PARTILHA
DIREITO A TORNAS
ADJUDICAÇÃO
IMÓVEL
USUFRUTO
EXTINÇÃO
Sumário

I - A partilha, julgada por sentença com trânsito em julgado, confere aos interessados, desde a abertura da herança, os bens que lhe foram atribuídos em termos de propriedade exclusiva;
II - O facto do interessado, a quem foi adjudicado determinado bem imóvel, ter ficado devedor de tornas a outros interessados e de estes terem utilizados os meios processuais pertinentes no sentido de satisfazer os seus créditos de tornas (nº 3 do artigo 1378.º do CC - venda dos bens adjudicados à devedor até onde seja necessário para o pagamento das tornas) não produz qualquer efeito jurídico sobre a aludida atribuição da propriedade (já ocorrida e inclusivamente com efeitos retroactivos reportados à data da abertura da sucessão);
III - Tendo, por força da partilha efectuada (e da sentença homologatória proferida), o bem imóvel em discussão passado a pertencer, em termos de propriedade exclusiva, ao interessado, devedor de tornas, o direito de usufruto que este detinha sobre o mesmo bem imóvel, terá que necessariamente considerar-se extinto, por força do art. 1476º, n.º 1, al. b) do CC (onde se prevê que o direito de usufruto se extingue pela reunião do usufruto e da propriedade na mesma pessoa).
IV - Assim sendo, não deverá, consequentemente, ser feita qualquer menção ao direito de usufruto nos anúncios de venda do imóvel a que se aludiu em III), pois que o referido direito de usufruto se encontra extinto”.

Texto Integral

APELAÇÃO Nº 408/05.5TBVNG-C.P1

Sumário (elaborado pelo Relator- art. 663º, nº 7 do CPC):
………………………………
………………………………
………………………………

Juízo Local Cível de Vila Nova de Gaia - Juiz 1

*
Acordam os Juízes do Tribunal da Relação do Porto.
I. RELATÓRIO.
Recorrente(s): - B…;
Recorrida – C…
*
Inconformada com a decisão proferida pelo tribunal recorrido em 12.5.2021, veio a recorrente B… apresentar o presente recurso, apresentando as seguintes conclusões:
………………………………
………………………………
………………………………
*
Foram apresentadas contra-alegações, com as seguintes conclusões:
………………………………
………………………………
………………………………
*
Corridos os vistos legais, cumpre decidir.
*
II- FUNDAMENTOS

O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do(s) recorrente(s), não podendo este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso-cfr. artigos 635.º, nº 4, e 639.º, nºs 1 e 2, do CPC.
*
No seguimento desta orientação, a Recorrente coloca a seguinte questão que importa apreciar:
- saber se deve ser ordenado que seja feita menção ao direito de usufruto nos anúncios de venda do bem imóvel aqui em discussão, porquanto o referido direito não se encontra extinto (por reunião com direito de propriedade), uma vez que a recorrente não é a proprietária do imóvel.
*
A) - FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO
*
Como factualidade relevante interessa aqui ponderar os seguintes trâmites processuais seguidos:
1. Teor da decisão que constitui o objecto do presente recurso e que aqui se reproduz:
“Analisei os argumentos esgrimidos pela interessada C… e pela cabeça-de-casal B… nos dois requerimentos que antecedem a propósito da necessidade de fazer constar nos anúncios da venda o alegado direito de usufruto da segunda relativamente ao imóvel que se vende nos autos por força do disposto no art. 1378.º, n.º 3 do CPC.
Cumpre apreciar:
É cristalinamente evidente que a interessada C… tem integral razão.
Nos presentes autos foi proferida e já transitou em julgado sentença que homologou a partilha e adjudicou o direito de propriedade o imóvel em causa à cabeça de casal na sequência da sua licitação.
E foi no momento do trânsito em julgado dessa decisão de adjudicação que o direito de propriedade sobre imóvel se constituiu definitivamente na esfera jurídica da cabeça de casal, de nada interessando o facto do mesmo ainda não se mostrar inscrito do registo predial pois como é (ou pelo menos devia ser) consabido, o registo predial não tem efeitos constitutivos (cf. art. 1.º do CRPredial).
