ACÇÃO DECLARATIVA
RECONHECIMENTO DA EXISTÊNCIA DE CERTIFICADOS DE AFORRO
CAUSA DE PEDIR
DOAÇÃO
ÓNUS DA PROVA
Sumário

I - Numa ação de declarativa de reconhecimento da existência de direito de propriedade de certificados de aforro, os factos constitutivos da causa de pedir são os referentes à titularidade dos mesmos, os quais, uma vez provados, levam à procedência.
II - Para estes efeitos, são irrelevantes quaisquer outros factos articulados na petição inicial.
III - Não há que falar em ónus de prova de nulidade de doação não se tendo provado sequer a doação.

Texto Integral

Apelação 2966/19.8T8PRT.P1

Sumário (artigo 663º, nº 7 do Código de Processo Civil)
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ACORDAM OS JUIZES DA 3ª SECÇÃO DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DO PORTO:

Nesta ação, que prossegue com B…, sucessora habilitada de C…, falecida na pendência da causa e demandante de D…, e outros, foi formulado pedido de condenação dos RR:
«I-A reconhecer que a quantia de € 213.473,41, valor, pelo qual foram resgatados os certificados de aforro que integram a herança de E…
II – Declarar-se que a ré D… sonegou à herança o dito valor, bem como os valores que foi decidido também pertencer àquela herança na ação n.º 20051/16.2t8prt; juízo central cível do porto, juiz 6;
III – Condenar-se a ré D… a perder a favor dos demais herdeiros os valores de que se apropriou e sonegou à herança.”
Fundamenta-se a ação e, em síntese, na invocação de que A e RR são irmãos e únicos herdeiros do seu falecido irmão E….
Na apropriação pela 1ª Ré de quantias em dinheiro pertencentes ao irmão E…, abusando para o efeito de poderes que este lhe concedeu.
A ação foi contestada, tendo a Ré sustentado que o dinheiro em causa lhe foi doado verbalmente pelo falecido irmão.
O 2º Réu foi demandado na qualidade de cabeça de casal no inventário para partilha da herança do E….
A seu tempo foi proferida sentença que:
CONDENOU OS RÉUS A RECONHECER QUE A QUANTIA DE 213.473,41 EUROS, VALOR PELO QUAL FORAM RESGATADOS OS CERTIFICADOS DE AFORRO, ACIMA REFERIDOS, INTEGRAM A HERANÇA DE E…;
ABSOLVEU OS RÉUS DO MAIS.
CONSTA DA SENTENÇA A SEGUINTE FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO:
FACTOS PROVADOS:
1- A autora, C… e os réus, D… e F…, eram irmãos;
2- E eram também irmãos de E… que faleceu, no estado de viúvo, em 30 de Abril de 2012, sem deixar herdeiros legítimos, tendo este por testamento de 5 de Junho de 2006, instituído seus únicos e universais herdeiros os seus irmãos, a C… e os Réus D… e F…;
3- Para partilha da respetiva herança correm termos na Secção Cível Local de Matosinhos, Juiz 3, sob o n.º 3824/12.2TBMTS os autos do respetivo Inventário Facultativo, no qual o Réu F… exerce as funções de cabeça de casal;
4- O falecido E…, além de vários imóveis, era titular de diversas contas bancárias e aplicações financeiras, nomeadamente, dos designados Certificados de Aforro emitidos pelo IGCP – Agência de Gestão da Tesouraria e da Dívida Pública;
5- No dia 28 de dezembro de 2011, o E…, conferiu, por documento escrito, poderes à ré D…, para:
“a) Tratar, requerer e assinar tudo o que se tornar necessário junto de qualquer organismo público (públicas ou privadas de fornecimento de serviços nomeadamente, de água, luz, gás, telecomunicações e correios, este, nomeadamente, proceder ao levantamento de cartas registadas e encomendas, em nome do mandante;
b) Representar o mandante, perante o Estado, Governo, Administração Pública em geral, (nacional, regional, local ou municipal), nomeadamente, junto dos Ministérios, organismos ou entidades governamentais, Autarquias Locais, Serviços de Finanças e Conservatórias do Registo Predial, Comercial e Automóvel, instituições de crédito, instituições financeiras, bem como perante outras pessoas coletivas públicas, semipúblicos ou privadas;
