IMPUGNAÇÃO DA DECISÃO DA MATÉRIA DE FACTO
ÓNUS DE ALEGAÇÃO
PROMITENTE-VENDEDOR
INSOLVENTE
ADMINISTRADOR DA INSOLVÊNCIA
RECUSA DE CUMPRIMENTO
PROMITENTE-COMPRADOR
DIREITOS
Sumário

I - A impugnação da decisão de facto não se destina a que o Tribunal da Relação reaprecie global e genericamente a prova valorada em 1.ª instância, razão pela qual se impõe ao recorrente um especial ónus de alegação, no que respeita à delimitação do objecto do recurso e à respectiva fundamentação.
II - Não observa tal ónus o recorrente que identifica os pontos de facto que considera mal julgados, mas se limita a indicar os elementos probatórios de uma forma genérica para todos os pontos da matéria de facto, sem fazer a indispensável referência a cada um dos concretos pontos da matéria de facto e aos meios de prova que impunham, para cada um deles, uma decisão diversa.
III - Mantendo-se em vigor, em sede de Recurso, os princípios da imediação, da oralidade, da concentração e da livre apreciação da prova, e guiando-se o julgamento humano por padrões de probabilidade e nunca de certeza absoluta, o uso, pelo Tribunal da Relação, dos poderes de alteração da decisão da 1ª instância sobre a matéria de facto só deve ser efectuado quando seja possível, com a necessária segurança, concluir pela existência de erro de apreciação relativamente a concretos pontos de facto impugnados.
IV - A nulidade do contrato promessa invocada pelo recorrente (terceiro em relação àquele contrato), fundada no não cumprimento das formalidades enunciadas no disposto no nº 3 do art. 410º do CC, não pode por ele ser invocada, nem ser reconhecida oficiosamente pelo tribunal (cfr. Ac. do STJ de Fixação de Jurisprudência nº 15/94 e o Assento do STJ nº 3/95).
V - Quando o administrador da insolvência do promitente vendedor optar pela recusa do cumprimento de contrato-promessa de compra e venda, o promitente comprador tem direito a ser ressarcido pelo valor correspondente à prestação efectuada, nos termos dos artigos 106.º, n.º 2, 104.º, n.º 5, e 102.º, n.º 3, do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, aprovado pelo Decreto -Lei n.º 53/2004, de 18 de Março (cfr. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça n.º 3/2021 Processo n.º 872/10.0TYVNG-B.P1.S1 -A (Recurso para Uniformização de Jurisprudência)”

Texto Integral

APELAÇÃO Nº 1220/18.7T8AVR-A.P1

Sumário (elaborado pelo Relator- art. 663º, nº 7 do CPC):
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Comarca de Aveiro- Juízo de Comércio de Aveiro - Juiz 1
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I. RELATÓRIO.
Recorrente: B…;
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Recorrido: C…;
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Por sentença proferida em 11.04.2018, já transitada em julgado, foi declarada a insolvência das HERANÇAS JACENTES ILÍQUIDAS E INDIVISAS DE D… e de E….
Na sentença de declaração da insolvência foi fixado o prazo de 30 dias o prazo para reclamação de créditos.
Findo tal prazo e por apenso aos autos principais de insolvência, veio o ADMINISTRADOR DA INSOLVÊNCIA juntar a lista dos créditos reconhecidos e não reconhecidos, ao abrigo do disposto no art. 129.º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, tendo procedido, ainda, à junção de comprovativo do cumprimento das notificações efectuadas aos credores, nos termos do n.º 4 e n.º 5, do mesmo preceito legal.
Da lista de créditos não reconhecidos constavam os créditos de F… e de C…, relativos a empréstimos concedidos aos falecidos, o primeiro titulado por uma confissão de dívida e por uma letra de câmbio e o segundo, por um contrato promessa, cuja genuinidade das assinaturas, àqueles imputadas, foi posta em causa.
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Decorrido o prazo previsto no art. 130.º, n.º 1, do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, foi apresentada IMPUGNAÇÃO por:
- F… que pugnou pelo reconhecimento do seu crédito e que impugnou o crédito de B… no que respeita aos juros pugnando pela sua redução para o montante de € 31.818,87, porque calculados à taxa legal de 4% ao ano, sobre o capital de € 86.347,00, de 10.03.2009 a 17.05.2018;
- C… que pugnou pelo reconhecimento do seu crédito.
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B… veio responder à impugnação do seu crédito, esclarecendo ter intentado contra os autores das heranças acções no âmbito das quais os mesmos foram, designadamente, condenados ao pagamento de juros moratórios e compulsórios à taxa de 5% e, bem assim, ter peticionado o pagamento das despesas tidas com a cobrança do seu crédito em sede de acção executiva.
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Por requerimento datado de 14.09.2018 B… veio reiterar um requerimento de impugnação dos créditos de F… e de C… apresentado a 22.06.2018, nos autos principais, nos termos do qual requereu a realização de prova pericial para exame das letras das assinaturas imputadas aos devedores.
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Por despacho proferido a 18.10.2018, foi designada data para a realização e AUDIÊNCIA PRÉVIA, que se realizou a 30.10.2018, tendo sido definido o OBJETO DO PROCESSO e os TEMAS DA PROVA.
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Por requerimento datado de 10.04.2019, o credor C… veio defender que, por falta de resposta à impugnação apresentada, considerando o disposto na parte final do n.º 3, do art. 131.º do CIRE, a respectiva impugnação deveria ser julgada procedente por provada e, em consequência, ser reconhecido e verificado o seu crédito no montante de € 180.000,00, sendo o mesmo classificado como comum.
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Por despacho proferido a 13.06.2019, decidiu-se o seguinte:
«Contrariamente ao pressuposto pelo credor C..., resulta logicamente da tramitação conferida aos autos e da actividade processual cumprida com e a partir do despacho de 18.10.2018, máxime, pelos temas de prova fixados em sede de audiência prévia, bem como da activa intervenção que nela deduziu o ora requerente (participando, praticando e requerendo actos e diligências instrutórias), que para os legais e processuais efeitos se consideraram validamente impugnados os créditos a que se arrogam os credores F… e C… reclamam nestes autos através do requerimento que nos autos principais foi apresentado pelo credor B… em 22.06.2018 e ao qual posteriormente veio a reportar o requerimento que neste apenso apresentou em 14.09.2018, impedindo assim a produção do efeito ‘cominatório’ previsto pelo art. 131.º, nº 3 do CIRE».
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Realizou-se a Prova Pericial requerida, materializada no relatório junto a fls. 230/260 [09.08.2019] e nos esclarecimentos prestados a fls. 282/285 [27.11.2019].
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Foi designada data para a realização da Audiência Final, que se realizou com as legais formalidades, conforme consta da acta de fls. 311/312 [26.11.2020].
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Para a massa insolvente foram apreendidos os seguintes bens:
(…)
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O ADMINISTRADOR DA INSOLVÊNCIA reconheceu os seguintes créditos:
- Autoridade Tributária:
* € 2.018,25 comum e € 0,67 subordinado – a titulo de IRS e custas processuais;
* € 502,88 garantido – a título de IMI – do qual; discriminado
- o montante de € 406,53 é referente ao prédio urbano inscrito na matriz sob o art. 2449.º da freguesia …, concelho de Anadia;
- o montante de € 94,95 é referente ao prédio urbano inscrito na matriz sob o art. 747.º da freguesia de …, concelho de Anadia;
- o montante de € 0,20 é referente ao prédio rústico inscrito na matriz sob o art.10811.º, da freguesia …, concelho de Anadia;
- o montante de € 0,07 é referente ao prédio rústico inscrito na matriz sob o art 12786.º, da freguesia de …, concelho de Anadia;
- o montante de € 0,36 é referente ao prédio rústico inscrito na matriz sob o art 12915.º, da freguesia …, concelho de Anadia;
- o montante de € 0,05 é referente ao prédio rústico inscrito na matriz sob o art 13622.º, da freguesia …, concelho de Anadia;
- o montante de € 0,17 é referente ao prédio rústico inscrito na matriz sob o art 13658.º, da freguesia …, concelho de Anadia;
- o montante de € 0,04 é referente ao prédio rústico inscrito na matriz sob o art 13813.º, da freguesia …, concelho de Anadia;
- o montante de € 0,02 é referente ao prédio rústico inscrito na matriz sob o art 13824.º, da freguesia …, concelho de Anadia;
- o montante de € 0,28 é referente ao prédio rústico inscrito na matriz sob o art 13825.º da freguesia …, concelho de Anadia;
- o montante de € 0,21 é referente ao prédio rústico inscrito na matriz sob o art. 13997.º, da freguesia …, concelho de Anadia.
- G…, Unipessoal, Lda.:
* € 36.630,39 comum e €120,43 subordinado;
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- H…:
* € 15.354,05 comum e € 37,98 subordinado;
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- B…:
* € 144.845,37 comum [€ 86.347,00 a título e capital e € 58.782,25 a título de juros calculados até 17.05.2018] e € 283,88 subordinado;
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O ADMINISTRADOR DA INSOLVÊNCIA não reconheceu os seguintes créditos:
- F…:
* € 100.000,00 comum – a título de empréstimo, por terem sido impugnadas as assinaturas constantes do título que o fundamenta;
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* C…:
* € 180.000,00 comum - a título de empréstimo, por terem sido impugnadas as assinaturas constantes do título que o fundamenta.
