CONDUÇÃO SEM HABILITAÇÃO LEGAL
AUTORIA
INSTIGAÇÃO
Sumário

O pai que autoriza, permite e faculta o veículo com motor de que é proprietário a seu filho, para este o conduzir, apesar de não ter título de condução, comete o crime do artº 3º do DL nº 2/98.

Texto Integral

Acordam na 1ª Secção Criminal do Tribunal da Relação do Porto

1. Relatório
No .º Juízo Criminal das Varas de Competência Mista e Comarca de Vila Nova de Gaia, foi proferida sentença absolvendo o arguido B.......... da prática de um crime de condução de veículo a motor, sem habilitação legal, previsto e punível pelo art. 3º, n.º 1 e 2 do DL n.º 2/98, de 3/01, conjugadamente com previsto no art.134º, n.º 5 al. c) do Cód. Estrada.

Inconformado com tal absolvição, o M.P recorreu para esta Relação, formulando as seguintes conclusões:

“1. Pese embora tenham sido julgados provados todos os factos constantes da acusação foi proferida sentença absolutória com base no entendimento jurídico de que a norma ínsita na al. c) do n.º 5 do art. 134º do Cód. da Estrada apenas é relativa à responsabilidade pelas infracções do código da estrada e legislação complementar de pessoa diferente do agente do facto ilícito, como excepção ao critério geral previsto no n.º 1 do art. 134º e que não prevê a responsabilidade simultânea de dois agentes pelo mesmo facto.

2. Por outro lado, a citada norma não abrange a responsabilização pela prática do crime de condução ilegal em si mesmo, mas tão somente a responsabilidade por infracções estradais que constituam contra-ordenação quando cometidas por pessoas a quem tenha sido facultada a condução veículo quando estas não estejam legalmente habilitadas para o efeito.

3.O Ministério Público discorda do entendimento acima exposto acolhido na sentença recorrida e que conduziu à absolvição do arguido

4. Com efeito, é a própria legislação rodoviária, através do art. 133º, n.º 1 do Código da Estrada que prevê que as infracções ao Código da Estrada não só podem ter a natureza de contra-ordenações como podem constituir crime, sendo, nesse caso, aplicável a lei penal para a sua punição e processamento.

5. Aliás, é o próprio Dec. Lei n.º 2 / 98 de 3/1 que, ao aprovar as alterações ao Código da Estrada aprovado pelo Dec. Lei n.º 114/94 de 3/5, estabeleceu também, no seu art. 3º acima citado, que a condução de veículo a motor na via pública sem habilitação legal passou a constituir ilícito penal.

6.O Dec. Lei n.º 2/98 de 3/1 veio repor, embora com âmbito distinto, a incriminação da condução de veículo sem habilitação legal que vigorava através do art. 1º do Dec. Lei n.º 123/90 de 14/4 e que foi revogado pela versão inicial do Código da Estrada aprovado pelo DL 114/94 de 13 /5 e publicado no uso da Lei de Autorização legislativa de n.º 63/93, de 21/8, que punia essa conduta como contra-ordenação.

7. Aliás, a lei de autorização legislativa invocada na sentença veio precisamente permitir a cessação dessa responsabilidade criminal, actualmente reposta pelo DL 2/98 de 3/1 e o estabelecimento da natureza contra-ordenacional a essa infracção através da redacção então conferida ao art. 124º do Código da Estrada, pelo que não faz sentido invocá-la por forma a afastar do âmbito actual da determinação das pessoas responsáveis pelas infracção ao Código da Estrada e legislação complementar, o próprio crime de condução ilegal.

8. Na verdade, de acordo com o art. 3º, n.º 1 2 do Dec. Lei n.º 2/98, de 3/1; 121º, n.º1, 122º, n.º1, 133º, n.º 1 e 134º, n.º 1 e 5 do Cód. da Estrada, a infracção ao art. 121º e 123º do Código da Estrada é punida como crime pelo art. 3º do Dec. Lei n.º 2/98 de 3/1, em conformidade com o próprio art. 133º, n.º 1 do Cód. da Estrada.

9. Por outro lado, a redacção do art. 134º, n.º 1 e 5, al. c) do Código da estrada prevê que é responsável por essa infracção a título criminal não só o agente dessa conduta, mas também o agente que faculte a utilização veículos a pessoas que saiba não estarem devidamente habilitadas para conduzir, não se concordando com a interpretação de que a responsabilidade do primeiro agente exclua a responsabilidade do segundo e que a responsabilidade de quem faculta veículo a quem não está habilitado à condução só abrange as contra-ordenações estradais por este praticado, pois isso não resulta das normas invocadas.

