NULIDADE DA SENTENÇA
OMISSÃO DE PRONÚNCIA
Sumário

I - Nos termos do disposto no artigo 615º, nº 1, alínea d), do Código de Processo Civil, a sentença é nula sempre que o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento.
II - Estabelece-se nesta previsão legal a consequência jurídica pela infração do disposto no artigo 608º, primeira parte do nº 2, do Código de Processo Civil, mas, como ressalva a segunda parte do número que se acaba de citar, o dever de o juiz apenas conhecer das questões suscitadas pelas partes cede quando a lei lhe permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras.
III - As questões a decidir são algo de diverso dos argumentos aduzidos pelas partes para sustentar as posições que vão assumindo ao longo do desenvolvimento da lide, reconduzindo-se aos concretos problemas jurídicos que o tribunal tem que necessariamente solver em função da causa de pedir e do pedido formulado, das exceções e contra-exceções invocadas.
IV - O regime dos vícios das sentenças é aplicável aos despachos ex vi artigo 613º, nº 3, do Código de Processo Civil.
V - Se a decisão que enferma de nulidade não põe termo ao processo, não deve o Tribunal da Relação conhecer do restante objeto da apelação.

Texto Integral

Processo nº 1029/11.9TJPRT-P.P1

Sumário do acórdão proferido no processo nº 1029/11.9TJPRT.P.P1 elaborado pelo seu relator nos termos do disposto no artigo 663º, nº 7, do Código de Processo Civil:
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Acordam os juízes subscritores deste acórdão, da quinta secção, cível, do Tribunal da Relação do Porto:

1. Relatório
Em 12 de dezembro de 2019, neste Tribunal da Relação do Porto, no processo nº 1029/11.9TJPRT.L.P1 foi proferido acórdão que julgou improcedente recurso de apelação interposto por B… e que o condenou ao pagamento das custas do recurso.
Baixaram os autos ao tribunal a quo e em 03 de setembro de 2020, procedeu-se à contagem dos autos, apurando-se o valor de € 306,00 em dívida e da responsabilidade do recorrente, B…, tendo a conta sido notificada aos intervenientes processuais em 04 de setembro de 2020.
Em 16 de setembro de 2020, B… apresentou o seguinte requerimento:
Exma. Senhora Juiz de Direito, B…, insolvente nos autos em referência, notificado que foi, da conta de custas e para proceder, no prazo de 10 dias, ao seu pagamento, vem dizer e requerer a V. Exa:
1. O insolvente apresentou pedido, e foi proferido despacho inicial, de exoneração do passivo restante.
2. Assim, e ao abrigo do disposto no nº 1 do art. 248.º do CIRE, beneficia, o insolvente, do diferimento do pagamento das custas, até decisão final a proferir sobre tal pedido.
3. Portanto, impõe-se concluir que, e neste momento, não recai sobre o insolvente qualquer obrigação de efectuar o pagamento das custas, para o qual foi notificado.
4. Devendo ser, assim, dada sem efeito a notificação efectuada.
Acresce ainda que,
5. Beneficia o insolvente de protecção jurídica ( requerida em 26.03.2012) na modalidade de dispensa de pagamento de taxas de justiça e demais encargos com processo .
6. O supra referido art. 248.º do CIRE confere uma protecção adicional ao insolvente, mas sem prejudicar, aquela que é conferida pelo apoio judiciário que lhe foi concedido
7. De facto, o nº 1 do art. 248.º do CIRE regula o período temporal entre o pedido de exoneração passivo restante e a decisão final a proferir sobre tal pedido, sendo que neste período, e por força do nº 4, é afastada a concessão de qualquer outra forma de apoio judiciário, salvo quanto à nomeação e pagamento de honorários de patrono.
8. No entanto, e conforme entendimento jurisprudencial dominante, decorrido este período, e sob pena de violação do princípio constitucional do acesso ao direito e o da igualdade, o regime de apoio judiciário, volta a valer na sua plenitude.