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Finalizada a Audiência final, foi proferida a seguinte decisão de verificação e graduação dos créditos que constitui o objecto do presente recurso:
“IV. - DECISÃO
Considerando o que supra se deixou exposto:
- Homologo a lista de credores apresentada pelo Administrador da Insolvência a 26.07.2018, com os esclarecimentos prestados a 26.01.2021, no que respeita aos créditos não impugnados;
- Julgo procedente a impugnação deduzida pelo credor F… e, consequentemente, julgo verificado o respectivo crédito, no montante de € 100.000,00 a título de capital, acrescido de juros calculados desde 01.03.2013, sendo o crédito comum;
- Julgo improcedente a impugnação deduzida pelo credor F… relativamente ao crédito de juros de B…;
- Julgo procedente a impugnação deduzida pelo credor C… e, consequentemente, julgo verificado o respectivo crédito, no montante de € 180.000,00 a título de capital, sendo o crédito comum;
Deve, assim, proceder-se ao pagamento dos créditos, através do produto da massa insolvente, pela seguinte ordem: (…)”.
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Notificada desta decisão, veio o recorrente B… interpor Recurso, apresentando as seguintes conclusões:
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Foram apresentadas contra-alegações pelo recorrido C…, onde este apresenta as seguintes conclusões:
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Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
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II- FUNDAMENTOS

O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do(s) recorrente(s), não podendo este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso - cfr. artigos 635.º, nº 4, e 639.º, nºs 1 e 2, do CPC.
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No seguimento desta orientação, o recorrente coloca a(s) seguinte(s) questões que importa apreciar:
1. Determinar se o tribunal a quo incorreu num erro de julgamento, e, consequentemente, se, reponderado esse julgamento:
- deverão ser julgados NÃO PROVADOS os factos que a decisão recorrida declarou assentes sob os números 5. a 14.
- deverão ser julgados NÃO PROVADOS os factos que a sentença em apreço declarou assentes sob os números 20. a 30. e 32. a 35.
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2. Saber se, sendo modificada a matéria de facto no sentido propugnado pelo recorrente, devem as reclamações/impugnações dos credores ser julgadas improcedentes.
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(mesmo que assim não se entenda)
3. Saber se o aludido crédito do impugnante C… não podia ser reconhecido nos termos em que o foi:
- porque o invocado contrato promessa padece de nulidade por dele não constarem o reconhecimento das assinaturas dos outorgantes, nem a certificação da licença de ocupação do prédio urbano prometido vender e comprar, em violação do disposto no art. 410º, nº 3 do CC;
- porque é carecida de fundamento legal a decisão que reconheceu ao impugnante um crédito no valor de € 180.000,00, a título de devolução em dobro do sinal que alega ter constituído, pois tal decisão viola, por erro de interpretação e aplicação, o disposto nos arts. 106º, nº 2, 104º, nº 5 e 102º, nº 3, al. c) do C.I.R.E., uma vez que, por força de tais preceitos, o promitente comprador apenas teria direito à restituição em singelo do sinal que comprovadamente houvesse prestado.
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A) - FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO
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O tribunal recorrido considerou provados os seguintes factos:
“II. – FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO
A. - FACTUALIDADE PROVADA
Com relevância para a decisão resultaram provados os seguintes factos:
1. Todos os factos que constam da lista de credores reconhecidos elaborada pelo Administrador da Insolvência junta a 26.07.2018 e dos esclarecimentos prestados a 26.01.2021, que aqui dou por integralmente reproduzidos, no que respeita aos créditos não impugnados.
2. Foram apreendidas para a massa os seguintes bens, todos melhor identificados no auto de apreensão junto a 11.09.2018 [do apenso C]:
a. VERBA 1 - 1/3 do Prédio urbano, sito em Rua …, Freguesia …, Concelho de Anadia, descrito na Conservatória de Registo Predial de Anadia com o número 414/19861106, com artigo matricial 2449.º;
b. VERBA 2 - Prédio urbano, sito em …, Freguesia …, Concelho de Anadia, descrito na Conservatória de Registo Predial de Anadia com o número 9163/20100706, com artigo matricial 747.º;
c. VERBA 3 - Prédio rústico, sito em …, Freguesia …, Concelho de Anadia, descrito na Conservatória de Registo Predial de Anadia com o número 8704/20091102, com o artigo matricial 10811.º;
d. VERBA 4 - Prédio rústico, sito em …, Freguesia …, Concelho de Anadia, descrito na Conservatória de Registo Predial de Anadia com o número 3321/19920917, com o artigo matricial 12786.º;
e. VERBA 5 - ½ Prédio rústico, sito em …, Freguesia …, Concelho de Anadia, descrito na Conservatória de Registo Predial de Anadia com o número 7799/20080829, com o artigo matricial 12915.º;
f. VERBA 6 - Prédio rústico, sito em …, Freguesia …, Concelho de Anadia, descrito na Conservatória de Registo Predial de Anadia com o número 9166/20100706, com o artigo matricial 13622.º;
g. VERBA 7 - Prédio rústico, sito em …, Freguesia …, Concelho de Anadia, descrito na Conservatória de Registo Predial de Anadia com o número 9165/20100706, com o artigo matricial 13813.º;
h. VERBA 8 - Prédio rústico, sito em …, Freguesia …, Concelho de Anadia, descrito na Conservatória de Registo Predial de Anadia com o número 8705/20091102, com o artigo matricial 13658.º;
i. VERBA 9 - Prédio rústico, sito em …, Freguesia …, Concelho de Anadia, descrito na Conservatória de Registo Predial de Anadia com o número 9164/20100706, com o artigo matricial 13824.º;
j. VERBA 10 - Prédio rústico, sito em …, Freguesia …, Concelho de Anadia, descrito na Conservatória de Registo Predial de Anadia com o número 8703/20091102, com o artigo matricial 13825.º;
k. VERBA 11 - Prédio rústico, sito em …, Freguesia …, Concelho de Anadia, descrito na Conservatória de Registo Predial de Anadia com o número 8707/20091102, com o artigo matricial 13997.º;
3. E…, autor da herança declarada insolvente nos autos principais, era sócio da empresa I…, Lda. e, ao longo da sua vida, sempre se dedicou à produção e comércio de acessórios para bicicletas e motorizadas.
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DO CRÉDITO DE C…:
4. C… conhecia o insolvente E… há, sensivelmente, duas décadas.
5. Face a dificuldades financeiras que a sua empresa ia atravessando, E… foi solicitando a C… que o mesmo lhe fosse adiantando algumas quantias.
6. Assim, entre 2001 e 2003, C… foi entregando a E…, a pedido deste, para lhe serem restituídas, as quantias a seguir descritas, que o E… foi pagando, em parte, conforme as suas possibilidades:
a. junho de 2001 – 3.800.000$00 – € 18.954,32;
b. novembro de 2001 – 3.900.000$00 – € 19.453,12;
c. dezembro de 2001 – 4.000.000$00 – € 19.951,92;
d. março de 2002 – € 18.000,00;
e. janeiro de 2003 – € 20.000,00; e
f. junho de 2003 – € 18.000,00.
tudo no valor global de € 114.359,35.
7. Para garantia de bom pagamento dos referidos montantes mutuados, E… foi entregando a C… os seguintes cheques, pré-datados, da empresa I…, Lda.:
g. CH n.º ………. – Banco J… – no valor de 3.800.000$00
h. CH n.º ………. – Banco J… – no valor de 3.900.000$00
i. CH n.º ………. – K… – no valor de 4.000.000$00
j. CH n.º ………. – Banco J… – no valor de € 18.000,00;
k. CH n.º ………. – Banco L… – no valor € 20.000,00;
l. CH n.º ………. – Banco L… – no valor € 18.000,00.
8. No início de 2008 a dívida fixava-se em € 72.000,00.
9. Nassa altura, E… solicitou um outro empréstimo a C…, no valor de € 18.000,00.
10. C…, conhecedor das dificuldades que os autores das heranças insolventes atravessavam, recusou emprestar-lhes essa quantia sem que fosse apresentada uma garantia de pagamento.
11. Nessas circunstâncias, a fim de conseguir um novo empréstimo e garantir toda a dívida já acumulada, no dia 31.05.2008, E… subscreveu, juntamente com D… e com C… o contrato junto a fls. 32 verso a 34 [cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido], que designaram de contrato-promessa de compra de habitação, arrumos e logradouro, nos termos do qual estabeleceram, para além do mais, o preço de € 100.000,00, que a quantia, até então entregue pelo último ao primeiro, de € 90.000,00, seria considerada a título de sinal, devendo o remanescente do preço, no montante de € 10.000,00, ser liquidado na data da celebração da escritura pública, a realizar no prazo de 2 anos.
12. Foram objecto do referido contrato os prédios descritos no ponto 2. correspondentes às verbas n.ºs 2, 9 e 10.
13. Os outorgantes do referido contrato declararam prescindir do reconhecimento presencial e certificação notarial previstos no n.º 3 do art. 410.º do Código Civil.
14. Decorrido o prazo referido em 12., sem que lhe tivessem sido efectuados outros pagamentos, C… exigiu o cumprimento do contrato promessa celebrado, o que, até ao momento presente não sucedeu.
15. E… veio a falecer no dia 17 de setembro de 2013, sem ter liquidado a quantia que se encontrava em dívida a C….
16. Os bens apreendidos nos presentes autos foram todos vendidos, conforme informações constantes do apenso D.
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DO CRÉDITO DE F…:
17. F… foi vizinho e amigo de E… e de D…, conhecendo o primeiro desde a escola primária.
18. F…, apesar de actualmente se encontrar reformado, sempre se dedicou à construção civil e compra e venda de bens imóveis.
19. No final da década de 90, início da década de 2000, a empresa de E… começou a sucumbir, o que este não aceitou, tendo procurado, sempre com a ajuda de amigos e familiares, a sua actividade e pagar os salários aos seus funcionários.
