INSOLVÊNCIA
RESPONSABILIDADE PELAS CUSTAS
CIRE
Sumário

I - O artigo 303º do CIRE sob a epígrafe “base de tributação” não define um principio de responsabilização pelas custas, estabelece um princípio de regra de incidência de custas determinando a forma de determinação do valor da causa para tais efeitos.
II - Esta interpretação resulta da própria noção de «base tributável» constante do artigo 11.º do RCP, norma que fixa a regra geral de que «A base tributável para efeitos de taxa de justiça corresponde ao valor da causa, com os acertos constantes da tabela i, e fixa-se de acordo com as regras previstas na lei do processo respetivo».
III - A interpretação de que as custas nos incidentes que estão expressamente contemplados no artigo 303º do CIRE são sempre suportadas pela massa insolvente, não é consentida pela interpretação sistemática do artigo 303º do CIRE.

Texto Integral

APELAÇÃO 3828.20.1T8VNG.P1

Sumário artigo 663º nº 7 do Código de Processo Civil
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ACORDAM OS JUIZES DA 3ª SECÇÃO DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DO PORTO:

Nos presentes autos de insolvência de “B…, Lda.” por decisão de 14/6/2021, transitada em julgado, foi declarado o encerramento do processo por insuficiência da massa, nos termos do disposto nos artigos 230º, nº. 1, alínea d), e 232 º, nº. 2, do CIRE.

A credora C…, Unipessoal, Lda. veio, em 26/5/2021, apresentar parecer de qualificação da presente insolvência como culposa.
Por despacho de 14/6/2021 foi essa credora convidada a, em 10 dias, comprovar nos autos o pagamento da taxa de justiça devida pela apresentação do requerimento de 26/5/2021 aí se fazendo consignar que o credor que requer a abertura do incidente de qualificação da insolvência não está dispensado de proceder ao pagamento da taxa de justiça, fazendo-se referência ao acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 9/7/2020, processo 5712/19.2T8VNF-D.G1.

A SEU TEMPO, FOI PROFERIDO O SEGUINTE DESPACHO:
(…)
Por despacho de 14/6/2021 foi essa credora convidada a, em 10 dias, comprovar nos autos o pagamento da taxa de justiça devida pela apresentação do requerimento (…)
Essa credora veio aos autos, em 21/6/2021, defender o entendimento de que no incidente de qualificação de insolvência não é devida a taxa de justiça pelo Credor/Requerente do incidente, em virtude da conjugação dos artigos 303.º e 304.º do C.I.R.E.
Assim, tal credora não procedeu ao pagamento de qualquer taxa de justiça.
Tal como fizemos constar no despacho de 14/6/2021 este tribunal entende que um credor que pretende a abertura do incidente de qualificação da insolvência não está dispensado do pagamento da taxa de justiça.
Como resulta da própria exposição de motivos da proposta de Lei nº 39/XII (que veio dar origem à citada Lei), “outra das novidades consiste na transformação do atual incidente de qualificação da insolvência de carácter obrigatório num incidente cuja tramitação só terá de ser iniciada nas situações em que haja indícios carreados para o processos de que a insolvência foi criada de forma culposa pelo devedor ou pelos seus administradores de direito ou de facto, quando se trate de pessoa coletiva (artigos 36.º, 39.º, 188.º, 232.º e 233.º)”.
E dessa forma, o artº 36º, nº 1, al i), do CIRE, passou a dispor que, “na sentença que declarar a insolvência, o juiz (...) caso disponha de elementos que justifiquem a abertura do incidente de qualificação da insolvência, declara aberto o incidente de qualificação, com caráter pleno ou limitado, sem prejuízo do disposto no artigo 187.º”, sendo que, por seu turno, o artº 188º, nº 1, do mesmo diploma legal preceitua que “até 15 dias após a realização da assembleia de apreciação do relatório, o administrador da insolvência ou qualquer interessado pode alegar, fundamentadamente, por escrito, em requerimento autuado por apenso, o que tiver por conveniente para efeito da qualificação da insolvência como culposa e indicar as pessoas que devem ser afetadas por tal qualificação, cabendo ao juiz conhecer dos factos alegados e, se o considerar oportuno, declarar aberto o incidente de qualificação da insolvência, nos 10 dias subsequentes”.
Assim, aquilo que era anteriormente um processado obrigatório, passou a ser facultativo, constituindo um incidente, sendo que nos termos do Regulamento das custas processuais e do Código de Processo Civil, a dedução de um incidente está dependente do prévio pagamento da taxa de justiça.
Não estando essa credora isenta do pagamento de taxa de justiça e não beneficiando a mesma de apoio judiciário, não estava, pois, dispensada de proceder ao pagamento prévio da taxa de justiça.
E, considerando que a mesma, não obstante ter sido convidada a pagar a taxa de justiça devida não o fez, não se admite a dedução do incidente por si deduzido.
(…)

