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TÍTULO EXECUTIVO
ACTA DA ASSEMBLEIA DE CONDÓMINOS
SANÇÃO PELA MORA NO PAGAMENTO DAS PRESTAÇÕES DO CONDOMÍNIO
Sumário
I - A existência de título executivo é conditio sine qua non da acção executiva e o sistema está construído por forma a impedir o avanço de execuções infundadas. Por isso a manifesta falta ou insuficiência do título surge como o primeiro fundamento do indeferimento liminar do requerimento executivo (artigo 726.º, n.º 2, al. a), do CPC); II - Não havendo lugar a despacho liminar (assim é no processo sumário), o conhecimento de algum fundamento de indeferimento liminar do requerimento executivo há-de ter lugar logo que o processo seja concluso ao juiz, não havendo razão válida para que tal aconteça, apenas, quando o agente de execução suscite a intervenção do juiz, nos termos previstos no artigo 855.º, n.º 2, al. b), do CPC; III - Estando discriminados em acta da assembleia de condóminos os valores das contribuições a imputar a cada fracção e resultando das demais actas que esses valores se mantiveram inalterados entre 2006 e, pelo menos, 2020, não pode negar-se a exequibilidade a essas actas com o fundamento de que delas não consta deliberação sobre o valor das contribuições a suportar por cada condómino; IV - A exequibilidade das actas das assembleias de condóminos também deve ser reconhecida quando se liquida a responsabilidade de um condómino, ou seja, se delibere que um condómino é devedor de determinado montante (expressamente referido na acta) a título de contribuições e/ou despesas devidas e não pagas, encarregando o administrador de proceder à sua cobrança judicial; V - Não cabem no conceito normativo “contribuições devidas ao condomínio” os montantes das sanções de natureza pecuniária deliberadas pela assembleia-geral de condóminos, razão pela qual não se encontram abrangidos pela exequibilidade reconhecida às actas dessas reuniões pelo n.º 1 do artigo 6.º do Decreto-lei n.º 268/94, de 25 de outubro.
Texto Integral
Processo n.º 20823/20.3 T8PRT.P1 Comarca do Porto Juízo de Execução de Valongo (J1)
Acordam na 5.ª Secção do Tribunal da Relação do Porto
I – Relatório
Em 24.11.2020, “CONDOMÍNIO B...” instaurou no Juízo de Execução do Porto contra C… e D…, execução comum para pagamento de quantia certa (agora a correr termos no Juízo de execução de Valongo[1]), visando a cobrança coerciva de um crédito no montante de €4.429,49, sendo €2.322,00 de contribuições vencidas para o Condomínio cujo pagamento está por fazer, €1.007,96 de juros de mora vencidos, €697,50 de penalização pelo não pagamento atempado, €376,53 de honorários do mandatário e €25,50 de taxa de justiça que pagou.
A execução baseia-se em actas das assembleias de condóminos em que foram apresentadas, discutidas e aprovadas as contas do Condomínio relativas aos anos de 2014 a 2020, bem como apresentados e aprovados os orçamentos para os mesmos anos.
Por despacho de 26.02.2021[2], foi a execução rejeitada ao abrigo do disposto nos artigos 726.º, n.º 2, al. b) e n.º 5 e 734.º do CPC.
Contra esta decisão reagiu o exequente, interpondo recurso de apelação com os fundamentos explanados na respectiva alegação, de que extraiu as seguintes conclusões (reprodução integral):
«1 – A presente ação executiva, atento o valor do pedido, segue a forma de processo sumário, nos termos do disposto na al. d) do n.º 2 do art. 550º do CPC e, como tal, em cumprimento do disposto no n.º 1 do artº 855º daquele diploma legal, logo que é intentada, o requerimento executivo e respetivos documentos são imediatamente enviados por via eletrónica, sem precedência de despacho judicial, ao agente de execução designado, com indicação do número de processo, ao qual caberia suscitar a intervenção do Juiz se lhe afigurasse a ocorrência de alguma das situações previstas no n.º n2 do art. 726º, como é o caso da manifesta falta ou insuficiência de título – Vide art. 855º n.º 2 al.b).
2 – Considerando que os presentes autos já haviam sido conclusos ao Juiz para apreciação da competência territorial, não se vislumbra qual a razão que determinou nova conclusão ao Juiz e a não remessa imediata ao Agente de Execução.
3 – A Mer.ma Juiz “a quo”, na sua decisão, também nada refere sobre a razão pela qual os autos não seguem as formalidades previstas na lei; e, mormente, porque razão e em que circunstâncias esta execução sumária lhe foi conclusa para despacho liminar. Quem ordenou tal conclusão? Qual a razão pela qual não se cumpriu o disposto no nº 1 do art. 855º do CPC.? A douta decisão recorrida é omissa quanto a esta questão.
4 – Conclui-se, pois, que a Mer.ma Juiz apreciou uma questão que, nesta fase processual, não lhe cabia conhecer e, no douto despacho proferido também não apresenta qualquer fundamento de facto e de direito que justificam esta apreciação precoce; sendo que tal comportamento consubstancia a violação de uma formalidade que a lei prescreve expressamente (nº1 do art. 855º do CPC); pelo que, o douto despacho/sentença proferido enferma de nulidade nos termos do disposto no art.º 195º e als. b) e d) do n.º 1 do art.º 615º, ambos do CPC.
5 – Refere-se na douta decisão recorrida que das atas de condomínio dadas à execução resulta a aprovação dos orçamentos dos anos 2014, 2015, 2019 e 2020, mas de nenhuma delas resulta o valor dos orçamentos aprovados nem o valor das quotas imputadas a cada fração que compõem o condomínio exequente e que dessas atas também “não resulta qualquer acertamento sobre o valor que os executados estariam obrigados a pagar”; pelo que não são título executivo.
6 – O Exequente anexou ao Requerimento executivo as atas nº 96, 99, 109 e 113; e, posteriormente, a 08/02/2021, em requerimento autónomo, anexou as atas nºs 102, 104 e 106 cuja junção aos autos requer e da análise do teor destes documentos resulta precisamente o contrário do que a Mer.ma Juiz “a quo” refere na douta decisão recorrida.
