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PROCESSO DE INJUNÇÃO
AECOP
CRÉDITO EMERGENTE DE RESPONSABILIDADE CIVIL CONTRATUAL
Sumário
I - O processo de injunção é inadequado para o exercício de direitos decorrentes de responsabilidade civil contratual subsequente ao incumprimento de um contrato de crédito, pelo mutuário, designadamente os correspondentes ao recebimento dos valores de todas as prestações não pagas e declaradas vencidas, de juros e de cláusula penal. II - Sendo esses pedidos de valor inferior a 15.000,00€, mesmo após distribuição do processo e sua tramitação como acção declarativa para cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de contratos, é esta forma de processo especial inadequada para a apreciação do direito à obtenção daquelas prestações.
Texto Integral
PROC. Nº 7463/20.0YIPRT.P1
Tribunal Judicial da Comarca do Porto
Juízo Local Cível de Vila Nova de Gaia - Juiz 3
REL. N.º 636
Relator: Rui Moreira
Adjuntos: João Diogo Rodrigues
Anabela Andrade Miranda
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ACORDAM NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DO PORTO
1 – RELATÓRIO
Banco B…, S.A., Sociedade Aberta, com sede na …, Nº .. – Porto ….-… Porto, intentou um procedimento de injunção contra C… e D…, ambos residentes na R …, …, 2 Esq Frt - Vila Nova de Gaia ….-… Vila Nova de Gaia, pedindo a sua condenação no pagamento da quantia de 6.972,71€, acrescida de juros de mora à taxa legal em vigor para as operações comerciais vencidos até à data da propositura da acção, no montante de 1.267,16€ até efectivo e integral pagamento, acrescida de 153€ de taxa de justiça paga.
Fundamentando a sua pretensão, alegou ter celebrado um contrato de crédito com a referida C…, tendo por objecto o montante de 8.558,25€, que lhe haveria de ser restituído em prestações. Dessa obrigação se constituiu fiador o réu D…. Porém, a ré deixou de pagar as prestações ulteriores a 1/10/2018, o que, após interpelação, levou a que declarasse a resolução desse contrato. Tendo ficado em dívida o valor de 8.136,06€ correspondente à totalidade das prestações vencidas, juros moratórios e remuneratórios, despesas, comissões e imposto de selo, pretende a condenação dos réus no correspondente pagamento.
Em face da frustração da notificação do requerido D…, o processo foi remetido a distribuição, passando a tramitar nos termos do disposto nos arts. 3º e 4º do D.L. 269/98.
O Réu D… foi citado editalmente e, por se manter ausente, encontra-se representado pelo Ministério Público, nos termos do disposto no art. 21º do Código de Processo Civil. Não foi apresentada contestação.
A ré C… foi citada regularmente e não contestou.
Procedeu-se a julgamento, após o qual foi proferida sentença onde, após afirmar tabelarmente a regularidade da instância e apreciar a factualidade controvertida, o tribunal concluiu pela inadequação da forma processual usada pelo Banco, absolvendo os RR. da instância.
É desta decisão que vem interposto o presente recurso, pelo Banco B…, que o termina alinhando as seguintes conclusões:
“I. A douta sentença recorrida não deve manter-se pois consubstancia uma solução que não consagra a justa e rigorosa interpretação e aplicação ao caso sub iudice das normas e princípios jurídicos competentes.
II. O Requerente instaurou procedimento de injunção contra os Requeridos, a peticionar o pagamento de 8.392,87€, correspondente às prestações vencidas e não pagas nos termos do contrato em apreço, acrescida dos juros de mora, contados dia a dia, à taxa contratual em vigor de 9,88%, acrescida de uma sobretaxa de 3%.
III. O Requerido D… foi citado editalmente e foi representado pelo Ministério Público, a Requerida C… devidamente citada não deduziu oposição.