DESTE DESPACHO APELOU A CREDORA C…, UNIPESSOAL, LDA TENDO LAVRADO, EM SÍNTESE, AS SEGUINTES CONCLUSÕES:
(…)
I O requerimento de alegações apresentado por um credor, em processo de insolvência, nos termos do artigo 188º do CIRE, integra-se na tramitação regular do incidente da qualificação da insolvência e está abrangido pela regra geral constante do artigo 304.º do CIRE, que atribui a responsabilidade pelas custas, quando a insolvência é decretada, sempre à massa insolvente.
II Assim entendemos que não pode esse requerente, vir a ser responsabilizado pelas custas, não sendo por ele devida taxa de justiça.
Devia assim a Meritíssima Juiz à quo ter aplicado as normas constantes dos artigos 303.º e 304.º do CIRE, quando não o fez.
Nesta senda, indicamos a decisão proferida no acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães datado de 17/12/2020, pelo Relator Jorge Santos, no processo n.º 706/19.9T8VNF-D.G1, (…) e neste sentido se decidiu, ainda, a propósito de casos análogos, entre outros, no Acórdão desta Relação de 29.05.2014, no proc. 329/12.5TBBRG-J.G1 e Decisão da Relação de Coimbra de 6.12.2016, proc. 1540/14.0T8ACB-B.C1,”
De facto, se o processo de insolvência não é gratuito, por outro lado, cremos que se pretende deixar também claro que, por regra, é a massa insolvente que pagará as custas (art. 304 do CIRE).
Pelo que deve ser revogado o despacho proferido pelo Tribunal à quo, e substituído por um despacho que considere que a taxa de justiça não é devida, sendo a mesma imputada à massa insolvente conforme deriva da análise dos artigos 303.º e 304.º do CIRE.
À luz do art. 527º, nº 1 e 2, do CPC quem dela tira proveito não é apenas o requerente, mas a massa insolvente e reflexamente os eventuais demais credores ao verem potenciadas as possibilidades de satisfação dos créditos.
Se a qualificação não proceder, o prejudicado ou vencido não é somente credor/requerente, mas a massa insolvente e reflexamente os outros credores (se os houver), na medida em que o espectro patrimonial da massa não é aumentado por via dos efeitos que a procedência da qualificação poderia trazer e com isso aumentar as possibilidades de pagamento dos respetivos créditos (cfr. art. 189º, nº 2, do CIRE).
Por tais motivos, jamais as custas do incidente poderão ficar a cargo do requerente, mas sim deverão ficar a cargo da massa insolvente (afinal de contas, reflexamente, por todos os credores), de harmonia com as disposições conjugadas dos art. 304º e 303º do CIRE.
Acresce que no despacho a Meritíssima Juiz argumenta que “…E, considerando que a mesma, não obstante ter sido convidada a pagar a taxa de justiça devida não o fez, não se admite a dedução do incidente por si deduzido. Notifique.”
Pois a aqui Recorrente não foi convidada a vir fazer um pagamento posterior da taxa de justiça, mas antes foi convidada apresentar um comprovativo do pagamento efetuado com o envio do requerimento, logo esta parte final do despacho poderá induzir em erro.
Pelo que entendemos que deveria constar: “ E, considerando que a mesma, não obstante ter sido convidada a comprovar junto dos autos o pagamento da taxa de justiça devida com apresentação do incidente não o fez, não se admite a dedução do incidente por si deduzido.”
Assim em n/ modesto entendimento o incidente de qualificação de insolvência devia ser admitido
FORAM JUNTAS CONTRA ALEGAÇÕES DA INSOLVENTE QUE, E EM SÍNTESE, LAVROU AS SEGUINTES CONCLUSÕES:
1) Como bem faz notar o Tribunal recorrido, desde a Lei nº 16/2012, de 20 de Abril, o processado tendente à qualificação da insolvência passou a ter a natureza de incidente processual.
2) Disso resulta que a dedução do incidente de qualificação de insolvência está dependente do prévio pagamento da taxa de justiça, sendo que a recorrente não está isenta do pagamento de taxa de justiça e não beneficia de Apoio Judiciário, pelo que estava necessariamente obrigada a realizar ao pagamento prévio da taxa de justiça devida pelo incidente que pretendeu deduzir.
3) Se assim não fosse permitia-se que alguém impulsione uma lide sem pagar qualquer taxa de justiça ou sem ser condenado em custas a final, obrigando ao funcionamento desnecessário da máquina judiciária.
5) Deve ser mantida a decisão recorrida.

