porca”; 3.–Que nas mesmas circunstâncias de tempo e lugar, o arguido tivesse apertado o pescoço da vítima a ponto de lhe causar aflição, por lhe dificultar a aspiração de oxigénio. ***
FUNDAMENTAÇÃO DA CONVICÇÃO Pese embora não seja relevante para o preenchimento do crime de violência doméstica, que não exige coabitação, o arguido na audiência de julgamento começou por negar a coabitação com a ofendida SV, afirmando que durante o período do namoro, residia no quartel e só pernoitava em casa da ofendida quando era por ela convidado. Por sua vez a ofendida, no depoimento prestado, afirmou que existia coabitação entre ambos, e que o arguido só não pernoitava em casa da ofendida quando estava de serviço, o que durava apenas 24 horas e, no fim de semana alternado em que o arguido tinha a sua filha menor na sua companhia, passava-o com a filha em casa dos seus progenitores. Todavia, o arguido foi incongruente na afirmação que fez, porque mais adiante, quando apresentava a sua versão dos factos, afirmou que no dia 31/01/2021 quando, encontrando-se em casa da ofendida, decidiu dali retirar-se, afirmou que “ estava a agarrar nas coisas dele, a fazer os sacos com as suas roupas, que ia colocando à porta “. “Fazer sacos, que se vai colocando à porta”, sugere muita roupa e outros artigos pequenos de uso pessoal do arguido em casa da ofendida, o que não se coaduna com pernoitas esporádicas apenas quando se é convidado. Com efeito, é do conhecimento comum, que quem reside num determinado local e é convidado por outrem a pernoitar em casa de quem faz o convite, apenas necessita de fazer uma pequena mala para essa noite, com artigos de higiene e uma muda de roupa, que no dia seguinte leva embora consigo; ainda que o convite se estenda por 2 ou 3 noites, a quantidade de roupa que se coloca no saco ou mala, é daí retirada no fim da estadia, para ser levada para o local habitual da residência e ser lavada. Por outro lado, o arguido omitiu ao tribunal que tinha levado um televisor para casa da ofendida, o que também aponta para uma permanência do arguido em casa da ofendida de forma estável, e não apenas quando era por ela convidado; outra hipótese, seria o arguido ter emprestado um televisor seu à ofendida; mas nem o arguido, nem a ofendida falaram de qualquer empréstimo do televisor pelo arguido; ao contrário disso, a ofendida afirmou que “o televisor foi a única coisa que o arguido deu para a casa, durante todo o período de tempo em que decorreu o namoro entre ambos (cerca de 1 ano). De modo que, quanto a esta questão da coabitação ou não coabitação, a versão prestada pela ofendida foi a que ofereceu maior credibilidade ao tribunal, em detrimento do que foi afirmado pelo arguido. Quanto as demais factos julgados como provados, a convicção do Tribunal “ad quem”, assenta desde logo nas declarações prestadas pelo arguido, que admitiu ter declarado à vítima, “ tenho nojo de ti”, negando as restantes injúrias e, a declaração demonstrativa de desprezo, que admite ter-lhe dirigido, reduziu para duas vezes ocorridas já na parte final da relação, dando como justificação para tal “ o modo como ela tratava as pessoas que lhe tratam” sem que tivesse explicado o que queria significar com isso, demonstrando falta de arrependimento, depreendendo-se da globalidade das suas declarações que estaria a referir-se a pretensos pedidos da ofendida para que confecionasse as refeições e lhe arrumasse o quarto, negando-se o arguido a fazê-lo, por ela passar o dia todo em casa (revelou o arguido em julgamento não dar qualquer valor ao facto de a vítima ser estudante universitária e, por via disso, estar ocupada, não só com aulas online como ainda ocupada a estudar; é consabido que todo o bom estudante universitário necessita de estudar diariamente durante várias horas, pelo menos 6 a 8 horas; ou seja, “passar o dia todo em casa”, não é sinónimo de desocupação, ociosidade, num estudante universitário ). As declarações do arguido foram coincidentes com o depoimento da vítima SV quanto à pessoa que tomou a decisão de terminar o
relacionamento amoroso e a coabitação, admitindo ainda a ofendida em audiência de julgamento, que não queria o fim do relacionamento nem que o arguido deixasse de partilhar casa consigo. Quanto aos maus tratos físicos ocorridos em 31/01/2021, o arguido negou-os, admitindo apenas ter desferido um empurrão na ofendida que a fez desequilibrar-se e cair no chão, alegando para tanto, estar a ser por ela agredido com socos de punho fechado, pontapés e com o computador portátil, enquanto ele “fazia os sacos com as suas coisas”.
Todavia, tal alegação do arguido não mereceu credibilidade por parte do tribunal, pois a ofendida no seu depoimento não refere qualquer queda no solo; negou ter agredido ou agarrado o arguido em qualquer momento; descreveu a sua própria atuação em momento de exaltação (partir, com um pontapé, o televisor pertencente ao arguido e que este se preparava para o retirar da habitação comum, tendo-o colocado no hall de entrada) que espoletou a agressividade do arguido sobre o seu corpo; afirmou não se recordar se dessas agressões resultaram marcas macroscopicamente visíveis nas zonas atingidas, para além de uma nódoa negra num dos pulsos, não se recordando em qual deles.