7 – É um facto que nenhuma dessas atas referem o valor do orçamento aí aprovado, pela simples razão de que tal informação não é necessária uma vez que as quotas mensais de condomínio a pagar por cada fração não dependem desse valor, pois não são proporcionais ao orçamento, não são calculadas em função da permilagem.
8 – As quotas mensais de condomínio de cada fração que constitui o condomínio exequente são de um valor fixo que vigora desde 2006 e está expressamente definido na Ata nº 96 e se o Tribunal “a quo” entendia que o concreto valor dos orçamentos aprovados em cada uma das Atas juntas era essencial à boa decisão da causa, ao abrigo do disposto no n.º 4 do art. 726º do CPC deveria ter convidado o Exequente a suprir essa falta juntando os respetivos orçamentos.
9 – E só se o Exequente não acedesse ao convite juntando os elementos em falta, deveria o requerimento ser indeferido ao abrigo do disposto no n.º 5 do citado art.º 726º do CPC; mas, o Tribunal “a quo” mesmo não tendo convidado o Exequente a corrigir/sanar os elementos em falta nos termos do n.º 4 do mesmo preceito legal e decidiu rejeitar a execução ao abrigo do citado nº 5.
10 – É, pois, forçoso concluir que, a decisão ora recorrida, rejeitando liminarmente a execução, com fundamento no n.º 5 do art.º 726 e atentos os factos evocados, não tendo convidado previamente o Exequente a juntar os elementos em falta, está ferida de nulidade, nos termos do disposto no nº. 1 do art.º 195º do CPC, por preterição de uma formalidade prevista na lei (n.º 4 do art. 726º do CPC).
11 – Na douta decisão recorrida o Tribunal “a quo” perfilha o entendimento que a ata de condomínio que constitui título executivo nos termos do disposto no art. 6º do DL 268/94, é a ata da deliberação que aprova o orçamento das despesas necessárias à conservação e fruição das partes comuns e não a ata da deliberação que aprova as quotas em dívida pelo condómino relapso.
12 – Por força disso, no que concerne às quotas em dívida pelos executados referentes aos anos 2016, 2017 e 2018, o Tribunal “a quo” decidiu rejeitar a execução com fundamento de que o Exequente não juntou as atas das deliberações que aprovaram o orçamento para esses anos e como tal em relação a essas quotas estamos perante uma total inexistência de título executivo.
13 – Mais decidiu que as atas dadas à execução aprovam o orçamento dos anos 2014, 2015, 2019 (este por remissão para o orçamento de 2015) e 2020, mas delas não consta nem o valor do orçamento aprovado, nem o valor das quotas imputadas a cada uma das frações e, como tal, tais atas são inexequíveis, pois delas nãos consta qualquer acertamento sobre o valor que os executados estariam obrigados a pagar.
14 – Decidiu mal o tribunal “a quo”: desde logo porque o Exequente juntou aos autos as atas que aprovaram os orçamentos dos anos 2016, 2017, 2018, 2019 e 2020 (respetivamente atas n.ºs 102, 104, 106, 109 e 113); por outro lado, o Exequente juntou a ata nº 96 (da qual consta a aprovação do orçamento para o ano 2014) na qual ficou consignado que as quotas de condomínio a pagar por cada fração têm o mesmo valor (valor fixo) desde o ano 2006 e aí se descrimina o valor da quota de cada fração que constitui o condomínio exequente com referencia ao número de porta, letra da fração e respetivo valor mensal; sendo que as Atas subsequentes expressamente consignam que as quotas em vigor para o ano a que respeitam se mantém inalteradas, remetendo para o valor definido na Ata n.º99 que por sua vez remete para os valores expressos na Ata nº 96.
15 – Pelo que, embora por referência para a Ata nº 99 e esta para a Ata nº 96, sempre terá de se concluir que das atas juntas aos autos pelo Exequente, mormente das Atas nº 96,99,102,104,106,109 e 113 resulta devidamente especificado o valor da quota mensal de condomínio a pagar por cada fração.
16 – É um facto que as Atas nº 102, 104 e 106 não foram juntas com o requerimento executivo mas apenas posteriormente em anexo ao requerimento junto aos autos a 08/02/2021; porém, nos termos do disposto no nº 2 do art. 423º do CPC tal junção é possível embora sujeita a condenação em multa e, se a Mer.ma Juiz “a quo” entendesse que tais documentos eram desnecessários ou impertinentes, sempre deveria ordenar o seu desentranhamento e devolução ao Exequente nos termos do disposto no n.º 3 do art. 443º do CPC; o que não fez.
17 – O princípio do inquisitório, previsto no art. 411º do CPC, impõe ao Juiz um “poder/dever” de realizar todas as diligências de prova necessárias á boa decisão da causa e não se limitar à prova de iniciativa oficiosa; devendo realizar ou ordenar as diligências relativas aos meios de prova propostos pelas partes, desde que necessárias ao apuramento da verdade e à justa composição do litígio.
18 – Por outro lado, o art. 413º do CPC dispõe que o Tribunal deve tomar em consideração todas as provas produzidas nos autos e, da douta decisão recorrida, resulta evidente que o Tribunal “a quo” não atendeu ás Atas juntas com o requerimento de 08/02/2021, referentes à aprovação dos orçamentos para os anos 2016, 2017 e 2018; uma vez que, refere expressamente que o Exequente não juntou as atas que aprovaram os orçamentos desses anos e, por isso, conclui que inexiste título executivo quanto às quotas peticionadas referentes a esses anos.
19 - Decidindo o mérito da presente ação sem atender a todos os documentos juntos aos autos, emanando juízos de valor contrários ao teor de tais documentos, a douta decisão recorrida viola grosseiramente o disposto no art.º 411º e 413º do CPC.
20 – Na decisão recorrida refere-se, ainda, que a deliberação constante da ata nº 109 que aprova o orçamento para o ano 2019, fá-lo por remissão para o orçamento do ano 2015, o que não corresponde à verdade.
