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CONTRA-ORDENAÇÃO
AUDIÊNCIA DO ARGUIDO
Sumário
Dando-se cumprimento ao Artº 50 do DL nº 433/82 logo após o levantamento do Auto de Notícia, não tem que indicar-se ao arguido se os factos lhe são imputados a título de dolo ou de negligência.
Texto Integral
Acordam na 1.ª secção criminal do Tribunal da Relação do Porto
RELATÓRIO
1- No Tribunal Judicial de Bragança, 2.º juízo, no processo acima referido, correm autos de contra ordenação em que é arguida “B..........”, tendo sido condenado por decisão administrativa na coima de 4.700 euros, pela prática da contra-ordenação p. e p. pelo artº. 2º., 3º, 4º e 8º do DLei nº 67/98 de 21/10, alterado pelo DLei nº 425/99 de 21/10.
2- Inconformada, recorreu a arguida, tendo concluído a sua motivação pela forma seguinte :
a decisão impugnada rejeitou a verificação das omissões sem especificar a existência da imputação dos factos ao elemento subjectivo - violação do artigo 50.º RGCO e 32.º da CRP;
as afirmações genéricas de imputação do elemento subjectivo constantes na nota de ilicitude enviada à arguida não bastam para o seu preenchimento e, consequentemente, não ponham em causa o direito de defesa da arguida; que essa presunção de culpa expressa na nota de ilicitude impugnada seja bastante para que a imputabilidade do elemento subjectivo se verifique; ou seja, não se aceita que a simples materialidade da acção da arguida seja suficiente para que se possa verificar a presença do elemento subjectivo na dita nota de ilicitude e, como tal, o seu direito de defesa não esteja coarctado, porquanto a mesma não pode pronunciar-se sobre os mesmos;
na fase administrativa do processo de contra ordenação a nota de ilicitude corresponde à acusação, pelo que não contendo esta os factos integrantes do dolo ou da negligência é nulo todo o processo subsequente por violação do princípio do contraditório (art.º 283.º do CódProcPenal);
face a essa nulidade deve o processo ser declarado nulo e remetido à autoridade administrativa para que se repita a notificação daquela nota de ilicitude;
3. Nesta Relação, o Exmo PGA emitiu douto parecer em que diz, em sintese: que o fornecimento de todos os elementos necessarios para que o arguido fique a conhecer a totalidade dos aspectos relevantes para a decisão, nas matéria de facto e de direito, refere-se, em primeira linha, aos casos em que o órgão instrutor opta, no termo da instrução contraordenacional pela audiência escrita do arguido;
a notificação prevista no art. 50º (nota de ilicitude) não corresponde á acusação;
a decisão administrativa de aplicação de uma coima só virtualmente constituirá uma condenação, pois que, se impugnada, tudo se passa como se, desde o momento em que é proferida a decisão, esta fosse uma acusação, e portanto não faz sentido que se pretenda, para a notificação do art. 50º, o mesmo grau de exigência que se impõe a uma acusação em processo crime
4- Foram colhidos os vistos legais e teve lugar a conferência para decisão.
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FUNDAMENTAÇÃO
Os factos
- A sociedade recorrente B......, S.A." apresentou a presente impugnação judicial, insurgindo-se contra a decisão administrativa proferida em 12 de Maio de 2004, pela DGFQA - Direcção Geral de Fiscalização e Controlo da Qualidade Alimentar, que a condenou na coima de 4.700 euros, pela prática da contra-ordenação p. e p. pelo Artº. 2º., 3º, 4º e 8º do Dec.-Lei nº 67/98 de 21/10, alterado pelo Dec.-Lei nº 425/99de 21/10.
- da notificação feita pela autoridade administrativa à recorrente consta o seguinte: - no dia 22 de Dezembro de 2003, pelas 12h, na secção de pastelaria da unidade de Bragança existiam e foram vistos detritos diversos nos equipamentos, tabuleiros, chão e câmara de bolos frescos e constatava-se o excessivo uso do papel vegetal que servia de base à cozedura dos bolos reis, o qual apresentava sujidades e detritos queimados; referência à contra-ordenação que os mesmos integravam: artºs. 2º, 3º e 4º do Dec.-Lei no 425/99 de 21/10 e às coimas aplicáveis: 99.76 a 44.891,81 euros; aos prazos do exercício do direito de defesa e à possibilidade de ser requerido o pagamento voluntário da coima.
O direito
Sendo o objecto do recurso delimitado pelas conclusões formuladas pela recorrente, extraídas da motivação apresentada, cabe agora conhecer das questões ali suscitadas.
Pretende a recorrente que a comunicação que lhe foi feita, no âmbito do Artº. 50º Regime Geral das Contra-Ordenações, é nula por da mesma não consta a imputação subjectiva da infracção e a indicação se a mesma foi cometida a título de dolo ou negligência.