Assim e porque nos termos do art. 1476.º, n.º 1 al. b) do CC o direito de usufruto se extingue pela reunião do usufruto e da propriedade na mesma pessoa, evidente se torna que o direito de usufruto invocado pela cabeça de casal se extinguiu, ex lege, no dia do transito em julgado da sentença que lhe adjudicou a propriedade do imóvel.
Não deverá, consequentemente, ser feita qualquer menção ao direito de usufruto nos anúncios de venda do imóvel, pois que o mesmo se encontra extinto.
Notifique e comunique à Exma. E. V. para que proceda em conformidade”.
*
2. Consta da Acta da Conferência de interessados realizada em 14.9.2018 que:
“Os interessados acordam que o imóvel correspondente à verba nº 1 (bem imóvel aqui em discussão) seja adjudicado à interessada B… para compor o seu quinhão, pelo valor fixado nos autos - €120.000,00 (cento e vinte mil euros)”.
*
3. Por sentença homologatória da partilha, proferida no dia 30.12.2020, já transitada em julgado, decidiu-se, ao abrigo do art. 1382.º, n.º 1 do CPC (na versão aplicável), homologar “a partilha constante do mapa de fls. 615 e ss., adjudicando os bens em conformidade”.
*
B) - FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO

Como supra se referiu, a única questão que importa apreciar consiste em saber se deve ser ordenado que seja feita menção ao direito de usufruto da recorrente nos anúncios de venda do bem imóvel aqui em discussão, porquanto, segundo a recorrente, o referido direito não se encontra extinto (por reunião com direito de propriedade) – como entendeu o tribunal recorrido - uma vez que a recorrente não seria a proprietária do imóvel.
A questão colocada contende com uma única questão jurídica, qual seja a de saber em que momento a propriedade do bem imóvel que foi adjudicado à recorrente se “transfere” para o património desta (pois que é nesse momento em que o usufruto se extingue por reunião dos dois direitos no mesmo titular – cfr. art. 1476º, nº 1, al. b) do CC).
Defende a recorrente que tal momento ainda não ocorreu porque i) não houve pagamento do preço, ii) não houve pagamento dos impostos, iii) nem foi impulsionado, despoletado ou lavrado o competente registo.
Não foi esse o entendimento do tribunal recorrido que concluiu que “foi no momento do trânsito em julgado dessa decisão de adjudicação que o direito de propriedade sobre imóvel se constituiu definitivamente na esfera jurídica da cabeça-de-casal, de nada interessando o facto do mesmo ainda não se mostrar inscrito do registo predial, pois como é (ou pelo menos devia ser) consabido, o registo predial não tem efeitos constitutivos (cf. art. 1.º do C. R. Predial)”.
Julga-se que o tribunal recorrido decidiu bem, não merecendo acolhimento os fundamentos invocados pela recorrente.
A “transferência” da propriedade/ modificação do direito (já veremos em que termos) do bem imóvel adjudicado à recorrente ocorre no momento em que se dá o trânsito em julgado da sentença homologatória da partilha em que se decidiu homologar (no caso concreto) “a partilha constante do mapa de fls. 615 e ss., adjudicando os bens em conformidade” – ainda que essa produção de efeitos seja retroactiva por força do art. 2119º do CC.
Os factos alegados (e os argumentos apresentados) pela recorrente não têm qualquer virtualidade para impedir que tal atribuição da propriedade ocorra no indicado momento.
Como refere Lopes Cardoso[1], “julgada por sentença, a partilha atribui aos respectivos interessados o direito de propriedade, em toda a sua extensão, relativamente a esses bens, e dá-lhes as garantias inerentes ao reconhecimento desse direito”.
Assim, “a partilha julgada por sentença com trânsito em julgado… confere aos interessados, desde a abertura da herança, os bens que lhe foram atribuídos (…) – cfr. art. 2119º do CC.