IV. Apesar de toda a factualidade alegada no procedimento de injunção ter sido dada como provada, inexistindo factos não provados, os Requeridos foram absolvidos da Instância, porque entendeu o tribunal a quo que se verifica a exceção dilatória inominada de utilização indevida do procedimento de injunção.
V. Considerou o Tribunal a quo que não está em causa, no caso sub judice, uma obrigação pecuniária que se mostre diretamente emergente de contrato, o que, no seu entender, ilegítima a utilização por parte do Autor do procedimento injuntivo e, consequentemente, o que impede o Tribunal de conhecer do mérito da causa.
VI. A sentença recorrida não justifica este entendimento de forma alguma, nem sequer é possível compreender se a decisão proferida se baseia no valor globalmente peticionado pelo Autor ou se apenas numa parcela desse valor, nem especifica se considera ser ilegítimo ao Autor peticionar o valor de capital, de juros moratórios ou montantes de cariz indemnizatório, deixando “no ar” a incerteza sobre os factos em que baseia a decisão proferida.
VII. A primeira parte da sentença indicia a procedência da ação, dando como assentes e provados todos os factos invocados pelo Autor, sem qualquer exceção.
VIII. E contrariamente ao espectável, a segunda parte da sentença aparece de surpresa, concluindo que, não obstante todos os factos invocados na petição inicial terem sido dados como provados, os Réus são absolvidos da instância pelo facto de se considerar que o valor peticionado não emerge do contrato celebrado entre as partes.
IX. Todas parcelas que formam o montante global em dívida pelos Réus e peticionado nos presentes autos – capital, juros de mora e compensação devidos pelo incumprimento verificado – decorrem, efetivamente, do clausulado que compõe o contrato em causa.
X. Ora, dispõe o art. 1.º do DL 269/98 de 01 de Setembro: “É aprovado o regime dos procedimentos destinados a exigir o cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de contratos de valor não superior a (euro) 15.000, publicado em anexo, que faz parte integrante do presente diploma”. (sublinhado nosso).
XI. A indeminização devida pela resolução contratual operada emerge do contrato junto a fls… na cláusula 8.4: “Sobre os encargos previstos nas cláusulas precedentes, quando estejam em mora, incidirão juros à taxa convencionada acrescida da sobretaxa de mora de 3%”.
XII. E sempre se dirá que as obrigações decorrentes do contrato celebrado entre o Autor e os Réus são de natureza pecuniária e emergem, efetiva e diretamente do contrato em apreço.
XIII. Trata-se de uma cláusula emergente do contrato, que foi negociada pelas partes ao abrigo do princípio da autonomia contratual, conforme dispõe o art. 405.º n.º 1 do CC e traduz-se numa quantia pecuniária, dependente, a par dos juros, de simples cálculo aritmético.
XIV. Veja-se a posição no Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, de 26-06-2012, donde pode ler-se, no sumário, o seguinte: “(…)IV - Na acção especial para cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de contrato é admissível ao credor exigir do devedor a indemnização convencionada em qualquer estipulatio poena, desde que a prestação prometida pelo devedor consista numa soma pecuniária.”
XV. A lógica que preside ao procedimento de injunção é a da simples cobrança, rápida e simples, de dívidas pecuniárias, acompanhada das consequências indemnizatórias mais imediatas e necessárias dessa cobrança, como é o caso dos presentes autos.
XVI. O próprio formulário do procedimento de injunção permite ao requerente «formular o pedido com discriminação do valor do capital, juros vencidos e outras quantias devidas» (sublinhado nosso).
XVII. Não se compreende por que razão a sentença recorrida determina que não se encontram preenchidos os pressupostos legalmente exigidos para a utilização de injunção, e o que, no entender da decisão proferida, impede o Tribunal de conhecer do mérito da causa.
XVIII. O Banco Autor é do entendimento que, tendo em conta as características da dívida peticionada, o procedimento de injunção é, efetivamente, o meio processual mais adequado para a recuperação do seu crédito pela via judicial.