OBJETO DO RECURSO:

O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do recorrente, ressalvadas as matérias que sejam de conhecimento oficioso (artigos 635º, n.º 3, e 639º, n.ºs 1 e 2, do código de processo civil).
Em consonância e atentas as conclusões da recorrente a única questão a decidir é a de saber se o requerimento de abertura do incidente de qualificação da insolvência, suscitado pelo credor reclamante, está sujeito ao pagamento de taxa de justiça.

O MÉRITO DO RECURSO:

FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO:
Dá-se aqui por reproduzida a factualidade supra.
FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO:
I
Como questão prévia, consigna-se que a Recorrente faz um reparo à redação do despacho recorrido que fez constar “…E, considerando que a mesma, não obstante ter sido convidada a pagar a taxa de justiça devida não o fez, não se admite a dedução do incidente por si deduzido. Notifique.”
Acrescentando a Recorrente que não foi convidada a vir fazer um pagamento posterior da taxa de justiça, mas antes foi convidada apresentar um comprovativo do pagamento efetuado com o envio do requerimento, logo esta parte final do despacho poderá induzir em erro.
Não retira, porém, qualquer efeito da redação dada pelo tribunal recorrido ao despacho sub iudice, nem se depreende do teor do recurso que a Recorrente não tivesse entendido a decisão, daí a irrelevância desta alegação.
II
No mais e quanto ao concreto objeto do recurso vejamos:
A regra geral em matéria de custas vem expressa no artigo 1º do Decreto Lei 34/2008 de 26.02 (doravante RCP) a qual consagra no nº 1 que: “Todos os processos estão sujeitos a custas, nos termos fixados pelo presente regulamento” (…) “As custas processuais abrangem a taxa de justiça, os encargos e as custas de parte” (artigo 3º).
A taxa de justiça, como é consabido, corresponde ao montante devido pelo impulso processual de cada interveniente e é fixada em função do valor e complexidade da causa, sendo correlativa do custo da atividade processual prestada ao cidadão (artigo 529º nº 1 e 2 do Código de Processo Civil, doravante CPC, e 6º do RCP).
Em tese geral, a taxa de justiça inicial deve ser paga pelo Requerente e junto o respetivo documento comprovativo do seu prévio pagamento no requerimento inicial (cf. arts.º 530.º do CPC e 14º, nº 1 do RCP).
A estas regras gerais são opostas isenções processuais, quer objetivas, quer subjetivas, que constam do artigo 4º do RCP.
Por sua vez, o processo de insolvência é um processo sujeito a custas, designadamente, a pagamento de taxa de justiça inicial. Este regime só é afastado mediante isenção expressamente consagrada na lei. É o que, no nosso entendimento, decorre dos art.º 17.º; 301.º e ss. do CIRE e 1.º e 14.º do RCP).
A responsabilidade das custas, por sua vez, compete àquele que foi vencido na causa, ou, não havendo vencimento, àquele que tirou proveito do processo (artigo 527º nº 1 e 2 do CPC).
O artigo 304º do CIRE, em consonância, com esta regra de custas, vem estabelecer que as custas da insolvência “são encargo da massa insolvente ou do requerente, consoante a insolvência seja ou não decretada por decisão com trânsito em julgado responsabilidade pela massa”.
Por sua vez, o artigo 303º estabelece a regra geral que «Para efeitos de tributação, o processo de insolvência abrange o processo principal, a apreensão dos bens, os embargos do insolvente, ou do seu cônjuge, descendentes, herdeiros, legatários ou representantes, a liquidação do ativo, a verificação do passivo, o pagamento aos credores, as contas de administração, os incidentes do plano de pagamentos, da exoneração do passivo restante, de qualificação da insolvência e quaisquer outros incidentes cujas custas hajam de ficar a cargo da massa, ainda que processados em separado».