21 - Não é aprovação do orçamento apresentado para o ano 2019 que remete para o orçamento do ano 2015; é o valor da quota mensal de condomínio a pagar no ano 2019 que remete para os valores aprovados na Ata n.º 99, que, por sua vez, remete para os valores constantes da Ata n.º 96.
22- Dúvidas não subsistem pois, que das Atas juntas aos autos resulta bem claro que o valor das quotas imputadas a cada uma das frações que constituem o condomínio exequente está devidamente definido e descriminado na Ata nº 96 e manteve-se inalterado desde aí (ano 2014) até à presente data; pelo que decidiu mal o Tribunal “a quo” quando conclui que não consta de nenhuma das atas o valor da quota de condomínio a pagar mensalmente por cada fração e, consequentemente, errou ao proferir decisão a rejeitar a presente execução com base nesse fundamento.
23 – O Tribunal “a quo” faz uma interpretação restritiva do art. 6º do DL 268/94, que apenas atende à letra da lei, considerando que apenas a ata que aprova o orçamento das despesas comuns é título executivo, não gozando de exequibilidade a ata que aprova a existência de dívidas.
24 - A interpretação restritiva deste preceito legal preconizada por alguma Doutrina e Jurisprudência impede o cumprimento da teologia da norma, expressamente consignada no preambulo do diploma, que é de tornar mais célere eficaz a resolução dos conflitos no seio do condomínio, evitando o recurso a ações declarativas mais demoradas o que sempre implicaria que a maior parte das dívidas ao condomínio que existe na comunidade atual, ficasse arredada da possibilidade de ser imediatamente executada.
25 - Sendo o título executivo um requisito essencial da ação executiva ele há-de constituir, por si só, um instrumento probatório suficiente da obrigação exequenda; i.é. terá de ser um documento suscetível de, por si só, revelar com um mínimo aceitável de segurança, a existência do crédito em que assenta o pedido exequendo.
26 - Porém, considerando que a letra da lei – do nº 1 do citado art. 6º - alude ao montante das “contribuições devidas” e não à fixação dessas contribuições e que a detenção de um título executivo em que o executado não teve intervenção direta não altera as regras gerais de distribuição do ónus da prova, cabendo sempre à Administração do Condomínio demonstrar os factos constitutivos do crédito exequendo se os mesmos forem impugnados pelo executado/devedor; nada obsta a que seja também exequível a ata que reproduza a deliberação da assembleia de condóminos onde se procedeu à liquidação dos montantes em dívida por cada condómino.- Neste sentido Acórdãos da RC de 20.6.2012 in processo 157/10.2TBVCL-A.C1 e de 01.3.2016 in processo 129/14.8TJCBR-A.C1.
27 - É contrário à intenção do legislador e não é de todo razoável restringir a força executiva apenas à ata em que se delibera o montante da quota-parte das contribuições que cabe a cada condómino pagar e não conceder a mesma eficácia executiva à ata em que, por um condómino não ter pago a quota conforme deliberado em assembleia anterior, se delibera sobre o montante em dívida e se encarrega o administrador de proceder à sua cobrança judicial. – Neste sentido Acórdão RE de 17.2.2011 in processo 4276/07.4TBPTM.E1, Acórdão da RP de 04.12.2017 in processo 26113/15.6T8PRT – A.P1 e Acórdão RG de 10.9.2020 in processo 956/14.6TBVRL – T.G1, todos disponíveis em www.dgsi.pt.
28 - O Exequente para além de ter junto todas as atas que aprovam os orçamentos referentes respetivamente aos anos 2016, 2017, 2018 e 2019 nas quais é feita expressa menção ao valor da quota mensal de condomínio relativa a cada fração, ainda que por referência à ata nº 99; juntou ainda, a ata nº 113, referente à assembleia ordinária de condóminos realizada a 21/02/2020 na qual é aprovado o orçamento para o ano 2020 e se deliberou o valor global da dívida dos executados, constando expressamente da ata a identificação do executado, a identificação da fração da qual é proprietário, o período a que se referem as quotas de condomínio por referência a cada ano, o valor da quota mensal em cada ano, o valor da dívida por ano e o valor global da dívida referente ao período de Junho/2016 a Fevereiro/2020.
29 - Nos presentes autos, e mormente da Ata nº 113, constam todos os requisitos necessários para que a mesma sirva de título executivo para as prestações relativas ás quotizações devidas ao condomínio a que aludem os art.ºs 1424º e 1426º do Código Civil, visto que esta ata especifica de modo claro e perfeitamente percetível, os montantes em dívida pelos executados, o período temporal a que respeitam, sendo a quantia em dívida aí descrita certa, liquida e exigível; pelo que, estão assegurados os princípios da certeza e segurança jurídicas e todos os elementos/requisitos necessários para que seja qualificada como título executivo bastante para servir de base à presente execução.
30 - Estão, pois, reunidos todos os requisitos legais para que a execução prossiga, pelo menos no que concerne aos valores em dívida referentes às quotas de condomínio não pagas pelos executados, não havendo razão para a sua rejeição; pelo que, mal andou o Tribunal “a quo” quando assim decidiu.
31 – Mais refere a douta decisão recorrida que as atas dadas à execução também não são título executivo para cobrança dos valores das penalizações e dos honorários de advogado peticionados nos presentes autos.
32 - Ora, se as penalizações peticionadas nos presentes autos têm a sua génese na mora do condómino em satisfazer a quota-parte nas despesas comuns, parece-nos plausível que o seu cumprimento coercivo observe o mesmo procedimento processual aplicável a estas despesas.
33 – Se a lei prevê que as atas de condomínio valem como título executivo quanto às despesas comuns, não há justificação para não valerem também, como tal, quanto às penas pecuniárias válida e regularmente deliberadas para sancionar o condómino que não faz o pagamento das quotas pontualmente; seria um contra senso que a ata de condomínio que tivesse deliberado o montante das contribuições em dívida ao condomínio servisse de título executivo contra o condómino faltoso e a mesma ata não tivesse força executiva para as penas pecuniárias aplicadas ao mesmo condómino inadimplente, obrigando a que a Administração de Condomínio tivesse que, paralelamente à ação executiva, intentar uma ação declarativa para peticionar os montantes devidos a título de penalizações.