10 Face à mencionada interpretação dos artigos 121º, 123º, 133º, n.º 1, 134º, n.º 1 e 5, al. c) do Código da Estrada e art. 3º, n.º 1 e 2 do Dec. Lei n.º 2/98, de 3/1 que se julga terem sido violados pela sentença recorrida, afigura-se-nos que os factos provados impõem que se julgue preenchidos os pressupostos de responsabilidade criminal do arguido pela prática do crime de condução sem habilitação legal.

O arguido não respondeu.

Nesta Relação, o Ex.º Magistrado do M.P. teve vista dos autos.

Colhidos os vistos legais, procedeu-se a audiência de julgamento.

2. Fundamentação
2.1. Matéria de facto

A sentença recorrida deu como assente a seguinte matéria de facto:

“(…)
FACTOS PROVADOS:
Relevante para a decisão da causa, resultou provada a seguinte matéria de facto:
- O arguido B.......... é proprietário do motociclo de matrícula ..-..-HQ e autorizou e permitiu que o seu filho C.......... o conduzisse na via pública, sabendo que o mesmo não era possuidor de carta ou licença de condução, por forma que pudesse treinar com vista à obtenção da sua carta de condução.
- Assim, no dia 25 de Agosto de 2002, cerca das 16.00 horas, C.......... conduzia o referido motociclo na .........., em .........., .........., sem que para o efeito se encontrasse habilitado com carta de condução, ou qualquer outro documento que legalmente o habilitasse à condução estradal, tendo sido fiscalizado pelas autoridades policiais.
- Por esse facto C.......... foi julgado e condenado no processo sumário nº .../02..DGVNG do .º Juízo Criminal de Vila Nova de Gaia, por sentença de 26.08.2002, transitada em julgado, pela prática de um crime de condução de veículo sem habilitação, previsto e punível pelo artigo 3º, nº 1 e 2, do Decreto-Lei nº 2/98 de 3 de Janeiro, na pena de 150 dias de multa, à taxa diária de 2 Euros, o que perfaz a quantia de 300 Euros.
- O arguido B.......... agiu consciente e livremente ao permitir, autorizar e facultar que o seu filho C.......... circulasse com o motociclo na via pública, bem sabendo que o mesmo não possuía carta de condução ou qualquer outro documento que legalmente o habilitasse à condução estradal e que, nessas circunstâncias, lhe estava vedada tal tipo de actividade, sabendo a sua conduta proibida e punida por lei.
- Ao arguido não são conhecidos antecedentes criminais.
- O arguido é serralheiro, aufere mensalmente cerca de 600 Euros mensais, é casado, a sua mulher aufere mensalmente cerca de 399 Euros e vivem em casa arrendada, pela qual mensalmente cerca de 199 Euros.
- O arguido tem a 4ª classe como habilitações literárias.

FACTOS NÃO PROVADOS:
Não se provaram quaisquer outros factos relevantes para a decisão da causa articulados na acusação ou alegados em audiência que não se encontrem descritos como provados ou que se mostrem em oposição aos provados ou prejudicados por estes.

2.2. Matéria de Direito
No presente recurso está em causa apenas uma questão de direito. Saber se o pai que autoriza, permite e faculta ao seu filho o veículo com motor de que é proprietário, para este o conduzir, sem habilitação legal, também comete o crime previsto no art. 3º, nº 1 e 2 do Decreto-Lei nº 2/98, de 3 de Janeiro.

A sentença recorrida entendeu que não.