XIX. Acresce que, a sentença não é clara quanto ao que, no caso sub judice, considera não consubstanciar uma obrigação pecuniária e, consequentemente, o que fundamente a decisão de absolver os Réus, integralmente, da instância, não especifica os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão.
XX. Isto porque na primeira parte da sentença apenas indicia a condenação dos Réus no pedido formulado e não, conforme a decisão proferida, no sentido da total absolvição da instância.
XXI. Presumindo-se que o Tribunal a quo possa entender que a invocada utilização indevida da injunção se deva ao facto do Autor peticionar um valor devido por força da cláusula penal constante do contrato, sempre deveria a ação ser julgada procedente, ainda que de forma parcial, relativamente a todas as restantes obrigações pecuniárias decorrentes do contrato e peticionadas no processo, designadamente capital e juros vencidos, devendo os Réus serem condenados no pagamento do peticionado.
XXII. O erro na forma de processo determina, apenas a anulação dos actos que não possam ser aproveitados e, por essa razão, em cumprimento do disposto no artigo 193.º, n.º 1 do CPC, não poderia ter sido proferida decisão de total absolvição dos réus da instância, pelo que, deveriam os mesmos terem sido condenados, pelo menos, em relação ao crédito relativo ao capital e aos respetivos juros.
XXIII. Veja-se o Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, de 25-10-2016, Processo N.º 166428/15.5YRPRT.C1, disponível em www.dgsi.pt.
XXIV. Por outro lado, e tendo sido distribuída a injunção, converteu-se a mesma em ação de processo comum, pelo que nada obsta a que a cláusula penal peticionada seja conhecida, uma vez que o seu conhecimento em nada influencia a tramitação do processo.
XXV. Isto porque em momento algum os direitos dos Requeridos ficam restringidos ou limitados, porquanto podem em sede de oposição, opor-se ao valor peticionado a título de cláusula penal, e carrear para os autos elementos de prova, tal como nos demais processos comuns.
XXVI. Assim, a questão a decidir coloca-se numa fase posterior à convolação do procedimento de injunção em acção declarativa comum.
XXVII. Impõe-se avaliar se a rejeição pelo Tribunal «a quo» podia ser afastada quando os autos se encontravam já no quadro desta acção comum e não do procedimento de injunção.
XXVIII. Conforme resulta do Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, n.º 69245/17.0YIPRT-A.L1-6, disponível em www.dgsi.pt: “Um primeiro elemento a tornar presente é o de que estamos perante compartimentos estanques colocados um a montante e outra a jusante sendo que, tendo-se migrado para contexto processual completamente distinto do inicial, são irrelevantes as limitações anteriores por nos encontrarmos perante um distinto contexto técnico e diversas finalidades – visando-se, num caso, «conferir força executiva a requerimento», id est, a «aposição da fórmula executória» (cf. art.s 7.º e 14.º do Decreto-Lei n.º 269/98, de 01 de Setembro) e, no outro, a bem mais complexa operação de impor «a prestação de uma coisa ou de um facto, pressupondo ou prevendo a violação de um direito» (vd. a al. b) do n.º 3 do art. 10.º do Código de Processo Civil). Assim, ainda que sem evitar tocar as raias da tautologia, há que patentear que as acções declarativas comuns não podem ser rejeitadas por falta de pressupostos ou contextos processuais relativos a processado já desaparecido, inexistente e inaplicável.”
XXIX. Isto porque, o que releva para uma ação de natureza declarativa são os seus pressupostos, finalidades, objectivos e condições de procedência.
XXX. Em sede de uma ação de tipo comum, não pode um tribunal averiguar se se preenchem os pressupostos de outro tipo de acção, in caso, do procedimento injuntivo, que extingue com a convolação.