O depoimento prestado pela ofendida quanto às agressões físicas perpetradas sobre si pelo arguido e suas consequências, encontra-se estribado pelo teor do relatório pericial de avaliação do dano corporal em Direito Penal.
No que se refere às injúrias, tal depoimento também merece credibilidade, pois a ofendida por um lado, revelou não se recordar de todas as afirmações achincalhatórias que ao arguido vinham imputadas na acusação;
como bem refere o recorrente, a ofendida não prestou um depoimento totalmente conforme com a acusação pública, demonstrando não ter trazido para o tribunal uma versão previamente preparada; por outro lado, deixou transparecer um estado de espirito que é comum nas vítimas de violência
doméstica ao referir que se sentia uma nulidade e chegou a pensar que as palavras humilhantes que o arguido lhe dirigia correspondiam à verdade, no sentido de delas ser merecedora.
Quanto a eventuais contactos entre o arguido e ofendida, após a cessação do namoro e coabitação, as declarações do arguido e da ofendida foram coincidentes no sentido de que não mantêm contactos um com o outro. Relativamente ao montante do prejuízo sofrido pela ofendida com a destruição do computador portátil, cuja marca e modelo não indicou nem o tribunal a quo procurou averiguar, que apesar de já ser antigo ainda estava operacional e era por ela utilizado, a convicção deste tribunal “ad quem “assentou na pesquisa efetuada na internet, no site Micro ocasion([39]) sobre os valores de mercado deste tipo de aparelhos com preços acessíveis para empresas e estudantes, apurando-se que tais valores oscilam entre € 219,00 e € 359,00, pelo que o valor atribuído não inferior a € 200,00 fixado na matéria de facto provada, foi determinado de acordo com as regras da experiência comum. Foram ainda base dessa convicção as declarações prestadas pelo arguido quanto à sua situação social, profissional e económica, o teor do CRC junto aos autos e o depoimento da ofendida sobre a sua situação profissional.
No que se refere aos factos não provados descritos sob os nºs 1) e 2), estribou-se a convicção do tribunal na falta de prova quanto aos mesmos, uma vez que o arguido negou ter dirigido à ofendida as referidas afirmações injuriosas e críticas e, a ofendida, por sua vez, não as relatou na audiência de julgamento.
Quanto ao facto não provado descrito sob o nº 3, a falta de prova assentou na negação desse facto pelo arguido e ainda, porque nesta parte, o depoimento da ofendida não foi coerente, pois no início do seu depoimento afirmou que “ não chegou a sentir falta de ar” quando o arguido colocou as mãos à volta do seu pescoço e, em momento mais adiante, enquanto estava a ser interpelada
sobre este concreto episódio, afirmou o contrário, dizendo que “ sentiu um pouco falta de ar “. ***
O DIREITO O conjunto dos factos provados integra a prática pelo arguido de um crime de violência doméstica p. e p. pelo art. 152º nºs 1 b), 2 a) e 4, todos do Cód. Penal. Com efeito, dispõe o referido artigo que “1-Quem, de modo reiterado ou não, infligir maus tratos físicos ou psíquicos (…) b) a pessoa do outro sexo…com quem o agente mantenha…uma relação de namoro…é punido com pena de
prisão de 1 a 5 anos (…). 2- ….se o agente: a) praticar o facto….no domicilio comum ou no domicílio da vítima, é punido com pena de prisão de 2 a 5 anos “.
Os «maus tratos físicos», correspondem ao crime de ofensa à integridade física simples, ou seja o uso da força física sobre a vítima, com o objetivo de ferir/causa dano físico ou orgânico, deixando ou não marcas evidentes e engloba
atos como empurrar, puxar o cabelo, dar estaladas, murros, pontapés, apertar os braços com força, apertar o pescoço, bater com a cabeça da vítima na parede, armários ou outras superfícies, dar-lhe cabeçadas, dar murros ou pontapés na barriga, nas zonas genitais, em qualquer parte do corpo, empurrar pelas escadas abaixo, queimar, etc., tudo ações que integram outra tutela também prevista no Código Penal enquanto bem jurídico isolado como é o caso do crime de ofensa à integridade física([40]).
Entende-se por « maus tratos psíquicos» as condutas integradoras de crimes de (ameaça simples ou agravada, coação simples, difamação, dano e) injúrias, traduzindo-se condutas que visem desprezar, menosprezar (ex. dizer à vítima “tenho nojo de ti”), criticar, insultar ou humilhar a vítima, em privado (dizendo-lhe por ex., “ és um monte de merda”, “ vales menos que um cão”, “ não vales nada“) ou em público, por palavras e/ou comportamentos, criticar negativamente as suas ações, ou atributos físicos, de dano, como seja, destruir objetos pertencentes à vítima (por ex., partir-lhe o computador) ou com valor afetivo para ela, rasgar fotografias, cartas e outros documentos pessoais importantes, entre muitos outros. Assim, as condutas perpetradas pelo arguido sobre a vítima descritas nos nºs 7 a 9, 11 a 14 e 16 dos factos provados, integram a modalidade dos maus tratos físicos e as condutas descritas nos nºs 2, 4, 5, 13 a 16 preenchem o referido tipo de crime na vertente dos maus tratos psíquicos. O bem jurídico protegido pelo tipo em causa é complexo, pois a título principal, tutela a saúde([41]) e, a título secundário, a pacifica convivência familiar, doméstica e para-familiar, uma confiança relacional posta em perigo ou efetivamente lesada com a prática da conduta típica. Por essa razão, uma conduta materialmente não grave, como por exemplo uma simples bofetada, poderá afrontar o bem jurídico protegido, porque poderá abalar as bases de confiança em que se funda aquela relação familiar ou a convivência doméstica, mas também porque uma conduta materialmente não grave perpetrada no âmbito familiar e doméstico encerra uma danosidade social distinta da ofensa praticada em contexto não doméstico(considere-se por exemplo um soco desferido pelo espectador de um jogo de futebol, que se desentende com um adepto da equipa contrária ); no exemplo do jogo de futebol, os adeptos seguirão o seu caminho e com alguma sorte nunca mais se cruzarão; o mesmo soco desferido em contexto familiar ou doméstico já semeia o medo, a desconfiança, a insegurança sentimentos que são contrários àqueles que são costumeiros no seio familiar, primeiro e último reduto de proteção do indivíduo([42])–negrito e sublinhado nossos.