Para tal, fundamentou a sua decisão nos seguintes termos: “(…) Face à matéria de facto considerada provada, julgamos que a conduta do arguido não é punível pelo crime previsto e punível pelo artigo 3º, nº 1 e 2 do Decreto-Lei nº 2/98 de 3 de Janeiro.
O artigo 134º, nº 5, alínea c) do Código da Estrada prevê apenas, e quanto a nós, a responsabilidade relativa a infracções estradais que constituam contra-ordenações e cometidas por alguém que não se encontra habilitado a conduzir, não abrangendo o crime de condução de veículo a motor sem habilitação legal em si mesmo. Tal entendimento emerge da leitura integral do artigo 134º do Código da Estrada, conjugadamente com o artigo 2º, nº 1, alíneas u), v), x) e z) da Lei nº 63/93 de 21 de Agosto, primeiro diploma de autorização legislativa.
O artigo 134º, nºs 2, 3, 4 e 5, do Código da Estrada prevê a responsabilização de terceiro por excepção à regra geral do nº 1, do mesmo preceito legal e não a responsabilização de dois agentes pelo mesmo facto.
A tal acresce que julgamos ser o crime de condução de veículo a motor sem habilitação legal, previsto e punível pelo artigo 3º, nº 1 e 2, do Decreto-Lei nº 2/98 de 3 de Janeiro, de mão própria, uma vez que o ilícito típico apenas se verifica quando o autor o realiza pessoalmente, podendo apenas verificar-se autoria material directa e imediata, o que afasta a possibilidade de condenação do arguido como co-autor do seu filho C.......... nos termos do artigo 26º do Código Penal.
Por último, refira-se que não se verifica cumplicidade nos termos do artigo 27º, nº 1, do Código Penal, uma vez que o C.......... apenas praticou o crime de condução de veículo a motor sem habilitação legal porque o seu pai lhe facultou o seu motociclo, autorizando-o a fazê-lo, não se limitando a favorecer o facto, tendo sido antes a conduta do arguido essencial à prática do crime pelo C.......... . (…)”

Que dizer desta fundamentação?

Concordamos com a sentença quando afirma que a questão não se resolve com a aplicação do art. 134º do Código da Estrada. A extensão da autoria aí prevista é válida apenas para as contra-ordenações e não para os crimes. Para os crimes, rege o regime previsto no Código Penal. Conforme se dizia no Acórdão desta Relação, de 24-11-2004, recurso RP200411240443152, num caso essencialmente idêntico, “(…) Esta questão não pode resolver-se por recurso ao preceituado na alínea c) do n.º 5 do artigo 134.º do Código da Estrada, onde se dispõe serem «também responsáveis pelas infracções previstas neste Código e legislação complementar: (…) c) Os que facultem a utilização de veículos a pessoas que não estejam devidamente habilitadas para conduzir (…)» (sublinhados nossos). E isto não apenas porque esta norma – que tem por finalidade precípua alargar o âmbito dos responsáveis pela violação dos preceitos estradais de modo a abranger todos aqueles que colaboram na, (ou facilitam a) prática de determinadas infracções rodoviárias – reveste uma clara natureza excepcional (o que tornaria ilegítima a transposição da solução nela contida para o domínio penal), mas igualmente porque, como estabelece o artigo 134.º, n.º 1, do corpo de normas em referência, «as infracções às disposições deste Código e legislação complementar têm a natureza de contra-ordenações, salvo se constituírem crimes, sendo então puníveis e processadas nos termos gerais da lei penal”.

Recorrendo às regras do Código Penal relativas à participação criminosa, é aplicável o disposto nos artigos 26º e 27º do C. Penal e, nessa medida, o arguido é autor, no sentido amplo do art. 26º do C. Penal, ou é cúmplice.

Aceitamos a argumentação da sentença recorrida ao afastar a co-autoria, dado que o crime de condução de veículos só pode naturalmente ser cometido por aquele que conduz o veículo, sem estar para tal habilitado (crime de mão própria). De resto, o ora arguido tem título que o habilita a conduzir e, por isso, seria absurdo condená-lo como co-autor material de um crime de condução sem a habilitação legal que ele próprio detém.

Resta assim saber se o arguido, face à matéria de facto provada, pode ser cúmplice ou autor moral (autor mediato) da prática do crime de condução sem título legal.

A sentença recorrida concluiu lapidarmente que “… não se verifica a cumplicidade nos termos do art. 27º, n.º 1 do C.Penal, uma vez que o C.......... apenas praticou o crime de condução de veículo a motor sem habilitação legal porque o seu pai lhe facultou o motociclo, autorizando-o a fazê-lo, não se limitando a favorecer o facto, tendo sido antes a conduta do arguido essencial à prática do crime pelo C..........”.

Esta argumentação não é convincente. O seu argumento para afastar a cumplicidade foi o de que o arguido era mais do que cúmplice, isto é, considerou ter sido a sua conduta essencial à prática do crime. Mas, nesta situação, se o arguido era mais do que mero cúmplice, então havia que retirar as devidas consequências e qualificar a respectiva forma de participação – na instigação ou na autoria mediata.
Note-se que nada obsta a que o crime de “condução sem título legal de habilitação” possa ser cometido em autoria mediata, como se pode ver, por exemplo, no Acórdão desta Relação, proferido num caso muito semelhante ao presente e acima citado.