20. Assim, no inicio de 2004, F…, foi procurado por E…, que fruto da grave crise económica e financeira que atravessava o seu sector de actividade, lhe solicitou ajuda económica para tentar escapar ao encerramento do seu estabelecimento.
21. Durante os anos de 2004, 2005 e 2006 F… entregou a E… diversas quantias, que eram acompanhadas dos recibos emitidos pela I…, Lda.:
a. em 20.02.2004 – € 18.000,00;
b. em 30.07.2004 – € 20.000,00;
c. em 01.06.2005 – € 20.000,00;
d. em 12.12.2005 – € 19.000,00; e
e. em 31.03.2006 – € 18.000,00;
tudo no valor global de € 100.000,00.
22. Em 2006 F… ainda entregou a E… a quantia de € 5.000,00
23. Os valores acima referidos destinavam-se ao pagamento do Leasing de um Robot de Soldadura concedido pela Instituição M…, SA, bem como para pagamento de salários dos trabalhadores da empresa I…, Lda.
24. Para garantia de bom pagamento de tais montantes, no final do ano de 2006 E… entregou um cheque correspondente à soma de todos os valores entregues.
25. No início de 2007, F… solicitou a E… a amortização, ainda que parcial, dos valores que lhes havia entregado;
26. Tendo-se deslocado ao banco a fim de aferir da cobertura do cheque referido em 25., F… foi informado que a conta não possuía fundos para pagamento do cheque, razão pela qual não procedeu ao seu depósito.
27. Assim em junho de 2007, E… e D…, nos termos que constam do documento de fls. 21 verso, designado de confissão de dívida [cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido], declararam confessarem-se devedores a F… das quantias que este lhes havia entregue e comprometeram-se a pagar-lhas em 10 prestações trimestrais, vencendo-se a primeira em setembro de 2007.
28. Na sequência da subscrição de tal documento, F… devolveu-lhes o cheque referido em 24..
29. Não obstante, na data de vencimento da primeira prestação estabelecida no documento mencionado em 27. nenhum valor foi pago por E… e D….
30. E também nenhuma das prestações seguintes foi paga.
31. A I…, Lda. veio a encerrar a respectiva actividade no ano de 2008.
32. Após o falecimento de D…, F… contactou E…, que lhe garantiu que efectuaria o pagamento em dívida.
33. No dia 1 de Setembro de 2012, E… subscreveu, na qualidade de aceitante, e entregou a F…, a letra de câmbio n.º ………………, no valor de € 100.000,00, junta a fls. 21[cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido];
34. Tendo ficado acordado que E… efectuaria o pagamento ou reformaria a letra no prazo de 6 meses, ou seja, até Março de 2013.
35. Porém, chegada tal data nem ocorreu o pagamento nem a reforma da letra.
36. E… veio a falecer no dia 17 de Setembro de 2013, sem ter liquidado qualquer quantia F….
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DO CRÉDITO DE B…:
37. Por documento escrito, datado de 10 de março de 2009, junto a fls. 42 verso e 43, designado de confissão de dívida e acordo de pagamento [cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido], E… e D…, confessaram-se devedores a B… da quantia de € 86.347,00, correspondente à soma de sucessivos empréstimos que seu pai, N… [falecido em 02.05.2008, lhes foi concedendo desde o ano de 2005 até finais de outubro de 2007.
38. No referido documento as partes estabeleceram que o capital deveria ter sido pago até 31.07.2018, pelo que, não o tendo sido, acresceriam juros de mora, à taxa de 5% ao ano, até efectivo pagamento.
39. Para parcial pagamento da dívida a que alude o referido documento, E… e D… subscreveram como aceitantes e entregaram a B… a letra de câmbio n.º ………………, no valor de € 44.900,00, junta a fls. 43 verso [cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido], sem data de vencimento.
40. Tendo ficado acordado que E… e D… efectuariam o pagamento da letra no dia 30 de junho de 2009.
41. Porém, chegada tal data, não ocorreu o pagamento.
42. No dia 17.02.2010 B… deu entrada à acção executiva que, com o n.º 698/10.1T2AGD, corria termos no Juízo de Execução de Águeda, peticionando o pagamento da quantia global de € 46.041,57, correspondente soma do capital de € 44.900,00, e juros moratórios no valor de € 1.141,57, conforme requerimento executivo, junto a fls. 44/45 [cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido].
43. No dia 22.02.2010, B… deu igualmente entrada a uma acção de processo ordinário contra E… e D…, que, com o n.º 101/10.7T2AND correu termos no Juízo de Grande Instância Cível de Anadia, Juiz 1, Comarca do Baixo Vouga, peticionando o pagamento da quantia global de € 44.688,95, correspondente à soma do capital de 41.447,00, e juros moratórios no valor de € 3.241,95.
44. Por sentença proferida a 04.06.2010 [junta a fls. 63/61, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido], transitada em julgado a 06.09.2010, E… e D… foram condenados a pagar a B… a quantia de € 41.447,00, acrescida de juros moratórios à taxa de 5%, calculados desde 31 de julho de 2008 até integral e efectivo pagamento.
45. Em 01.10.2010, B… executou a referida sentença, em cumulação sucessiva à execução que, com o n.º 698/10.1T2AGD corria termos no Juízo de Execução de Águeda, peticionando o pagamento da quantia global de € 46.079,98, correspondente à soma do capital de € 41,447,00, e juros moratórios à taxa de 5%, calculados desde 31.07.2008, acrescidos da sobretaxa de 5% ao ano, devida nos termos do art. 829.º-A do CC, esta calculada desde a data do trânsito em julgado da sentença, tudo no valor global de € 4.632,98, conforme requerimento executivo, junto a fls. 61 verso a 62 [cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido].
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B. - FACTUALIDADE NÃO PROVADA
Não se provaram quaisquer outros factos relevantes para a decisão da causa alegados pelas partes, que não se encontrem descritos como provados ou que se mostrem em oposição aos provados ou prejudicados por estes.
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B) - FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO
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Comecemos por pronunciar sobre a impugnação da matéria de facto deduzida pelo recorrente.
Como resulta do corpo alegatório e das respectivas conclusões, o recorrente impugnou a decisão da matéria de facto, tendo, em termos gerais, dado cumprimento aos ónus impostos pelo artigo 640.º, nº 1, als. a), b) e c) do CPC, pois que faz referência aos concretos pontos da matéria de facto que considera incorrectamente julgados, indica em termos genéricos os elementos probatórios que imporiam uma decisão contrária à afirmada pelo tribunal recorrido (se bem que, como iremos ver, não o tenha feito quanto a cada um dos pontos da matéria de facto) e indica a decisão que, no seu entender, deveria sobre eles ter sido proferida.
Assim, o apelante não concorda com a decisão sobre a fundamentação factual relativa aos seguintes factos:
- deverão ser julgados NÃO PROVADOS os factos que a decisão recorrida declarou assentes sob os números 5 a 14.
- deverão ser julgados NÃO PROVADOS os factos que a sentença em apreço declarou assentes sob os números 20. a 30., 32. a 35.
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Mas vejamos em que termos o recorrente impugna esses factos, que identifica como constituindo um erro de julgamento por parte do tribunal recorrido, e que nos permitem afirmar que a pretensão deduzida não deu obediência integral aos aludidos ónus previstos no citado art. 640º do CPC.
Na verdade, como já fomos avançando, importa referir que a impugnação deduzida pelo recorrente não se mostra concretizada para cada um dos factos impugnados, tendo aquele optado por indicar os meios de prova e as razões subjacentes à valoração dessa prova, de um modo genérico (em bloco) para todos os factos que pretende impugnar (dividindo essa sua análise em dois blocos, tendo por referência os titulares dos créditos reclamados em discussão).
Com efeito, compulsada a peça processual apresentada é inequívoco que o recorrente, indicando, como fundamento da impugnação factual que pretende deduzir, uma interpretação alternativa dos meios probatórios produzidos, não cumpriu efectivamente os ónus que o legislador lhe impôs para exercer esse seu direito processual, no que concerne à indicação dos meios de prova que imporiam diferente decisão quanto a cada um dos factos impugnados.
Na verdade, é patente que ao fazê-lo, o recorrente não indicou, com a exactidão exigida, e por forma a explicitar e atestar as suas alegações, os meios de prova que imporiam a decisão que propugna para cada um dos pontos da matéria de facto, tendo relacionado os aludidos meios de prova invocados apenas de uma forma genérica para cada um dos aludidos dois blocos de factos (o do credor C… e o do credor F…).
Nessa medida, podemos concluir que o recorrente acaba por se limitar, em violação dos ónus processuais impostos pelo art. 640º do CPC, a apresentar aquilo a que Jurisprudência e Doutrina vêm designando de impugnação genérica e em bloco para o conjunto de factos que pretende impugnar.
Como decorre do exposto, o art. 640º, n.º 1 do CPC determina que, “quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:
a)- os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados;
b)- os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;
c)- a decisão que, no seu entender, dever ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.»
Assim, seguindo a lição de Abrantes Geraldes[1], “quando o recurso verse a impugnação da decisão da matéria de facto deve o recorrente observar as seguintes regras:
-em quaisquer circunstâncias, o recorrente tem de indicar os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados, com enunciação na motivação do recurso e síntese nas conclusões;
-quando a impugnação se fundar em meios de prova constantes do processo ou que nele tenham sido registados, o recorrente deve especificar aqueles meios de prova que, em seu entender, determinam uma decisão diversa quanto a cada um dos factos impugnados;
-relativamente a pontos da decisão da matéria de facto cuja impugnação se funde, no todo ou em parte, em provas gravadas, para além da especificação obrigatória dos meios de prova em que o recorrente se baseia, cumpre-lhe indicar com exactidão as passagens da gravação relevantes e proceder, se assim o entender, à transcrição dos excertos que considere oportunos;
- o recorrente deve ainda deixar expressa a decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas, como corolário da motivação apresentada, tendo em conta a apreciação crítica dos meios de prova produzidos.