c) Representar o mandante na celebração de qualquer tipo de ato ou contrato que envolva a oneração ou constituição de quaisquer direitos reais e/ou obrigacionais sobre bens imóveis, incluindo licenças ou concessões administrativas e arrendamentos, podendo para o efeito celebrar contratos promessa de arrendamento, bem como o respetivo contrato definitivo de arrendamento.
d) Abrir, encerrar ou movimentar quaisquer contas bancárias do mandante em qualquer instituição de crédito, incluindo contas à ordem, a prazo ou outras, tratar de qualquer assunto relacionado com estas, sejam estes movimentos a crédito ou a débito, podendo assinar subscrever, todos os impressos e documentos necessários à movimentação das contas bancárias, podendo ordenar transferências bancárias e/ou efetuar pagamentos, seja através de cheques, cadernetas e cartões de multibanco e crédito, requerer todas as informações e esclarecimentos que entender, designadamente extratos bancários, movimentos de conta e saldos de conta, podendo, ainda, junto da G… proceder ao levantamento de rendas derivadas do arrendamento de qualquer imóvel da propriedade do mandante.
i) Efetuar e retirar depósitos bancários junto de quaisquer instituições bancárias, alugar cofres, bem como efetuar depósitos nos mesmos e cancelar qualquer correspondente contrato de aluguer;
J) Celebrar qualquer tipo de contratos de prestação de serviços.”
6- Entre as mesmas partes, neste processo, e na mesma qualidade de autora e de réus, correu termos pelo Juízo Central Cível do Porto, Juiz 6, o processo sob o n.º 20051/16.2T8PRT, ação que terminou por sentença condenatória, confirmada por via de recurso (docs. de fls. 20 a 45);
7- A ré D…, prevalecendo-se do documento, “Procuração”, em 8 de Março de 2012, também mobilizou e recebeu o valor de outros certificados de que era titular e proprietário o seu falecido irmão E…;
8- Assim, naquela data, a ré D…, ordenou a mobilização dos certificados incluídos no talão …….. da Série . com os números de subscrição e com valores seguintes, que eram pertença do seu irmão E…, fazendo suas as quantias:
N.º Subscrição Valor:
_ ……639; ……636; ……635; ……634; ……633; ……628; ……627; ……626; ……623; ……622; ……619; ……618; ……617; ……616; ……614; ……613; ……611; ……610; ……146; ……268; ……327; ……1721; ……645; ……056; ……906; ……31; ……69; ……40; ……71; respetivamente de:
(euros) 4.124,20; 2.637,42; 4.446,58; 4.642,19; 2.526,74; 2.967,00; 723,64; 10.086,12; 10.517,20; 2.171,37; 1.902,46; 4.554,85; 6.883,32; 3.433,07; 14.166,40; 6.793,45; 9.545,36; 1.353,60; 2.757,24; 15.814,68; 15.577,85; 17.974,44; 6.038,94; 9.125,95; 6.573,22; 11.490,43; 17.353,92; 5.337,91; 11.953,86.
9- Num valor total de 213.473,41 euros, sendo que, em 12 de março de 2012, a D… ordenou o resgate daquela quantia, fazendo-a sua e integrando-a no seu património, sabendo que tais valores não lhe pertenciam;
10- O falecido E…, na parte final da sua vida, sofria de doença grave que lhe dificultava a locomoção/movimentação e de tratar de si e do seu património;
11- A ré D…, após o óbito do seu irmão e nos autos de inventário acima referido, opõe-se ao relacionamento e partilha daqueles valores, sustentando que lhe foram doados pelo de cujus e em vida deste.
FACTOS NÃO PROVADOS:
- Que, em consequência da doença grave de que padeceu na parte final da sua vida, o E… visse gravemente afetada a sua capacidade de querer e de entender;
- Que tudo quanto a ré D… fez, quer nos levantamentos bancários ou como movimentadora de outros valores, tivesse agido sempre a mando e sob as ordens e instruções prévias daquele seu irmão e por vontade deste, bem como informando sempre dos seus atos, prestando assim as devidas contas, nunca tendo obtido qualquer censura ou crítica do mesmo;
- Que o seu irmão E… lhe tenha doado os valores titulados por aqueles certificados, declarando-lhe previamente que tais valores antes titulados pelos citados certificados de aforro, seriam para si uma vez que lhos doava e doou, dizendo-lhe que os poderia resgatar e guardar os seus valores porque lhos doava, sendo convicção de ambos que tal configurava uma doação.