9. Portanto, beneficiando o insolvente de apoio judiciário, haveria lugar à dispensa da realização e elaboração da conta, atento ao disposto no artigo 29.º/1-d) do RCP.
Termos em que, se requer a V. Exa se digne ordenar seja dada sem efeito a conta de custas elaborada bem como a notificação efectuada ao insolvente para o seu pagamento, por este não se mostrar devido.
Notificada do requerimento que precede, a Digna Procuradora da República promoveu a notificação do requerente para juntar aos autos cópia da decisão de deferimento do apoio judiciário pela Segurança Social que lhe haja sido concedido, promoção que foi deferida.
Em 06 de novembro de 2020, B… ofereceu o seguinte requerimento:
Requereu, o insolvente, junto do Instituto da Segurança social (ISS), em 26.03.2012 apoio Judiciário na modalidade dispensa de taxa de justiça e demais encargos com o processo.
Pedido esse que, não foi, até à data, objecto de qualquer decisão expressa, notificada ao requerente, aqui insolvente.
Porquanto, e atento ao lapso de tempo decorrido, não será senão de concluir pelo deferimento tácito, que se invoca e deve ser reconhecido com as devidas e inerentes consequências legais.
Em 23 de novembro de 2020, o Centro Distrital de Segurança Social do Porto, prestou a seguinte informação:
Centro Distrital do Porto, vem, nos termos e para os devidos e legais efeitos, informar V. Ex.ª que o requerimento de proteção jurídica foi enviado para expurgo, em cumprimento do disposto na Portaria 1383/2009 de 04 de Novembro de 2009.
Mais se informa que, ao abrigo da Portaria não nos é possível enviar cópias do solicitado, mas compulsada a base de dados podemos aferir que o pedido de proteção Jurídica foi Indeferido em 04­03­2013.
Em 07 de dezembro de 2020, notificado da informação que precede, B... ofereceu o seguinte requerimento:
B…, recorrente nos autos à margem referenciados, notificado de junção da informação prestada pela Segurança Social, vem dizer e requer a V. Exa. o seguinte:
Foi a Segurança Social, notificada para remeter, a este Tribunal, cópia da decisão proferida no âmbito do processo do pedido de apoio judiciário apresentado pelo, aqui, recorrente.
Na sequência, e por oficio, datado de 20.11.2020, veio o Centro Distrital do Porto, informar, que o requerimento de protecção juridica (APJ/…../2012 RGR), terá sido enviado para expurgo, o que impedia a remessa das cópias solicitadas, contudo, e por consulta à base da dados, terão aferido que o pedido “ foi indeferido em 04.03.2013”
Ora, e desde logo, impugna-se o afirmado, reiterando o já dito no requerimento de 06.11.2020 (ref. citius 27271727).
Depois, impende sobre a Segurança Social o ónus de prova do que afirma na informação prestada, não sendo de valorar a simples alegação que se constatou que pedido terá sido indeferido.
Por conseguinte, e face ausência da necessária prova, da decisão de indeferimento de 04.03.2013, e respectiva notificação, por facto, aliás, completamente alheio ao recorrente, impõe-se retirar as necessárias consequências legais.
Vejamos,
Conforme o disposto no art. 25.º nº 2 e 3 da lei 34/2004 de 27 de Julho, decorrido o prazo de 30 dias para conclusão do procedimento administrativo, sem que tenha sido proferida decisão sobre o pedido de protecção jurídica, é de o considerar tacitamente deferido, sendo suficiente a menção em Tribunal da formação do acto tácito.
Não tendo sido, como não foi, o requerente notificado de qualquer decisão, e atento ao lapso de tempo decorrido, não será senão de concluir pelo deferimento tácito do pedido de protecção jurídica formulado pelo Insolvente, já invocado, o que deve ser reconhecido e declarado,
Concluindo, assim, V. Exa. no sentido que o recorrente beneficia de apoio judiciário na modalidade de dispensa de taxa de justiça e demais encargos com o processo.