Ora, no caso concreto, o recorrente não cumpriu manifestamente o aludido requisito processual, pois que a sua impugnação foi deduzida em termos genéricos (em bloco – ou melhor, em dois blocos), sem apresentar para cada um dos concretos pontos da matéria de facto que pretende impugnar, os meios de prova que, para cada um dos factos, imporiam uma outra decisão.
Ora, tem-se entendido, em termos jurisprudenciais, que:
- ac. do STJ de 19.02.2015 (relator: Maria dos Prazeres Beleza), in dgsi.pt:
“(…) II- A impugnação da decisão de facto, feita perante a Relação, não se destina a que este tribunal reaprecie global e genericamente a prova valorada em 1.ª instância, razão pela qual se impõe ao recorrente um especial ónus de alegação, no que respeita à delimitação do objecto do recurso e à respectiva fundamentação.
III - Não observa tal ónus o recorrente que identifica os pontos de facto que considera mal julgados, mas se limita a indicar os depoimentos prestados e a listar documentos, sem fazer a indispensável referência àqueles pontos de facto, especificando os concretos meios de prova que impunham que cada um desses pontos fosse julgado provado ou não provado.
IV - A apresentação das transcrições globais dos depoimentos das testemunhas não satisfaz a exigência determinada pela al. a) do n.º 2 do art. 640.º do NCPC (2013).
V - O incumprimento de tais ónus – prescritos para a delimitação e fundamentação do objecto do recurso de facto – impedem a Relação de exercer os poderes-deveres que lhe são atribuídos para o respectivo conhecimento.”.
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- no acórdão do STJ de 20-12-2017 (relator: Ribeiro Cardoso), conclui-se que:
“I - A alínea b), do nº 1, do art. 640º do CPC, ao exigir que o recorrente especifique “[o]s concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida”, impõe que esta concretização seja feita relativamente a cada um daqueles factos e com indicação dos respectivos meios de prova, documental e/ou testemunhal e das passagens de cada um dos depoimentos.
II - Não cumpre aquele ónus o apelante que, nas alegações e nas conclusões, divide a matéria de facto impugnada em três “blocos distintos de factos” e indica os meios de prova relativamente a cada um desses blocos, mas omitindo-os relativamente a cada um dos concretos factos cuja decisão impugna”.
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- no ac. do STJ 1.3.2018 (relator: Júlio Gomes):
“Não pode ser suficiente para o cumprimento do disposto no art. 640.º, n.º 1 do CPC a transcrição de múltiplos depoimentos de testemunhas e a genérica afirmação de que foi feita pela sentença recorrida “uma errónea aplicação da matéria de facto e de direito”, já que de afirmações tão genéricas não resulta com qualquer grau de segurança quais os concretos pontos da matéria de facto que são impugnados, nem muito menos quais os meios de prova que em relação a cada um deles deveriam levar a decisão diversa”.
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- no ac. do STJ 11.4.2018 (relator: Chambel Mourisco):
“I. A exigência, imposta pelo artigo 640.º n.º 1 alínea b) do Código de Processo Civil, de especificar os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida, determina que essa concretização seja feita relativamente a cada um daqueles factos e com indicação dos respectivos meios de prova, e quando gravados com a indicação exacta das passagens da gravação em que se funda o recurso.
II - Não cumpre aquele ónus o apelante que, nas alegações não especificou os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão diversa da recorrida sobre os pontos da matéria de facto que pretendia impugnar, limitando-se a transcrever as declarações, a mencionar documentos, tomando como referência determinados tópicos que elencou”.
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- no acórdão do STJ de 05.09.2018 (relator: Gonçalves Rocha), conclui-se que:
“I. A alínea b), do n.º 1, do art.º 640.º do CPC, ao exigir que o recorrente especifique os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão diversa sobre os pontos da matéria de facto impugnados, exige que esta concretização seja feita relativamente a cada um daqueles factos e com indicação dos respectivos meios de prova, documental e/ou testemunhal e das passagens de cada um dos depoimentos.
II. Não cumpre aquele ónus o apelante que, nas alegações e nas conclusões, divide a matéria de facto impugnada em vários blocos de factos e indica os meios de prova relativamente a cada um desses blocos, mas omitindo-os relativamente a cada um dos concretos factos cuja decisão impugna
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- no Ac. do STJ de 27.9.2018 (relator: Sousa Lameira) conclui-se que:
“I - Como decorre do art. 640.º do CPC o recorrente não satisfaz o ónus impugnatório quando omite a especificação dos pontos de facto que entende terem sido incorrectamente julgados, uma vez que é essa indicação que delimita o objecto do recurso.
II - Também não cumpre os seus ónus quando se limita a discorrer genericamente sobre o teor da prova produzida, sem indicar os concretos meios probatórios que, sobre cada um dos pontos impugnados, impunham decisão diversa da recorrida, devendo ainda especificar a decisão concreta a proferir sobre cada um dos diversos pontos da matéria de facto impugnados.
III - Relativamente ao recurso de impugnação da decisão sobre a matéria de facto não há lugar ao despacho de aperfeiçoamento das respectivas alegações uma vez que o art. 652.º, n.º 1, al. a), do CPC, apenas prevê a intervenção do relator quanto ao aperfeiçoamento “das conclusões das alegações, nos termos do n.º 3 do art. 639.º”, ou seja, quanto à matéria de direito e já não quanto à matéria de facto”.
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- no ac. do STJ de 20.2.2019 (relator: Chambel Mourisco) refere-se que:
“I. O artigo 640.º, n.º 1, alínea b), do Código de Processo Civil estabelece que se especifique os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida, e determina que essa concretização seja feita relativamente a cada um daqueles factos e com indicação dos respectivos meios de prova, e quando gravados com a indicação exacta das passagens da gravação em que se funda o recurso.
II - Não cumpre aquele ónus o apelante que nas alegações não especificou os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, relativamente a cada um dos factos concretos cuja decisão impugna, antes se limitando a proceder a uma indicação genérica e em bloco, para aquele conjunto de factos”.
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- ac. do STJ de 3.11.2020 (relatora Maria João Tomé):
“I - De acordo com a jurisprudência consolidada do STJ, a rejeição da impugnação da matéria de facto pela Relação, com fundamento em incumprimento do ónus do art. 640.º do CPC, pode, se tal rejeição for injustificada, configurar uma violação da lei processual que, por ser imputada ao Tribunal da Relação, descaracteriza a dupla conforme entre as decisões das instâncias enquanto obstáculo à admissibilidade da revista.
II - Para efeitos do disposto nos arts. 640.º e 662.º, n.º 1, do CPC, de acordo com a abundante jurisprudência do STJ, importa distinguir, de um lado, entre as exigências da concretização dos pontos de facto incorrectamente julgados (art. 640.º, n.º 1, al. a)), da especificação dos concretos meios probatórios convocados (art. 640.º, n.º 1, al. b)) e da indicação da decisão a proferir (art. 640.º, n.º 1, al. c)) - que têm por função delimitar o objecto do recurso e fundamentar a impugnação da decisão da matéria de facto - e, de outro lado, a exigência da indicação exacta das passagens da gravação dos depoimentos que se pretendem ver analisados (art. 640.º, n.º 2, al. a)) - que visa facilitar o acesso aos meios de prova gravados relevantes para a apreciação da impugnação. Enquanto a inobservância das primeiras (art. 640.º, n.º 1, als. a), b) e c)) implica a rejeição imediata do recurso na parte infirmada, o incumprimento ou o cumprimento deficiente da segunda (art. 640.º, n.º 2, al. a)) apenas acarreta a rejeição nos casos em que dificultem, gravemente, a análise pelo tribunal de recurso e/ou o exercício do contraditório pela outra parte.
III - Na apreciação da (in)observância dos ónus previstos no art. 640.º do CPC, há que levar em devida linha de conta que a impugnação da matéria de facto não se destina a reiterar um julgamento na sua totalidade, mas antes a corrigir determinados aspectos que o recorrente entenda não terem merecido um tratamento adequado por parte do tribunal a quo.
IV - O que cabe impugnar é a decisão da matéria de facto e não meros quesitos formulados aquando da elaboração da base instrutória (na altura existente), dado que estes não se consubstanciam em qualquer decisão, de um lado e, de outro, uma impugnação genérica, por rubricas/temas, equivale a que nenhum concreto/especificado ponto de facto acabe por ser impugnado nas conclusões do recurso de apelação.
V - Se um dos fundamentos do recurso é o erro de julgamento da matéria de facto, compreende-se que o recorrente tenha de propor ou indicar o sentido correcto da resposta, que na sua perspectiva, se impõe seja dada a tais pontos de facto impugnados - especificando quais dos factos impugnados considera não provados na totalidade ou provados parcialmente, restritiva ou explicativamente, explicitando-o claramente.
VI - Perante uma convicção do julgador de facto baseada em múltiplos elementos probatórios documentais, os recorrentes não podem fundar a sua impugnação numa afirmação genérica, não concretizada e desrespeitadora do ónus de especificação dos concretos meios probatórios que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida.
VII - No caso sub judice, afigura-se totalmente irrelevante considerar que os recorrentes observaram o ónus secundário previsto no art. 640.º, n.º 2, al. a), do CPC, quando o incumprimento dos ónus primários estabelecidos no n.º 1 do mesmo preceito conduz inexoravelmente à rejeição do pedido de impugnação da decisão de facto”.