DESTA SENTENÇA APELARAM OS RR QUE LAVRARAM AS SEGUINTES CONCLUSÕES:

1- Deve ser considerado como provado que “em 6 de fevereiro de 2012 o Sr. E… encontrava-se perfeitamente consciente, orientado no espaço e no tempo e sem alterações neurológicas”.
2- Deve ser considerado como provado que no dia 9 de abril de 2012 a Autora chamou o médico Dr. H… para ver o E… que era seu utente e solicitou a este o atestado junto como doc. n.º 3 de fls., onde é atestado que o mesmo “encontra-se mental e psiquicamente apto para tomar decisões”.
3- Deve ser considerado como provado que no dia 6 de março de 2012, a Ré D… visitou o irmão Sr. E…, tendo estado ambos a falar em privado.
4- Por ter sido alegado no artigo 10º da P.I. e confessado no artigo 8º da contestação da aqui Recorrente deve ser considerado como provado que se prevalecendo da faculdade de o movimentar, a Ré D… levantou o saldo da conta no I… que era de 27.000 €, quantia que fez sua.
5- Por corresponder ao artigo 9º da P.I. e ter sido confessado pela Ré no artigo 8º da sua Contestação, deve ser considerado provado que, em 8 de março de 2012 a Ré D… aproveitando-se da qualidade de movimentadora mobilizou 35.557 unidades de participação no valor de 282.626,85 €, quantia que fez sua.
6- Deve ser considerado como não provado – ao contrário do decidido na douta sentença recorrida, por inexistência absoluta de indícios e prova que, quando a Ré/Recorrente D… integrou no seu património os valores resgatados “sabia que tais valores não lhe pertenciam”.
7- Não tem a Ré/Recorrente que provar a existência da doação dos valores resgatados que lhe foi feita pelo seu falecido irmão E…, uma vez que os atos praticados resultam de um direito de representação conferido pelo mesmo E….
8- Era à Autora que pertencia o ónus da prova dos factos que invocou e alegou nos artigos 7, 11, 14, 20, 21, 22, 28, 31 a 37 e 39 a 52 da petição inicial, por constituírem a causa de pedir da presente ação.
9- A qualidade de Movimentadora, é e foi conferida pessoalmente pelo titular das subscrições dos Certificados de Aforro,
10-Sendo “a pessoa autorizada a movimentar o certificado além do titular” e resulta da designação exclusiva do titular dos Certificados de Aforro,
11- Revestindo esse documento - que é registado através do Mod 701-A, a qualificação de Procuração melhor explicada no artigo 262 n.º 1 do Código Civil.
13-Pela concessão dos poderes conferidos pelo E…, à Recorrente, os atos praticados pela procuradora (Movimentadora) no exercício desses poderes produzem efeitos jurídicos diretamente na esfera jurídica daquele dominus,
14-Pelo que a consequência jurídica dessa movimentação “é sempre a mesma, inexistência da obrigação de prestar contas”.
15-Não tendo a aqui Ré/Recorrente – movimentadora daqueles certificados, de prestar contas, não tem consequentemente o ónus de provar que os atos que praticou (ao resgatar aqueles valores, depositá-los em sua conta bancária, e integrar os mesmos na sua propriedade) correspondem à vontade daquele seu irmão,
16-Uma vez que como procuradora daquele seu irmão se limitou a representá-lo de acordo com a vontade do mesmo quando outorgou tal instrumento de representação.
17-O depósito dos valores dos títulos de tesouro resgatados e movimentados pela Ré/Recorrente na sua conta bancária configura e comprova a existência da doação desses mesmos valores.
18-A validade da doação verbal de coisa móvel depende da prova de que essa doação foi acompanhada da entrega da coisa doada.
19-Tal entrega não tem que ser necessariamente simultânea da declaração de doar, podendo ser anterior ou mesmo posterior a esta e podendo consistir, seja, numa entrega material da própria coisa doada, seja, numa entrega simbólica do bem doado, por exemplo do seu título representativo.
20-O documento em que se consubstancia uma conta de depósito bancário representa o dinheiro que dele foi objeto, pelo que a colocação pelo doador na disponibilidade do donatário de movimentar ou dispor dos valores ali depositados pode … traduzir-se em entrega simbólica desses valores ou do direito de crédito a eles correspondente.
21-O ónus de prova dos factos determinativos da nulidade de uma doação de bens, nos termos do artigo 942º n.º 1 do Código Civil recai sobre aquele contra quem a doação é invocada.
22-Como resulta do documento junto aos Autos de fls.213 e 213 vº, (cópia do cheque) a Recorrente depositou os valores resgatados na sua conta bancária, e fê-lo no exercício dos poderes representativos que lhe foram concedidos pelo seu anterior proprietário e seu irmão E…,
23-Pelo que é incontroverso que existiu tradição daqueles valores da titularidade daquele seu irmão E… como doador para si na qualidade de donatária.
24-Era, pois, à Autora que cabia provar que não existiu a doação desses valores,
25-E nos presentes Autos não foi produzida qualquer prova nesse sentido.
26-Violou, pois, a douta sentença proferida, o disposto nos artigos 262 n.º 1, 940º n.º 1, 942º n.º 1, 945 n.º 2, 947º n.º 2 e 1263º al. b) do Código Civil e 414, 608º n.º 2 e 615º n.º 1 al. b), c) e d) do Código de Processo Civil devendo ser revogada, absolvendo-se a Ré/Recorrente dos pedidos com todas as consequências legais.
Respondeu a Autora a sustentar o acerto da sentença recorrida
Colhidos os vistos legais nada obsta ao mérito