XXXI. Veja-se o supra citado Acórdão: “Submetendo a decisão impugnada a teste de aferição à luz desta inafastável conclusão, temos que o Tribunal «a quo» referiu, em sede declarativa, que se verificava inadequação do procedimento de injunção já inexistente e cujas limitações haviam sido superadas com o surgimento de um modelo processual de reconhecimento pleno desprovido das compressões objectivas justificadas pelo carácter não judicial do modelo português de injunção (apenas com paralelo nos Direitos austríaco e alemão – vd., o que escrevemos a este propósito em Textos de Cooperação Judiciária Europeia em Matéria Civil e Comercial, Coimbra Editora, 2008, pág. 150 e A Cobrança de Créditos na Europa, Os Procedimentos Europeus de Injunção e Pequenas Causas, Lisboa, Quid Juris, págs. 7 a 12).”
XXXII. Aqui chegados, é forçoso concluir que não podia o Tribunal a quo ter chegado à conclusão a que chegou através de decisão proferida no âmbito de um processo para outro (ação comum) por referência a um procedimento extinto (o de injunção).
XXXIII. Nesse sentido o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 14-02-2012, Processo n.º 319937/10.3YIPRT.L1.S1, disponível em www.dgsi.pt:
“49.– Inviabilizado o pedido de injunção face à oposição deduzida, agora do que se trata é de saber se o crédito reclamado pode ser reconhecido no âmbito da ação declarativa ordinária em que se transmudou o procedimento de injunção.
50.– A nossa resposta, atento o exposto, é positiva. A oposição do requerido obsta necessariamente à injunção e, por isso, o seu objetivo não pode deixar de ser o de contestar o crédito reclamado. Ora, situando-nos já no âmbito de ação declarativa ordinária, não releva, enquanto facto obstativo do conhecimento de mérito, a prova de que a transacção comercial que constitui causa de pedir não está inserida no âmbito das transações comerciais que permitem o recurso à providência de injunção; pois, ainda que a transação invocada não pudesse permitir que fosse decretada a injunção, ela não obsta a que o crédito seja reconhecido visto que em ação declarativa ordinária é indiferente a natureza da transação que deu origem ao crédito.”
XXV - Consequentemente, a douta decisão recorrida, ao julgar verificada a exceção dilatória inominada de utilização indevida do procedimento de injunção violou o disposto nos artigos os art.ºs 1.º e 17.º 3 do DL n.º 269/98, de 01 de Setembro e art.º193.º, 196.º, 278.º, 546º n.º 2, 547º e 577.º b) todos do CPC, pelo que deve a mesma ser revogada.
Termos em que o presente recurso deve merecer provimento, revogando-se a douta sentença recorrida e consequentemente ser proferida decisão que condene os Requeridos no pagamento da quantia de 8.392,87€, acrescidos de juros vencidos e vincendos até efetivo e integral pagamento, com todas as consequências legais.
Assim, se fará, como sempre, inteira JUSTIÇA.”
Não se mostra junta resposta ao recurso.
O recurso foi admitido como apelação, com subida nos próprios autos e efeito devolutivo.
Cumpre decidi-lo.
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2- FUNDAMENTAÇÃO
Não podendo este Tribunal conhecer de matérias não incluídas nas conclusões, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso - arts. 635º, nº 4 e 639º, nºs 1 e 3 do CPC, é nelas que deve identificar-se o objecto do recurso.
No caso, as questões a decidir são as seguintes:
1 – Se os valores pedidos pelo B… constituem uma obrigação pecuniária, para efeitos do disposto no art. 1.º do DL 269/98 de 01 de Setembro;
2 –Se a circunstância de o processo ter sido distribuído e passado a tramitar como processo declarativo determina a superação da eventual desadequação da inicial forma de processo injuntivo.
3 - Se, na hipótese de a forma processual sob a qual tramitaram os autos ser inadequada para a apreciação de algum dos pedidos, poderia habilitar ao conhecimento dos demais;
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A análise das questões que acabam de se enunciar exige que se tenham presentes a causa de pedir e os pedidos formulados pelo autor, no seu requerimento de injunção.
