AUTORIDADE DO CASO JULGADO
EXCEPÇÃO PEREMPTÓRIA
EXCEPÇÃO DILATÓRIA DO CASO JULGADO
TRÍPLICE IDENTIDADE
FUNDAMENTAÇÃO DA DECISÃO
Sumário

1.Se a tríplice identidade prevista no art. 581.º do C.P.C. é condição sine qua non para a verificação do caso julgado na sua vertente de exceção dilatória (efeito negativo), ela já não é necessária para a ocorrência da exceção perentória consistente na autoridade do caso julgado (efeito positivo), que apenas exige a identidade de sujeitos do ponto de vista da sua qualidade jurídica.
2. Verificada a autoridade do caso julgado de uma decisão de mérito que seja incompatível com o objeto a decidir posteriormente noutra ação, o seu alcance não pode deixar de se repercutir no próprio mérito desta, importando, nessa medida, a sua improcedência com a consequente absolvição do réu do pedido; diferentemente sucede no domínio da exceção dilatória de caso julgado como tal incluída no artigo 577.º, alínea f), do CPC, cuja procedência determina a absolvição do réu da instância nos termos dos artigos 278.º, n.º 1, alínea e), e 576.º, n.º 2, do mesmo Código.
3. O caso julgado, enquanto autoridade, abrange a parte dispositiva da decisão, ou seja, a conclusão extraída dos seus fundamentos, mas como a decisão é a conclusão de certos pressupostos (de facto e de direito), o respetivo caso julgado encontra-se sempre referenciado a certos fundamentos, pelo que reconhecer-se que a decisão está abrangida pelo caso julgado não significa que ela valha, com esse valor, por si mesma e independente dos respetivos fundamentos, pois não é ela, enquanto conclusão do silogismo judiciário, que adquire o valor de caso julgado, mas o próprio silogismo considerado no seu todo;
4. Logo, o caso julgado incide sobre a decisão como conclusão de certos fundamentos e atinge estes fundamentos enquanto pressupostos daquela decisão.
5. Em regra, a autoridade do caso julgado não se estende aos fundamentos de facto da decisão, rectius, estes fundamentos não adquirem valor de caso julgado quando são autonomizados da respetiva decisão judicial, não valem por si mesmos, não são vinculativos quando desligados da respetiva decisão, pelo que valem apenas enquanto fundamentos da decisão e em conjunto com esta.
6. Os fundamentos de direito também não se incluem, em princípio, no valor de caso julgado da decisão, pelo que os juízos sobre a validade, interpretação e aplicação do direito não se integram no caso julgado, ou seja, mesmo quando excecionalmente os fundamentos de facto ficam englobados nesse caso julgado, tal sucede sem essa eficácia se estender à sua qualificação jurídica.

Texto Integral

Acordam na 7.ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa:

I - RELATÓRIO[1]:
JS e Outros, intentaram a presente ação declarativa, sob a forma de processo comum, contra AC e VT, pedindo o seguinte:
«Termos em que, nos melhores de Direito, deve a acção ser julgada procedente por provada e os RR. condenados a:
a) reconhecer o direito de propriedade dos AA. sobre o prédio urbano ____.
b) reconhecer que exerceram o seu direito propriedade relativamente ao terreno destinado a construção sito ____., de modo excessivo, abusivo e prejudicando aqueles;
c) demolir o muro que divide o imóvel de sua propriedade do imóvel propriedade dos AA. (melhor descrito em a) do pedido), de modo a que este não ultrapasse a altura de dois metros, num prazo de um mês após o trânsito em julgado da sentença;
d) reparar e eliminar os defeitos que o imóvel propriedade dos AA. apresenta no seu interior, num prazo de um mês após o trânsito em julgado da sentença;
e) a pagar ao primeiro A. a quantia de € 7.500,00 a título de indemnização pelos não patrimoniais que sofreu e que sofre.»
Para o efeito, alegam, em suma, que são donos do prédio identificado em a), sendo os réus donos do prédio identificado em b).
No ano de 2010 os réus fizeram ruir o muro divisório de balaústre que separava os dois prédios e que até essa data ali existia, tendo erigido um novo muro divisório entre as duas propriedades, ficando, desde então, o prédio dos autores com a vista completamente tapada.
Acresce que a construção desse fez com que o calor e a luminosidade do prédio dos autores, provocando-lhes danos.
Em consequência da conduta dos réus o 1.º autor sofreu danos de natureza não patrimonial pelos quais pretende ser ressarcido.
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Os réus contestaram, começando por arguir a ilegitimidade dos autores para os termos da presente causa.
Em seguida invocam a autoridade do caso julgado produzido pela decisão transitada em julgado no âmbito do Proc. n.º ____, que correu termos no Tribunal Judicial da Comarca ____, na qual os autores peticionavam a condenação dos réus na demolição do muro divisório das duas propriedades, pretensão que foi julgada improcedente.
Significa isto que sobre a questão colocada no âmbito dos presentes autos recaiu já uma outra decisão judicial, proferida no referido Proc. n.º ____,­ transitada em julgado, estendendo-se a autoridade do respetivo caso julgado à presente ação, não podendo, por isso, a questão aqui suscitada, voltar a ser objeto de discussão e apreciação judicial.
Por isso, encontra-se «verificada a exceção peremptória de autoridade de caso julgado, por força da Decisão judicial anteriormente proferida, pelo que deverá a presente ação improceder, absolvendo-se do pedido os réus, nos termos do artigo 579.º, 576.º, n.º 1 e 3 e 619.º, n.º 1 todos do Código de Processo Civil».
Concluem, em sede de contestação, da seguinte forma:
«Nestes termos e melhores de Direito, com o douto suprimento de V. Exa, deve ser:
a) Julgadas procedentes as exceções peremptórias e, em consequência, serem os Réus absolvidos da instância;
b) Caso assim não se entenda, o que por mera hipótese se coloca, a ação ser julgada improcedente por não provada.»
*
Além de contestarem, os réus deduzem reconvenção contra os autores pedindo a condenação destes:
c) «(...) a absterem-se de, por qualquer forma ou jeito, vazar quaisquer tipo de águas salubres e/ou insalubres e pluviais, para o prédio dos Réus e, consequentemente, serem condenados a retirar e a eliminar as saídas e tubos que para tal efeito mantêm, realizando, as obras necessárias eadequadas a evitar que decorram para o prédio dos Réus qualquer tipo de águas, com exceção das águas pluviais»;
d) «(...) a pagar aos Réus, a título de sanção, compulsória, uma quantia pecuniária nunca inferior a 10,00€ (dez euros), por cada dia de atraso no cumprimento do peticionado sob as anteriores alíneas c) e d).»
Mais pedem os réus que os autores sejam «(...) condenados em litigância de má-fé, no pagamento de multa, a ser fixada entre 2 U.C. e 100 U.C., bem como, a indemnizar os Réus dos danos que essa má-fé causou no montante de 6.000,00€ a título de despesas e honorários dos mandatários dos Réus, nos termos dos art. 542.º, n.º 1 e 2 al. e 543.º ambos do C.P.C.».
*
Os autores replicaram, pugnando pela improcedência:
- da reconvenção, com a sua consequente absolvição do pedido reconvencional;
- do pedido consistente na sua condenação em multa e indemnização por litigância de má-fé.
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Na audiência prévia realizada no dia __.__.____, relativamente à reconvenção deduzida pelos réus contra os autores, foi proferida a seguinte decisão:
«Face ao exposto, não se vislumbrando que se integre a reconvenção apresentada pelos Réus, nesta sede, em nenhum dos critérios de conexão dispostos nos termos do artigo 266.º, n.º 2, do CPC, não se admite, pois, a reconvenção apresentada nos autos.»