Como se disse, a notificação impugnada refere que «no dia 22 de Dezembro de 2003, pelas 12h, na secção de pastelaria da unidade de Bragança existiam e foram vistos detritos diversos nos equipamentos, tabuleiros, chão e câmara de bolos frescos e constatava-se o excessivo uso do papel vegetal que servia de base à cozedura dos bolos reis, o qual apresentava sujidades e detritos queimados». Depois, na mesma faz-se a referência à infracção concreta imputada à arguida.
Desde logo, como se disse na decisão judicial agora em recurso, a omissão, na notificação administrativa, dos requisitos relativos ao elemento subjectivo (dolo ou negigência) integrantes da contra-ordenação, não impediam a recorrente de se pronunciar sobre os factos imputados, que são bem objectivos, e sobre o dito elemento subjectivo da infracção (aliás pelo montante em que foi condenada a recorrente saberia que a autoridade administrativa lhe imputava a infracção a título de dolo)
Aqui uma conclusão é inevitável: a recorrente, com a invocação daquela omissão da indicação do elemento subjectivo, manifesta uma reverência estranha às fórmulas sacramentais, pois que pelos factos e pela infracção concreta constantes da nota de ilicitude ela não podia deixar de saber que aqueles factos eram imputados a título de culpa e, portanto, podia de imediato alegar factos que excluissem a culpa ou a ilicitude, em vez de se agarrar à falta de um formalismo que, dada a natureza do ílicito e a autoria do auto de noticia e da decisão (por entidade administrativa), não tem os mesmos contornos de exigência da acusação crime ou da peça da autoria de autoridades judiciais.
O direito de audiência prévia concretiza-se mediante a transmissão ao arguido, pela autoridade administrativa, dos factos imputados e a qualificação jurídica contra-ordenacional que deles é extraída, dando assim a possibilidade de sobre esses dados o arguido afirmara a sua posição, seja ela contrária ou simplesmente não coincidente com a versão dos factos apresentada pela autoridade administrativa, ou diversa quanto à respectiva moldura sancionatória, acompanhada da faculdade de efectivação da prova correspondente
Invoca a arguida a doutrina fixada no Assento do STJ. n.º 1/2003, de 25/1, que reza assim : «Quando, em cumprimento do disposto no artigo 50.º do Regime Geral das Contra-Ordenações, o órgão instrutor optar pela audiência escrita do arguido, mas, na correspondente notificação, não lhe fornecer todos os elementos necessários para que este fique a conhecer a totalidade dos aspectos relevantes para a decisão, nas matérias de facto e de direito, o processo ficará doravante afectado de nulidade, dependente de arguição, pelo interessado/notificado...»
È desde logo evidente, pela letra e pelo contexto do assento, que a doutrina do assento só se aplica ao caso de o órgão instrutor optar pela audiência escrita do arguido.
E nem mesmo assim, como se disse, a não especificação do título de imputação subjectiva integra a nulidade da notificação se os factos permitirem concluir, como se verifica no caso em apreço, que a infracção que é imputada --- e só assim pode ser imputada --- terá sido cometida com dolo ou com negligência.
“In casu”, a notificação da recorrente, nos termos do referido art. 50.º, efectuou-se, não no final da investigação, mas sim logo após o levantamento do auto de notícia, sendo certo que a dita "nota de ilicitude" não corresponde á acusação pública, esta só tem existência com a apresentação ao juiz dos autos remetidos pelo MP., quando tenha havido impugnação judicial da decisão administrativa (cfr. art. º 62º n.' 1 do Dlei n.º 433/82 ).
Finalmente, como bem se faz notar no parecer do sr Procurador Adjunto neste tribunal, «só faria sentido imputar, a título de dolo ou de negligência, os factos ilícitos e objectivos constatados pela IGAE e comunicados á arguida (art. º 50º ), depois de esta se pronunciar sobre eles. Há que ter em conta que a arguida é uma pessoa colectiva que responde objectivamente pelas contra-ordenações praticadas pelos seus órgãos no exercício das suas funções, pelo que, só depois de ouvida sobre os factos que lhe foram comunicados e de se pronunciar, ou não, sobre a eventual actuação dolosa ou negligente dos referidos órgãos é que seria de concluir pela punição da contra-ordenação como dolosa ou negligente ».
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DECISÃO
Pelos fundamentos expostos:
I- Nega-se provimento ao recurso, confirmando-se a decisão recorrida
II- Custas pela recorrente, com 5 Ucs de taxa de justiça
Porto, 08 de Fevereiro de 2006
Jaime Paulo Tavares Valério
Joaquim Arménio Correia Gomes
Manuel Jorge França Moreira