Em 26 de janeiro de 2021 foi proferido o seguinte despacho:
Notifique o insolvente para, em 10 dias, juntar aos autos a decisão do pedido de apoio judiciário que, tendo-lhe concedido tal apoio, contrarie a informação prestada pela Segurança Social.
Em 05 de fevereiro de 2021, B… ofereceu o seguinte requerimento:
Reitera, o já invocado deferimento tácito do pedido de apoio judiciário, por falta de decisão expressa, por parte do ISS, no prazo de que dispunha para conclusão do procedimento administrativo (cfr. art. 25.º nº 2 e 3 da lei 34/2004 de 27 de Julho).
Portanto, não pode, o insolvente, cumprir com o ordenado de “juntar aos autos a decisão do pedido de apoio judiciário”.
Ademais, e salvo o devido respeito, não cabe ao Insolvente contrariar a informação prestada pela Segurança Social, que e aliás, oportunamente impugnou, já que é sobre esta que impende o ónus de prova do que alega, no caso, o indeferimento do pedido, que a existir, o que não se aceita, afastaria o deferimento tácito invocado.
Não pode o ISS escudar-se no expurgo do processo, para fazer valer um alegado indeferimento, em clara violação dos princípios que norteiam o procedimento e dos mais elementares direitos do requerente, nomeadamente, o de defesa.
Sendo assim, apenas resta concluir que, o insolvente, fruto do deferimento tácito do pedido, beneficia de apoio judiciário na modalidade de dispensa de pagamento da taxa de justiça e demais encargos com o presente processo.
O que se requer!
Em 18 de fevereiro de 2021 foi proferido o seguinte despacho[1]:
Nos presentes autos de recurso de apelação autónoma, relativos à acção de insolvência em que é visada B…, tendo o recurso sido julgado improcedente, foi elaborada conta, fazendo incidir a responsabilidade pelo pagamento das custas sobre o insolvente em conformidade com o determinado no acórdão.
O insolvente veio requerer que “seja dada sem efeito a conta” com fundamento em beneficiar de apoio judiciário.
Não fez prova do alegado.
Ainda assim e não obstante a informação constante dos autos principais, foi oficiado à “Segurança Social” para que viesse prestar informação quanto à decisão proferida quanto ao pedido de apoio judiciário formulado pelo insolvente.
Notificado do despacho e antes mesmo de obtida a informação, veio o insolvente aos autos dizer que a “Segurança Social” nunca proferiu qualquer decisão expressa, sustentando dever-se concluir pelo deferimento tácito.
A “Segurança Social” veio entretanto informar que o pedido foi indeferido em 4 de Março de 2013, não lhe sendo possível juntar a decisão porque o processo foi enviado para expurgo de acordo com o disposto na Portaria n.º1383/2009, de 4 de Novembro.
Tendo ainda a tanto sido convidado, o insolvente não juntou qualquer documento que contrarie a informação da “Segurança Social”, sustentando que é sobre esta que recai o ónus da prova, concluindo pelo deferimento tácito do pedido.
Cumpre apreciar.
I)
No que respeita à conta, a mesma foi elaborada fazendo impender a responsabilidade pelo pagamento das custas sobre o insolvente. Ainda que o insolvente beneficie de apoio judiciário, não pode a mesma deixar de ser elaborada porque pode sobrevir fundamento de cancelamento da protecção jurídica, tal como previsto no art. 10.º da Lei n.º34/2004, de 29 de Julho, designadamente porque o apoio judiciário é sempre concedido “salvo regresso de melhor fortuna”, caso em que o art. 13.º do mesmo Diploma reconhece ao Ministério Público legitimidade para propor acção de cobrança do valor das custas.
Nesta medida e quanto à primeira pretensão formulada de “dar sem efeito” a conta, cumpre concluir que, mesmo a beneficiar de apoio judiciário, tal pretensão carece de fundamento.
II)
Quanto ao apoio judiciário, verifica-se que o insolvente formulou junto da “Segurança Social” o pedido de apoio judiciário na modalidade de dispensa de taxa de justiça e demais encargos com o processo. Fê-lo em 26 de Março de 2012, conforme resulta de fls. 336 a 340 dos autos principais, já na pendência da causa e com vista à interposição de recurso.