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Subsequentemente foi proferido despacho saneador, que:
- julgou improcedente, por não provada, a exceção dilatória consistente na ilegitimidade dos autores para os termos da causa;
- julgou «verificada a exceção dilatória de autoridade do caso julgado», absolvendo «da presente instância os Réus AC e VT, da ação contra os mesmas instaurada pelos Autores JS e Outros, nos termos dos artigos 576.º, n.º 1 e 2, 577.º, alínea i), 578.º, 580.º e 581.º, com as necessárias adaptações, do Código de Processo Civil»;
- condenou «(...) os Autores nos termos dos arts. 542.º, n.º 1 e 2, a) e 543º, n.º 1, b) e 2, em litigância de má fé, fixando: i) A indemnização à parte contrária, aqui Réus, em € 2.000,00 (dois mil euros); ii) A multa em 4 UCs.».
*
Inconformados, os autores interpuseram o presente recurso de apelação, concluindo assim as respetivas alegações:
«1.º
Vêm os AA. recorrer da sentença proferida nos presentes autos, que julgou a acção improcedente e absolveu os RR. do pedido por ter julgado verificada a excepção dilatória de Autoridade do Caso Julgado, e ainda condenou os AA. em litigância de má fé, fixando a indemnização à parte contrária em €.2.000,00 e numa multa em 4 UCs.
2.º
No que aos efeitos do caso julgado formado, na 1.ª acção os AA. peticionaram que se constituísse a favor dos AA., por usucapião, uma servidão de passagem, uma servidão de estilicídio e uma servidão de vistas numa faixa do terreno dos Réus e, em caso afirmativo, fossem demolidas as construções edificadas pelos Réus na mencionada faixa de terreno.
3.º
Na presente acção, pretendem os AA. que os RR. sejam condenados a demolir o muro que divide o imóvel de sua propriedade do imóvel propriedade dos AA. de modo a que este não ultrapasse a altura de dois metros e a reparar e eliminar os defeitos que o imóvel propriedade dos AA. apresenta no seu interior.
4.º
Logo na petição inicial salvaguardaram os AA. que, relativamente ao pedido de demolir o muro que divide o imóvel de sua propriedade do imóvel propriedade dos AA. de modo a que este não ultrapasse a altura de dois metros, não há qualquer caso julgado entre as duas acções.
Com efeito,
5.º
Naquela 1.ª acção, os AA. peticionaram que se constituísse a favor dos AA., por usucapião, uma servidão de passagem, uma servidão de estilicídio e uma servidão de vistas numa faixa do terreno dos Réus e, em caso afirmativo, fossem demolidas as construções edificadas pelos Réus na mencionada faixa de terreno.
6.º
Tratou-se de uma acção que visava a constituição de servidões, ao passo que nesta 2.a acção o que os AA. pretendem é ver julgado e decidida a sua pretensão de que os RR. abusam do seu direito de propriedade porque, de modo excessivo e manifesto, afectam a luminosidade e o calor que o prédio dos AA. antes recebia do sol, obtendo um benefício para si mas à custa da perda de comodidades e com sacrifício do bem-estar do A..
7.º
A causa de pedir nesta 2.a acção é, diversamente, o conflito que existe entre o direito de propriedade dos RR. (concretamente traduzido no direito de tapagem) e os direitos pessoais de personalidade dos AA. que pretendem defender, a saber o direito constitucionalmente protegido à saúde e ao bem-estar, no que se inclui o direito à insolação.
8.º
Nesta 2.a acção pretendem os AA. que, nesse confronto, prevaleçam os segundos e, por isso, pretendem os AA. a demolição do muro que divide o imóvel de sua propriedade do imóvel propriedade dos AA. de modo a que este não ultrapasse a altura de dois metros.
9.º
Como não podia deixar de ser, logo na petição inicial reconhecem que assiste aos RR. o direito de vedar o seu terreno, nos termos previstos no artigo 1356.º, do Cód. Civil, só que o exercício do direito de propriedade, nomeadamente do direito de tapagem, não pode ser exercido em termos ofensivos do sentimento jurídico socialmente dominante, como foi pelos RR., em clara violação do artigo 334.º, do Cód. Civil, e justifica a condenação dos RR. na sua demolição na parte em que excede a altura de dois metros.
10.º
Do confronto daquilo que se deixou exarado, e no que concerne às duas ações, não vislumbramos onde é que existe repetição de causa, porque fora a identidade de sujeitos em ambas as acções, os pedidos de ambas as acções são diferentes e assentam em causas de pedir igualmente distintas.
11.º
A questão fundamentai levantada nas duas acções é diferente, como diferente é o efeito jurídico que em ambas as acções se pretende obter e tutelar e bem assim como o concreto facto jurídico em que assentam as pretensões para as quais se pede a tutela jurisdicional.
12.º
A decisão a proferir nesta ação em caso algum pode colidir com a decisão proferida naquela 1.ª acção, nem vai existir duplicação ou mesmo repetição de decisões.
Isto porque,
13.º
Nesta 2a. acção o que os AA. pretendem é ver garantido o direito que alegam ter de que os RR. não vedem o seu prédio com um muro de altura superior a dois metros com o qual procuram apenas fazer sombra ao prédio dos AA., impedindo-os de beneficiar da visibilidade e do sol que lhe era permitida no logradouro do seu prédio.
14.º
Se parece claro que a excepção de autoridade de caso julgado não se verifica quanto aos pedidos formulados em b) e c), ainda é mais evidente que não se verifica quanto ao pedido formulado em d), qual seja o de os RR. serem condenados a reparar e a eliminar os defeitos que o imóvel propriedade dos AA. apresenta no seu interior, num prazo de um mês após o trânsito em julgado da sentença.
15.º
Diferentemente do que sucedeu na 1.a acção, nesta 2.a acção os AA. alegam que tal muro, na parte em que excede dois metros, tira luz e calor à sala situada no rés-do- chão e ao quarto de cama situado no primeiro andar dos AA., em qualquer altura do dia, tornando-o, quer no seu interior nas divisões a poente quer no exterior na parte do logradouro, um local sombrio e húmido.
16.º
O pedido formulado em d), que se refere a factos ocorridos após o transito em julgado da 1.a acção, também não está abrangido pela excepção de autoridade de caso julgado.
17.º
Dito isto, quer quanto aos pedidos b) e c) quer quanto ao pedido d), não ocorre a identidade da causa de pedir e perante o descrito enquadramento fáctico e normativo será de concluir que não procede a autoridade do caso julgado da decisão absolutória proferida na 1.a acção (quanto ao objecto novamente trazido à presente acção) para impedir a discussão e a decisão da pretensão formulada pelos AA. nesta 2.a acção.
18.º
Por essas razões, não deveria o Tribunal a quo ter julgado verificada a excepção dilatória da autoridade do caso julgado e, nessa medida, deverá a decisão recorrida ser revogada e substituída por outra que, julgando procedente o presente recurso, ordene que a instância da ação prossiga os seus ulteriores trâmites legais quer quanto aos pedidos formulados em b) e c) quer qualquer ao pedido que consta da al. d).
19.º
E, por essa razão, o tribunal a quo violou os artigos 576.º, n.º 1 e 2, 577.º, alínea i); 578.º, 580.º e 581.º, todos do Cód. Proc. Civil.
Acresce que,
20.º
Não estão reunidos os pressupostos necessários para que os AA. possam ser condenados por litigância de má-fé, pelo que, também, deve ser revogada a sua condenação com litigantes de má-fé uma vez que, mesmo que se concedesse estar verificada a excepção de autoridade de caso julgado, apenas está em causa uma divergência de interpretação e aplicação de direito, que entendem ser justificada.
21.º
Logo na petição inicial fizeram expressa referência à acção anterior, bem como ao procedimento cautelar de obra nova com o n.º ____ do então __ Juízo do Tribunal Judicial de ____, em que foi requerente o aqui A. e a sua falecida mulher e foram requeridos os ora RR., que também foi julgado improcedente. E alegaram que a 1.a acção, tal como a procedimento cautelar, foi julgada improcedente.