34 - O que está em causa é uma interpretação lata da expressão “contribuições devidas ao condomínio” consagrada no n.º 1 do art. 6º do DL 268/94, de molde a abranger as penas pecuniárias fixadas nos termos do art. 1434º do Código Civil, porquanto uma solução contrária traduzir-se-ia numa injustificada limitação/aniquilação dos meios processuais para exigir do condómino relapso o cumprimento de obrigações que estão nuclearmente interligadas. – Neste sentido vide Acórdão RG de 06.02.2020 in processo 261/18.9T8AVV-B.G1, disponível em www.dgsi.pt.
35 - O mesmo se refira quanto aos honorários do mandatário: se o incumprimento do condómino relapso impõe o recurso à via judicial para cobrança coerciva das contribuições em dívida, forçoso será concluir que o pagamento dos honorários devidos ao mandatário que patrocine a causa constitui uma despesa necessária ao pagamento de serviço de interesse comum.
36 – Entendeu o Tribunal “a quo” que o serviço prestado pelo mandatário com vista á cobrança coerciva das quotas de condomínio em dívida, não se inclui no âmbito dos serviços de interesse comum; pugnando, assim, por uma interpretação restritiva do art. 6º do DL 268/94, segundo a qual, serviços de interesse comum são apenas os aludidos no art. 1424º do Código Civil, os serviços postos á disposição de todos os condóminos, que eles podem usar ou não usar.
37 - Perfilhamos do entendimento adotado no Acórdão RG de 06.02.2020 in processo 261/18.9T8AVV-B.G1, “ …o que releva (…) para determinar se o serviço é de interesse comum (para efeitos do n.º 1 do art. 6º do DL 268/94, de 25/10) não é estar o serviço na disposição directa de cada um dos condóminos (na possibilidade de o utilizar ou não), antes tratar-se de serviço prestado para alcançar o interesse comum.(…) os serviços prestados pelo mandatário ao condomínio em causa executiva destinada a haver coercivamente de qualquer condómino a quota-parte das contribuições devidas ou das despesas necessárias à conservação e fruição das partes comuns, serão fruídos/gozados pelos condóminos (todos) na utilização/fruição/gozo das partes comuns, já que os valores cobrados na execução se destinam a suportar os encargos com aquelas.”
38 - Conclui-se pois, tal como nesse Acórdão que “… o pagamento de honorários devidos aomandatário pela demanda em juízo dos condóminos relapsos, com vista a cobrar coercivamentedestes a sua quota-parte nas contribuições e despesas necessárias à conservação e fruição daspartes comuns, constitui despesa necessária ao pagamento de serviços de interesse comum,compreendida na previsão normativa do n.º 1 do art. 6º do DL 268/94, de 25/10 – e por isso queas actas da assembleia de condóminos que deliberem sobre o montante respectivo gozam deexecutoriedade.”
39 - Mal andou pois, o Tribunal “a quo” ao decidir rejeitar a presente execução também quantoa esta parte do pedido, enfermando tal decisão recorrida num erro de julgamento quanto àexequibilidade do título também no que concerne às penalizações e aos honorários devidos aomandatário.
40 - Foi violado o disposto nos artigos 411º, 413º, 703º n.º 1 alínea d), 726º n.ºs 4 e 5 e 855º n.º 1 todosdo CPC, e art.º 6º n.º 1 do DL 268/94 de 25/10.»
Os executados não contra-alegaram.
O recurso foi admitido como apelação (com subida imediata e em separado) por despacho de 17.12.2020.
Colhidos os vistos, cumpre apreciar e decidir.
Objecto do recurso
São as conclusões que o recorrente extrai da sua alegação, onde sintetiza os fundamentos do pedido, que recortam o thema decidendum (cfr. artigos 635.º, n.º 4, e 639.º, n.º 1, do Código de Processo Civil - CPC) e, portanto, definem o âmbito objectivo do recurso, assim se fixando os limites do horizonte cognitivo do tribunal de recurso. Isto, naturalmente, sem prejuízo da apreciação de outras questões de conhecimento oficioso (uma vez cumprido o disposto no artigo 3.º, n.º 3 do mesmo compêndio normativo).
Como flui do antecedente relatório, a questão essencial a apreciar e decidir consiste em saber se as actas das assembleias-gerais de condóminos do prédio urbano sito na Rua …, n.os …, …, …, … e …, freguesia de …, Gondomar (aqui designado por “Condomínio B...”) juntas com o requerimento executivo (bem como aquelas que, já em 08.02.2021, vieram a ser juntas) constituem, ou não, títulos executivos, o mesmo é dizer, se reúnem os requisitos legalmente exigidos para servirem de base à execução instaurada.
Além disso, haverá que verificar se a decisão recorrida está afectada de algum vício que a tornem nula.
São, pois, questões a apreciar e decidir:
a) a nulidade da decisão recorrida;
b) a existência de título executivo.
II – Fundamentação 1.- Fundamentos de facto
Os factos e incidências processuais relevantes para a decisão são os que constam do antecedente relatório.
2.- Fundamentos de direito
2.1 A arguição de nulidade da decisão recorrida
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…………………..
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2.2 A (in)existência de título executivo
Estatui o artig0 10.º, n.º 5, do CPC que «toda a execução tem por base um título, pelo qual se determinam o fim e os limites da acção executiva».
Além de outras, o título executivo (documento certificativo da obrigação exequenda) tem uma função delimitadora, pois é por ele que se determina o fim e os limites, objectivos e subjectivos, da execução.
O título executivo, em regra, deve ser «autossuficiente no que concerne à determinação do objecto e finalidade da execução, tal como deve revelar, por si, os sujeitos activo e passivo da relação obrigacional, correspondendo à necessidade de se encontrar assegurada, com apreciável grau de probabilidade, a existência e o conteúdo da obrigação. A análise do título deve permitir apurar, sem necessidade de mais indagações, tanto o fim como os limites da ação executiva (…), para além da identidade do credor e do devedor»[3].