A questão que se coloca é pois a de saber se a conduta do arguido, apesar de não poder ser enquadrada na co-autoria, deve ser integrada nas outras formas de participação: i) cumplicidade ii) autoria moral, designadamente instigação.

O Acórdão desta Relação (acima referido) abordou a questão num caso muito semelhante ao presente, enunciando as questões essenciais em termos claros e rigorosos, com os quais concordamos inteiramente:
“(…) A instigação consiste essencialmente em determinar, directa e dolosamente, outrem à realização de um facto ilícito. O instigador faz surgir noutra pessoa a ideia – anteriormente inexistente – da prática de um crime, mas é esta pessoa quem decide cometê-lo e, em última instância, o pratica. A punição do instigador depende claramente, no nosso ordenamento jurídico, da prática (ou, ao menos, do início da execução) do facto por uma outra pessoa, pelo que, embora formalmente o artigo 26.º do Código Penal a inclua entre as modalidades de autoria, parece que a instigação não deixa de ser uma forma dependente, acessória de um facto que é levado a cabo por outra pessoa – que é o seu verdadeiro autor imediato ou mediato –, facto esse, portanto, que se definirá pelo que faz essa outra pessoa e, bem assim, pelas suas características (cfr., a propósito, Teresa Pizarro Beleza, Direito Penal, vol. II, s. d., pp. 410 e ss.; ID., Ilicitamente comparticipando – o âmbito de aplicação do artigo 28.º do Código Penal, in «Estudos em Homenagem ao Professor Doutor Eduardo Correia», vol. III, nota 12, p. 603). A instigação aproxima-se da autoria mediata na medida em que em ambos os casos o resultado típico é alcançado mediante a motivação de uma pessoa (diversa da do instigador ou da do autor mediato) para a sua respectiva consecução. No entanto, nas hipóteses de autoria mediata verifica-se, como salienta sugestivamente alguma doutrina, uma degradação de um ser humano à categoria de mero meio material (e, por isso mesmo, não livre) para a realização de determinados fins delitivos (e por isso se pode e deve afirmar que o autor mediato mantém, durante o decurso da execução do facto, o domínio sobre o desenrolar dos acontecimentos através do senhorio que exerce sobre a vontade do agente imediato), enquanto que nas hipóteses de instigação do que se trata é da corrupção de um ser humano livre com vista à produção de um resultado juridico-penalmente proscrito: o instigador consegue transferir, com sucesso, as suas intenções delitivas para o autor do facto, que actua, porém, livremente, nunca deixando de ter, consequentemente, o domínio deste.
A instigação só pode afirmar-se se se verificarem vários requisitos, de natureza objectiva e subjectiva. Assim, de um ponto de vista objectivo, a conduta do instigador deve determinar ou causar a formação da resolução criminosa no autor e a ulterior realização, por este, do facto. Isso implica que a actividade do instigador deverá ser de molde a levar o autor a adoptar a decisão de cometer o crime e a (pelo menos) dar início à sua respectiva execução, resultados que por essa razão aparecem como (e podem com legitimidade dizer-se) consequência da actuação do instigador.
Do ponto de vista subjectivo, a instigação há-de ser (duplamente) dolosa, no sentido de que o instigador tem de ser consciente da circunstância de que está a motivar outra pessoa a adoptar uma resolução criminosa e a realizar o correspondente facto, e pretender esta mesma comissão (…)”.

Em suma, as formas de participação criminosa reguladas nos arts. 26º e 27º do C.Penal permitem uma divisão entre (i) Autoria imediata (ii) Co-autoria iii) Autoria Moral e (iv) Cumplicidade. Por sua vez, a Autoria Moral admite ainda uma subdivisão entre (a) Autoria mediata e (b) Instigação.
A diferença específica entre a instigação e a cumplicidade prende-se com o carácter necessário ou não necessário da causalidade do auxílio. Se o auxílio for necessário, estamos no domínio da autoria moral/instigação; se o auxílio não for necessário, estamos no domínio da cumplicidade – cfr. Leal Henriques e Simas Santos, Código Penal anotado, anotação ao art. 26º, pág. 255.

Em termos objectivos, a conduta do arguido preenche os requisitos da instigação. O arguido “autorizou e permitiu” a condução, cedendo ao filho o seu veículo e, nessa medida, sem essa actuação, o ilícito não era possível. Está demonstrada, sem qualquer dúvida, uma “causalidade necessária” entre a conduta do arguido e o facto principal ilícito.
Deste modo, a situação parece simples: em termos objectivos, a actuação do arguido não se inclui na cumplicidade, mas na autoria moral, na modalidade da instigação.