Concorrem para esta conceção do bem jurídico (pluriofensivo) protegido, a natureza pública do crime de violência doméstica, o agravamento da incriminação quando o crime é praticado no domicílio comum, a consagração das penas acessórias de proibição de contacto com a vítima, o afastamento da residência desta e a frequência de programas específicos de prevenção da violência doméstica, o que demonstra que o legislador na redação da hipótese e da estatuição desta norma, vislumbra uma perspetiva de futuro que vai muito para além da expetativa de proteção individual, da vítima em concreto, para assumir um escopo protetor da própria família, ou da comunidade doméstica, enquanto tal, desde que a conduta típica em concreto, haja colocado em crise a pacífica convivência familiar, para-familiar ou doméstica([43]). No mesmo sentido, cfr. Susana Figueiredo([44]) sobre a tese de Maria Elisabete Ferreira quanto à interpretação do texto do art. 152º que se acabou de expor diz que“ …a nosso ver, constitui a interpretação tipicamente mais adequada, face aos elementos interpretativos do art. 9º do C.C., do tipo de crime previsto no artigo 152º do CP e aos princípios da legalidade, tipicidade e máxima determinação do tipo vigentes em Direito Penal “.
No caso concreto destes autos, no referido dia 31/01/2021 terminou a relação de namoro e a coabitação entre o arguido e a ofendida, pese embora não tenha sido por vontade desta.
De acordo com a jurisprudência fixada no Ac. do STJ de 21/01/2016([45]), “Em julgamento de recurso interposto de decisão absolutória da 1ª instância, se a relação concluir pela condenação do arguido deve proceder à determinação da espécie e medida da pena, nos termos das disposições conjugadas dos arts. 374 nº 3 b), 368º, 369º, 371º, 379º nº 1 a) e c) primeiro segmento, 424º nº 2 e 425º nº 4, todos do CPP “.
Como dá nota o sociólogo Anthony Giddens,“O lar é o lugar mais perigoso nas sociedades modernas”, sustentando que uma pessoa de qualquer sexo ou idade tem maiores probabilidades de vir a ser fisicamente atacada dentro de casa, do que numa rua, à noite([46]).
A constatação empírica tem revelado que os alvos primordiais deste tipo de violência são na sua esmagadora maioria, as mulheres.
Nas ordenações Manuelinas, Livro V, Tit. 11, estabelecia-se que “ « (…) Nem auerá luguar ( a pena ) em quem castigar criado, ou sua molher, ou seu filho, ou seu escrauo ».
Já lá vão os tempos em que a R.L. no seu Acórdão de 03 de Maiode 1952([47]) afirmava um poder de moderada correção doméstica do marido em relação à mulher do seguinte modo:“ Desde que haja ofensa física, maus tratos infligidos pelo marido à mulher e uma vez que esses atos excedem os limites de uma moderada correção doméstica, está-se em presença de sevícias graves, que ninguém é obrigado a tolerar sem reagir pelos meios que a lei lhe faculta “.
Na mesma senda havia decidido antes o Ac. do STJ de 31 de Março de 1944 dizendo“ O facto do marido chamar à mulher «senhora» e «feto», não pode fundamentar o divórcio. O esbofeteamento da mulher pelo marido, idem “([48]).