A “Segurança Social” veio aos autos informar ter indeferido essa pretensão, conforme resulta da cópia da decisão junta aos autos principais a fls. 793 a 796.
De facto, o insolvente poderia ter impugnado esta decisão e, mesmo em sede administrativa, sido a mesma reparada e concedido o apoio judiciário mas, ao contrário do que o insolvente argumenta, é sobre o próprio (e não a “Segurança Social” que nem parte é mas entidade decisória) que recai o ónus da prova de lhe ter sido concedido apoio judiciário, contrariando a informação constante dos autos e prestada por aquela entidade.
Da notificação dirigida ao tribunal resulta que também a decisão final foi notificada ao requerente (cfr. fls. 796). Mas, mesmo a não o ter sido, é perante aquela entidade que o requerente terá de reagir, não sendo a mera alegação da falta de notificação o bastante para, pressupondo a apontada omissão, concluir pelo pretendido deferimento tácito.
Nesta medida, perante a decisão final expressa que consta dos autos de indeferimento do pedido de apoio judiciário, impõe-se indeferir o requerido pelo insolvente.
Pelo exposto, indefiro o requerido.
Custas a cargo do insolvente.
Notifique.
Em 08 de março de 2021, inconformado com o despacho que antecede, B… interpôs recurso de apelação, terminando as suas alegações com as seguintes conclusões:
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A Digna Procuradora da República contra-alegou pugnando pela total improcedência do recurso.
Em 06 de abril de 2021, ordenou-se o cumprimento do disposto no nº 1 do artigo 642º do Código de Processo Civil, sendo emitida guia para pagamento da multa e taxa de justiça devidas, guia que foi paga em 09 de abril de 2021.
Em 21 de abril de 2021 foi proferido o seguinte despacho[2]:
Nos presentes autos, o insolvente veio interpor recurso do despacho proferido em 18 de Fevereiro de 2021 que apreciou o requerimento do próprio, datado de 16 de Setembro de 2020, mediante o qual, notificado da conta, requereu que a mesma fosse dada sem efeito.
Cumpre apreciar.
Ainda que não tenha qualificado o mecanismo legal previsto no art. 31.º do Regulamento das Custas Processuais, julga-se que, em bom rigor, a pretensão do requerente redunda num pedido de reclamação da conta, compreendendo que a mesma possa ter por fundamento tanto a desarmonia com as disposições legais que devem ser convocadas na sua elaboração e que, não observadas, importem a sua rectificação (por exemplo, tendo em atenção os valores discriminados ou a responsabilidade imputada na sentença condenatória), como com as normas que preveem se e quando a conta deve ser elaborada e que, vindo a ser procedente a reclamação, conduza à “anulação” da conta, tal como o sustentou o requerente.
A ser assim e tendo em conta o valor das custas (306,00€), o despacho em causa não é recorrível, atento o disposto no art. 31.º, n.º6, do Regulamento das Custas Processuais.
Mesmo que não se entenda ser esta norma convocável, também a regra geral prevista no art. 629.º, n.º1, do nCPC (aplicável por força do art. 17.º, n.º1, do CIRE), na parte em que impõe que a decisão seja desfavorável ao recorrente em valor superior a metade da alçada do tribunal de que se recorre, obsta à recorribilidade do despacho.
Perante o exposto e de acordo com o previsto no art. 641.º, n.º2, al. a), do nCPC (também aplicável por força do art. 17.º, n.º1, do CIRE), indefiro o requerimento de interposição de recurso.
Custas a cargo do recorrente.
Notifique.