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- no ac. do STJ 10.11.2020 (relatora: Graça Amaral):
I - As meras afirmações conclusivas constantes da decisão fáctica não podem ser objecto de impugnação em sede de recurso sobre a matéria de facto
II – A natureza da exigência legal prevista na alínea b) do n.º1 do artigo 640.º do CPC (enquanto meio que dá suporte ao erro de julgamento da matéria de facto impugnada), que tem por finalidade impedir impugnações carecidas de fundamento probatório objectivo, impõe uma indicação precisa dos meios de prova que deveriam levar à pretensa modificação dos factos concretamente impugnados, pelo que não se compadece com a enunciação de vários elementos probatórios em termos de reescrutínio indiscriminado e global da factualidade subjacente à causa.
III - A prolação de despacho de aperfeiçoamento nas situações de incumprimento dos ónus processuais previstos no n.º1 do artigo 640.º do CPC, a cargo do recorrente não assume cabimento legal, uma vez que o preceito mostra-se claro ao determinar a rejeição da impugnação (sob pena de rejeição) perante o não cumprimento dos mesmos.
IV – Na avaliação do cumprimento do ónus processual previsto na alínea c) do n.º 1 do artigo 640.º do CPC, importa ter presente se o Recorrente destacou, de forma suficientemente perceptível para o tribunal de recurso e para a contraparte, o juízo probatório que visa obter com a impugnação dos pontos fácticos impugnados, pelo que não constitui questão inultrapassável, que justifique a rejeição do recurso, a imperfeição formal resultante da ausência de uma referência explícita à decisão fáctica a proferir”.
Concretiza-se no texto do Acórdão o seguinte:
“(…) Na verdade, embora os Recorrentes no corpo das alegações tenham indicado vários elementos probatórios fizeram-no em termos de reescrutínio indiscriminado e global da factualidade subjacente à causa, que de modo algum satisfaz a exigência legal ínsita na referida alínea b) do n.º1 do artigo 640.º do CPC, que tem por finalidade impedir impugnações carecidas de fundamento probatório objectivo.
E se é certo que, ao invés da exigência legal prevista na alínea a) do n.º1 do artigo 640.º do CPC (a qual deve constar das conclusões do recurso), a indicação especificada dos concretos meios de prova que imponham decisão diversa possui a sua sede própria no corpo das alegações, cabe sublinhar que a sua natureza (enquanto meio que dá suporte ao erro de julgamento da matéria de facto impugnada) impõe uma indicação precisa dos meios de prova que deveriam levar à pretensa modificação dos factos concretamente impugnados, pois que a lei obriga à especificação desses concretos meios probatórios em função dos pontos factuais impugnados.
Ora, nas alegações da apelação, os Recorrentes omitiram, relativamente aos factos objecto da sua censura, qualquer indicação especificada do(s) meio(s) probatório(s) que deveria levar a um juízo probatório em sentido diverso do decidido na sentença.
Aliás, decorre do posicionamento dos Recorrentes (quer na apelação, quer agora em sede de revista) que a sua pretensão em termos de erro de julgamento da matéria de facto visa uma avaliação global da prova produzida porquanto procederam à indicação (no corpo das alegações) de vários depoimentos produzidos em audiência de julgamento que reputaram de relevantes (identificando o registo e transcrevendo excertos dos depoimentos), bem como de elementos documentais, fazendo-o, conforme afirmam, em função de um enquadramento por sectores temáticos que indicaram e justificaram em termos que ilustram a falta de conexão entre os meios probatórios e os factos impugnados concretamente indicados (…)”
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Ora, no caso dos autos, analisando o corpo das alegações e as conclusões da apelação atrás transcritas, verificamos justamente que, no que se refere à prova que o recorrente indica para fundar as alterações que defende, relativamente ao conjunto de factos que pretende impugnar, este efectivamente não concretiza, por referência a cada facto impugnado, quais os meios probatórios que, no seu entender, imporiam decisão diversa daquela que foi dada pelo Tribunal de 1.ª Instância, antes se limitando a proceder a uma indicação genérica e em bloco, para aquele conjunto de factos.
Ou seja, o recorrente não indicou os concretos meios de prova (as passagens dos depoimentos que transcreve, a prova documental, a prova pericial, etc.) e que, no seu entendimento, imporiam a pretendida alteração, por referência a cada um dos factos concretos cuja decisão pretende impugnar, sendo certo que estamos perante um conjunto grande de factos (pontos 5 a 14, 20 a 30, 32 a 35 dos factos provados).
Sucede que, conforme se vem explanando, o legislador impõe uma indicação precisa dos meios de prova que deveriam levar à pretendida modificação dos factos concretamente impugnados, pois que a lei obriga à especificação desses concretos meios probatórios em função de cada um dos pontos factuais impugnados.
Ora, como vimos dizendo, nas alegações da apelação, o recorrente omitiu, relativamente ao conjunto alargado de factos objecto da sua censura, qualquer indicação especificada do(s) meio(s) probatório(s) que deveria levar a um juízo probatório em sentido diverso do decidido na sentença (para cada um dos factos).
Por força dessa falta de especificação e de correlacionação entre os meios de prova invocados e cada um dos factos que o recorrente pretendia impugnar, o acolhimento da pretensão do recorrente traduzir-se-ia na abertura do caminho à admissibilidade de recursos genéricos, o que não foi querido pelo legislador.
Independentemente destas considerações que conduziriam só por si à improcedência da impugnação factual deduzida pelo recorrente (por rejeição), sempre se dirá que, ainda que se admitisse, essa impugnação, também a pretensão genérica de alterar a decisão proferida sobre os identificados pontos da matéria de facto não merece acolhimento da parte do presente Tribunal.
A primeira dificuldade que temos de enfrentar resulta daquilo que atrás explanamos.
Uma vez que o recorrente não concretiza relativamente a cada um dos factos que pretende impugnar, quais seriam os meios de prova que imporiam decisão diversa, também o presente tribunal só pode pronunciar-se em termos genéricos relativamente a cada um dos blocos de factos que o recorrente pretendeu impugnar.
Como já referimos, o recorrente, numa primeira via, pretende impugnar os pontos 5 a 14 dos factos provados relativamente ao bloco de factos que permitem consubstanciar a existência do crédito do credor C…, bloco de factos que pretende que se considerem como não provados.
Como dissemos, o recorrente não explicita os meios de prova que, segundo o seu entendimento, imporiam relativamente a cada um dos factos (que compõem esse bloco de factos) uma resposta negativa (não provado).
Ou seja, por exemplo, quanto ao ponto 5 dos factos considerados provados não indica em concreto quais são os meios de prova que imporiam que o mesmo fosse considerado não provado (e o mesmo sucede quanto aos demais pontos da matéria de facto impugnada).
Nesta conformidade, como já referimos, apenas nos podemos pronunciar (também) genericamente sobre a argumentação do recorrente.
Ora, compulsada a argumentação apresentada quanto àquele primeiro bloco de factos podemos concluir que o recorrente coloca o enfoque da sua impugnação nos seguintes tópicos:
- no facto do credor C… não ter efectuado prova da forma como efectuou a transferência das quantias emprestadas para E… (designadamente, não juntou os cheques correspondentes a esses empréstimos ou não demonstrou a existência das correspondentes transferências bancárias, juntando a respectiva prova documental).
- no facto de tais factos (as transferências das quantias emprestadas) também não terem sido comprovados através dos correspondentes movimentos do lado do património do referido E… ou da sua sociedade I….
- nos resultados da prova pericial realizada nos autos;
- e na desvalorização da prova testemunhal produzida e a que o tribunal recorrido atribuiu relevância decisiva.
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Da mesma forma, o recorrente, numa segunda via de impugnação, também põe em causa os factos constantes dos números 20 a 30 e 32 a 35, considerando que deveriam ser julgados NÃO PROVADOS - factos relativos à afirmação do crédito do credor F….
Quanto a estes factos, o recorrente coloca, em termos genéricos, o enfoque da sua impugnação:
- no facto do credor não ter efectuado prova da forma como efectuou a transferência das quantias emprestadas para os mutuários (designadamente, não juntou os cheques correspondentes a esses empréstimos ou não demonstrou a existência das correspondentes transferências bancárias, juntando a respectiva prova documental).
- no facto de tais factos também não terem sido comprovados através dos correspondentes movimentos do lado do património do referido E… ou da sua sociedade I….
- no facto de não fazer sentido que o documento comprovativo de cada um dos elevados empréstimos invocados fosse um “RECIBO” constituído por um formulário da “I…”, cujos dizeres manuscritos foram postos em causa na prova pericial realizada nos autos;
- e na desvalorização da prova testemunhal produzida e a que o tribunal recorrido atribuiu relevância decisiva.
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Sucede que toda esta argumentação genérica relativamente aos “dois blocos de factos” que o recorrente pretende impugnar, se mostra totalmente rebatida pelo tribunal recorrido, na fundamentação convincente que apresentou e que aqui podemos subscrever integralmente, depois de ponderada toda a prova produzida (inclusivamente, os depoimentos das testemunhas O… e P…, cuja audição integral procedemos – apesar da transcrição junta aos autos).
Com efeito, como bem refere o tribunal recorrido, após ter efectuado, de uma forma que julgamos inteiramente fundada, a exigida análise critica e conjugada de toda a prova produzida, esta factualidade resultou provada com base nos seguintes elementos probatórios:
“C. - MOTIVAÇÃO
Para a determinação da matéria de facto acima referida, a convicção do Tribunal, assentou na posição assumida pelo Administrador da Insolvência nas notas explicativas constantes da relação de créditos não reconhecidos e pelos credores impugnantes e reclamante, respectivamente, nas impugnações e na resposta deduzidas, na análise da prova documental aos autos, parte dela, desde logo, mencionada na factualidade provada, e na prova testemunhal produzida em audiência, analisadas conjugada e criticamente, à luz das regras de experiência, segundo juízos de normalidade e de acordo com as regras da repartição do ónus da prova aplicáveis ao caso. (…)
Por sua vez, os factos provados vertidos nos pontos 3. a 15. resultou da análise conjugada do teor do depoimento prestado pela testemunha O…, o qual, por trabalhar para C… desde 2007, estabeleceu com este uma forte relação de proximidade, teve conhecimento dos cheques referidos em 7., que se encontravam no escritório da empresa onde laborava, e teve intervenção directa na elaboração do contrato referido em 11. e na entrega da última parcela, no montante de € 18.000,00, onde esteve presente, tendo visto E… a receber este valor em numerário e assinar o contrato.