“Cada herdeiro fica tendo exclusiva propriedade dos bens que lhe foram aformulados em sua quota, cessando a indivisão entre os co-herdeiros derivada da herança, enquanto por partilhar” (…).
“Em consequência da partilha fica reconhecida a propriedade exclusiva dos respectivos bens e cada um dos herdeiros fica exercendo em relação a eles, os mesmos direitos que detinha o autor da herança (…)”.
Como esclarece Rabindranath Capelo de Sousa[2] “a nossa partilha hereditária tem um carácter marcadamente declarativo, limitando-se a determinar ou a materializar os bens que compõem o quinhão hereditário de cada herdeiro na herança até então indivisa, quinhão esse adquirido com a aceitação da herança, a qual é retroagida ao momento da abertura da sucessão.
Cada um dos herdeiros receberá directamente os seus direitos do defunto e não dos restantes co-herdeiros (Nota de rodapé: “Há apenas uma transmissão da propriedade”), não tendo a partilha um carácter constitutivo ou translativo pois a aquisição hereditária não decorre de recíprocas alienações e aquisições entre os co-partilhantes.
Nesta lógica, mesmos os efeitos próprios da partilha, de cessação do estado de indivisão hereditária e de materialização dos bens de cada quinhão hereditário retroagem também ao momento da abertura da sucessão (art. 2119º), assim se evitando quaisquer hiatos na titularidade das relações jurídicas que são objecto da sucessão (…)”.
Embora a partilha não tenha natureza constitutiva, tem-se defendido que “a partilha, não sendo propriamente, para o herdeiro, um facto aquisitivo, tem eficácia modificativa. Em lugar do direito que lhe estava atribuído e que concorria, com os demais co-herdeiros, sobre a herança, enquanto universalidade, por efeito da partilha o herdeiro passa a ter um direito, em titularidade singular, sobre bens determinados – ou sobre dinheiro, se houver tornas – que representam o valor da sua quota.
Há uma modificação quanto ao objecto, quanto ao conteúdo e quanto à titularidade do seu direito. A verdadeira natureza da partilha, isto é, a eficácia que lhe corresponde é, pois, modificativa”[3].
Esclarecida a natureza da partilha e os seus efeitos jurídicos, julga-se que se torna claro que o facto de, no caso concreto, a recorrente ter ficado devedora de tornas a outros interessados e de estes terem utilizados os meios processuais pertinentes no sentido de satisfazer os seus créditos (nº 3 do artigo 1378.º do CC - venda dos bens adjudicados à devedora/cabeça de casal até onde seja necessário para o pagamento das tornas), não produz qualquer efeito jurídico sobre a aludida atribuição da propriedade (já ocorrida e inclusivamente com efeitos retroactivos reportados à data da abertura da sucessão) – tanto mais que nem sequer é “… possível a resolução da partilha com base no incumprimento voluntário do dever de pagamento das tornas…”[4].
Com efeito, no que toca ao pagamento de tornas, estabelece o art. 1378º, nº 1 do mesmo Código que “reclamado o pagamento das tornas, é notificado o interessado que haja de pagar, para as depositar”.
Notificada para efectuar o respectivo pagamento, a recorrente, não o fez.
Nesta sequência, a recorrida, na qualidade de credora das tornas requereu, então, nos termos do nº 3 do referido preceito legal, a venda dos bens adjudicados à devedora “até onde seja necessário para o pagamento das tornas”, o que foi deferido.
Como decorre do citado dispositivo legal, os credores das tornas, para pagamento destas, além de poderem pedir a venda dos bens adjudicados ao devedor, podem pedir também a adjudicação de bens destinados ao devedor (mas já não a resolução da partilha, como já salientamos).
Qualquer das escolhas satisfará os interesses dos credores das tornas, isto é, estes irão reintegrar o seu património (e o valor da sua quota) com os bens ou valores correspondentes aos seus créditos.