Em 06 de maio de 2021, inconformado com o despacho proferido em 21 de abril de 2021 que não admitiu o recurso por si interposto em 18 de fevereiro de 2021, B… reclamou do mesmo, reclamação que foi deferida, revogando-se a decisão reclamada proferida em 21 de abril de 2021, admitindo-se o recurso interposto em 08 de março de 2021, como de apelação (artigo 644º, nº 2, alínea g), do Código de Processo Civil), a subir em separado (artigo 645º, nº 2, do Código de Processo Civil) e no efeito meramente devolutivo (artigo 647º, nº 1, do Código de Processo Civil), determinando-se a requisição ao tribunal recorrido da organização do respetivo apenso com certidão de folhas 336 a 340 e 793 a 796 dos autos principais mencionadas no despacho recorrido e proferido em 18 de fevereiro de 2021.
Após variadas vicissitudes processuais, volvidos mais de três meses sobre a decisão da reclamação, foi finalmente dado cumprimento ao que nela havia sido decidido.
Uma vez que o objeto do recurso é de natureza estritamente jurídica, que as questões suscitadas se revestem de simplicidade e atenta a natureza urgente destes autos, com o acordo dos restantes membros do coletivo dispensaram-se os vistos, cumprindo apreciar e decidir de imediato.
2. Questões a decidir tendo em conta o objeto do recurso delimitado pelo recorrente nas conclusões das suas alegações (artigos 635º, nºs 3 e 4 e 639º, nºs 1 e 3, ambos do Código de Processo Civil), por ordem lógica e sem prejuízo da apreciação de questões de conhecimento oficioso, observado que seja, quando necessário, o disposto no artigo 3º, nº 3, do Código de Processo Civil
2.1 Da nulidade da decisão recorrida por omissão de pronúncia por não ter apreciado do benefício do recorrente de deferimento de pagamento de custas até à decisão final do incidente de exoneração do passivo restante;
2.2 Da ilegalidade da elaboração da conta de custas atento o disposto na alínea d), do nº 1, do artigo 29º do Regulamento das Custas Processuais;
2.3 Da formação de acto tácito de concessão de apoio judiciário na modalidade de dispensa de pagamento de taxa de justiça e demais encargos com o processo;
2.4 Da falta de notificação ao recorrente da decisão de indeferimento do apoio judiciário por si requerido em 26 de março de 2012.
3. Fundamentos de facto
Além dos factos mencionados no relatório deste acórdão e resultantes destes autos e bem assim daqueles de que foram extraídos, tudo com base no teor dos próprios autos, a este nível com força probatória plena, atento o objeto do recurso enunciam-se mais os seguintes factos provados:
3.1
Em 26 de março de 2012, B… interpôs recurso de apelação contra despacho proferido em 07 de março de 2012 e que indeferiu a realização de segunda perícia, comprovando ter requerido, via fax e junto dos Serviços da Segurança Social, apoio judiciário na modalidade de dispensa de pagamento de taxa de justiça e demais encargos com o processo (apenso A).
3.2
Em 01 de junho de 2012, B… interpôs recurso de apelação contra despacho proferido em 11 de maio de 2012 e que indeferiu a realização de segunda perícia para avaliação de imóvel, referindo no intróito do recurso ter requerido proteção jurídica, pretensão ainda não decidida, recurso que foi julgado procedente (apenso C).
3.3
Em 03 de julho de 2012, B… foi declarado insolvente, tendo o mesmo em 23 de julho de 2012 interposto recurso de apelação contra esta decisão invocando, além do mais, ter formulado pedido de proteção jurídica, ainda não decidido (apenso D), sentença que veio a ser anulada em consequência de provimento de recurso interlocutório, vindo a ser proferida nova declaração de insolvência de B… por sentença proferida em 13 de junho de 2014, sendo em 07 de julho de 2014 interposto por B… novo recurso de apelação contra esta última sentença, invocando este, além do mais, ter formulado pedido de proteção jurídica (apenso G).
3.4
Em 21 de novembro de 2012, no processo de insolvência de B… foi proferido despacho inicial em sede de incidente de exoneração do passivo restante, admitindo-se o mesmo liminarmente e fixando-se o rendimento disponível no montante de um salário mínimo nacional e por força da anulação da precedente sentença declaratória da insolvência, em 12 de setembro de 2014, foi proferido novo despacho liminar do pedido de exoneração do passivo restante, fixando-se o rendimento disponível do devedor em dois salários mínimos nacionais, decisão que foi objeto de recurso de apelação na parte em que declarou encerrado o processo de insolvência para efeitos de exoneração do passivo restante, recurso julgado procedente por acórdão proferido em 10 de novembro de 2016.