Ora, tais circunstâncias, conjugadas com a demais documentação junta aos autos, designadamente os cheques de fls. 30/32, e o modus operandi do autor da herança insolvente quanto aos credores B… e F…, como adiante veremos, leva-nos a concluir que E…, solicitou, efectivamente a C… e àqueles outros dois seus amigos as quantias descritas nos factos provados e, quando se viu impossibilitado de cumprir, como pessoa honrada e séria que reconhecidamente era, foi assumindo sucessivos compromissos na esperança de alcançar melhor situação financeira – o que, não obstante, não sucedeu.
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No que respeita à factualidade que consta dos pontos 17. a 36. dos factos provados o tribunal valorou o depoimento prestado pela testemunha P…, filho de E… e D…, o qual, sendo engenheiro de formação, trabalhou com o seu pai até ao encerramento da actividade da empresa I…, Lda. e confirmou a relação de amizade que o seu pai mantinha com F…, B… e C….
Esta testemunha afirmou ser conhecedora de que o seu pai havia recorrido a estes três amigos em alturas em que a empresa passou dificuldades, não tendo dúvidas de que o mesmo assumiu as dívidas nos termos descritos nos factos provados. No que concretamente respeita ao credor F…, disse ter acompanhado o seu pai, na data que dela consta, a casa daquele com a letra referida em 33., tendo-o visto assinar.
Tendo-lhe sido exibidos os documentos nos quais as assinaturas são imputadas – designadamente os recibos de fls. 18 verso a 19, o cheque de fls. 20, a confissão de dívida de fls. 20 verso e a letra de fls. 21 - ao seu pai afirmou, sem qualquer tipo de hesitação, que correspondiam à dele.
Os referidos documentos foram, pois, valorados em conjugação com a demais prova, sendo que, também quanto à factualidade relativa ao crédito deste credor – F… - foi relevante, porque conforme com as regras da experiência comuns e do normal acontecer, o modus operandi do autor da herança insolvente quanto aos credores B… e C…, nos termos supra descritos.
(…)
Cumpre realçar que as testemunhas ouvidas em juízo depuseram de forma que se nos afigurou sequencial, circunstanciada, espontânea, pormenorizada e serena. Pese embora a sua particular posição em relação às partes envolvidas no litígio objecto dos presentes autos, o primeiro por seu empregado do credor C… e o segundo por ser filho/herdeiro dos devedores já falecidos, não se denotou nos respectivos discursos que procurassem ampliar, em desfavor de quem quer que fosse, os factos sobre que depuseram, nem que pretendessem, de qualquer modo, defender apenas o ponto de vista de qualquer credor.
É certo que nos presente autos foi realizada uma perícia à letra de E… e D…, materializada no relatório junto a fls. 230/260 e nos esclarecimentos prestados a fls. 282/285.
Quanto a D… tal perícia analisou:
- O contrato-promessa de compra e venda de habitação, arrumos e logradouro, datado de 31.05.2008 – relativo ao credor C…;
- A confissão de dívida de 07.06.2007 – relativa ao credor F…; e
- A letra datada de 10.03.2009 - relativa ao credor B…;
tendo concluído:
1. Que há um grau de probabilidade superior a 95% - que permite afirmar que é praticamente provado - de que os dois primeiros documentos foram escritos pelo mesmo punho, à excepção da letra;
2. A análise comparativa dos documentos questionados e os caracteres fidedignos mostra diferenças entre si o que indicia que é pouco provável – havendo um grau de probabilidade compreendido entre 30% e 50% - que todos tenham sido manuscritos pelo mesmo punho, isto é, pelo punho de D….
Quanto a E… tal perícia analisou:
- Os cheques juntos a fls. 30/32 – relativos ao credor C…;
- O contrato-promessa de compra e venda de habitação, arrumos e logradouro, datado de 31.05.2008 – relativo ao credor C…;
- Os recibos juntos a fls. 18 verso a 19 - relativos ao credor F…;
- A confissão de dívida de 07.06.2007 – relativa ao credor F…;
- A letra datada de 01.09.2012 - relativa ao credor F… e
- A letra datada de 10.03.2009 - relativa ao credor B…;
tendo concluído:
1. Que há um grau de probabilidade superior a 95% - que permite afirmar que é praticamente provado - de que todos os documentos foram escritos pelo mesmo punho;
2. A análise comparativa dos documentos questionados e os caracteres fidedignos mostra diferenças entre si o que indicia que é pouco provável – havendo um grau de probabilidade compreendido entre 30% e 50% - que todos tenham sido manuscritos pelo mesmo punho, isto é, pelo punho de E….
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Não obstante, da mesma perícia decorre quanto a D… que o período de tempo que medeia entre os documentos questionados e os caracteres fidedignos é de 29 anos[2], “o que pode interferir com o gesto gráfico”. No caso de E… esse período de tempo é de 7 anos, tendo-se feito contar que poderia igualmente interferir com o gesto gráfico.
Mais, decorre do relatório pericial que o grau de sindicância obtido é, em qualquer dos casos pouco elevado, na medida em que seria conveniente analisar um maior número de termos fidedignos recolhidos fora do contexto da perícia e de melhor qualidade, sendo que, no que respeita a E… ficou consignado que seria importante conhecer o respectivo grau de literacia e treino do gesto gráfico – o que em face da ausência de outros documentos e do óbito dos autores das letras objecto da perícia não se afigurou possível.
Concluiu-se, assim, que no exame pericial atingiu-se, in casu, um grau pouco significativo da Tabela de Sindicância, ou seja, uma baixa taxa de probabilidade negativa.
De tudo o exposto decorre que, em face da ausência de melhores e mais elementos para uma mais profunda análise das letras objecto da perícia, com que se depararam os peritos, as conclusões nela alcançadas representam um grau muito pouco significativo para a prova, pelo que não configuram uma prova consistente, capaz de orientar, com segurança, o julgador.
Assim, considerando a demais prova produzida, em audiência, é, pois, de concluir, como consta da factualidade provada, que os documentos foram efectivamente subscritos por E… e D….(…)”.
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Como se pode ver, a fundamentação do tribunal recorrido ponderou integralmente a prova produzida, tendo procurado efectuar a análise critica e conjugada de todos os meios de prova produzidos nos autos.
Era essa justamente a tarefa que o legislador impunha ao tribunal recorrido, no sentido de fundamentar a decisão sobre a matéria de facto, tarefa que o tribunal recorrido, como decorre da fundamentação apresentada, levou a cabo com especial cuidado e pormenor.
Na verdade, por força desta tarefa, o Juiz, quer relativamente aos factos provados, quer quanto aos factos não provados, deve justificar os motivos da sua decisão, declarando por que razão, sem perda de liberdade de julgamento garantida pela manutenção da livre apreciação das provas (art. 607º, nº 5 do CPC), deu mais credibilidade a uns depoimentos e não a outros, julgou relevantes ou irrelevantes certas conclusões dos peritos ou achou satisfatória ou não a prova resultante de documentos ou da aludida prova testemunhal.
Ora, como decorre da fundamentação apresentada, o tribunal recorrido, na análise critica e conjugada de todos meios de prova – que aqui também subscrevemos – considerou, por um lado, justamente que a prova documental junta aos autos era satisfatória para a prova dos factos aqui questionados, na medida em que a mesma se mostra corroborada também pela prova testemunhal produzida nos autos e, por outro, que a prova pericial, podendo ser apreciada livremente pelo tribunal (art. 389º do CC), não assume, no caso concreto, a relevância que normalmente se lhe atribui, tendo em conta as circunstâncias em que a mesma foi realizada e o confronto com os referidos outros elementos probatórios.
Não é esse o entendimento do recorrente que, no fundo, defende, por um lado, que a prova produzida é insuficiente para comprovar “os blocos de factos” que pretende impugnar e, por outro, que a prova pericial deve prevalecer sobre a prova testemunhal que, no seu parecer, teria sido pouco convincente, atenta a sua alegada falta de isenção.
Mas a verdade é que, salvo o devido respeito pela opinião contrária, não podemos acompanhar estas conclusões do recorrente, pois que, ponderando a prova produzida, entendemos que o julgamento efectuado pelo tribunal recorrido quanto a estes blocos de factos encontra pleno apoio na prova produzida.
Como é consabido, os meios probatórios têm por função a demonstração da realidade dos factos, sendo que, através da sua produção não se pretende criar no espírito do julgador uma certeza absoluta da realidade dos factos, se assim fosse, como refere o Prof. Antunes Varela[3], “…se a prova em juízo de um facto reclamasse a certeza absoluta da verificação do facto, a actividade jurisdicional saldar-se-ia por uma constante e intolerável denegação de justiça”, o que, obviamente, implica que a realização da justiça se tenha de bastar com um grau de probabilidade bastante, em face das circunstâncias do caso, das regras da experiência da comum e dos conhecimentos obtidos pela ciência.
Ora, era justamente a este resultado que conduziriam as conclusões que o recorrente apresenta no presente recurso.