A Convenção de Istambul adotada em 11 de maio de 2011, aprova a Convenção do Conselho da Europa para a Prevenção e o Combate à Violência contra as Mulheres e a Violência Doméstica. O art. 9º da CRP epigrafado « Tarefas fundamentais do Estado», prevê na alínea h) Promover a igualdade entre homens e mulheres. Como acima se referiu, no caso concreto, a moldura penal aplicável à conduta do arguido é de 2 a 5 anos de prisão – cfr. art. 152º nºs 1 b) e 2 a) do Cód. Penal. Dentro dos limites estabelecidos no tipo legal, a determinação da medida da pena faz-se em função da culpa do arguido e as exigências de prevenção (arts. 71º nº 1 e 40º nºs 1 e 2 do Cód. Penal), havendo que atender a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, depuserem a favor ou contra o arguido considerando, nomeadamente, os fatores de determinação da pena estabelecidos no nº 2 do art. 71º. Na determinação da medida da pena, o requisito legal de que sejam levadas em conta as exigências de prevenção satisfaz a necessidade comunitária de punir o crime e, consequentemente, de realizar as finalidades da pena; o requisito legal de que seja considerada a culpa do agente satisfaz a exigência de que a vertente pessoal do crime, decorrente do respeito pela dignidade da pessoa do agente da prática do crime, limite as exigências de prevenção. Os fins das penas têm sido equacionados a partir de um objetivo essencial: aredução ou prevenção da criminalidade. Na concretização deste objetivo identificamos a prevenção geral e a prevenção especial. A primeira na perspetiva da intimidação coletiva, a segunda na perspetiva da intimidação individual, isto é, de prevenção da reincidência. Com a determinação que sejam tomadas em consideração as exigências deprevenção geral procura dar-se satisfação à necessidade comunitária depunição do caso concreto, tendo-se em conta, de igual modo, a premência da tutela dos respetivos bens jurídicos. E com o recurso à vertente da prevenção especial almeja-se satisfazer as exigências da socialização do agente, com vista à sua reintegração na comunidade (Ac. do S.T.J. de 4-7-1996, Col. de Jur.- Acs. do S.T.J., ano IV, tomo 2, pág. 225) – apud Ac. da R.L. de 11/03/2021([49]). No caso presente os bens jurídicos a proteger são o direito à vida, à integridade física e psíquica da vítima, a sua dignidade humana, a confiança numa relação de proximidade existencial com outra pessoa do mesmo ou do outro sexo, com ou sem coabitação e o seu direito a viver com tranquilidade e segurança.
Nos termos do art. 71º nº 1 do mesmo Código, “ A determinação da medida da pena, dentro dos limites definidos na lei, é feita em função da culpa do agente e das exigências de prevenção “.
As exigências de prevenção geral são acentuadas, atenta a frequência deste tipo de criminalidade que é transversal a toda a sociedade, havendo necessidade de reafirmar perante a comunidade o valor das norma jurídicas violadas. Dando concretização aos vetores enunciados, o nº 2 do artigo 71º do Código Penal enumera, exemplificativamente, uma série de circunstâncias atendíveis para a graduação e determinação concreta da pena, que, não fazendo parte do tipo de crime, depuserem a favor ou contra o agente.
Em desfavor do arguido e como circunstâncias agravantes da conduta do arguido importa considerar:
- o grau de ilicitude do facto que é acentuada, atendendo à pluralidade das suas ações através das quais atingiu plúrimas dimensões do bem-estar da ofendida, designadamente, física, emocional e psicológica;
- tais ações só cessaram quando o arguido abandonou a residência comum;
- o período temporal em que decorreu a prática dos factos, em datas não apuradas no decurso de 1 ano em que decorreu o namoro com coabitação;
- a intensidade do dolo – o arguido agiu com dolo direto, por isso na sua modalidade mais grave;
- a gravidade das consequências do crime de violência doméstica: a vítima viveu sofrimento psicológico, as lesões descritas no relatório pericial demandaram 10 dias de doença, sendo 5 com afetação da capacidade de trabalho geral e dores físicas.
A favor do arguidoe como circunstâncias atenuantes importa salientar:
- a integração familiar e profissional do arguido;
- a sua modesta condição socioeconómica;
-a ausência de antecedentes criminais. As exigências de prevenção especial são significativas porque o arguido negou a prática dos factos, revelou ausência de qualquer arrependimento ou sentido crítico face ao desvalor da sua conduta e insensibilidade demonstrada pelovalor da dignidade da pessoa humana. As circunstâncias de prevenção geral são de elevado relevo atenta a frequência inquietante que assume na atualidade gerando na comunidade um elevado alarme social e um forte sentimento demandando uma solene punição do agente a fim de ser recuperada a confiança na vigência e validade da norma violada. De facto, cada vez mais verifica-se uma maior consciencialização comunitária dos fenómenos de violência doméstica e da ressonância fortemente negativa que adquiriram junto da sociedade, sendo de premente necessidade pôr cobro a este tipo de comportamentos. Tudo ponderado, entende-se por adequado fixar a pena em 2 anos e 04 meses de prisão. SUSPENSÃO DA EXECUÇÃO DA PENA DE PRISÃO: Considerando a pena concretamente fixada ao arguido, importa ponderar da aplicação ao mesmo da pena substitutiva da pena de prisão por suspensão da sua execução.
Nos termos do artigo 50º do Cód. Penal, “O tribunal suspende a execução da pena de prisão aplicada em medida não superior a 5 anos sempre que, atendendo à personalidade do agente, às condições da sua vida, a sua conduta anterior e posterior à prática do facto punível e às circunstâncias em que ocorreu, concluir que a simples censura do facto e a ameaça da pena realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição”, que como se deixou exposto, visam em primeiro lugar, a proteção dos bens jurídicos, logo, a proteção da saúde nas vertentes da saúde física e psíquica ou mental e a dignidade humana das vítimas e reflexamente, a pacífica convivência familiar, parafamiliar ou doméstica.