Mas estas opções dos credores das tornas não têm qualquer influência nos aludidos efeitos jurídicos produzidos pela partilha (e pela sentença homologatória transitada em julgado), designadamente, não põem em causa a atribuição do direito de propriedade em exclusivo ao respectivo herdeiro, a quem foi adjudicado o bem imóvel (desde a abertura da sucessão).
Quando muito se poderá dizer que, se na sequência das escolhas efectuadas pelos credores das tornas, vier a ser adjudicado o bem imóvel do devedor daquelas, a propriedade do bem imóvel apenas se manteve na titularidade do primeiro adjudicante naquele período que mediou entre o trânsito da sentença homologatória da partilha (e retroactivamente da data da abertura da sucessão – art. 2119º do CC) e o trânsito da decisão que vier a adjudicar o bem imóvel ao credor de tornas.
Mas essa circunstância não constitui qualquer desvio à aludida conclusão a que atrás chegamos.
De resto, importa salientar – como decorre do exposto - que não se pode falar neste caso propriamente em pagamento do preço (um dos argumentos da recorrente é que não pagou o preço).
Na verdade, não estamos perante um contrato de compra e venda, nem o recebimento/pagamento de tornas assume essa natureza.
A atribuição do direito a tornas, na sequência da partilha efectuada, destinando-se a igualar os quinhões de cada um dos interessados, não transforma a partilha num contrato de compra e venda (nem as tornas em preço), pelo que este argumento não pode ser aqui reconhecido.
O que se passa, como decorre do exposto, é que até à partilha, cada herdeiro tinha um direito (não exclusivo) sobre a titularidade da herança, direito quantitativamente limitado pela existência de outros direitos legais (na titularidade dos outros herdeiros). Feita a partilha, o direito de cada herdeiro amplia-se qualitativamente (relativamente ao conteúdo que se enriquece) e restringe-se quantitativamente (respeitante ao objecto, que se restringe), sendo que por força do disposto no citado art. 2119º do CC tal modificação do direito é retroactiva (“desde a abertura da herança”).
Assim, “a sentença homologatória da partilha produz, como qualquer sentença de mérito, efeito substantivos e processuais: a) a homologação da partilha transforma o direito dos herdeiros sobre um património indiviso em direitos individualizados sobre bens determinados (…)”[5].
Nessa medida, não há dúvidas que “os efeitos da partilha – definitiva – são os definidos no art. 2119º e 2120º do CC: Atribuição dos bens do autor da herança; reconhecimento da sua propriedade exclusiva sobre os respectivos bens, entrega a cada um dos co-herdeiros dos documentos relativos aos bens que lhes couberem”[6].
“O nº 1 (do art. 2119º) consagra o princípio da retroactividade ao momento da abertura da sucessão, ou seja, ao momento da morte, tal como já resultava do art. 2050º, nº 2. De acordo com este princípio, os herdeiros são considerados sucessores dos bens que lhe couberem na partilha, não apenas a partir desta, mas desde o momento da morte do de cujus.
Resulta assim desta regra que o direito do herdeiro sobre a herança nasce no momento da abertura da sucessão embora apenas com a partilha se converta o direito a uma simples quota no direito exclusivo sobre bens determinados”[7].
O nº 1 do art. 2020º “limita-se a conferir aos herdeiros o direito de receberem os documentos relativos aos bens em que foram encabeçados na partilha, o que faz todo o sentido, uma vez que tal como dispõe o artigo anterior, cada herdeiro é considerado o único titular desses bens”[8].
Nesta conformidade, e contrariamente àquilo que defende a recorrente, a partilha julgada por sentença com trânsito em julgado, conferiu-lhe a propriedade exclusiva do bem imóvel (verba nº 1), sendo que esse seu direito integrou a sua esfera jurídica patrimonial – inclusivamente com efeitos retroactivos desde a abertura da sucessão - como consequência da referida modificação operada no seu direito (que coincidia, antes da partilha, com um direito não exclusivo sobre a herança e que, com a partilha, modificou-se e passou a ser um direito exclusivo de propriedade que incide apenas sobre o bem imóvel que lhe foi adjudicado em sede de partilha).