OBJETO DO RECURSO:

O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do recorrente, ressalvadas as matérias que sejam de conhecimento oficioso - arts. 635º, n.º 3, e 639º, n.ºs 1 e 2, do código de processo civil.
Em consonância e atentas as conclusões do recorrente são questões a decidir:
1- Saber se houve erro no julgamento dos factos impugnados no recurso.
2- Saber se a sentença violou as regras do ónus da prova.

O MÉRITO DO RECURSO:

FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO:
Dá-se aqui por reproduzida a factualidade supra.
FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO:
I
DO PRETENDIDO ADITAMENTO DOS FACTOS INDICADOS NAS CONCLUSÕES 1ª, 2ª, 3ª e 4ª.
Consiste tal factualidade no seguinte:
A-“Em 6 de fevereiro de 2012 o Sr. E… encontrava-se perfeitamente consciente, orientado no espaço e no tempo e sem alterações neurológicas”.
B-“No dia 9 de abril de 2012 a Autora chamou o médico Dr. H… para ver o E… que era seu utente e solicitou a este o atestado junto como doc. n.º 3 de fls., onde é atestado que o mesmo “encontra-se mental e psiquicamente apto para tomar decisões”.
C-“No dia 6 de março de 2012, a Ré D… visitou o irmão Sr. E…, tendo estado ambos a falar em privado”.
D “Prevalecendo da faculdade de o movimentar, a Ré D… levantou o saldo da conta no I… que era de 27.000 €, quantia que fez sua”.
DECIDINDO:
Os presentes autos têm, pelo lado da Autora, como fundamento a falta de poderes da Ré D… para transferir para o seu património as quantias aqui reclamadas. Donde que, os factos que interessam à decisão resumem-se à apreciação e valoração do conteúdo dos poderes que foram concedidos à mesma, isto é, à interpretação do documento escrito em que o falecido E… concede à (agora também falecida D…) as autorizações em discussão; ao que a Ré opôs uma doação das quantias em causa, o que constitui a matéria da exceção também a apreciar.
Em nenhum momento, quer da ação, quer da defesa por exceção, se articulou o vício da incapacidade do outorgante/doador, para invalidar o negócio.
Daqui que, quer quanto à causa de pedir, quer quanto à exceção deduzida é estranho o estado mental do falecido E…. Não tendo sido invocado défice de compreensão ou de consciência do mesmo com relevância causal, sendo certo que também não se tratam de factos (alegados) instrumentais complementares ou concretizadores dos referidos fundamentos processuais (artigo 5º, nºs 1 e 2, do Código de Processo Civil), não se descortina a relevância do reclamado aditamento desta matéria (ocorrida em 6 de fevereiro, 6 de marco e 9 de abril de 2012) à fundamentação de facto. Nem a apelante retira desta mera adição qualquer efeito jurídico, ficando por justificar a sua pertinência.
Deste modo é uma atividade inútil a dirigida à apreciação desta questão, pelo, que vai desatendido este segmento do recurso.
II
Pretende ainda a Apelante que seja aditado à matéria de facto que «Prevalecendo-se da faculdade de o movimentar, a Ré D… levantou o saldo da conta no I… que era de 27.000 €, quantia que fez sua».
DECIDINDO:
Esta matéria consta aliás da factualidade assente no Acórdão do Tribunal da Relação junto aos autos, neste, tendo sido objeto de apreciação e de decisão e não contende com a discussão factual que se veio a revelar pertinente na sentença proferida.
Com efeito, esta factualidade seria pertinente para a apreciação dos pedidos formulados, contra a aqui Recorrente, sob nºs II e III da petição inicial, os quais foram julgados improcedentes, decisão de que não houve recurso, pelo que está definitivamente resolvida.
Também aqui, não se descortina por tais razões, a pertinência para a apreciação do recurso, do requerido aditamento, pelo que vai o mesmo desatendido.
III.
DA IMPUGNAÇÃO PARCIAL DO PONTO 9º DA SENTENÇA (SEGMENTO EM QUE DECLARA ASSENTE (…) “SABENDO QUE TAIS VALORES NÃO LHE PERTENCIAM:”
DECIDINDO:
Mais uma vez, estamos na presença de factualidade irrelevante, em face do que constitui o fundamento da ação, na parte em que foi julgada procedente, e portanto, que é objeto de recurso, a qual, reside exclusivamente na prova de que a quantia transferida e apropriada pela Ré D…, através da mobilização dos certificados de aforro identificados nos autos, era propriedade do falecido E… e de que essa transferência foi efetuada em abuso de representação, sem que a Ré tivesse poderes ou titulo para tal.
Pelo lado da Ré, foi invocada a exceção perentória de doação da quantia em causa, a qual, não se provou.
O conhecimento de que tais valores não lhe pertenciam constante desta factualidade é, visto isso, irrelevante para o litígio, atenta a presunção de culpa constante do artigo 799º e o critério da culpa em abstrato referido no artigo 487º nº 2 ambos do Código Civil.
A inclusão desta factualidade na matéria assente carece, por isso, de relevância jurídica, donde que da sua exclusão também se não retira efeito jurídico algum. Está, por isso, prejudicada a reapreciação do juízo probatório, por inútil.