A falta de apresentação de título (ou de uma sua cópia) legitimam a recusa de recebimento do requerimento executivo pela Secretaria (no processo ordinário) ou pelo agente de execução (no processo sumário), como decorre do disposto nos artigos 725.º, n.º 1, al. d), e 855.º, n.º 2, al. a), do CPC.
A manifesta falta ou insuficiência do título é fundamento de indeferimento liminar do requerimento executivo (artigo 726.º, n.º 2, al. a), do CPC).
O exequente “Condomínio B...” deu à execução várias actas da assembleia de condóminos que entende serem títulos bastantes para obter o pagamento coercivo de:
- contribuições devidas pelos executados para as despesas de conservação e fruição das partes comuns do prédio aprovadas nessas reuniões plenárias, bem como juros de mora sobre os montantes em dívida;
- montantes devidos a título de penalizações pelo não pagamento atempado das contribuições;
- montante de honorários do seu mandatário;
- montante da taxa de justiça paga.
Na decisão recorrida considerou-se que essas actas, pura e simplesmente, não constituem títulos executivos, asserção que é assim justificada:
«Sendo o título o instrumento documental da demonstração da obrigação exequenda, fundamento substantivo da execução, a prestação exigida terá de ser a prestação substantiva acertada no título ou, por outras palavras, o objeto da execução deve corresponder ao objeto da obrigação definida no título. E a obrigação definida no título dado à execução é a do condómino ou condóminos que têm que pagar as prestações anuais de condomínio fixadas nos termos definidos no artº 1424º do C.C. E a obrigação definida no título dado à execução é a do condómino ou condóminos que têm que pagar as prestações anuais de condomínio fixadas nos termos definidos no artº 1424º do C.C., ou seja, a ata da deliberação que proceda à “aprovação do orçamento e despesas a efetuar durante o ano” – cfr. artº. 1431º. nº. 1, segunda parte, do CC.
Nas palavras do Ac. da RC de 23 de janeiro de 2018, relatado pelo Sr. Desembargador Pires Robalo e disponível in www.dgsi.pt “porque a fonte da obrigação pecuniária do condómino deriva da sua aprovação em assembleia de condóminos, consubstanciada na respetiva acta, que aprova e fixa o valor a pagar, correspondente à sua quota-parte para as despesas comuns”, é indiferente que o executado tenha ou não conhecimento do valor da quota a pagar.
Para poder recorrer à ação executiva o condomínio tem que ter em seu poder ata da assembleia de condóminos, realizada em cumprimento do disposto no artº. 1431º. do CC e 6º. Do D.L. 268/94 de 25 de outubro, e da qual resulta o valor “das contribuições devidas ao condomínio ou quaisquer despesas necessárias à conservação e fruição das partes comuns e ao pagamento dos serviços de interesse comum, que não devam ser suportadas pelo condomínio” no período a que a deliberação respeita. Do exposto resulta que não é título executivo a ata da deliberação que aprova a existência de dívidas pois que para tal a assembleia não tem atribuições, mas tão só a ata da assembleia que delibera sobre o valor das contribuições ou de despesas a suportar pelos proprietários das frações do edifício em propriedade horizontal, sendo o valor que recai sobre cada condómino determinável por aplicação da sua permilagem ao valor global - para maiores desenvolvimentos pode ver-se Ac. da RP de 27 de maio de 2014, relatado pelo Sr. Desembargador Vieira e Cunha e demais Jurisprudência aí citada.
Acresce que, como referimos em cima, resulta do disposto no artº. 713º. do CPC que a obrigação exequenda tem que ser certa, líquida e exigível.
A obrigação é certa quando a prestação esteja qualitativamente determinada. É líquida quando esteja quantitativamente determinada. E é exigível quando se encontra vencida ou o seu vencimento depende de simples interpelação ao devedor. E não estará dependente de interpelação quando tenha prazo certo (artº. 779º. do C.C.), quando o prazo seja incerto e a fixar pelo tribunal (artº. 777º. nº. 2 C.C.), não sendo exigível quando esteja sujeita a condição suspensiva que ainda não se verificou (artº. 270º. C.C. e 715º. nº. 1 C.P.C.).
Das atas dadas à execução resulta que nas respetivas assembleias foram aprovados orçamentos ordinários para os anos de 2014, 2015, 2019 – este por remissão para o orçamento do ano de 2015 – e 2020.
Não resulta, porém, de nenhuma das atas nem o valor dos orçamentos aprovados nem o valor das quotas imputadas a cada uma das frações que compõem o condomínio exequente.
Estamos, assim, no que concerne às quotas dos anos de 2016 a 2018 perante uma absoluta falta de título porquanto, relativamente a esses anos inexiste qualquer deliberação do condomínio, sendo as deliberações dos anos de 2019 e 2020 inexequíveis pois que das mesmas não resulta qualquer acertamento sobre o valor que os executados estariam obrigados a pagar.
Não gozando de exequibilidade as atas dadas à execução não pode a execução prosseguir para cobrança das demais quantias peticionadas porquanto acessórias da obrigação principal que seria o pagamento das quotas devidas ao condomínio.
De todo o modo sempre se dirá que é nosso entendimento que as penalidades não podem considerar-se contribuições devidas ao condomínio ou quaisquer despesas necessárias à conservação e fruição das áreas comuns e ao pagamento de serviços de interesse comum, sendo estes os referidos nos artºs 1424º., 1426º., 1427º. e 1429º. nº. 2 do CC., e relativamente aos quais os condóminos não se podem desvincular, e daí a exequibilidade que o legislador confere às deliberações que fixarem o respetivo valor. Já as penalidades não são obrigatórias, estando a sua fixação na disponibilidade da assembleia de condóminos, inexistindo qualquer fundamento para a aplicação analógica da regra do artº. 6º. nº. 1 do D.L. 268/94 a estas penalidades – cfr. Ac. RC de 21 de março de 2013, relatado pela Srª. Desembargadora Albertina Pedroso para o qual, para maiores desenvolvimentos, se remete - o que vale igualmente para as despesas de contencioso ou de pré-contencioso, não sendo “os honorários devidos a advogado … despesas relativas ao pagamento de serviços de interesse comum do condomínio, tal como definidas no art. 6º, n.º 1 do DL 268/94 de 25/10, não podem, (…), mesmo que tenham sido aprovadas em assembleia de condóminos e constem da respetiva ata, ser incluídos na execução movida contra o proprietário que deixar de pagar a sua quota-parte no prazo fixado” – Ac. RC de 25/09/2001 (Processo n.º 2242/2001, in www.dgsi.pt) sendo que as mesmas são reembolsáveis nos termos do disposto no artº. 541º. do C.P.C. e Regulamento das Custas Processuais. Para maiores desenvolvimentos pode ver-se ainda Ac do Tribunal da Relação do Porto de 10 de fevereiro de 2019, relatado pelo Sr. Desembargador Manuel Domingos Fernandes.