3.5
Em 04 de março de 2013 foi indeferido o requerimento de apoio judiciário formulado por B… em 26 de março de 2012, aí se referindo que o requerente não reúne os requisitos para deferimento do requerimento de protecção jurídica, nas modalidades requeridas e que após audição prévia do requerente datada de 04 de dezembro de 2012, este “não aceitou aquelas a que por força da Lei tem direito”.
3.6
Em 14 de outubro de 2013, B… interpôs recurso de apelação contra despacho proferido no processo de insolvência em 24 de setembro de 2013, referindo no intróito do recurso, além do mais, ter formulado pedido de proteção jurídica, ainda não decidido (apenso F).
3.6
Em 22 de dezembro de 2014, B… interpôs recurso de apelação contra despacho proferido no processo de insolvência em 12 de setembro de 2014, referindo no intróito do recurso, além do mais, ter formulado pedido de proteção jurídica, recurso que veio a ser julgado improcedente por acórdão deste Tribunal da Relação do Porto proferido em 13 de outubro de 2015, sendo o recorrente condenado nas custas do recurso e remetidos os autos à conta, a Sra. Contadora não a elaborou, com o seguinte fundamento:
Não se procede à elaboração da conta final em conformidade com o disposto no artº 7º -A e 38º, da Portaria 419-A/2009 de 17 de Abril, conjugado com o artº 29º, nº 1, al. d), do RCP (Lei 7/2012).” (apenso I)
3.7
Em 01 de outubro de 2019, B… interpôs recurso de apelação contra despacho proferido no processo de insolvência em 11 de setembro de 2019, nada referindo quanto ao benefício de apoio judiciário e nada pagando a título de taxa de justiça inicial e em 12 de dezembro de 2019 foi proferido acórdão deste Tribunal da Relação do Porto a julgar improcedente o recurso, condenando o recorrente nas custas do recurso, sendo em 03 de setembro de 2020 contado o recurso apurando-se estar em dívida o valor de € 306,00, a cargo de B… (apenso L que deu origem ao presente recurso em separado).
4. Fundamentos de direito
4.1 Da nulidade da decisão recorrida por omissão de pronúncia por não ter apreciado do benefício do recorrente de deferimento de pagamento de custas até à decisão final do incidente de exoneração do passivo restante
O recorrente suscita a nulidade da decisão recorrida por omissão de pronúncia em virtude de não ter apreciado a questão do diferimento do pagamento de custas de que beneficia até decisão final do incidente de exoneração do passivo restante.
Cumpre apreciar e decidir.
Nos termos do disposto no artigo 615º, nº 1, alínea d), do Código de Processo Civil, a sentença é nula sempre que o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento.
Estabelece-se nesta previsão legal a consequência jurídica pela infração do disposto no artigo 608º, primeira parte do nº 2, do Código de Processo Civil. No entanto, como ressalva a segunda parte do número que se acaba de citar, o dever de o juiz apenas conhecer das questões suscitadas pelas partes cede quando a lei lhe permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras.
As questões a decidir são algo de diverso dos argumentos aduzidos pelas partes para sustentar as posições que vão assumindo ao longo do desenvolvimento da lide[3]. As questões a decidir reconduzem-se aos concretos problemas jurídicos que o tribunal tem que necessariamente solver em função da causa de pedir e do pedido formulado, das exceções e contra-exceções invocadas.
Importa salientar que a vinculação do tribunal às concretas questões ou problemas suscitados pelas partes é compatível com a sua liberdade de qualificação jurídica (artigo 5º, nº 3, do Código de Processo Civil). Por isso, o tribunal pode, sem violação da sua vinculação à problemática invocada pelas partes, qualificar juridicamente de forma diferente essas questões.