22.º
A defesa convicta de uma perspectiva jurídica, ainda que diversa daquela que foi acolhida pelo tribunal a quo (e que, com a procedência deste recurso, se pretende ver alterada), não implica, por si só, litigância censurável que justifique a condenação como litigantes de má fé.
23.º
Tal só deverá ocorrer se na postura adoptada não forem observados os deveres de probidade, de cooperação e de boa-fé que devem nortear a conduta das partes.
24.º
Desde logo, não se pode afirmar que os AA. vieram formular pretensão que sabia não ter fundamento e, dadas as circunstâncias, se não o fez com dolo, fê-lo pelo menos com negligência grave ou grosseira.
25.º
Depois porque, não se pode dizer que os AA. tenham alegado factos falsos para fundamentar a sua pretensão.
26.º
Os AA. vieram com esta acção exercer um direito que se encontra constitucionalmente consagrado, concretamente o direito constitucionalmente protegido à saúde e ao bem-estar, no que se inclui o direito à insolação, previsto nos artigos 64.º, n.º 1, e 66.º, ambos da Constituição da República Portuguesa.
27.º
Pelo exposto, e na procedência do recurso, deve revogar-se a decisão recorrida na parte em que condenou os AA. como litigantes de má-fé na indemnização à parte contrária de € 2.000,00 e na multa de 4 UCs.
28.º
A sentença recorrida violou os artigos 542.º, n.º 1 e 2, al. a), e 543.º, n.º 1, b), e 2, todos do Cód. Proc. Civil.
Termos em que, com o douto suprimento de V. Exas., deverá o presente recurso ser julgado procedente e, em consequência, ser revogada a sentença recorrida, julgando-se não verificada a excepção dilatória de Autoridade do Caso Julgado e revogando a decisão de condenação dos AA. como litigantes de má fé, e ordenando que a instância da ação prossiga os seus ulteriores trâmites legais, por assim ser de Direito e
JUSTIÇA!»
*
Os réus contra-alegaram, pugnando pela improcedência do recurso e, consequentemente, pela manutenção da decisão recorrida.
*
II - ÂMBITO DO RECURSO:
Como se sabe, sem embargo das questões de que o tribunal ad quem possa ou deva conhecer ex officio, é pelas conclusões com que o recorrente remata a sua alegação (aí indicando, de forma sintética, os fundamentos por que pede a alteração ou anulação da decisão recorrida: art. 639.º, n.º 1, do Código de Processo Civil[2]), que se determina o âmbito de intervenção do tribunal de recurso.
Efetivamente, muito embora, na falta de especificação logo no requerimento de interposição, o recurso abranja tudo o que na parte dispositiva da sentença for desfavorável ao recorrente (art. 635.º, n.º 3), esse objeto, assim delimitado, pode vir a ser restringido (expressa ou tacitamente) nas conclusões da alegação (n.º 4 do mesmo art. 635.º).
Por isso, todas as questões de mérito que tenham sido objeto de julgamento na sentença recorrida e que não sejam abordadas nas conclusões da alegação do recorrente, mostrando-se objetiva e materialmente excluídas dessas conclusões, têm de se considerar decididas e arrumadas, não podendo delas conhecer o tribunal de recurso, ainda que, eventualmente, hajam sido suscitadas nas alegações propriamente ditas.
Por outro lado, como meio impugnatório de decisões judiciais, o recurso visa tão só suscitar a reapreciação do decidido, não comportando, assim, ius novarum, i.é, a criação de decisão sobre matéria nova não submetida à apreciação do tribunal a quo (cfr. os arts. 627.º, n.º 1, 631.º, n.º 1 e 639.º).
Ademais, também o tribunal de recurso não está adstrito à apreciação de todos os argumentos produzidos em alegação, mas apenas – e com liberdade no respeitante à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito (art. 5.º, n.º 3) – de todas as “questões” suscitadas, e que, por respeitarem aos elementos da causa, definidos em função das pretensões e causa de pedir aduzidas, se configurem como relevantes para conhecimento do respetivo objeto, excetuadas as que resultem prejudicadas pela solução dada a outras (art. 608.º, n.º 2, ex vi do art. 663.º, n.º 2).
À luz destes considerandos, neste recurso importa decidir:
a) se a autoridade do caso julgado decorrente da sentença proferida no âmbito do Proc. n.º ____, que correu termos no Tribunal Judicial da Comarca ____, estendeu os seus efeitos à presente ação;
b) se os autores litigam de má-fé e, e, caso afirmativo, se é justa a sua condenação em multa e indemnização nos termos em que o fez a sentença recorrida.
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III - FUNDAMENTOS:
3.1 - Fundamentação de facto:
A decisão recorrida considerou provado que:
«A) Correu termos a Acção de Processo Comum n.º ____, instaurada por JS e GS contra AC e VT, no Juízo Local Cível de ____.
B) No âmbito da referida acção os Autores peticionaram que se se constituísse a favor dos Autores, por usucapião, uma servidão de passagem, uma servidão de estilicídio e uma servidão de vistas numa faixa do terreno dos Réus e, em caso afirmativo, fossem demolidas as construções edificadas pelos Réus na mencionada faixa de terreno.
C) Para tanto, alegaram os Autores, entre o mais, que os Réus em 2010 fizeram ruir um muro divisório de balaustres e erigiram um muro divisório entre as propriedades dos Autores e Réus de mais de três metros de altura, obstruindo definitivamente a servidão de vistas de que beneficiava o prédio dos Autores.
D) Por sentença transitada em julgado, no âmbito do processo mencionado em A) deram-se como provados os seguintes factos:
1. Os Autores são os donos e legítimos possuidores do prédio urbano, destinado a habitação, sito ____, adquirido por usucapião.
2. Os Réus são donos do prédio urbano sito ____, adquirido por partilha.
3. Os Autores intentaram procedimento cautelar de embargo de obra nova contra os Réus, o qual correu termos com o nº ____, no extinto _º juízo do Tribunal Judicial de ____ e que foi julgado improcedente.
4. Antes da compra pelos Réus, o seu prédio nunca foi utilizado nem para cultivo e nem para construção.
5. Era um espaço aberto, não murado, coberto de rocha basáltica, irregular e utilizado pela população que o atravessava para ir ao mar.
6. Na dependência habitacional que construíram nas traseiras do seu prédio, os Réus fizeram um terraço que deita diretamente para o prédio dos Réus.
7. Os Autores cimentaram uma faixa do terreno dos Réus.
8. Em 2004 os Autores procederam à ligação da rede de água da via pública para a dependência das traseiras, passando a tubagem necessária no subsolo do terreno dos Réus.
9. Também os cabos de eletricidade de fornecimento da dependência habitacional a norte foram soterrados em vala própria, aberta no subsolo do prédio dos Réus.
10. Junto à porta, aberta na delimitação poente da propriedade dos Autores, foram instalados e montados contadores de água e luz para a referida dependência habitacional.
11. Tal porta tinha número de polícia atribuído: __.
12. Os Autores sabiam que estavam a construir a dependência habitacional das traseiras em terreno dos Réus.
13. Por várias vezes a Ré mulher se dirigiu ao Autor manifestando a sua oposição à ocupação da faixa de terreno.
14. A Junta de Freguesia tomou a iniciativa de arranjar, limpar e vocacionar a uso coletivo o prédio dos Réus.
15. Para o efeito, alargou a Canada Negra e betonou-a, ocupando parte do terreno do prédio dos Réus em mais de 3 metros em toda a extensão nascente/poente daquela, mirando-a com um muto de cerca de 50 cm de altura.
16. No fim da Canada Negrada afetou um espaço do terreno dos Réus para estacionamento público e no fim dela erigiu e executou um miradouro.
17. Na parte em que o prédio dos Réus confronta com as barrocas do mar e na extensão de toda a confrontação norte, a Junta de Freguesia criou e estabeleceu um trilho de cerca de 2 metros de largura do prédio dos Réus.
18. Em 2009, os Réus colocaram um anúncio de licença de construção no seu terreno.
19. Em 2010, os Réus edificaram no seu prédio uma residência que impediu que os Autores continuassem a passar pelo mesmo.