Esta disposição legal representa, deste modo, um poder-dever, estando o tribunal obrigado a suspender a execução da pena de prisão, sempre que os respectivos pressupostos se verifiquem. Esta medida tem um carácter reeducativo e pedagógico, que nunca é demais salientar. No caso concreto, considerando:
- que após a cessação da coabitação o arguido não procurou a vítima nem tentou com ela contactar, não havendo risco de ele, estando em liberdade, voltar a cometer o crime na pessoa da vítima; e
- a ausência de antecedentes criminais, apontam no sentido de se conceder uma oportunidade ao arguido, de se conformar com as normas vigentes em sociedade.
Estamos por isso convictos que a simples censura do facto e a ameaça da pena ainda realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição – cfr. art. 50º nº 1 do Código Penal. Por esta razão, suspende-se a execução da pena de prisão agora aplicada por um período de 3 anos e 04 meses.
Atentas as condições pessoais do arguido, a natureza do crime cometido pelo arguido e as circunstâncias em que o mesmo foi por ele perpetrado, determina-se que a suspensão da execução da pena de prisão seja acompanhada de regime de prova, devendo o arguido, entre outras medidas que a DGRSP considerar necessárias e adequadas, frequentar programas específicos de prevenção da violência doméstica supervisionados pelos serviços de reinserção social durante o período de suspensão da execução da pena de prisão– cfr. art. 34º-B da Lei 112/2009, de 16/09. DO CUMPRIMENTO DE DEVERES Estabelece ainda o artigo 51º nº 1 alínea a), do Cód. Penal que “ A suspensão da execução da pena de prisão pode ser subordinada ao cumprimento de deveres impostos ao condenado e destinados a reparar o mal do crime, nomeadamente, pagar dentro de certo prazo, no todo ou na parte que o tribunal considerar possível, a indemnização devida ao lesado, ou garantir o seu pagamento por meio de caução idónea” – negrito e sublinhado nossos.
Salienta-se no Ac. da R.P. de 28/10/2021([50]) na parte que para o caso destes autos interessa, o seguinte: “O dever enunciado tem, em primeira linha, uma finalidade reparadora ( reparar o mal do crime ) mas, por via dela, fortalece a finalidade da pena enquanto visa a proteção dos bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade. Com efeito, limitando-se a suspensão da execução da pena de prisão ao pronunciamento da culpa e da pena, deve encontrar-se, por razões de justiça e
equidade, outra maneira de fazer sentir à comunidade e ao condenado, os efeitos da condenação. Do que se trata, em suma, neste dever de indemnizar, é da sua função adjuvante da realização da finalidade da punição. O pagamento da indemnização, na medida em que representa um esforço ou implica até um sacrifício para o arguido, no sentido de reparar as consequências danosas da sua conduta, funciona não só como reforço do conteúdo reeducativo e pedagógico da pena de substituição, mas também comoelemento pacificador, neutralizando o efeito negativo do crime e apresentando-se, assim, como meio idóneo para dar satisfação suficiente às finalidades da punição, respondendo, nomeadamente, à necessidade de tutela dos bens jurídicos e estabilização contrafáctica das expectativas da comunidade. A jurisprudência tem sido sensível aos legítimos interesses da vítima, tal como a política criminal. Daí que se defenda que a suspensão da execução da pena só não pode ser condicionada ao pagamento da indemnização quando se demonstre que o arguido, mesmo com todos os sacrifícios exigíveis, é incapaz de cumprir essa obrigação. Quando a suspensão da execução da pena de prisão é condicionada ao dever de reparar o mal do crime consubstanciado no pagamento total ou parcial da indemnização devida ao lesado, não fica constituída uma obrigação de indemnização civil em sentido estrito. Este dever vale apenas no seio do referido instituto, sendo o sancionamento pelo não cumprimento o que deriva das regras próprias da suspensão “ – negrito nosso. Epara que o tribunal fixe o dever de indemnizar não é necessário que o lesado tenha deduzido essa pretensão. No caso concreto, apurou-se que o arguido exerce a atividade profissional de militar, pela qual aufere mensalmente o salário mínimo nacional, ou seja, € 665,00([51]), no âmbito de um contrato de trabalho cujo termo irá ocorrer no próximo dia 22 de Janeiro de 2022, que reside no quartel nos dias úteis e aos fins-de-semana em casa dos seus progenitores. Logo que findar o contrato de trabalho em vigor, nada impede e até será de esperar, que o arguido se esforce para encontrar outro trabalho remunerado que lhe permita reparar as consequências danosas da sua conduta. Assim, entende-se por adequado que o arguido indemnize a vítima em montante que adiante se irá fixar, no prazo de 12 (doze) meses, contado a partir da notificação da presente decisão, depositando, até ao dia 08 de cada mês, em conta bancária titulada pela ofendida e por ela a indicar em 15 dias, prestações mensais e sucessivas de montante não inferior a € 200,00 ( duzentos euros ), cada uma, até integral pagamento. PENA ACESSÓRIA Ao crime de violência doméstica praticado pelo arguido, corresponde, em abstracto, a aplicação da pena acessória de proibição de contacto com a vítima, incluindo a de afastamento da residência desta, pelo período de seis meses a cinco anos, conforme prescreve o art. 152º nºs 4 e 5, do Cód. Penal. As penas acessórias assumem um papel coadjuvante da função da pena principal, permitindo um reforço do conteúdo sancionatório desta. A aplicação desta pena depende da análise das circunstâncias do caso concreto e as fortes motivações de prevenção geral que subjazem a tal preceito, sob pena de, caso contrário, se violar o princípio plasmado no artigo 65º do Cód. Penal e no próprioartigo 30º nº 4 da CRP. Deste modo, obedece aos mesmos factores da pena principal, estabelecidos no artigo 71º do Código penal, conforme supra referido. In casu, atenta a matéria apurada no que respeita à conduta do arguido, nomeadamente o facto de o arguido não manter qualquer contacto com a ofendida, entendemos que a presente situação não reclama a aplicação desta sanção. REPARAÇÃO DA VÍTIMAnos termos do artigo 82º-A do Código de Processo Penal No caso presente, por estar em causa um crime de violência doméstica, é aplicável a Lei nº 112/2009, de 16 de Setembro, a qual estabelece o regime jurídico aplicável à prevenção da violência doméstica e à protecção e assistência das suas vítimas. Nos termos do nº 2 do seu artigo 21º, “Para efeito da presente lei, há sempre lugar à aplicação do disposto no artigo 82°-A do Código de Processo Penal, excepto nos casos em que a vítima a tal expressamente de opuser.”