Por outro lado, também não se pode retirar qualquer ideia contrária da redacção do art. 1382º do CPC (actual art. 1122º do NCPC) quando aí refere “devedor”, pois que tal designação, que aí surge por contraponto com os “credores de tornas”, não tem o significado de negar a qualidade de proprietário do bem imóvel (àquele devedor).
A possibilidade de os credores de tornas poderem pedir a venda dos bens adjudicados do devedor (e de poderem constituir hipoteca legal sobre os mesmos) resulta disso mesmo, ou seja, do facto de o bem adjudicado ao devedor, tendo passado a integrar a sua esfera jurídica patrimonial (sendo de sua propriedade exclusiva), passar a poder servir de garantia geral das suas obrigações (nestas se incluindo a obrigação de pagamento das tornas) - cfr. art. 601º do CC.
Sobre matéria que contende com a que aqui é levantada já nos pronunciamos no Acórdão desta Relação proferido em 26.4.2021, tendo aí coerentemente (com o que aqui defendemos) concluído que:
“I. - No âmbito do processo de inventário, se o devedor de tornas não procede ao seu depósito depois de ter sido reclamado o seu pagamento, o credor respectivo pode lançar da execução simplificada a que se refere o artigo 1378.º, nº 3 do CPC/61 (actual 1122º, nº 2), mas limitado à venda dos bens que foram adjudicados àquele devedor e até onde seja necessário para o pagamento do seu crédito.
II - Porém, mostrando-se que o produto da venda assim obtido é insuficiente para o pagamento da totalidade do crédito de tornas, o credor respectivo não fica impedido de recorrer à execução comum para obter o pagamento remanescente do seu crédito, servindo como título executivo a sentença homologatória de partilhas devidamente transitada em julgado,
III. O uso do procedimento especial previsto no processo de inventário no nº 3 do art. 1378º do CPC não altera a natureza do crédito de tornas e da correspondente dívida e, nessa medida, não se estando em presença de uma dívida da herança, nada impedia que os exequentes, com estes fundamentos, pudessem instaurar a execução comum a que estes autos de Embargos são oposição, podendo, no âmbito desta, executar, para satisfação do seu crédito de tornas (remanescente), todo o património do devedor de tornas, mesmo que não respeite aos bens recebidos no inventário.
Improcede esta argumentação da recorrente.
*
Quanto ao argumento retirado do facto de não ter ainda sido inscrito no registo o direito de propriedade, o tribunal recorrido já esclareceu esse ponto com pertinência.
É evidente que essa não inscrição no registo predial não tem qualquer relevância no caso concreto, tanto mais que tal facto (a não inscrição no registo predial) é imputável à própria recorrente (que podendo, ainda a não promoveu) e, além disso, o registo neste âmbito não tem efeito constitutivo.
O que se pode, aliás, dizer, em esclarecimento da recorrente, é que “o mapa da partilha… associado à sentença homologatória, servirá para instruir o pedido de registo da transmissão dos bens e, se necessário, para sustentar o cumprimento coercivo da obrigação de entrega (art. 1096º) ou do pagamento das tornas (art. 1122º, nº 2)”[9].
*
Uma última referência sintética ao invocado não pagamento de impostos.
Estes poderão ser pagos a posteriori, pois que, conforme decorre do disposto no art. 62º do Código de Imposto de Selo: “1 - Quando houver inventário, o tribunal remeterá, em duplicado, ao serviço de finanças competente, no prazo de 30 dias contados da data da sentença que julgou definitivamente as partilhas, uma participação circunstanciada contendo o nome do inventariado e os do cabeça-de-casal, herdeiros e legatários, respectivo grau de parentesco ou vínculo de adopção e bens que ficaram pertencendo a cada um, com a especificação do seu valor”.
Nesta conformidade, também tal argumento não merece aqui acolhimento.
*
Aqui chegados, não podemos deixar de concordar com a conclusão a que chegou o tribunal recorrido quanto à extinção do direito de usufruto e a impossibilidade de, por esse motivo, se fazer a menção da existência do mesmo nos anúncios da venda do bem imóvel em causa.