20. Escavaram a passagem para a execução de alicerces, tendo removido as redes de água e elétrica de alimentação da dependência habitacional a norte do prédio dos Autores.
21. Fizeram ruir o muro divisório de balaustres, a poente da moradia destes e vedaram a porta existente a poente.
22. Erigiram um muro divisório entre as propriedades.
23. Sem a utilização da passagem pelo prédio dos Réus o acesso à dependência habitacional construída nas traseiras do prédio dos Autores é feito ou pelas barrocas do mar ou pela morada dos Autores.
24. Os Autores sempre se opuseram a que os Réus rebocassem a parede poente da sua casa.
25. Assim, a parede interior da casa dos Réus, que confronta com o prédio dos Autores, apresenta humidades e danos na rede elétrica.
26. A obra referida em 7. foi realizada após o ano 2000.
27. As obras referidas em 15 a 17 foram realizadas com a concordância dos Réus.
28. Os Réus desconheciam que as redes de água e elétricas da dependência habitacional dos Autores se encontravam no subsolo do seu prédio.
E) No âmbito da sentença mencionada em D) deram-se como não provados os seguintes factos:
a) Os Autores, há pelo menos 40 anos, que acedem e transitam, diariamente, pelo lado poente do seu prédio, às traseiras deste, usando uma faixa de terreno com cerca de 4 metros de largura, do prédio dos Réus.
b) Na delimitação poente do prédio dos Autores, e já na zona do quintal da sua moradia, mesmo antes de a modificarem e ampliarem em 1987, sempre existiu um portão de acesso da e para a referida e faixa de terreno e que utilizavam para aceder àquela e à dependência de arrumos que possuíam.
c) Sempre utilizaram tal faixa de terreno convencidos que com tal uso não ofendiam direito alheio algum e antes que o faziam à luz de direito próprio e necessário.
d) Nos anos de 1987 e seguintes os Autores edificaram uma dependência, destinada a habitação, na extrema norte do seu prédio, nas traseiras.
e) O portão que dava para a faixa de terreno foi substituído por uma porta que deslocalizaram mais para norte, do mesmo passo que a encimavam com um beiral de telha cujas águas corriam para a passagem que sempre utilizaram.
f) Para acederem à dependência habitacional nas traseiras, e para procederem a arrumos de apetrechos utilizados no seu comércio de pescado, de forma continuada e regular, continuavam a entrar e a sair pela porta que abriram, como antes faziam pelo portão para o quintal da sua casa.
g) Imobilizam a sua viatura na referida faixa, junto à dependência das traseiras, tendo previamente regularizado e aplanado o piso da mesma.
h) Desta dependência alimentavam eletricamente o sistema de frio da sua viatura de comércio de pescado.
i) No mesmo local, e no extremo norte da faixa, no subsolo dela, fizeram uma fossa de recolha de águas residuais para procederem à lavagem da viatura.
j) As obras dos Autores estavam praticamente concluídas em 1998.
k) Na dependência habitacional construída nas traseiras do prédio dos Autores vive a sua filha e genro que nela habitam, exclusivamente, desde 1995 e nela recebem familiares e amigos, pernoitam e tomam as suas refeições e recebem a sua correspondência.
l) A pé ou de carro era pela aludida passagem e pela porta nela existente que os Autores, filha, genro, visitas e amigos destes acediam a tal residência.
m) A não utilização da passagem pelo prédio dos Réus causa transtorno e incomodidade para filha dos Autores, afetando a sua privacidade.
n) O muro erigido pelos Réus tem mais de 3 metros de altura.
o) Os Réus obstruíram as vistas de que beneficiava o prédio dos Autores sobre o prédio dos Réus.
p) A substituição dos fios da parede do prédio dos Réus orça em 408,00€.
q) Assim como a pintura em toda a sua extensão em quantia não inferior a 2 000,00€.
r) Os Réus recusaram-se a reparar o muro de balaustres dos Autores, bem como o piso do chão.
3. A acção mencionada em A) foi julgada improcedente, e em sede de fundamentação de direito, da sentença, pode ler-se o seguinte:
“Uma última nota quanto à alegada servidão para se chamar a atenção que o prédio dos Autores nem sequer está encravado, conforme definido no artigo 1550º do Código Civil. A utilização de tal caminho não era apenas dos Autores, mas da população em geral, que o utilizava como atalho para chegar ao mar, motivo pelo qual a Junta de Freguesia, após ter efetuado as obras de melhoramento da Rua do Sertão, fechou tal caminho, continuando o público a ter acesso ao mar pelo caminho a norte. O Réu é que se viu privado do atalho que utilizava para aceder às traseiras do seu terreno, o qual, contudo, continua plenamente acessível pela entrada principal do seu prédio, conforme o Tribunal pôde observar no local. Julga-se, assim, a presente ação improcedente, sendo que o aqui se deixou escrito aplica-se, na íntegra, ao pedido de constituição de servidão de vistas e de estilicídio.
(…)
Ora, para além de não ter sido produzida qualquer prova sobre a constituição de tal servidão, nada foi alegado quanto à cota de construção do prédio dos Réus (sendo certo que o Tribunal observou, no local, que o prédio dos Autores frui do ar e da luz no interior do seu prédio, através de diversas janelas, terraços e um amplo quintal, tendo ainda vista para dentro do terreno dos Réus).
Por fim, a servidão de estilicídio tem como pressuposto necessário o gotejar, o escoamento de água provindo da cobertura do prédio dominante, sendo que, não se provando esse cair de água, não se pode ter por verificada tal servidão (artigo 1365º do Código Civil).
De qualquer modo, mesmo que se verificasse essa servidão, os Autores não podiam, só por isso, pedir a demolição da obra edificada pelos Réus, pois a existência de uma servidão de estilicídio e a sua violação, só conferem ao dono do edifício dominante o direito de exigir do dono do prédio serviente o cumprimento do artigo 1365º, nº 2 do Código Civil, ou seja, a realização das obras necessárias para que o escoamento se faça sobre o seu prédio (o que não foi peticionado).
(…)
Repare-se que em 2010 os Autores instauraram procedimento cautelar de embargo de obra nova contra os Réus, por forma a impedirem a construção da habitação que estava a ser edificada sobre a faixa de terreno sobre a qual alegavam ter direito de passagem.
Contudo, tendo a mesma sido julgada improcedente, não instauraram a ação principal, tendo esperado que a habitação dos Réus estivesse finalmente edificada, sendo que só agora, seis anos depois, vêm pedir que se reconheça que se constituiu uma servidão a seu favor, por usucapião, com a consequente demolição da habitação dos Réus.
Ora, o comportamento dos Autores durante o longo período temporal que mediou entre o procedimento cautelar e a instauração da presente ação constitui circunstância idónea a reforçar a convicção séria de que não seria colocado qualquer outro obstáculo à obra em causa, nomeadamente, a demolição da habitação que agora peticionam.
(...)»
*
3.2 - Fundamentação de direito:
Os autores pedem, além do mais, que os réus sejam «(...) condenados a:
a) reconhecer o direito de propriedade dos AA. sobre o prédio urbano ____;
b) reconhecer que exerceram o seu direito propriedade relativamente ao terreno destinado a construção sito ____, de modo excessivo, abusivo e prejudicando aqueles».
Não é possível os autores pedirem a condenação dos réus:
- a reconhecerem o seu direito de propriedade sobre o prédio identificado em a); nem,
- a reconhecerem que exercem o seu direito de propriedade relativamente ao terreno identificado em b), de modo excessivo, abusivo e prejudicando aqueles.
No Ac. do S.T.J. de 25/03/2009, C.J., XVII, 1.º, 2009, 159, afirma-se que normalmente pede-se, de forma esdrúxula a condenação do réu a reconhecer o direito de propriedade do autor, como se fosse possível pedir a condenação de alguém a reconhecer a sua propriedade.