Por seu turno, determina o artigo 82º-A do Código de Processo Penal, no seu nº 1, que“Não tendo sido deduzido pedido de indemnização civil no processo penal ou em separado, nos termos dos artigos 72° e 77°, o tribunal, em caso de condenação, pode arbitrar uma quantia a título de reparação pelos prejuízos sofridos quando particulares exigências de protecção da vítima o imponham ”.
Nos termos do nº 2 do mesmo artigo “ No caso previsto no número anterior, é assegurado o respeito pelo contraditório “.
Com a notificação da acusação foi o arguido advertido da possibilidade desta condenação.
A vítima SV não formulou pedido de indemnização cível.
No caso das vítimas especialmente vulneráveis como é o caso das vítimas de violência doméstica atento o disposto nos arts. 67º nºs 1 b) e 3 por referência ao art. 1º j) do CPP, a reparação oficiosa é uma obrigação do tribunal, não existindo nenhum «espaço de ponderação».
Como ensina Tiago Caiado Milheiro([52]), “Tratam-se de casos em que o Estado entende que, para além da descoberta da verdade e punição do criminoso, valor de interesse público, também existe a necessidade de tutelar civilmente os danos sofridos pela vítima. O art. 16º nº 2 da L.E.V.([53]) e 21º nº 2 do R.J.V.D. preveem a obrigatoriedade de aplicação do art. 82º-A, exceto nos casos em que a vítima a tal expressamente se opuser. Estas normas devem ser devidamente conjugadas. (…). Presume-se de forma inilidível a existência de particulares exigências de proteção, prescindindo-se da verificação deste pressuposto; todos os prejuízos devem ser ressarcidos, independentemente da sua gravidade, afastando-se o requisito adicional civilístico do art. 496º nº 1 do CC “.
No caso presente resultaram ainda provados danos patrimoniais: a destruição do computador portátil da ofendida, que como referiu, “já era antigo,tinha vários anos“. Dispõe o nº 1 do artigo 483º do Código Civil:“Aquele que, com dolo ou mera culpa, violar ilicitamente o direito de outrem ou qualquer disposição legal destinada a proteger interesses alheios fica obrigado a indemnizar o lesado pelos danos resultantes dessa violação”. A este respeito, estatui o artigo 562º do mesmo Código que" Quem estiver obrigado a reparar um dano deve reconstituir a situação que existiria se não se tivesse verificado o evento que obriga à reparação".
Fixa-se nesta norma o princípio da reposição natural, segundo o qual o lesante deve repor as coisas no estado em que estariam se não se tivesse produzido o dano. Quando não é já materialmente possível reconstituir a situação que existiria se não se tivesse verificado o evento lesivo que obriga a reparação, atento o disposto no n° 1 do artigo 566° do mesmo diploma, há que lançar mão da indemnização em dinheiro a fixar de acordo com a teoria da diferença (art. 566° n° 2 ), em que a indemnização tem como medida, em princípio, a diferença entre a situação patrimonial real do lesado na data mais recente que puder ser atendida pelo tribunal e a situação hipotética que teria, nessa data, se não tivesse ocorrido o facto lesivo gerador do dano. Essa data mais recente a ser atendida é a do encerramento da discussão - cfr. art. 611º do atual CPC . Desconhecendo-se a marca e modelo do computador portátil destruído, que contudo estava operacional e a ofendida tinha aulas online, de acordo com a pesquisa efetuada no site Micro ocasion([54]) sobre os valores de mercado deste tipo de aparelhos com preços acessíveis para empresas e estudantes, tais valores oscilam entre € 219,00 e € 359,00, pelo que recorrendo às regras da experiência comum, entende-se por adequado atribuir-lhe um valor de € 200,00 (duzentos euros). Quanto à fixação oficiosa de indemnização por danos não patrimoniais: O critério para a fixação de danos não patrimoniais, embora assumindo primordialmente um cariz compensatório reveste-se também de um carácter sancionatório, que consta do artº 494º do CC por remissão do nº 3 do artº 496º, podendo dizer-se que, no fundamental, o legislador faz apelo à equidade harmonizada com as circunstâncias do caso. Na determinação da mencionada compensação deve por isso atender-se ao grau de culpabilidade do responsável e à sua situação económica, bem como à do lesado.