Uma tal causa de pedir foi descrita como um contrato de crédito pessoal nos termos do qual o B… entregou a C…, por empréstimo, a quantia de 8.558,25€, com a estipulação de que, pela utilização do capital mutuado, esta pagaria juros sobre o capital em dívida, de acordo com a taxa de juro fixada no contrato e que, em caso de mora, seria acrescida de uma sobretaxa de 3% a título de cláusula penal. Tal valor haveria de ser pago em prestações mensais e sucessivas nas demais condições constantes do contrato. Porém, a Mutuária não pagou ao Banco as prestações vencidas após 01.10.2018, o que determinou o vencimento de todas as restantes, por cujo pagamento é responsável também o requerido D…, em virtude de fiança que prestou.
Em razão desta causa de pedir, pretende o Banco o pagamento do valor do capital em dívida, num total de 6.972,71€, acrescida dos juros de mora, contados dia a dia, à taxa contratual em vigor de 9,88%,acrescida de uma sobretaxa de 3%, a título de cláusula penal, que se calculavam em 1.267,16€ à data da instauração do procedimento injuntivo.
A adequação do procedimento de injunção, ou do procedimento declarativo especial previstos no DL 269/98, de 1/9, para a cobrança de valores em dívida em resultado de determinado tipo de negócios jurídicos está definida no respectivo art. 1º, que dispõe: “É aprovado o regime dos procedimentos destinados a exigir o cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de contratos de valor não superior a (euro) 15.000, publicado em anexo, que faz parte integrante do presente diploma.
Nos termos desta norma, só é admissível a utilização de tais formas processuais quando a causa de pedir seja o incumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de contratos de valor não superior a 15.000,00€.
Diversa doutrina e jurisprudência têm sido produzidas sobre a matéria, não deixando já dúvidas sobre o conteúdo de tal conceito de “obrigações pecuniárias emergentes de contratos”.
Como refere Paulo Duarte Teixeira (“Os Pressupostos Objectivos e Subjectivos do Procedimento de Injunção», em “Themis”, VII, nº 13, pgs. 184-185), essas obrigações são “(…) apenas aquelas que se baseiam em relações contratuais cujo objecto da prestação seja directamente a referência numérica a uma determinada quantidade monetária (…) daqui resulta que só pode ser objecto do pedido de injunção o cumprimento de obrigações pecuniárias directamente emergentes de contrato, mas já não pode ser peticionado naquela forma processual obrigações com outra fonte, nomeadamente, derivada de responsabilidade civil. O pedido processualmente admissível será, assim, a prestação contratual estabelecida entre as partes cujo objecto seja em si mesmo uma soma de dinheiro e não um valor representado em dinheiro».”
Em sentido idêntico se pronuncia Salvador da Costa (Injunções e as Conexas Ação e Execução, 5ª ed. atual. e ampl., 2005, pág. 41), afirmando que “o regime processual em causa só é aplicável às obrigações pecuniárias diretamente emergentes de contratos, pelo que não tem a virtualidade de servir para a exigência de obrigações pecuniárias resultantes, por exemplo, de responsabilidade civil, …”.
Adoptando este entendimento, podem ver-se, entre outros, os Acs. do TRP de 15/1/2019, proc. nº 141613/14.0YIPRT.P1; de 24/5/2021, proc. nº 2495/19.0T8VLG-A.P1, de 25/5/2021, proc. nº 113862/19.2YIPRT.L1-7.
No caso em apreço, o pedido corresponde, tal como apreciado nos acórdãos anteriormente citados, não ao cumprimento de uma obrigação pecuniária stricto sensu, mas ao exercício da responsabilidade civil contratual subsequente à resolução de um contrato por incumprimento, com todas as consequências: vencimento imediato de todas as prestações previstas, contabilização de juros de mora e aplicação de uma taxa a título de cláusula penal.
Por conseguinte, cumpre afirmar, em concordância com a decisão recorrida, que o procedimento de injunção é um expediente processual impróprio para obter satisfação dos pedidos do autor, já que estes não são subsumíveis ao conceito de cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de um contrato.