Como decorre do exposto, por força da partilha efectuada (e da sentença homologatória proferida), o bem imóvel em causa passou a pertencer, em termos de propriedade exclusiva, à recorrente, desde a data da abertura da sucessão.
Assim sendo, o direito de usufruto do mesmo bem imóvel, que se mostrava constituído a favor da recorrente, terá que necessariamente considerar-se extinto.
Com efeito, estabelece o art. 1476º, n.º 1 al. b) do CC que o direito de usufruto se extingue pela reunião do usufruto e da propriedade na mesma pessoa.
Com efeito, “juntando-se na mesma pessoa (por negócio entre vivos ou por sucessão mortis causa: ou porque o proprietário adquira o usufruto ou porque o usufrutuário adquira a nua propriedade), as qualidades de usufrutuário e de nu-proprietário, haverá uma reunião de poderes até aí dispersos em duas ou mais pessoas, que envolve a extinção do usufruto e a restauração da plena potestas sobre a res”[10].
Assim sendo, surge como evidente que se pode concluir que o direito de usufruto invocado pela cabeça de casal se extinguiu, ex lege, no dia do trânsito em julgado da sentença que lhe adjudicou a propriedade do imóvel (com os aludidos efeitos retroactivos), pois que se reuniram na mesma pessoa as referidas qualidades.
Não deverá, consequentemente, ser feita qualquer menção ao direito de usufruto nos anúncios de venda do imóvel, pois que o referido direito se encontra extinto.
Pelo exposto, ponderando os argumentos apresentados, afigura-se ao presente Tribunal que a decisão aqui posta em crise deve manter-se, por não ter sido violado qualquer um dos preceitos legais invocados pela recorrente.
*
III-DECISÃO
Pelos fundamentos acima expostos, acordam os Juízes deste Tribunal da Relação em julgar totalmente improcedente o Recurso apresentado, e em consequência decide-se manter integralmente a decisão recorrida.
*
Custas pela Recorrente (art. 527º, nº 1 do CPC).
Notifique.
*
Porto, 22 de novembro de 2021
Pedro Damião e Cunha
Fátima Andrade
Eugénia Cunha
________________
[1] In “Partilhas Judiciais”, Vol. II, 4ª edição, pág. 526 e 527. Informa também este autor que “há também quem ordene na sentença a entrega aos interessados dos títulos das propriedades que lhes tenham pertencido na partilha” (pág. 520)
[2] In “Lições de direito das sucessões”, Vol. II, pág. 361 e 362.
[3] Carvalho Fernandes, in “Lições de direito das sucessões”, pág. 360.
[4] Rabindranath Capelo de Sousa, in “Lições de direito das sucessões”, Vol. II, pág. 361 e 362.
[5] Miguel Teixeira de Sousa/ Carlos Lopes do Rego/ Abrantes Geraldes/Pedro Pinheiro Torres, in” O novo regime do processo de inventário e outras alterações na legislação do processo civil”, pág. 132 e 133.
[6] Carla Câmara/Carlos Castelo Brando/João Correia/Sérgio Castanheira, in “RJPI anotado”, pág. 355. No mesmo sentido, v. Abrantes Geraldes/ Paulo Pimenta/ Luís Sousa, in “CPC anotado”, Vol. II, pág. 610.
[7] Cristina Pimenta Coelho, in “CC anotado” (Coord. Ana Prata), Vol. II, pág. 1023.
[8] Cristina Pimenta Coelho, in “CC anotado” (Coord. Ana Prata), Vol. II, pág. 1024.
[9] Abrantes Geraldes/ Paulo Pimenta/ Luís Sousa, in “CPC anotado”, Vol. II, pág. 610.
[10] A. Varela/ P. Lima, in “CC anotado”, Vol. III, pág. 532. No mesmo sentido, v. Rui Pinto/Cláudia Trindade, in “CC anotado” (Coord. Ana Prata), Vol. II, pág. 348.