Contudo, a questão não está totalmente decidida.

Falta saber se o elemento subjectivo, inerente à participação, também se verifica.
Como se sublinhou no Acórdão acima citado e em parte transcrito, “do ponto de vista subjectivo a instigação há-de ser (duplamente) dolosa, no sentido de que o instigador tem de ser consciente da circunstância de que está a motivar outra pessoa a adoptar uma resolução criminosa e a realizar o correspondente facto, e pretender esta mesma comissão”.
Este entendimento é de resto pacífico (“Punível é só a participação dolosa em facto principal antijurídico cometido dolosamente” – J Wessels, Direito Penal, pág. 125) e com clara expressão legal: é autor quem “dolosamente determinar outra pessoa à prática do facto”. O agente, para ser punido como instigador, deve (i) praticar um facto que esteja numa relação de causalidade necessária com o facto principal – requisito que, como acima vimos, se verifica no caso dos autos; (ii) agir com dolo, no sentido de “dolosamente determinar” alguém à prática do facto.

Será que este último requisito se verifica?

Provou-se que “O arguido B.......... agiu consciente e livremente ao permitir, autorizar e facultar que o seu filho C.......... circulasse com o motociclo na via pública, bem sabendo que o mesmo não possuía carta de condução ou qualquer outro documento que legalmente o habilitasse à condução estradal e que, nessas circunstâncias, lhe estava vedada tal tipo de actividade, sabendo a sua conduta proibida e punida por lei”.

Pensamos que “permitir, autorizar e facultar” a condução sem carta equivale, no presente caso, a determinar dolosamente a condução. O arguido não só autorizou, como facultou o uso do seu veículo, exteriorizando assim um comportamento com influência decisiva na opção do autor do facto principal. O arguido, sendo pai do autor do facto principal, sabia que este não tinha carta de condução. Autorizar e facultar o uso do seu veículo, nessas condições, é (em termos subjectivos) conhecer e querer que o seu filho o conduza e, ainda, saber que só com essa sua intervenção o mesmo o poderia conduzir.

Nestes termos, julgamos que se verificam os pressupostos da participação criminosa, na forma de “instigação”, impondo-se revogar a decisão recorrida e, consequentemente, condenar o arguido como autor moral (instigador) do crime de condução de veículo a motor, sem habilitação legal, previsto e punível pelo art. 3º, n.º 1 e 2 do Dec. Lei 2/98, de 3 de Janeiro.

O arguido não tem antecedentes criminais. É serralheiro, auferindo cerca de 600 euros mensais. É casado, auferindo sua mulher cerca de 399 euros. Vivem em casa arrendada, pela qual pagam a renda mensal de 199 euros. Tem a 4ª classe.

A ilicitude é, no caso, acentuada, pois cabia ao arguido uma especial responsabilidade na educação do filho e na fiscalização da condução, sem título legal. Contudo, perante a inexistência de antecedentes criminais, a natureza do crime cometido e a integração social e familiar do arguido, justifica-se uma sanção penal não restritiva da liberdade, próxima do termo médio. Justifica-se ainda uma taxa diária de €5,00, perante o quadro económico do arguido, evidenciado nos factos provados.

Assim, e tendo em conta o disposto no art. 3º, 1 e 2 do Dec-Lei 2/98, de 3 de Janeiro (multa até 240 dias), consideramos adequada a pena de 120 dias de multa, à taxa diária de € 5,00, isto é, a multa global de € 600,00 (seiscentos euros).

3. Decisão
Face ao exposto, os juízes da 1ª Secção Criminal do Tribunal da Relação do Porto acordam em conceder provimento ao recurso interposto pelo MP e, consequentemente, revogar a sentença recorrida, condenando o arguido B.......... como autor moral (instigador) de um crime previsto e punível pelo art. 3º, n.º 1 e 2 do Dec. Lei 2/98, de 3 de Janeiro, na pena de CENTO E VINTE DIAS DE MULTA, à taxa diária de € 5,00 (cinco euros), isto é, na multa global de € 600,00 (seiscentos euros).

Custas na 1ª instância pelo arguido, fixando a taxa de justiça em 3UC e sem custas nesta Relação, dado que o arguido não aqui teve intervenção.

Porto, 8 de Fevereiro de 2006
Élia Costa de Mendonça São Pedro
António Augusto de Carvalho
António Guerra Banha
José Manuel Baião Papão