Conforme certeiramente refere Oliveira Ascensão, «há que afastar uma ambiguidade que se oculta em certas referências ao pretenso pedido de reconhecimento da propriedade.
Diz-se que o reivindicante pode exigir do réu o reconheci­mento. Observemos desde já que isto não tem em Direito nenhum sentido. O réu não é condenado a reconhecer, não tem de prestar facto ou declaração com este conteúdo. A única declaração que pode estar em causa é a do próprio tribunal»[3].
Assim, o tribunal não deve condenar alguém a reconhecer o direito de propriedade de outrem sobre uma coisa, mas, antes, apreciar e declarar (se disso for o caso) a existência desse direito na esfera jurídica do autor; ou seja, deve o tribunal “limitar-se” a reconhecer (ou não) a existência do direito.
Por maioria de razão se pede, de forma esdrúxula, no caso concreto, a condenação dos réus a reconhecerem que exercem o seu direito de propriedade relativamente ao terreno identificado em b), de modo excessivo, abusivo e prejudicando aqueles[4].
Por outro lado, verifica-se na decisão recorrida um evidente equívoco entre:
- por um lado, a figura da exceção dilatória de caso julgado anterior (arts. 571º, nºs 1 e 2, 2ª parte, 576º, nºs 1 e 2, 577º, al. i), 580º e 581º, do Código de Processo Civil)[5]; e,
- por outro, a figura da (extensão da) autoridade do caso julgado material, cujo efeito preclusivo é em tudo similar ao de uma exceção perentória impeditiva subsumível ao conceito vertido no nº 3 do art. 576º,
sendo certo que ambas constituem exceções de conhecimento oficioso.
Sucede que:
- a primeira, como exceção dilatória, visa prevenir a possibilidade de prolação de decisões judiciais contraditórias sobre o mesmo objeto (efeito impeditivo);
- a segunda, como autoridade de caso julgado, visa garantir a vinculação dos órgãos jurisdicionais e o acatamento pelos particulares de uma decisão anterior (efeito vinculativo)[6].
Na contestação os réus invocam a autoridade do caso julgado, enquadrando-a, e bem, no conceito de exceção perentória, pugnando, por efeito da sua verificação, pela sua absolvição dos pedidos.
A sentença recorrida, por sua vez, julgou «verificada a exceção dilatória de autoridade do caso julgado», absolvendo «da presente instância os Réus AC e VT, da ação contra os mesmas instaurada pelos Autores JS e Outros, nos termos dos artigos 576.º, n.º 1 e 2, 577.º, alínea i), 578.º, 580.º e 581.º, com as necessárias adaptações, do Código de Processo Civil».
A verificar-se uma tal exceção, ela não é dilatória, importando a absolvição os réus da instância, mas perentória, importando a absolvição dos réus do pedido.
Dispõe o art. 202º da CRP que na administração da justiça «incumbe aos tribunais assegurar a defesa dos direitos e interesses legalmente protegidos dos cidadãos, reprimir a violação da legalidade democrática e dirimir os conflitos de interesses públicos e privados», impondo o nº 2 do artigo 205º a obrigatoriedade das decisões judiciais para todas as entidades públicas e privadas e a sua prevalência sobre as de quaisquer outras autoridades.
Como principal corolário da obrigatoriedade e da prevalência das decisões dos tribunais, surge o instituto do caso julgado, decorrendo da Constituição a exigência de que as decisões judiciais sejam, em princípio, aptas a produzir caso julgado.
Esse imperativo constitucional concretiza-se no «caso julgado material», que o art. 619.º, nº 1, do CPC/2013 define desta forma: «Transitada em julgado a sentença ou o despacho saneador que decida do mérito da causa, a decisão sobre a relação material controvertida fica a ter força obrigatória dentro do processo e fora dele nos limites fixados pelos artigos 580º e 581º, sem prejuízo do disposto nos artigos 696º a 702º.».
A definitividade na resolução do conflito de interesses, decorrente da força do caso julgado atribuída à decisão judicial que já não admite recurso ordinário ou reclamação, desdobra-se em duas vertentes:
a) por um lado, a questão decidida não pode ser de novo reapreciada (trata-se do campo próprio de atuação da exceção dilatória de caso julgado ou do efeito negativo do caso julgado);
b) por outro lado, o respeito pelo conteúdo da decisão anteriormente adotada implica que não possa haver decisão posterior que a contrarie (o que se traduz a denominada autoridade do caso julgado ou o efeito positivo do caso julgado).
Na esteira do ensinamento de Alberto dos Reis[7], Manuel de Andrade traça a fronteira entre as figuras da exceção e da autoridade do caso julgado, nestes termos: «Força e autoridade de caso julgado e exceção de caso julgado: a 1ª é uma qualidade ou valor jurídico especial que que compete às decisões judiciais a que diz respeito; a 2ª constitui um meio de defesa do Réu, baseado na força e autoridade do caso jugado (material) que compete a uma precedente decisão judicial, força que pode manifestar-se e ser invocada por outra forma (como fundamento da ação, etc.).»[8].
Mais adiante, afirma o mesmo Autor: «O que a lei quer significar [nos arts. 580º e 581º do CPC/2013, correspondentes aos arts. 497º e 498º do CPC/61] é que uma sentença pode servir como fundamento de exceção de caso julgado quando o objeto da nova ação, coincidindo no todo ou em parte com o da anterior, já está total ou parcialmente definido pela mesma sentença; quando o Autor pretenda valer-se na nova ação do mesmo direito (...) que já lhe foi negado por sentença emitida noutro processo – identificado esse direito não só através do seu conteúdo e objeto, mas também através da sua causa ou fonte (facto ou título constitutivo). Esta interpretação permite chegar a resultados positivos bastante parecidos com aqueles a que tende uma certa teoria jurisprudencial, distinguindo entre a exceção do caso julgado e a simples invocação pelo Réu da autoridade do caso julgado que corresponde a uma sentença anterior, e julgando dispensáveis, quanto a esta 2.ª figura, as três identidades do artigo 498º.»[9].
Posteriormente, a distinção entre os conceitos de «caso julgado» e «autoridade de caso julgado» veio a ser objeto de aprofundado estudo por parte de Teixeira de Sousa[10], cujas conclusões se sintetizam com a transcrição de dois pequenos trechos desse trabalho: «(…) A exceção de caso julgado visa evitar que o órgão jurisdicional, duplicando as decisões sobre idêntico objeto processual, contrarie na decisão posterior o sentido da decisão anterior ou repita na decisão posterior o conteúdo da decisão anterior: a exceção de caso julgado garante não apenas a impossibilidade de o tribunal decidir sobre o mesmo objeto duas vezes de maneira diferente (Zweierlei), mas também a inviabilidade de o tribunal decidir sobre o mesmo objeto duas vezes de maneira idêntica (Zweimal). (…) Quando vigora como autoridade de caso julgado, o caso julgado material manifesta-se no seu aspeto positivo de proibição de contradição da decisão transitada: a autoridade de caso julgado é o comando de ação ou a proibição de omissão respeitante à vinculação subjetiva à repetição no processo subsequente do conteúdo da decisão anterior e à não contradição da decisão antecedente. (…)».
A distinção doutrinária entre os conceitos de «caso julgado» e «autoridade de caso julgado» veio a merecer amplo acolhimento jurisprudencial, desde logo pelo Supremo Tribunal de Justiça.
Em suma, a fronteira entre as duas figuras define-se pelos seguintes fatores:
a) com a «excepção do caso julgado» visa-se evitar o efeito negativo da inadmissibilidade da segunda ação, constituindo-se o caso julgado em obstáculo a nova decisão de mérito, ao passo que a figura da «autoridade do caso julgado» tem antes o efeito positivo de impor a primeira decisão, como pressuposto indiscutível da segunda - o objeto da primeira decisão constitui questão prejudicial na segunda ação, como pressuposto necessário da decisão de mérito que nesta há-de ser proferida;
b) com a «exceção do caso julgado» visa-se evitar que o órgão jurisdicional duplicando as decisões sobre idêntico objeto processual, contrarie na decisão posterior o sentido da decisão anterior ou repita na decisão posterior o conteúdo da decisão anterior, ao passo que na «autoridade do caso julgado», o caso julgado material manifesta-se no seu aspeto positivo de proibição de contradição da decisão transitada[11].