Sucede que, contrariamente àquilo que parece pensar o recorrente, a prova, enquanto demonstração efectiva, segundo a convicção do juiz, da realidade de um facto “não é certeza lógica mas tão-só um alto grau de probabilidade suficiente para as necessidades práticas da vida (certeza histórico-empírica)”[4].
E é por isso que, tendo bem presente estas considerações, não podemos deixar de aderir ao julgamento do tribunal recorrido, pois que também consideramos que a prova produzida (a prova documental junta aos autos em conjugação com a prova testemunhal produzida – e a menor relevância da prova pericial realizada pelos motivos expostos) permite formular um juízo no sentido de os factos considerados como provados merecerem, com um grau de probabilidade bastante ou suficiente, uma resposta positiva.
É certo que, de uma forma geral, a prova rainha, neste âmbito, seria a prova pericial.
Com efeito, a prova pericial tem por fim a percepção ou a apreciação de factos por serem necessários conhecimentos especiais que os julgadores não possuem (artigo 388º do CC) - o que nos reporta para o campo da tecnicidade, de um universo onde uma conscienciosa avaliação e escrutínio dos factos, pressupõe o domínio de certos conhecimentos de carácter técnico que escapam ao Juiz comum.
Significa isso que nesses factos, de tecnicidade específica, é indiscutível o juízo dos peritos? Não significa; é que diz a lei que a força probatória das respostas deles é fixada livremente pelo tribunal (artigos 389º do CC e 489º do CPC).
Assim, e desde logo, é preciso saber se esse juízo pericial pode ser posto em causa por outros elementos probatórios que tenham sido produzidos nos autos.
Ora, foi justamente este o percurso probatório que o Tribunal Recorrido seguiu para poder formar a convicção probatória positiva quanto aos factos aqui questionados.
Na verdade, o Tribunal Recorrido, dando obediência à aludida actividade de análise crítica e conjugada da prova produzida, desenvolveu um conjunto de argumentos demonstrativos de que tal realidade empírica se mostra corroborada, não só pela (suficiência da) prova documental junta aos autos, mas também pela corroboração respectiva que tal prova obteve da prova testemunhal produzida.
É certo que o recorrente alega que podia ter sido junta outra prova documental (que identifica), mas essa hipótese não põe em causa a suficiência da prova produzida pelos credores reclamantes nos presentes autos (sendo que as estratégias probatórias que cada uma das partes decide adoptar, só a elas incumbe efectivar, não estando, de resto, impedida a parte contrária – e o aqui recorrente – de requerer todas as diligências probatórias que pudessem ser incluídas no âmbito da instrução do processo – o que se constata não ter efectuado em tempo oportuno).
Ora, aqui chegados, resta-nos, pois, concluir no sentido de não se poder deixar de concordar com a fundamentação apresentada pelo Tribunal de Primeira Instância quanto a estes dois blocos de factos aqui impugnados genericamente pelo recorrente.
Como é sabido, o legislador, no art. 662º, nº 1 do CPC, “ … ao afirmar que a Relação aprecia as provas, atendendo a quaisquer elementos probatórios… pretende que a Relação faça novo julgamento da matéria de facto impugnada, vá à procura da sua própria convicção, assim se assegurando o duplo grau de jurisdição relativamente à matéria de facto em crise… “[5].
Destas considerações, resulta, de uma forma clara, que o âmbito da apreciação do Tribunal da Relação, em sede de impugnação da matéria de facto, estabelece-se de acordo com os seguintes parâmetros:
a) O Tribunal da Relação só tem que se pronunciar sobre a matéria de facto impugnada pelo Recorrente;
b) Sobre essa matéria de facto impugnada, o Tribunal da Relação tem que realizar um novo julgamento;
c) Nesse novo julgamento o Tribunal da Relação forma a sua convicção de uma forma autónoma, mediante a reapreciação de todos os elementos probatórios que se mostrem acessíveis (e não só os indicados pelas partes)[6].
Dentro destes parâmetros, o Tribunal da Relação, assumindo-se como um verdadeiro Tribunal de substituição[7], está em posição de proceder à reavaliação da matéria de facto especificamente impugnada pelo recorrente, pelo que neste âmbito a sua actuação é praticamente idêntica à do Tribunal de primeira Instância, apenas cedendo nos factores da imediação e da oralidade.
Ora, contrariamente ao que sucede no sistema da prova legal, em que a conclusão probatória é prefixada legalmente, no sistema da livre apreciação da prova, o julgador detém a liberdade de formar a sua convicção sobre os factos, objecto do julgamento, com base apenas no juízo que fundamenta no mérito objectivamente concreto do caso, na sua individualidade histórica, adquirido representativamente no processo.
“O que é necessário e imprescindível é que, no seu livre exercício de convicção, o tribunal indique os fundamentos suficientes para que, através das regras da ciência, da lógica e da experiência, se possa controlar a razoabilidade daquela sobre o julgamento do facto como provado ou não provado”[8].
De facto, a lei determina expressamente a exigência de objectivação, através da imposição da fundamentação da matéria de facto, devendo o tribunal analisar criticamente as provas e especificar os fundamentos que foram decisivos para a convicção do julgador (artigo 607.º, nº 4 do CPC).
Daí que, na reapreciação dos meios de prova, a Relação procede a novo julgamento da matéria de facto impugnada, em busca da sua própria convicção, desta forma assegurando o duplo grau de jurisdição sobre essa mesma matéria, com a mesma amplitude de poderes da 1.ª instância[9].
Impõe-se-lhe, assim, que “analise criticamente as provas indicadas em fundamento da impugnação, quer a testemunhal, quer a documental, conjugando-as entre si, contextualizando-se, se necessário, no âmbito da demais prova disponível, de modo a formar a sua própria e autónoma convicção, que deve ser fundamentada”[10].
Importa, no entanto, ter em atenção que, guiando-se o julgamento humano, nos termos atrás expostos, por padrões de probabilidade e nunca de certeza absoluta, o uso, pela Relação, dos poderes de alteração da decisão da 1ª instância sobre a matéria de facto só deve ser usado quando seja possível, com a necessária segurança, concluir pela existência de erro de apreciação relativamente a concretos pontos de facto impugnados.
Assim, a alteração da matéria de facto só deve ser efectuada pelo Tribunal da Relação quando este Tribunal, depois de proceder à audição efectiva da prova gravada, conclua, com a necessária segurança[11], no sentido de que os depoimentos prestados em audiência, conjugados com a restante prova produzida, apontam em direcção diversa, e delimitaram uma conclusão diferente daquela que vingou na primeira Instância.
Ora, tendo presentes estes princípios orientadores, tendo-se procedido à ponderação dos elementos probatórios pertinentes à averiguação da matéria de facto aqui questionada (aos dois blocos de factos impugnados), ou seja, tendo-se procedido à audição da prova produzida, tendo em consideração a prova documental junta aos autos, e a prova pericial realizada, da conjugação destes elementos probatórios, e fazendo a sua análise crítica e conjugada, a conclusão a que se tem chegar é que não existe qualquer erro de julgamento quanto à factualidade aqui impugnada.
Improcede, pois, esta parte do Recurso.
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Finalmente, importa verificar se, independentemente de não se ter procedido à alteração da matéria de facto no sentido propugnado pelo recorrente, deve manter-se a apreciação de mérito efectuada pela Decisão Recorrida, em face da matéria de facto dada como provada.
Ora, ponderando essa questão, é evidente que a pretendida modificação na matéria de facto, contendia, no essencial, com uma parte dos fundamentos do recurso.
Nesta conformidade, quanto a esses fundamentos apresentados pelo recorrente, sempre ter-se-ia que dizer que, dependendo o pedido de alteração do decidido na sentença proferida nos autos, no que à interpretação e aplicação do Direito respeita, do prévio sucesso da impugnação da decisão sobre a matéria de facto ali consubstanciada, e não tendo o recorrente logrado tal sucesso, ficaria necessariamente prejudicado o seu conhecimento, o que aqui se declara, nos termos do art. 608º, nº 2 do C.P.C., aplicável ex vi do art. 663º, nº 2, in fine, do mesmo diploma.
De qualquer forma, sem prejuízo de se considerarem prejudicadas todas as conclusões apresentadas pelo recorrente que, em termos de mérito, decorriam das peticionadas alterações da matéria de facto, que aqui não foram acolhidas, importa, ainda assim, que o presente tribunal se pronuncie sobre os alegados erros de julgamento imputados à sentença recorrida.
Com efeito, o recorrente coloca ainda as seguintes questões:
- Saber se o aludido crédito do impugnante C… não podia ser reconhecido nos termos em que o foi:
- porque o invocado contrato promessa padece de nulidade por dele não constarem o reconhecimento das assinaturas dos outorgantes, nem a certificação da licença de ocupação do prédio urbano prometido vender e comprar, em violação do disposto no art. 410º, nº 3 do CC.
Esta questão, no entanto, merece aqui uma resposta sintética, pois que se trata de uma questão há muito pacificada pela Jurisprudência.
É que não só a nulidade invocada não pode ser invocada por terceiro (designadamente pelo recorrente), como o próprio Tribunal não pode conhecer oficiosamente essa nulidade[12].
É o que resulta do Ac. de Fixação de Jurisprudência (assento) nº 15/94 (1994.06.28 - Miguel Montenegro (Relator)), onde se fixou a seguinte Jurisprudência:
“No domínio do n.º 3 do artigo 410.º do Código Civil (redacção do Decreto-Lei n.º 236/80, de 18 de Julho), a omissão das formalidades previstas nesse número não pode ser invocada por terceiros”.
E é o que resulta do Assento 3/95 (1995.02.01 - César Marques (Relator)), de onde decorre que:
“No domínio do n.º 3 do artigo 410.º do Código Civil (redacção do Decreto-Lei n.º 236/80, de 18 de Julho), a omissão das formalidades previstas nesse número não pode ser oficiosamente conhecida pelo tribunal”.