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Esta conclusão conduz-nos de imediato para a análise da seguinte: no caso em apreço, por não ter sido conseguida a notificação do requerido D…, o processo foi distribuído. E passou a seguir os termos de um processo declarativo. Por isso, afirma o apelante, deixaram de se verificar os obstáculos referidos à tramitação da pretensão do autor sob a forma de injunção. Deve esquecer-se essa fase, pois que a distribuição do processo como acção declarativa fez nascer toda uma nova tramitação processual, à qual não podem ser opostos os condicionamentos que impediam o recurso ao processo de injunção.
O apelante cita até jurisprudência, nas suas conclusões XXVIII a XXXIII, onde tal solução se enuncia, isto é, que “tendo-se migrado para contexto processual completamente distinto do inicial, são irrelevantes as limitações anteriores por nos encontrarmos perante um distinto contexto técnico e diversas finalidades (…). Assim, (…) há que patentear que as acções declarativas comuns não podem ser rejeitadas por falta de pressupostos ou contextos processuais relativos a processado já desaparecido, inexistente e inaplicável.”
Acontece, porém, que nesse caso (Ac. do TRL, de 11/2/19, no proc. n.º 69245/17.0YIPRT-A.L1-6), tal como no outro exemplo que cita, a distribuição do processo conduziu à respectiva tramitação sob a forma de processo comum, nos termos do nº 2 do art. 10º do DL 62/2013, de 10 de Maio (como acção sob a forma ordinária, no caso do processo mais antigo, a que se reporta o Ac. do STJ citado). Foi por cada um desses processos ter passado a tramitar como processo comum, onde se não verificam compressões dos direitos processuais da parte contrária, maxime quanto a prazos e à instrução probatória da causa, que ali se entendeu – como não devia deixar de ser, também a nosso ver – inexistir qualquer obstáculo para a apreciação de pedidos para os quais fora inadequado o processo de injunção.
No caso em apreço, é diferente a situação: é que, por o respectivo valor ser inferior a 15.000,00€, a distribuição deste processo, consequente à ausência do requerido D…, deu azo a que o mesmo tivesse passado a tramitar como acção declarativa especial para cumprimento de obrigações pecuniárias, nos termos do nº 4 do art. 1º e dos arts. 3º e 4º do regime anexo ao DL. 269/98, em cumprimento do disposto no art. 17º. E, para esta forma de processo, ali se estabelece um regime processual expedito, com prazos, actos e provas restringidos ao essencial, em homenagem a interesses de agilidade e celeridade.
Ora, esse regime processual, nos termos do art. 1º do D.L. 269/98, continua reservado à mesma espécie de obrigações que as injunções: obrigações pecuniárias decorrentes do incumprimento de contratos de valor inferior a 15.000,00€. E, como já vimos anteriormente, esse não é o caso das obrigações decorrentes do contrato de mútuo que integra a causa de pedir alegada pelo B….
Por consequência, diferentemente do que aconteceria no caso de a distribuição do processo de injunção se executar em cumprimento do art. do nº 2 do art. 10º do DL 62/2013, de 10 de Maio, por o pedido ser superior a 15.000,00€ (o que exigiria a verificação de outros pressupostos, que aqui não interessa discutir), originando a sua tramitação como processo comum, sem restrições especiais, na situação sub judice a distribuição do processo levou a que o mesmo observasse a tramitação célere e aligeirada especificamente prevista para um tipo de casos diferente daquele que os autos consubstanciam.
É, por isso, impossível afirmar que, com a transmutação do processo injuntivo em acção declarativa, desapareceram as razões e as consequências que justificavam a inadmissibilidade do processo injuntivo para a tutela da pretensão do requerente. Pelo contrário, essas razões, constituídas pelas especificidades da tramitação deste processo declarativo especial, mantêm-se, justificando que não se possa aplicar o respectivo regime a outro tipo de obrigações para além das previstas no art. 1º do D.L. 269/97, designadamente às decorrentes de responsabilidade civil contratual, como é o caso dos autos.