Por tudo o exposto, e ao abrigo do disposto nos artº. 726º. nº. 2 al. b) e nº. 5 e 734.º do CPC, rejeito a execução.»
O recorrente manifesta-se em total desacordo com a decisão e os seus fundamentos, desde logo, porque a Sra. Juiz não terá tido na devida consideração o conteúdo das actas apresentadas, designadamente quando ali se refere que «não resulta (…) de nenhuma das atas nem o valor dos orçamentos aprovados nem o valor das quotas imputadas a cada uma das frações que compõem o condomínio exequente».
Importa, pois, começar por verificar o que resulta desses documentos sobre essa matéria.
Com o requerimento executivo, o exequente juntou quatro actas, a saber:
- acta n.º 96 da assembleia de condóminos realizada em 31.01.2014, na qual foi apresentado, discutido e aprovado o orçamento das despesas relativas à conservação e fruição das partes comuns para o ano de 2014.
O ponto 2 (dois) da ordem de trabalhos era o seguinte: «Apresentação, discussão e aprovação do orçamento para o ano dois mil e catorze e apreciação dos valores das quotas-mensais ao condomínio, que vêm sendo praticados á alguns anos, e que continuarão a estar em vigor para este ano de dois mil e catorze»
A este propósito, ficou consignado em acta o seguinte:
«A administração passou a informar que, nos processos de cobrança de dívidas pendentes em Tribunal, por vezes é questionado o valor da quota e solicitada a junção da Acta onde tais valores foram fixados e/ou deliberados. Como esta administração já procurou nos seus registos e não encontrou a ata onde foram deliberados os valores das quotas de condomínio e considerando que nunca houve qualquer alteração nesses valores, sendo ainda os mesmos que se praticam actualmente; a Assembleia deliberou registar em ata os valores das quotas do condomínio, a fim de colmatar tal omissão, consignando, ainda, que os mesmos vêm sendo praticados desde o ano dois mil e seis até ao presente e continuarão em vigor neste ano de dois mil e catorze.»
Segue-se a menção dos valores mensais das contribuições que cabem a cada condómino, sendo de €43,00 o valor mensal da contribuição da fracção F, pertencente ao aqui executado C....
- acta n.º 99 da assembleia ordinária de condóminos realizada em 20.02.2015, na qual foi apresentado, discutido e aprovado o orçamento das despesas relativas à conservação e fruição das partes comuns para o ano de 2015.
Nesta acta consignou-se o seguinte:
«Neste ponto fica mencionado que os valores das quotas mensais de condomínio não vão sofrer aumento pelo que mantém-se em vigor os mesmos valores já registados na ata n.º 96 da Assembleia de trinta e um de Janeiro de dois mil e catorze»
Ficou, ainda, registado, como “condómino em incumprimento”, o proprietário da fracção F, C..., sendo o montante em dívida de contribuições, até final de 2014, de €1.032,00.
- acta n.º 109 da assembleia ordinária de condóminos realizada em 01.02.2019, na qual foi apresentado, discutido e aprovado o orçamento das despesas relativas à conservação e fruição das partes comuns para o ano de 2019.
Nesta acta voltou a consignar-se o seguinte:
«Neste ponto fica mencionado que os valores das quotas mensais de condomínio não vão sofrer aumento pelo que se mantêm em vigor os mesmos valores já registados na ata n.º 99 da Assembleia de vinte de Fevereiro de dois mil e quinze»
- acta n.º 113 da assembleia ordinária de condóminos realizada em 21.02.2020, na qual foi apresentado, discutido e aprovado o orçamento das despesas relativas à conservação e fruição das partes comuns para o ano de 2020.
Nesta acta consignou-se que, em 2020, iriam ser instaurados novos processos para cobrança de contribuições não pagas ao Condomínio, sendo um deles contra o condómino C..., cuja dívida ao condomínio atingia, nessa data, o montante de €1935,00, correspondente às contribuições mensais de €43,00 do período de Junho de 2016 a Fevereiro de 2020.
Posteriormente, mediante requerimento apresentado em 08.02.2021, foram apresentadas (e constam nos autos) mais três actas, a saber:
- acta n.º 102 da assembleia ordinária de condóminos realizada em 19.02.2016, na qual foi apresentado, discutido e aprovado o orçamento das despesas relativas à conservação e fruição das partes comuns para o ano de 2016.
Nesta acta consignou-se o seguinte:
«Neste ponto fica mencionado que os valores das quotas mensais de condomínio não vão sofrer aumento pelo que mantém-se em vigor os mesmos valores já registados na ata n.º 99 da Assembleia de vinte de Fevereiro de dois mil e quinze»
- acta n.º 104 da assembleia ordinária de condóminos realizada em 03.02.2017, na qual foi apresentado, discutido e aprovado o orçamento das despesas relativas à conservação e fruição das partes comuns para o ano de 2017.
Nesta acta consignou-se o seguinte:
«Neste ponto fica mencionado que os valores das quotas mensais de condomínio não vão sofrer aumento no ano de 2017, pelo que se mantêm em vigor os mesmos valores já registados na ata n.º 99 da Assembleia de vinte de Fevereiro de dois mil e quinze»
- acta n.º 106 da assembleia ordinária de condóminos realizada em 02.02.2018, na qual foi apresentado, discutido e aprovado o orçamento das despesas relativas à conservação e fruição das partes comuns para o ano de 2018.