Como se exarou no Ac. da R.C. de 18/05/2016([55]), “A indemnização por danos não patrimoniais não visa pagar, nem apagar, os danos provocados pelo facto, porque sobre eles não podem incidir regras de cálculo. O que aqui se pretende é atenuar, minorar e de certo modo compensar os danos sofridos pelo lesado, atribuindo-lhe uma soma em dinheiro que lhe permita um acréscimo de bem-estar que sirva de contraponto ao sofrimento moral provocado. Sendo essa a função a indemnização pelo dano não patrimonial, não pode ela ser meramente simbólica,a menos que seja isso que se pretenda “.
No caso em análise, estamos perante a prática de um crime doloso, em que o grau de culpa do agente se mostra acentuado e em que as suas consequências não se podem deixar de se considerar como relevantes.
Assim sendo e tomando em consideração o que se apurou quanto à situaçãosocioeconómica de ambos, mostra-se adequado o quantum de € 2.000,00([56]) (dois mil euros), tudo perfazendo a quantia global de € 2.200,00 (dois mil e duzentos euros). *** III–DISPOSITIVO:
Pelo exposto, acordam os Juízes da 9ª Secção Criminal da Relação de Lisboa, em conceder provimento ao recurso interposto pelo Ministério Público, em conformidade com o que decidem: a)-alterar a matéria de facto provada e não provada nos termos acima indicados e, consequentemente, revogar a sentença recorrida que substituem por outra quecondena o arguido PP pela prática de um crime de violência doméstica agravada p. e p. pelo art. 152º nºs 1 b), 2 a) e 4 do Cód. Penal na pena de 2 (dois) anos e 04 meses de prisão; b)-suspender aexecução da pena de prisão imposta ao arguido pelo período de 3 (três) anos e 04 meses sujeita a regime de prova que contemple, entre outras obrigações, a frequência pelo arguido de um curso que permita consciencializar o mesmo para a problemática da violência doméstica, a ministrar pela Direcção-Geral de Reinserção Social; c)-condenar o arguido a indemnizar a vítima na quantia global de € 2.200,00, a título de danos patrimoniais e não patrimoniais, no prazo de 01 ano a contar da notificação da presente decisão; d)-subordinar a suspensão da execução da pena de prisão aplicada, ao pagamento da referida indemnização, em prestações mensais de montante nunca inferior a € 200,00 cada uma, a depositar até ao dia 08 de cada mês, em conta bancária titulada pela ofendida e a indicar por ela, no prazo de 15 dias, até integral pagamento; e)-Condenar o arguido nas custas e demais encargos do processo, fixando a taxa de justiça em 3 UC, nos termos dos arts. 513º e 514º do CPP e 8º nº 9 do R.C.P., com referência à Tabela III anexa. Registe e notifique nos termos legais. Lisboa, 13 de Janeiro de 2022
(Lígia Maria da Nova Araujo Sá Trovão) (Manuel Fernando Almeida Cabral)
[1]Cfr. Francisco da Mota Ribeiro, Vícios das sentenças e vícios do julgamento, CEJ, Novembro de 2019, págs. 38 e 39. [2]Cfr. Ac. do STJ de 19/11/2008, no proc. nº 3453/08-3, Apud,Simas Santos e Leal-Henriques, in Recursos Penais, 9ª Edição, pág. 76. [3]Cfr. Simas Santos e Leal-Henriques in ob. cit. pág. 78. [4]Cfr. proc. nº 327/96, Apud, Simas Santos e Leal-Henriques,in Recursos Penais, 9ª Edição, pág. 79. [5]Cfr. proc. nº 48731, Apud, Simas Santos e Leal-Henriques, in Recursos Penais, 9ª Edição, pág. 79. [6]Cfr. Leal-Henriques e Simas Santos in ob. cit. pág. 78 [7]Cfr. Ac. da R.C. de 13/05/2020, proc. nº 9/19.0GBMDA.C1, www.dgsi.pt [8]Cfr. ainda, Pereira Madeira in Código de Processo Penal Comentado, 2016, 2ª Edição Revista, págs.1274 e 1275. [9]Cfr. Código de Processo Penal Comentado, 2016, 2ª Edição Revista, pág. 1275. [10]Cfr. Francisco da Mota Ribeiro, in ob cit. págs. 49 e 50 e ainda Ac. do STJ de 06/04/1994, publicado na CJ, Acs. Do STJ, II, Tomo 2, pág. 186. [11]Cfr ob. cit. pág. 81. [12]Publicado na CJ Ano XXXIV, Tomo V, pág. 204. [13]Cfr. proc. nº 771/15.0PAMGR.C1, acessível in www.dgsi.pt [14]Cfr. Ac. da R.G. de 09/05/2005, no proc. nº 475/05-1, disponível in www.dgsi.pt [15]Cfr. proc. nº 1861/10.0TAPTM.E1, disponível in www.dgsi.pt [16]Apud, Código de Processo Penal, Comentários e notas práticas, Magistrados do ministério Público do Distrito Judicial do Porto, pág. 423. [17]Apud. Ac. do STJ de 