Improcedem, por isso, as razões do apelante também em relação à segunda questão.
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Por fim, alega o apelante que a discussão sobre a admissibilidade desta forma de processo para a tramitação e apreciação dos seus pedidos deve ser repartida em função da diferente natureza de cada um deles e, se ela for tida por inadmissível no tocante à aplicação da cláusula penal e cobrança do respectivo valor, a essa parte do pedido se deve limitar a decisão de absolvição da instância. E isso porquanto as demais obrigações cujo cumprimento vem exigir são emergentes do próprio contrato.
Não tem, porém, razão. Como se referiu antes, nenhum dos pedidos formulados pelo B… consubstancia uma obrigação pecuniária stricto sensu. Aliás, é o próprio requerente, ora apelante, que na sua conclusão XI esclarece que a sua pretensão decorre da resolução do contrato de crédito celebrado com a requerida C…, com o que pede não o pagamento de cada uma das prestações previstas, no seu próprio tempo, conforme contratualmente estabelecido, mas todo o seu valor, acrescido de quantias indemnizatórias por mora e a título de cláusula penal, por as considerar imediatamente vencidas na totalidade. Trata-se, como se referiu, do exercício de um direito fundado na responsabilidade civil contratual, relativamente a todo e cada um dos pedidos, e não do cumprimento da obrigação de entrega de uma quantia específica, correspondente à contraprestação de uma outra prestação satisfeita pelo banco.
Por isso, a nenhum dos pedidos formulados pelo Banco cabe o regime processual da injunção, nem tão-pouco o da acção declarativa especial em que o processo injuntivo se transmutou, pelo que em relação a nenhum deles poderia o tribunal a quo proferir decisão de mérito.
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Ao detectar a inadmissibilidade do conhecimento de todos e de cada um dos pedidos do autor – o que se nos afigura sobressair com clareza da decisão recorrida, não se justificando as reservas a esse propósito enunciadas no presente recurso – o tribunal qualificou-a como excepção dilatória inominada, absolvendo os RR. da instância.
Certo é que o fez tardiamente, praticando antes uma quantidade de actos inúteis, que vão desde a realização do próprio julgamento até à elaboração da sentença pois que, apreciando a existência dessa anomalia antecipadamente, bem deixaria de apreciar a factualidade sob discussão, de enunciar os factos tidos por provados ou de motivar esse juízo. Em qualquer caso, apesar de ter afirmado, em sede de saneamento, que a instância se mostrava regular, isso não passou de um despacho tabelar, sem expressa pronúncia sobre qualquer matéria, não tendo constituído caso julgado formal sobre uma tal regularidade que, logo de seguida, veio rejeitar.
Por outro lado, nem o apelante suscita tal questão, nem tem utilidade discutir se, em vez de uma excepção dilatória inominada, a situação sub judice consubstancia uma nulidade processual, tal como previsto nos arts. 193º e 196º do CPC.
Com efeito, mesmo nesta última hipótese, tendo a utilização do expediente processual previsto nos arts. 1º, 3º e 4º do regime anexo ao D.L. 269/98 resultado ab initio na compressão de direitos de defesa dos RR., nenhum acto processual se poderia aproveitar, designadamente para se convolar este processo num típico processo comum e se aproveitar qualquer dos actos nele praticados. Por isso, sempre haveriam de ser os RR. absolvidos da instância como foram.
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Resta, pois, concluir pela confirmação da decisão recorrida, na improcedência da apelação.
Pelo exposto, acordam os juízes que constituem este Tribunal em julgar improcedente a presente apelação, com o que confirmam a decisão recorrida.
Custas pelo apelante
Reg. e not.
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Porto, 15 de Dezembro de 2021
Rui Moreira
João Diogo Rodrigues
Anabela Miranda