Nesta acta voltou a consignar-se o seguinte:
«Neste ponto fica mencionado que os valores das quotas mensais de condomínio não vão sofrer aumento no ano de 2018, pelo que se mantêm em vigor os mesmos valores já registados na ata n.º 99 da Assembleia de vinte de Fevereiro de dois mil e quinze»
É inegável que das actas apresentadas não consta o valor dos orçamentos de despesas aprovados, pelo que deviam ser complementadas com os respectivos orçamentos aprovados, obtendo-se o valor da contribuição que cabe a cada condómino pela aplicação da permilagem da respectiva fracção autónoma ao valor global (como se explica no acórdão desta Relação de 27.0.2014, citado na decisão recorrida).
Porém, contrariamente ao que se afirma na decisão recorrida, das mencionadas actas consta o valor das contribuições imputado a cada fracção do condomínio.
Esses valores estão discriminados na acta n.º 96 e dela consta que o montante mensal da contribuição que cabe à fracção F (pertencente ao aqui executado C...) é de €43,00.
Resulta, ainda, das actas que esse valor se manteve inalterado desde 2006 até, pelo menos, 2020 (quando foi aprovado o orçamento para esse ano).
Esta é razão bastante para se concluir que, nessa parte, a decisão recorrida não pode manter-se.
Mas a decisão recorrida tem de ser alterada, ainda, por outro motivo.
Foi o Dec. Lei n.º 268/94, de 25 de Outubro, que conferiu força executiva às actas das assembleias de condóminos e o seu artigo 6.º, n.º 1, reza assim:
«A acta da reunião da assembleia de condóminos que tiver deliberado o montante das contribuições devidas ao condomínio ou quaisquer despesas necessárias à conservação e fruição das partes comuns e ao pagamento de serviços de interesse comum, que não devam ser suportadas pelo condomínio, constitui título executivo contra o proprietário que deixar de pagar, no prazo estabelecido, a sua quota-parte.»
Como anotam A.S. Abrantes Geraldes, L.F. Pires de Sousa e P. Pimenta (Código de Processo Civil Anotado, vol. II, Almedina, pág. 29), a expressão “montante das contribuições devidas” está na origem de uma querela jurisprudencial em que se defrontam duas correntes, sem que se possa falar em predomínio de uma sobre a outra.
Para uma dessas correntes, tal expressão só permite reconhecer exequibilidade às actas das assembleias de condóminos que fixem as contribuições para o futuro, isto é, que deliberem sobre o montante das contribuições devidas por cada condómino para esse ano (da reunião).
Argumenta-se a favor deste entendimento que «para que a ata possa ser tida como título executivo, necessário se torna que em causa esteja uma deliberação sobre o montante das contribuições e/ou despesas que devem ser pagas ao condomínio, a fixação da quota-parte devida por cada condómino e a fixação do prazo de pagamento respetivo» (Ac. STJ de 01.10.2019, Proc. n.º 14706/14.3 T8LSB.L1.S1, acessível in www.dgsi.pt, no qual se refere ser este o entendimento que colhe maior apoio na jurisprudência).
É nesta linha de entendimento que se posiciona a decisão recorrida.
A outra orientação defende que a exequibilidade das actas das assembleias de condóminos também deve ser reconhecida quando se delibere que um condómino é devedor de determinado montante (expressamente referido na acta) a título de contribuições e/ou despesas devidas e não pagas, encarregando o administrador de proceder à sua cobrança judicial.
Assim será porque o citado artigo 6.º, n.º 1, do Dec. Lei n.º 268/94 alude ao montante das contribuições devidas e não à fixação dessas contribuições; haverá que ter, ainda, em consideração a teleologia da norma e o facto de que a detenção de um título executivo em que o devedor não teve intervenção não altera as regras gerais de distribuição do ónus da prova, cabendo por isso ao Administrador do Condomínio demonstrar os factos constitutivos do crédito exequendo, quando os mesmos sejam impugnados pelo devedor (cfr. o acórdão da Relação de Lisboa proferido naquele mesmo processo e revogado pelo citado acórdão do STJ).
É, também, este o entendimento perfilhado pelos autores supra citados[4] e afigura-se-nos ser aquele que está em sintonia com a teleologia da norma, que teve em vista simplificar e agilizar a cobrança das contribuições de condóminos relapsos e impedir o arrastar de litígios judiciais, as mais das vezes, por causa de pequenos montantes, e não dificultá-la.
Acresce que, como se observa, com inteira pertinência, no acórdão da Relação de Lisboa de 18.03.2010, «não faz sentido atribuir força executiva à acta em que se delibera o montante da quota parte das contribuições que cabe a cada condómino pagar e já não à acta em que, por um condómino não ter cumprido o deliberado, por não ter pago as contribuições que lhe respeitam, se delibera sobre o valor da sua dívida e se encarrega o administrador de proceder à sua cobrança judicial, como se fosse de desresponsabilizar aquele que efectivamente não cumpriu as suas obrigações, até porque, pela própria natureza das coisas, só quando o condómino não tenha pago, a assembleia está em condições de deliberar sobre o montante da respectiva dívida e se deve ou não o administrador instaurar a acção tendente à sua cobrança (art. 6º, 2 do DL 268/94)».
Prosseguindo na tarefa de determinar os limites objectivos da execução, o mesmo é dizer, definir o que integra o conceito normativo “contribuições devidas ao condomínio” utilizado na norma que confere exequibilidade às actas das assembleias de condóminos, vejamos se nele se pode incluir o montante peticionado a título de penalizações pelo não pagamento atempado das contribuições.
Como se refere na decisão recorrida, existe uma importante diferença a assinalar: os encargos previstos nos artigos 1424.º, 1426.º, 1427.º e 1429.º, n.º 2, do Código Civil constituem despesas que se impõem aos condóminos, de que estes não podem desvincular-se (e por isso é perfeitamente compreensível que se tenha conferido eficácia executiva às actas das assembleias de condóminos que deliberem sobre esses encargos); não assim quanto às penalidades ou sanções pecuniárias, que, estando previstas no artigo 1434.º, n.º 1, do Código Civil, o legislador deixou na disponibilidade dos condóminos a sua consagração e fixação.