Nesta conformidade, como se estabeleceu nesta jurisprudência, no domínio do nº 3 do art. 410º do CC, a omissão das formalidades previstas neste número não pode ser oficiosamente conhecida pelo Tribunal, nem pode ser invocada por terceiros.
Improcede esta argumentação da recorrente, sem necessidade de mais alongadas considerações.
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- porque é carecida de fundamento legal a decisão que reconheceu ao impugnante um crédito no valor de € 180.000,00, a título de devolução em dobro do sinal que alega ter constituído, pois tal decisão viola, por erro de interpretação e aplicação, o disposto nos arts. 106º, nº 2, 104º, nº 5 e 102º, nº 3, al. c) do C.I.R.E., uma vez que, por força de tais preceitos, o promitente comprador apenas teria direito à restituição em singelo do sinal que comprovadamente houvesse prestado.
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Nesta questão, afigura-se-nos que o recorrente tem razão, pois que, no caso concreto, decorre da matéria de facto provada que, antes da data em que foi declarada a insolvência, não ocorreu um incumprimento definitivo do contrato-promessa celebrado, antes se podendo recolher da factualidade apurada que o credor reclamante continuava, naquela data, a exigir o cumprimento do aludido contrato.
Nesta conformidade, dentro destas circunstâncias fácticas, o direito do credor reclamante terá que ser enquadrado no âmbito dos arts. 102º e ss. do CIRE, pois que estamos na presença daquilo a que o legislador do aludido Código denomina de “negócio jurídico em curso”.
Assim, como se concluía já no Ac. do STJ de 9.4.2019 (relator: Graça Amaral), in dgsi.pt: “Não ocorrendo incumprimento definitivo do contrato antes da declaração da insolvência, está-se em presença de negócio jurídico em curso, para efeitos do disposto nos artigos 102.º e ss. do CIRE, justificando a possibilidade da Administradora da Insolvência optar por o não cumprir”, pelo que “mantendo-se o contrato-promessa em vigor à data da declaração da insolvência, os direitos do credor promitente-comprador perante a recusa (lícita) por parte da Administradora da Insolvência em não cumprir o contrato não podem ser encontrados por aplicação do regime do n.º 2 do artigo 442.º do Código Civil, mas no âmbito do CIRE, nos termos das disposições conjugadas dos artigos 106.º, n.º 2, 104.º, n.º 5 e 102.º, n.º 3, alínea c)”.
Assim, “o incumprimento do contrato promessa determinado por opção do administrador da insolvência radica num direito ope legis (opção potestativa) que é independente da actuação/conduta do insolvente, carecendo de sentido fazer apelo à aplicação a regime legal que tem subjacente o dever de cumprimento”, pelo que “não tendo ficado provada a existência de qualquer diferença entre o valor do imóvel objecto do contrato-promessa na data da recusa de cumprimento e o preço convencionado entre os contraentes, o crédito dos promitentes-compradores terá de se reconduzir ao montante do sinal prestado e seus reforços”.
Esta posição veio, entretanto, a merecer consagração no recente Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça n.º 3/2021 Processo n.º 872/10.0TYVNG-B.P1.S1-A (Recurso para Uniformização de Jurisprudência) – ainda que com importantes declarações de voto de vencido -, onde se concluiu que:
“Quando o administrador da insolvência do promitente vendedor optar pela recusa do cumprimento de contrato-promessa de compra e venda, o promitente comprador tem direito a ser ressarcido pelo valor correspondente à prestação efectuada, nos termos dos artigos 106.º, n.º 2, 104.º, n.º 5, e 102.º, n.º 3, do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 53/2004, de 18 de Março”.
Aqui chegados, resta-nos, pois, concluir que, no caso concreto, o credor reclamante, contrariamente ao decidido pelo tribunal recorrido, tem apenas direito a ver reconhecido o valor do sinal em singelo (“valor correspondente à prestação efectuada”) nos termos dos citados dispositivos legais.
Procede esta parte do recurso, devendo a decisão recorrida ser alterada no sentido de apenas se reconhecer o crédito do identificado credor no montante de 90.000 (noventa mil) euros.
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III-DECISÃO
Pelos fundamentos acima expostos, acordam os Juízes deste Tribunal da Relação em julgar:
o Recurso interposto parcialmente procedente, e em consequência, decidem alterar a decisão recorrida no seguinte sentido:
“Considerando o que supra se deixou exposto:
- Homologa-se a lista de credores apresentada pelo Administrador da Insolvência a 26.07.2018, com os esclarecimentos prestados a 26.01.2021, no que respeita aos créditos não impugnados;
(…)
- Julga-se parcialmente procedente a impugnação deduzida pelo credor C… e, consequentemente, julga-se parcialmente verificado o respectivo crédito, no montante de € 90.000,00 (noventa mil euros) a título de capital, sendo o crédito comum;
(…)”
No mais, decide-se manter a sentença recorrida.
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Condenam-se nas custas o recorrente e o recorrido na proporção dos respectivos decaimentos (artigo 527º, nº 1 do CPC).
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Notifique.
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Porto, 22 de novembro de 2021
Pedro Damião e Cunha
Fátima Andrade
Eugénia Cunha
_________________
[1] In “Recursos no Novo Código de Processo Civil”, pág. 139-140;
[2] O recorrente impugna que este período de tempo medeie 29 anos, mas, compulsados os elementos documentais utilizados no relatório pericial, pode-se constatar que um dos documentos ditos fidedignos utilizados na realização da perícia, data de 20.9.1979 (bilhete de identidade), pelo que, sendo os documentos questionados datados de 2007-2009, pode efectivamente concluir-se que “o período de tempo que medeia entre (um dos) os documentos questionados e os caracteres fidedignos é de 29 anos (2008)”.
[3] RLJ, Ano 116, p. 339;
[4] Cfr. Manuel de Andrade, Noções Elementares de Processo Civil, 1979, pág. 191.
[5] v. Ac. do STJ de 24.9.2013 (relator: Azevedo Ramos) publicado na DGSI e comentado por Teixeira de Sousa, in “Cadernos de Direito Privado”, nº 44, págs. 29 e ss.;
[6] Pode inclusivamente, verificados determinados requisitos, ordenar a renovação da prova (art. 662º, nº2, al a) do CPC) e ordenar a produção de novos meios de prova (al b));
[7] Abrantes Geraldes, In “Recursos no Novo Código de Processo Civil“, pág. 266 “A Relação actua como Tribunal de substituição quando o recurso se funda na errada apreciação dos meios de prova produzidos, caso em que se substitui ao tribunal de primeira Instância e procede à valoração autónoma dos meios de prova. Confrontada com os mesmos elementos com que o Tribunal a quo se defrontou, ainda que em circunstâncias não totalmente coincidentes, está em posição de formular sobre os mesmos um juízo valorativo de confirmação ou alteração da decisão recorrida…”;
[8] Miguel Teixeira de Sousa in Estudos Sobre o Novo Processo Civil, Lex, 1997, p. 348.
[9] Cfr. acórdãos do STJ de 19/10/2004, CJ, STJ, Ano XII, tomo III, pág. 72; de 22/2/2011, CJ, STJ, Ano XIX, tomo I, pág. 76; e de 24/9/2013, disponível em www.dgsi.pt.
[10] Cfr. Ac. do S.T.J. de 3/11/2009, disponível em www.dgsi.pt.
[11] Segundo Ana Luísa Geraldes, in “ Impugnação e reapreciação da decisão sobre a matéria de facto” (nos Estudos em Homenagem ao Prof. Dr. Lebre de Freitas) Vol. I, pág. 609 “ Em caso de dúvida, face a depoimentos contraditórios entre si e à fragilidade da prova produzida, deverá prevalecer a decisão proferida pela primeira Instância em observância aos princípios da imediação, da oralidade e da livre apreciação da prova, com a consequente improcedência do recurso nesta parte…”; no mesmo sentido, v. Miguel Teixeira de Sousa, in “Blog IPPC” (jurisprudência 623- anotação ao ac. da RC de 7/2/2017) onde refere: “É verdade que os elementos de que a Relação dispõe não coincidem -- nomeadamente, em termos de imediação -- com aqueles que a 1.ª instância tinha ao dispor para formar a convicção sobre a prova do facto. No entanto, isso não significa que, como, aliás, o STJ tem unanimemente entendido, nem que a Relação esteja dispensada de formar uma convicção própria sobre a prova do facto, nem que funcione uma presunção de correcção da decisão recorrida. Importa, pois, verificar quais os elementos que devem ser considerados pela Relação para a formação da sua convicção sobre a prova produzida. Quanto a estes elementos, há uma diferença entre a 1.ª instância e a Relação: a 1.ª instância apenas dispõe dos meios de prova; a Relação dispõe daqueles meios e ainda da decisão da 1.ª instância. Como é claro, esta decisão, cuja correcção incumbe à Relação controlar, não pode ser ignorada por esta 2.ª instância. É neste sentido que se pode afirmar que, no juízo sobre a confirmação ou a revogação da decisão da 1.ª instância, a Relação pode utilizar um critério de razoabilidade ou de aceitabilidade dessa decisão. Este critério conduz a confirmar a decisão recorrida, não apenas quando for indiscutível que a mesma é correcta, mas também quando aquela se situar numa margem de razoabilidade ou de aceitabilidade reconhecida pela Relação. Correspondentemente, a decisão deve ser revogada se a mesma se situar fora desta margem.”
[12] V. sobre esta questão, por exemplo, Ana Afonso, in “Comentário ao CC- Direito das obrigações- das obrigações em geral”, págs. 82 e 83.