Esta norma, salvo melhor opinião, não define um principio de responsabilização pelas custas, estabelece um princípio de regra de incidência de custas. Não consente, por isso, a interpretação de que as custas nos incidentes, que estão expressamente contemplados na norma (e quaisquer outros), sejam sempre suportadas pela massa insolvente.
A norma define a base da tributação fixando que no processo estão abrangidos todos os incidentes e apensos quer os expressamente referidos quer «quaisquer outros incidentes cujas custas hajam de ficar a cargo da massa, ainda que processados em separado».
A redação do artigo 303º do CIRE, sob a epígrafe “base de tributação” remete, pois, para a noção de base tributável constante do artigo 11.º do RCP, norma que fixa a regra geral de que «A base tributável para efeitos de taxa de justiça corresponde ao valor da causa, com os acertos constantes da tabela i, e fixa-se de acordo com as regras previstas na lei do processo respetivo»
Com efeito “O valor processual é a base tributável para efeitos de taxa de justiça (…) e o valor para efeito de custas será o valor processual de acordo com o preceituado nos artigos 296.º a 310.º do CPC (…).
A indicação deste valor compete às partes, sendo um dos requisitos obrigatórios da petição inicial sob pena de recusa de recebimento, nos termos das disposições conjugadas dos artigos 552.º, n.º 1, al. f), e 558.º, al. e), do CPC. (…) nos termos do artigo 306.º do CPC, compete ao Juiz fixar o valor da causa, apesar do dever de indicação que impende sobre as partes.
Nos processos de insolvência a fixação do valor da causa que é a base tributável é efetuada pelo juiz de acordo com a regra dos artigos 301.º e a 304.º do CIRE”
http://www.cej.mj.pt/cej/recursos/ebooks/outros/Guia_Pratico_das_Custas_Processuais.pdf?id=9&username=guest pg 59.
III.
Serão encargo da massa em princípio todos os atos processuais de natureza obrigatória dentro do processo de insolvência. Mas esse encargo resulta da própria natureza do processo de insolvência, para cuja liquidação do ativo e pagamento aos credores se torna indispensável recorrer a meios processuais especificamente previstos no CIRE.
Reforça o nosso entendimento, a consagração no artigo 248º, do regime legal específico do incidente de exoneração do passivo restante, abarcado expressamente pela previsão deste artigo 303º e que, não obstante, vê regulada naquela outra norma a forma de pagamento da taxa de justiça pelo devedor, (afastando o regime geral do pagamento da taxa de justiça em tal caso e estabelecendo o deferimento do pagamento da taxa de justiça e bem assim o modo de pagamento das custas a final pelo devedor quer nos casos de deferimento da exoneração (nº 2) quer nos casos de revogação ou caducidade do deferimento da exoneração).
Afastamo-nos, por tais razões, do entendimento constante dos acórdãos citados pelo Recorrente e aderimos à posição expressa no despacho recorrido e sustentada no Acórdão do TRG de 9/7/2020 in apelação 5712/19.2T8VNF.D.G1, que convoca, ainda, a favor da posição constante do despacho recorrido o facto deste incidente quando requerido pelo credor reclamante se tratar de incidente facultativo e como tal não integrar sequer a tramitação necessária do processo de insolvência, como impressivamente se discorre neste aresto e conforme citação do próprio despacho recorrido.
Nem é relevante, para estes efeitos de tributação, que terceiros, que não os próprios intervenientes no processo incidental, possam retirar vantagem da procedência ou desvantagem da improcedência do mesmo, já que as custas prendem-se com a concreta atividade processual.
SEGUE DELIBERAÇÃO:
IMPROCEDE O RECURSO. CONFIRMA-SE A DECISÃO RECORRIDA.

Porto, 18 de novembro de 2021
Isoleta de Almeida Costa
Ernesto Nascimento
Carlos Portela