Como consta da citação transcrita supra de Manuel de Andrade, a teoria que faz a distinção entre a exceção do caso julgado e a autoridade do caso julgado, considera «(...) dispensáveis, quanto a esta segunda figura, as três identidades do artigo 498º[12] (...)».
A este propósito afirma Francisco Ferreira de Almeida que «(…) a invocação da autoridade de caso julgado destina-se precisamente a cobrir situações relativamente às quais a exceção (dilatória) não opera. (…). A exceção de caso julgado encerra a sua vertente negativa, em ordem a evitar-se a repetição de ações. A autoridade de caso julgado traduz a vertente positiva, no sentido de imposição externa da decisão tomada. A exceção de caso julgado pressupõe a identidade de sujeitos, de pedido e de causa de pedir. A autoridade de caso julgado dispensa-os»[13].
Esta tese tem tido acolhimento na jurisprudência, como se ilustra com o Ac. do S.T.J. de 13.12.2007[14], onde lapidarmente se decidiu: «A autoridade de caso julgado da sentença transitada e a exceção de caso julgado constituem efeitos distintos da mesma realidade jurídica, pois enquanto que a exceção de caso julgado tem em vista obstar à repetição de causas e implica a tríplice identidade a que se refere o artº 498º do CPC (de sujeitos, pedido e causa de pedir), a autoridade de caso julgado de sentença transitada pode atuar independentemente de tais requisitos, implicando, contudo, a proibição de novamente apreciar certa questão.»
No mesmo sentido, veja-se o acórdão do STJ de 3.12.2009[15], onde se decidiu: «São realidades jurídicas distintas a exceção dilatória do caso julgado, que pressupõe a repetição de uma causa com identidade de sujeitos, de pedido e de causa de pedir (art. 498º do CPC) e a chamada exceção inominada da preclusão da dedução da defesa, que não exige tal identidade». No mesmo sentido, vejam-se, além do referido Ac. de 29.05.2014, os Acs. do S.T.J. de 6.03.2008[16] e da R.G. de 12.07.2011[17].
No Ac. do S.T.J. de 07.03.2017, Proc. n.º 2772/10.5TBGMR-Q.G1.S1 (Pinto de Almeida), decidiu-se o seguinte:
«A excepção implica sempre a identidade de sujeitos, de pedido e de causa de pedir (cfr. art. 581º, nºs 1 a 4, do CPC). A autoridade do caso julgado não: exigir essa tríplice identidade equivaleria, como já se afirmou, a "matar" esta figura; "a autoridade existe onde a excepção não chega, exactamente nos casos em que não há identidade objectiva"[18].
Afirma Teixeira de Sousa que "o caso julgado material pode valer em processo posterior como autoridade de caso julgado, quando o objecto da acção subsequente é dependente do objecto da acção anterior, ou como excepção de caso julgado, quando o objecto da acção posterior é idêntico ao objecto da acção antecedente.
Quando vigora como autoridade de caso julgado, o caso julgado manifesta-se no seu aspecto positivo de proibição de contradição da decisão transitada; a autoridade de caso julgado é o comando de acção ou a proibição de omissão respeitante à vinculação subjectiva à repetição no processo subsequente do conteúdo da decisão anterior e à não contradição no processo posterior do conteúdo da decisão antecedente ("proibição de contradição/permissão de repetição") (…); a excepção de caso julgado é a proibição de acção ou comando de omissão atinente ao impedimento subjectivo à repetição no processo subsequente do conteúdo da decisão anterior e à contradição no processo posterior do conteúdo da decisão antecedente" ("proibição de contradição/proibição de repetição")[19].
Esta distinção tem justamente por pressuposto que, na autoridade de caso julgado, existe uma diversidade entre os objectos dos dois processos e na excepção uma identidade entre esses objectos. Naquele caso, o objecto processual decidido na primeira acção surge como condição para apreciação do objecto processual da segunda acção; neste caso, o objecto processual da primeira acção é repetido na segunda.
Na excepção, a repetição deve ser impedida, uma vez que só iria reproduzir inutilmente a decisão anterior ou decidir diversamente, contradizendo-a.
Na autoridade, há uma conexão ou dependência entre o objecto da segunda acção e o objecto definido na primeira acção, sem que aquele se esgote neste. Aqui, impõe-se que essas questões comuns não sejam decididas de forma diferente, devendo a decisão da segunda acção acatar o que foi decidido na primeira, como pressuposto indiscutível.
Todavia, a autoridade de caso julgado, prescindindo embora da referida identidade objectiva, exige, como parece evidente, a identidade das partes adjectivas; nem poderia ser de outro modo, em atenção ao princípio do contraditório (art. 3º do CPC), não sendo admissível que uma pessoa possa ser juridicamente afectada por uma decisão sem ser ouvida previamente no processo em que a mesma é proferida.
Na vertente da autoridade de caso julgado, como refere Mariana França Gouveia, "a decisão ou as decisões tomadas na primeira acção vinculam os tribunais em acções posteriores entre as mesmas partes relativas a pedidos e/ou causas de pedir diversos"[20]».
(...)
A verificação da excepção de caso julgado é mais exigente em termos de pressupostos, dependendo da tríplice identidade prevista no art. 581º do CPC.
A autoridade do caso julgado apenas pressupõe a identidade subjectiva nas duas acções; os pedidos e as causas de pedir podem ser diferentes.
Como se prevê no art. 5º, nº 3, do CPC, o juiz não está sujeito às alegações das partes no tocante à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito, podendo proceder a diferente subsunção ou qualificação jurídica de determinada questão.
É certo que deve observar o contraditório, nos termos previstos no art. 3º, nº 3, do CPC, ouvindo (sendo caso disso) complementarmente as partes para o efeito.
Porém, nem sempre será necessária e exigível essa audição complementar: esta apenas se impõe quando aquele diferente tratamento jurídico seja efectuado em termos inesperados e inovatórios e quando "não fosse exigível que a parte interessada o houvesse perspectivado durante o processo, tomando oportunamente posição sobre ele"[21].
(...) a autoridade do caso julgado é, como se disse, menos exigente em termos de pressupostos. Nesta medida, representa como que um menos em relação à excepção, podendo verificar-se quando falhe a identidade objectiva de que esta depende.
Por outro lado, está essencialmente em causa a força vinculante da decisão anterior transitada em julgado, que se impõe em termos absolutos, impedindo a repetição (excepção), ou em termos relativos, impedindo apenas a contradição (autoridade).
Assim, invocada a excepção de caso julgado, o tribunal não estava impedido de, sendo caso disso, decidir pela verificação da autoridade do caso julgado, figura que entronca na mesma razão de ser da que foi invocada e que não pode considerar-se estranha em relação a esta, representando uma solução perfeitamente plausível (ante a possibilidade de não se demonstrarem todos os requisitos da excepção) e que, por isso, não pode ter-se por inesperada para as autoras».
Por conseguinte, mesmo em caso de invocação e decisão de verificação da exceção dilatória de caso julgado, não estaria este tribunal ad quem impedido de, sendo disso o caso, decidir pela verificação da autoridade do caso julgado, enquanto exceção perentória, e concluir pela absolvição dos réus do pedido.
O que o senhor juiz a quo não podia ter feito era, com fundamento na autoridade do caso julgado, absolver os réus da instância; a jugar verificada tal exceção, que é perentória, impunha-se que os absolvesse do pedido.
Conforme se afirma no Ac. do S.T.J. de 28.03.2019, Proc. n.º 6659/08.3TBCSC.L1.S1 (Tomé Gomes), «verificada a autoridade do caso julgado de uma decisão de mérito que seja incompatível com o objeto a decidir posteriormente noutra ação, o seu alcance não pode deixar de se repercutir no próprio mérito desta, importando, nessa medida, a sua improcedência com a consequente absolvição do réu do pedido.