Mas também nesta matéria são bem conhecidas as divisões na doutrina e na jurisprudência. Divisões que estão bem evidenciadas nos acórdãos[5] da Relação de Lisboa de 30.04.2019, processo n.º 286/18.4 T8SNT.L1 («I.- A assembleia de condóminos pode fixar penas pecuniárias para a inobservância das suas deliberações, nomeadamente, penas pecuniárias a aplicar ao condómino em mora no pagamento das quotas de condomínio.II.- A ata da reunião da assembleia de condóminos que deliberou a aplicação e o montante dessas penas constitui título executivo contra o proprietário em mora.») e da Relação de Guimarães de 10.09.2020, processo n.º 956/14.6 TBVRL-T.G1 [«… 5. Face ao disposto no artigo 6º, nº 1, do DL 268/94 e considerando que importa privilegiar a matéria sobre a forma, consideram-se preenchidos os requisitos para que uma ata da assembleia de condóminos valha como título executivo quando dela resultam claras, seja por aquela as constituir, seja por as reconhecer e liquidar, as obrigações para que remete esta norma (contribuições devidas ao condomínio ou quaisquer despesas necessárias à conservação e fruição das partes comuns e ao pagamento de serviços de interesse comum, mas já não as penas pecuniárias) estando determinados (ou serem diretamente determináveis), os sujeitos da obrigação, bem como o seu objeto e causa, valores e decurso do prazo»].
Brevitatis causa, temos como correcta, e por isso a ela aderimos[6] , a posição expressa no acórdão desta Relação de 07.05.2018, processo n.º 9990/17.3 T8PRT-B.P1 (Des. Carlos Querido), publicado com o seguinte sumário:
«I - O n.º 1 do artigo 703.º do CPC consagra o princípio da excepcionalidade das normas que prevêem títulos executivos avulsos, devido ao seu caráter restritivo de direitos patrimoniais e mesmo processuais do devedor, daí decorrendo o seu âmbito taxativo, bem como a proibição de interpretação analógica.
II - Na aferição do alcance da previsão legal do n.º 1 do artigo 6.º, do Decreto-lei n.º 268/94, de 25 de outubro, na parte em que se refere a “contribuições devidas ao condomínio”, haverá que ter em conta o conceito de “Dívidas por encargos de condomínio” a que se reporta a epígrafe da norma em apreço, o qual nos remete para o artigo 1424.º do Código Civil, onde se prevêem tais encargos.
III - Não constituem “encargos de condomínio” as sanções de natureza pecuniária deliberadas pela assembleia de condóminos, razão pela qual não se encontram abrangidas no título executivo previsto n.º 1 do artigo 6.º, do Decreto-lei n.º 268/94, de 25 de outubro.»
É, também, essa leitura restritiva que faz o Professor Rui Pinto (“A execução de dívidas do condomínio” in Novos Estudos de Processo Civil, Petrony, 2017, pág. 192) do conceito normativo «contribuições devidas ao condomínio» ao expender que «esta ata não constitui título executivo de quaisquer outras obrigações pecuniárias do condómino, como o pagamento das penas pecuniárias fixadas pela assembleia de condomínio, nos termos do art. 1434.º CC. Esta última conclusão decorre do princípio da taxatividade e literalidade das normas que preveem títulos executivos e a que voltaremos adiante: as penalidades não são nem “contribuições”, nem “despesas”, mas obrigações sucedâneas por incumprimento.».
Por último, relativamente aos honorários do mandatário do Condomínio e à taxa de justiça paga, é uniforme (o que não quer dizer unânime) o entendimento de que não podem integrar o conceito «contribuições devidas ao condomínio»[7], tratando-se antes de custas de parte a cujo reembolso a parte vencedora tem direito (artigos 533.º e 540.º do CPC e 25.º e 26.º do RCP).
III - Dispositivo Pelo exposto, acordam os juízes desta 5.ª Secção Judicial (3.ª Secção Cível) do Tribunal da Relação do Porto em julgar parcialmente procedente a apelação e, em consequência, alterar a decisão recorrida, devendo a execução prosseguir, mas circunscrevendo-se a obrigação exequenda ao montante das contribuições que os executados têm em dívida ao “Condomínio” e respectivos juros de mora.
As custas do recurso serão suportadas por recorrente e recorridos em partes iguais.
(Processado e revisto pelo primeiro signatário).
Porto, 08-11-2021
Joaquim Moura
Ana Paula Amorim
Manuel Domingos Fernandes
_______________________________ [1] Por despacho de 15.12.2020, o Juízo de Execução do Porto (J4) declarou-se territorialmente incompetente para os termos da presente acção executiva, sendo antes competente o Juízo de Execução de Valongo, para onde foram os autos remetidos. [2] Notificado às partes por expediente electrónico elaborado no dia seguinte. [3] A.S. Abrantes Geraldes, L.F. Pires de Sousa e P. Pimenta, Código de Processo Civil Anotado, vol. II, Almedina, 2020, pág. 70. [4] Assim também o Professor M. Teixeira de Sousa em comentário favorável (post publicado, em 12.02.2020, no blogue do IPPC) ao acórdão da Relação de Évora de 12.09.2019 (processo n.º 3751/18.0 T8OER-A.E1) em que se decidiu que «I. A ata do condomínio prevista no art.º 6º/1 do Dec.-Lei 268/94, 25-10, é título executivo quer quando nela constam as contribuições resultantes da quota-parte a pagar pelo condómino, fixadas em assembleia de condóminos, como também quando nela constam a dívida ao condomínio resultante da ata onde se reproduza a deliberação da assembleia de condóminos que procedeu à liquidação dos montantes em dívida por cada condómino, sempre que a dívida seja certa, líquida e exigível e a ata não tenha sido impugnada nos termos do artigo 1433º/2 do CC.». [5] Ambos acessíveis em www.dgsi.pt [6] Assim também o voto de vencido no citado acórdão da Relação de Lisboa de 30.04.2019 [7] Cfr. Ac desta Relação de 18 de fevereiro de 2019, relatado pelo Desembargador Manuel Fernandes (que aqui intervém como Adjunto).