O regime dos vícios das sentenças é aplicável aos despachos ex vi artigo 613º, nº 3, do Código de Processo Civil.
No caso dos autos, no requerimento que apresentou em 16 de Setembro de 2020, além do mais, o ora recorrente referiu o seguinte:
“1. O insolvente apresentou pedido, e foi proferido despacho inicial, de exoneração do passivo restante.
2. Assim, e ao abrigo do disposto no nº 1 do art. 248.º do CIRE, beneficia, o insolvente, do diferimento do pagamento das custas, até decisão final a proferir sobre tal pedido.
3. Portanto, impõe-se concluir que, e neste momento, não recai sobre o insolvente qualquer obrigação de efectuar o pagamento das custas, para o qual foi notificado.”
O nº 1, do artigo 248º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas prevê que “[o] devedor que apresente um pedido de exoneração do passivo restante beneficia do diferimento do pagamento das custas até à decisão final desse pedido, na parte em que a massa insolvente e o seu rendimento disponível durante o período da cessão sejam insuficientes para o respectivo pagamento integral, o mesmo se aplicando à obrigação de reembolsar o organismo responsável pela gestão financeira e patrimonial do Ministério da Justiça das remunerações e despesas do administrador da insolvência e do fiduciário que o organismo tenha suportado.
Saber se o ora recorrente beneficia do diferimento do pagamento de custas previsto no nº 1, do artigo 248º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas constitui, sem margem para dúvidas, uma questão jurídica que foi colocada para ser conhecida pelo tribunal, sendo também inequivocamente uma questão pertinente já que, procedendo, relega a exigibilidade da obrigação de pagamento de custas para o momento da decisão final do incidente de exoneração do passivo restante do responsável tributário.
No despacho recorrido proferido em 18 de fevereiro de 2021 apenas se apreciou se o recorrente tinha ou não apoio judiciário e as questões inerentes a esta problemática, não tendo o tribunal a quo apreciado se o recorrente beneficiava ou não do diferimento do pagamento de custas até decisão final da exoneração do passivo restante por ter sido deferido inicialmente o seu pedido de exoneração do passivo restante.
Nesta medida, o despacho recorrido padece de nulidade por omissão de pronúncia e, não sendo caso de decisão que põe termo ao processo, não deve este Tribunal da Relação conhecer do restante objeto da apelação (veja-se o nº 1, do artigo 665º, do Código de Processo Civil).
Assim, face ao exposto, declara-se nula a decisão recorrida por omissão de pronúncia sobre a questão de o recorrente beneficiar ou não do diferimento do pagamento de custas até decisão final da exoneração do passivo restante e, não se tratando de decisão final, não se conhece do restante objeto da apelação.
O recurso é sem custas dada a isenção de que beneficia o recorrido.
5. Dispositivo
Pelo exposto, os juízes subscritores deste acórdão, da quinta secção, cível, do Tribunal da Relação do Porto acordam em julgar procedente a arguição de nulidade por omissão de pronúncia suscitada no recurso de apelação interposto por B… em 08 de março de 2021 e, consequentemente, declara-se nulo por omissão de pronúncia o despacho recorrido proferido em 18 de fevereiro de 2021, ficando prejudicado o conhecimento do restante objeto da apelação.
Sem custas dada a isenção de que beneficia o recorrido.
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O presente acórdão compõe-se de treze páginas e foi elaborado em processador de texto pelo primeiro signatário.

Porto, 22 de novembro de 2021
Carlos Gil
Mendes Coelho
Joaquim Moura
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[1] Notificado às partes em expediente eletrónico elaborado no mesmo dia.
[2] Notificado às partes em expediente eletrónico elaborado no mesmo dia.
[3] Sobre esta questão veja-se, Código de Processo Civil Anotado, Volume 2º, 3ª edição, Coimbra Editora 2017, José Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, páginas 712 a 714 e 737. Não obstante os argumentos não sejam questões, do ponto de vista retórico e da força persuasiva da decisão, há interesse na sua análise e refutação.