Diferentemente sucede no domínio da exceção dilatória de caso julgado como tal incluída no artigo 577.º, alínea f), do CPC, cuja procedência determina a absolvição do réu da instância nos termos dos artigos 278.º, n.º 1, alínea e), e 576.º, n.º 2, do mesmo Código».
Ou seja, caso se verificasse a autoridade do caso julgado decorrente da decisão proferida no âmbito do Proc. n.º ____, que correu termos no Tribunal Judicial da Comarca ____, inscrevendo-se o efeito daí decorrente no plano do mérito da ação, isso implicaria necessariamente um juízo de improcedência da presente ação, com a consequente absolvição dos réus dos pedidos aqui formulados e não uma mera absolvição da instância, conforme o decretado pelo tribunal de 1.ª instância, como sucederia em caso de exceção dilatória do caso julgado.
Caso assim fosse, isto é, se estivéssemos efetivamente perante uma situação de autoridade de caso julgado, por se tratar de um erro de qualificação jurídica, poderia este tribunal de recurso supri-lo, e como tal, em vez de absolver os réus da instância, como fez o tribunal a quo, absolvê-los do pedido, como aquele tribunal deveria ter feito, se na realidade se verificasse a dita situação de autoridade do caso julgado[22].
Só que não se verifica a dita situação de autoridade do caso julgado e, muito menos, como é evidente, a exceção dilatória de caso julgado.
Conforme esclarece Mariana França Gouveia, «(...) para o caso julgado, na sua vertente de excepção, a causa de pedir é definida através do conjunto de todos os factos constitutivos de todas as normas em concurso aparente que possam ser aplicadas ao conjunto dos factos reconhecidos como provados na sentença transitada. Uma acção posterior será barrada pela excepção do caso julgado quando os mesmos factos reconhecidos como provados são os únicos alegados, mesmo que a norma invocada seja diferente.
Estes factos principais enquadram apenas os que servem de fundamentação ao pedido, o que tem como consequência que, propondo o réu acção de sentido contrário, basta a identidade dos factos constitutivos do direito do autor que o réu alega (para logo de seguida invocar a excepção) para que haja identidade de causa de pedir.
Na sua vertente de autoridade, a causa de pedir define-se exactamente da mesma forma, ou seja, enquadra todos os factos constitutivos de todas as normas em concurso aparente, que possam ser aplicadas ao conjunto de factos reconhecidos como provados na sentença transitada. O que significa que as decisões sobre estes factos constitutivos terão autoridade de caso julgado em acções posteriores com objectos diferentes».
Perante isto, entendemos que a autoridade do caso julgado produzido pela sentença proferida no Proc. n.º ____, que correu termos no Tribunal Judicial da Comarca ____, não é extensível à presente ação; ou seja, a autoridade do caso julgado da decisão de mérito proferida naquele processo não é incompatível com o objeto a decidir na presente ação, o seu alcance não se repercute no mérito desta ação.
No Proc. n.º ____, que correu termos no Tribunal Judicial da Comarca ____, os autores, que embora não coincidindo fisicamente, não podem deixar de ser considerados os mesmos do ponto de vista da sua qualidade jurídica, formularam os seguintes pedidos:
«Nestes termos e nos melhores de direito (...) deve a presente ação ser julgada procedente, por provada e consequentemente:
I - Com as legais consequências, inclusive pela demolição de obra edificada e que a obstrói, condenados os RR. a reconhecer a existência de direito de passagem dos AA sobre uma faixa de terreno com cerca de 4 metros de largura, existente a poente do prédio destes, com entrada na rua do Sertão, no cardeal sul, e com termo nas barrocas do mar, no cardeal norte e em toda a extensão do prédio, por o haverem adquirido por usucapião, repondo-a e entregando-a aos AA;
II - Condenados os RR a reconhecer, com as legais consequências, constituída a favor dos AA. servidão de estilicídio, na parte em que a construção do prédio destes escoa para a faixa de passagem reivindicada em I e independentemente do pedido aí formulado, e por haverem adquirido aquela por usucapião.
III - Condenados os RR. a reconhecer que o seu prédio se encontra onerado com servidão de vistas em benefício do prédio dos AA, em toda a extensão poente do prédio destes, em virtude de a haverem adquirido por usucapião e em função da existência de terraço/balcão que deita directamente sobre o prédio dos RR, ali edificado em 1987 e usado e fruído diariamente sem oposição de quem quer que seja e da erecção de muro de mais de três metros de altura a menos de 1,5 m da propriedade dos AA.
IV - Condenar os RR a demolirem a obra que obstaculiza o direito de passagem dos AA e as servidões de que o prédio destes beneficia e acessoriamente em indemnização e compensação pelos danos decorrentes à reposição da passagem, e de servidões de vista, reposição de ramais de água e electricidade, reposição e instalação de equipamentos e de privação de uso, em montante determinável, mas não determinado reservando-se o seu apuramento e liquidação (por ora impossível) para execução de sentença.»
Na presente ação pedem o seguinte:
«Termos em que, nos melhores de Direito, deve a acção ser julgada procedente por provada e os RR. condenados a:
a) reconhecer o direito de propriedade dos AA. sobre o prédio urbano constituído por uma casa de moradia, destinada a habitação, sito ____;
b) reconhecer que exerceram o seu direito propriedade relativamente ao terreno destinado a construção sito ____, de modo excessivo, abusivo e prejudicando aqueles;
c) demolir o muro que divide o imóvel de sua propriedade do imóvel propriedade dos AA. (melhor descrito em a) do pedido), de modo a que este não ultrapasse a altura de dois metros, num prazo de um mês após o trânsito em julgado da sentença;
d) reparar e eliminar os defeitos que o imóvel propriedade dos AA. apresenta no seu interior, num prazo de ura mês após o trânsito em julgado da sentença;
e) a pagar ao primeiro A. a quantia de € 7.500,00 a título de indemnização pelos não patrimoniais que sofreu e que sofre».
Fundamentam os pedidos formulados no Proc. n.º ____, alegando, na parte que para aqui e agora interessa, que:
- são donos do prédio que também identificam na petição inicial com que foi introduzida em juízo a presente ação;
- os réus são donos da faixa de terreno que igualmente identificam na petição inicial com que foi introduzida em juízo a presentes ação;
- em benefício e proveito próprios e do seu prédio, os autores desde sempre utilizaram a faixa do terreno dos réus, convencidos embora que, com tal uso e mesmo fruição e utilização e posse não ofendiam direito alheio algum e antes que o faziam á luz de direito próprio e necessário;
- na delimitação poente do prédio dos autores e já na zona do quintal da sua moradia, mesmo antes desta modificarem e ampliarem, o que iniciaram em 1987, sempre existiu um portão, de acesso da e para a referida faixa de terreno e que os réus utilizavam para aceder àquela e a dependência de arrumos que possuíam;
- nos anos de 1987 e seguintes, na extrema norte do seu prédio, bem nas traseiras, os autores edificaram uma dependência, também destinada a habitação;
- para acederem a essa dependência os autores continuaram passar pela faixa de terreno dos réus, sobre a qual se constituiu a seu favor, por usucapião, uma servidão da passagem;
- em 2010, os réus edificaram no seu prédio uma residência que obstruiu definitivamente a passagem ali existente;
- fizeram-no de encosto à delimitação poente do prédio dos autores;
- tendo escavado a passagem para execução de alicerces, removido as redes de água e elétrica de alimentação da dependência habitacional a norte do prédio dos autores;
- e, sem que escorassem devidamente o alçado poente da construção dos autores fizeram ruir o piso da entrada e o muro divisório de balaustres;
- erigiram um muro divisório entre as propriedades de mais de três metros de altura, obstruindo definitivamente a mais que constituída servidão de vistas de que beneficiava o prédio dos autores sobre o prédio contíguo, sendo que também por isso, os réus estavam impedidos de edificar a menos de 1,5 m de distância;
- causando com isso dano irreparável à propriedade dos autores, devendo por isso ser condenados a reconhecer as servidões de passagem e de vistas constituídas por usucapião e aqui reclamadas, e a, na sequência da obrigação de restituição, demolirem a obra edificada na fachada de terreno de passagem dos autores e acessoriamente condenados a indemnizá-los e compensá-los na quantia necessária à reposição de tal passagem, na reposição instalação de redes de águas e elétrica, montagem de equipamentos e bem assim pela privação de uso;
- em contrapartida à intervenção e utilização que a Junta de Freguesia fez do prédio dos réus, esta propôs-se murar-lhe (por uma segunda vez) todo o prédio dos réus, com muro em pedra solta, com cerca de 2 metros de altura, sob a direção destes, impedindo que os autores, tenham, desde 2010, acesso, que era único à dependência habitacional sita nas traseiras do seu prédio, o que sucedia mesmo aquando os réus construíam.