12/03/2009, no proc. nº 07P1769, disponível in www.dgsi.pt [18]Cfr. Magistrados do ministério Público do Distrito Judicial do Porto, in ob. cit., pág. 343. [19]Cfr. Apud, Código de Processo Penal, Comentários e notas práticas, Magistrados do ministério Público do Distrito Judicial do Porto, pág. 422. [20]Cfr. Direito Processual Penal, 2ª edição, pág. 132. [21]Cfr. proc. nº 34/11.0TAAGH.L1.S1, acessível in www.dgsi.pt [22]Cfr. proc. nº 427/08.0TBSTB.E1.S1, acessível in www.dgsi.pt [23]Apud, Magistrados do Ministério Público do Distrito Judicial do Porto, no Código de Processo Penal, com Notas e Comentários, Coimbra Editora, pág. 1038. [24]Cfr. Comentário do Código de Processo Penal à luz da Constituição da República e da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, 4ª edição atualizada, pág. 1144. [25]Cfr. proc. nº 1340/14.7TAPTM.E1, acessível in www.dgsi.pt [26]O que não sucede no caso dos autos, em que há outro meio de prova que corrobora o depoimento da vítima. [27]Cfr. Entrevista Forense I, análise de microexpressões e da linguagem corporal em entrevista; e ainda o mesmo Autor em “ A linguagem corporal revela o que as palavras escondem”, págs. 177 e 178. [28]Cfr. Violência e abuso, Estado da Ate”, pág. 100. [29]Cfr. Teresa Magalhães em “ Violência e abuso, Estado da Arte, págs. 77 a 85. [30]Cfr. Violência Doméstica, Implicações Sociológicas, psicológicas e jurídicas do fenómeno, Manual Pluridisciplinar, 2ª edição, Dezembro 2020, págs. 43 e 44. [31]Cfr. Violência Doméstica, Implicações Sociológicas, psicológicas e jurídicas do fenómeno, Manual Pluridisciplinar, 2ª edição, Dezembro 2020, pág. 182. [32]“ No dia 31/01/2021, pelas 19.30 horas, refere ter sofrido agressão com computador portátil empunhado, bem como apertão do pescoço, que terá sido infligida pelo namorado. Acrescenta que no decorrer da luta para se libertar do alegado agressor, terá magoado o tornozelo direito. Aplicou gelo local e tomou anti-inflamatório. Do evento terá resultado traumatismo do pescoço, da região das ancas, do membro superior esquerdo e do membro inferior direito. Na sequência do evento não recorreu a assistência médica “. [33]Cfr. Cristina Silveira Ribeiro, in ob. cit. págs. 9 a 15. [34]Cfr. art. 32º nº 2 , primeira parte, da CRP. [35]Paula Marques Carvalho, in Manual Prático de Processo Penal, 12ª edição, págs. 29 e 30. [36]Cfr. Ac. da R.L. de 23/06/2015, no proc. nº 15/10.0PCCSC.L1, disponível in www.dgsi.pt [37]Cfr. proc. nº 72/19.4PULSB.L1-3, disponível in www.dgsi.pt [38]Ac. da R.L. de 21 de Março de 2019, proc. nº 974/16.0PEOER.L1. [39]Pesquisa Google [40]Cfr. Ac. R.L. de 10/02/2020, no proc. nº 689/19.7PCRGR.L1-3, acessível in www.dgsi.pt [41]Abrangendo a saúde física, psíquica e mental, que pode ser afetado por uma multiplicidade de comportamentos. [42]Cfr. Prof. Maria Elisabete Ferreira in Revista Julgar online, maio de 2017, págs. 9 e 10. [43]Citação da Autora na mesma obra. [44]Cfr. Violência Doméstica, Implicações Sociológicas, Psicológicas e Jurídicas do fenómeno, Manual Multidisciplinar, 2ª edição, dezembro 2020, pág. 110. [45]Cfr. proc. nº 93/02.6TAPTB.G1-A.S1, acessível in www.dgsi.pt [46]Apud, Maria Elisabete Ferreira in Seminário de Violência Doméstica, 2020/2021, Universidade Católica, Porto. [47]Publicado no BMJ nº 233, pág. 285. [48]Cfr. Maria Elisabete Ferreira in “ Perspetiva histórica da violência doméstica”, alguns enxertos, in Seminário de Violência Doméstica, 2020/2021, Universidade Católica, Porto. [49]Cfr. proc. nº 166/20.3PCLRS.L1-9, disponível in www.dgsi.pt [50]Cfr. proc. nº 1653/16.3T9AVR.P1, disponível in www.dgsi.pt [51]Cfr. D.L. nº 109-A/2020 de 31 de Dezembro. [52]Cfr. Comentário Judiciário do Código de Processo Penal, Tomo I, Almedina, pág. 885. [53]Lei nº 130/2015 de 04 de Setembro que prescreve, “ Há sempre lugar à aplicação do disposto no artigo 82.º-A do Código de Processo Penal em relação a vítimas especialmente vulneráveis, exceto nos casos em que a vítima a tal expressamente se opuser “ – cfr. art. 16º nº 2. [54]Pesquisa Google [55]Cfr. Cfr. proc. nº 232/12.9GEACB.C2, disponível in www.dgsi [56]Cfr. Ac. da R.C. de 11/05/2016, no proc. nº 94/12.6GAACB.C2, disponível in www.dgsi.pt