DA IMPUGNAÇÃO DE DIREITO:
I.
A apelante vem sustentar que pertencia à Autora o ónus da prova dos factos que invocou nos pontos 7,11,14,20,21,22, 28,31 a 37 e 39 a 52 da petição inicial.
A presente ação no que respeita ao pedido que foi julgado procedente é uma ação de simples apreciação positiva.
Efetivamente a ação foi julgada procedente e como tal desfavorável à Apelante quanto ao pedido de reconhecimento de que a quantia de € 213.473,41, valor pelo qual foram resgatados os certificados de aforro integram a herança de E….
Trata-se de mera ação declarativa da existência de um direito.
Os factos constitutivos desta ação são os referentes à titularidade dos respetivos certificados de aforro, os quais uma vez provados, levam à procedência do reconhecimento do direito.
A matéria da petição inicial que o tribunal recorrido julgou pertinente à decisão da causa consta da fundamentação de facto da sentença.
Essa matéria reside no facto das quantias em dinheiro que são objeto desta ação pertencerem ao falecido E… e por consequência à herança do mesmo e bem assim na apropriação pela Ré D… de tais transferências sem titulo.
E tais factos estão provados conforme o teor da fundamentação de facto pontos 8º, 9º e 11º os quais são suficientes para procedência do pedido de reconhecimento do direito, que foi declarado na sentença recorrida.
As demais matérias alegadas na petição para os efeitos do concreto pedido que foi julgado procedente não são relevantes.
Quanto aos demais pedidos, a ação improcedeu.
Está por consequência ultrapassada a fase da apreciação da petição inicial na medida em que tudo o que nesta se alegou de relevante transitou para a sentença.
É, assim, destituído de fundamento este segmento do recurso.

II.
Sustenta a Apelante que cabia à Autora apelada o ónus da prova da nulidade da doação.
Para que se possa falar em nulidade de doação terá de haver uma doação. Cabia à aqui Apelante provar os factos impeditivos do reconhecimento deste direito, ou seja, que o apossamento de tais quantias se deu ao abrigo de titulo válido, no caso a doação. (artigo 342º nº 1 do Código Civil).
Consta da fundamentação da sentença que, não se provou que o falecido E… tenha doado os valores titulados pelos certificados dos autos à Apelante.
Este facto não provado, não vem impugnado pela Apelante.
Donde, que terá de se concluir que foi ilidida a presunção de que a quantia reclamada, era pertença da Apelante, por estar na sua posse.
Não havendo doação não há que falar de nulidade.
A parte final da conclusão 22ª também não se provou, uma vez que a procuração outorgada pelo falecido E… à Ré e constante do ponto 5 da sentença não lhe confere poderes para fazer suas as quantias que está autorizada a movimentar.
As conclusões 16ª a 20ª 22º e 23º não têm, pois, apoio nos factos provados.

III.
A apelante vem ainda sustentar que não tem o dever de prestar contas.
Esta ação não é de prestação de contas nem é disso que se trata. E se é certo que a sentença na sua fundamentação discorreu sobre a prestação de contas, na mesma se conclui, que aqui não está em causa o dever de prestar contas.
Donde que também por aqui não colhe o recurso
SEGUE DELIBERAÇÃO:
IMPROCEDE O RECURSO. CONFIRMA-SE A SENTENÇA RECORRIDA.
Custas pela Apelante.

Porto, 18 de novembro de 2021.
Isoleta de Almeida Costa
Ernesto Nascimento
Carlos Portela