Nesse processo foi proferida sentença de cuja parte dispositiva consta o seguinte:
«a) Julgo a presente ação improcedente, e, consequentemente, absolvo os Réus dos pedidos formulados pelos Autores;
b) Julgo a reconvenção procedente e, em consequência, condeno os Autores a facultarem aos Réus o acesso à sua propriedade para que possam rebocar a parede, bem como a pagar-lhes o montante necessário para a reparação dos danos sofridos, a apurar em sede de execução de sentença;
c) Condeno os Autores como litigantes de má-fé na multa de 10 UC e em indemnização a fixar a favor dos Réus».
A factualidade que a referida sentença considerou provada, e não provada, é aquela que acima se deixou elencada.
Em sede de fundamentação de direito consta da mesma sentença:
«A lei define a servidão predial como o encargo imposto num prédio, o chamado prédio serviente, em proveito exclusivo de outro pertencente a dono diferente, designado prédio dominante (artigo 1543° do Código Civil).
Trata-se de uma definição que atenta, essencialmente, no lado passivo da servidão, na sua relação face ao prédio serviente. Ora, tomando em consideração o seu lado ativo, a servidão deverá ser definida como um direito sobre coisa alheia, como a atribuição ao titular de um prédio, dito dominante, de utilidades provenientes de outro prédio, dito serviente (Menezes Leitão, Direitos Reais, Almedina, Lisboa, 2009, pág. 394).
A servidão é, assim, um encargo, um direito real limitado, um jus in re aliena, uma restrição ao direito de propriedade do prédio onerado ou serviente.
Nas palavras de Carvalho Fernandes, o direito de servidão predial é um direito real de gozo sobre coisa alheia, mediante o qual o proprietário de um prédio tem a faculdade de se aproveitar de utilidades de prédio alheio em beneficio do aproveitamento das do primeiro (Lições de Direitos Reais, 6ª Ed., Quid Iuris, Lisboa, 2009, pág. 457).
Podem, assim, ser objeto da servidão quaisquer utilidades, ainda que futuras ou eventuais, suscetíveis de ser gozadas por intermédio do prédio dominante, mesmo que lhe não aumentem o valor, designadamente a de passagem (artigo 1544° do Código Civil).
Mostra-se então essencial à constituição de uma servidão que dela resulte alguma vantagem para o prédio dominante, ou seja, um proveito efetivo por via de um prédio serviente, incluindo o dc proporcionar ao primeiro maior comodidade.
Uma primeira distinção é necessário fazer entre servidões voluntárias ou por facto do homem e servidões legais.
As voluntárias constituem-se por contrato, testamento, usucapião ou destinação do pai de família (artigo 1547°, n° 1 do Código Civil).
As legais podem constituir-se, voluntariamente, pelos mesmos meios, mas têm de característico poderem ser constituídas, também, na falta de constituição voluntária, por sentença judicial ou, se caso disso, por decisão administrativa (artigo 1547°, n° 2 do Código Civil).
Vejamos então, sumariamente, a forma de constituição da servidão (usucapião) invocada pelos Autores.
A verificação da usucapião depende de dois elementos: a posse e o decurso de certo período de tempo, variável de acordo com a natureza móvel ou imóvel da coisa (artigo 1287° do Código Civil).
A posse tal como é definida pelo artigo 1251° do Código Civil é o poder que se manifesta quando alguém atua por forma correspondente ao exercício do direito de propriedade ou de outro direito real. De acordo com este conceito, a posse exige dois elementos: o corpus, que consiste na relação material com a coisa, e o animus, que corresponde ao elemento psicológico, à intenção do agente atuar como se fosse o titular do direito real, posse que, para efeitos de usucapião tem de ser sempre pública e pacífica - artigo 1297° do Código Civil - (Antunes Varela c Pires de Lima, Código Civil Anotado, volume III, 2,” edição, Coimbra Editora, 1987, página 5), Somos assim forçados a concluir que para haver posse, e não mera detenção, não basta o simples poder de facto sobre a coisa, é preciso que haja por parte do detentor algo mais, ou seja, a intenção de agir como titular de um direito real sobre a coisa.
Assim, e porque se exige a presença simultânea desses dois elementos, para que a sequência da prática reiterada e contínua de atos materiais de posse, leve à aquisição da propriedade por via da usucapião, é que, existindo unicamente o corpus, a situação configura apenas uma mera detenção (precária), insuscetível de conduzir ao direito real de gozo que se reclama (artigo 1253° do Código Civil).
Porém, atenta a dificuldade de demonstrar o animas, estabeleceu presunção juris tantum do mesmo a favor de quem detém ou exerce os poderes de facto sobre a coisa, ou seja, presume-se que quem tem o corpus tem também o animus (artigo 1252°, n° 2 do Código Civil e assento, hoje com valor de acórdão uniformizador de jurisprudência, do Supremo Tribunal de Justiça de 14/5/96, Diário da República, 11 Série, de 24/6/96).
Podem assim, adquirir por usucapião, se a presunção de posse não for elidida, os que exercem o poder de facto sobre uma coisa.
Aplicando tal presunção ao caso concreto, e muito embora o requerente alegue que utiliza o caminho que atravessa o prédio dos requeridos para aceder ao seu prédio há mais de 40 anos, à vista de toda a gente, sem oposição de ninguém, não fez prova de tais factos. Pelo contrário, provou-se que o Réu utilizou essa passagem durante cerca de 8/9 anos antes de os Réus começarem a construir a sua casa (em 2010) e que a Ré e os seus familiares sempre se opuseram a que o Autor se fosse apropriando do seu terreno, como foi fazendo ao longo dos anos.
Não obstante, e mesmo que assim não se entendesse, para que se concluísse pela existência de posse, necessário seria que se tivesse demonstrado que, ao aluarem do modo descrito, o fizeram, de forma a exercerem um poder sobre a coisa no seu próprio interesse e nome, na convicção de serem seus titulares do direito real correspondente a esse exercício, daqui se retirando a existência de animus.
Ora, foi notório que o Autor sempre soube que o prédio de que se apropriou não era seu, pelo que não pode, consequentemente, concluir-se pela existência de posse.
Uma última nota quanto à alegada servidão para se chamar a atenção que o prédio dos Autores nem sequer está encravado, conforme definido no artigo 1550° do Código Civil. A utilização de tal caminho não era apenas dos Autores, mas da população em geral, que o utilizava como atalho para chegar ao mar, motivo pelo qual a Junta de Freguesia, após ter efetuado as obras de melhoramento da Rua do Sertão, fechou tal caminho, continuando o público a ter acesso ao mar pelo caminho a norte. O Réu é que se viu privado do atalho que utilizava para aceder às traseiras do seu terreno, o qual, contudo, continua plenamente acessível pela entrada principal do seu prédio, conforme o Tribunal pôde observar no local.
Julga-se, assim, a presente ação improcedente, sendo que o aqui se deixou escrito aplica-se, na íntegra, ao pedido de constituição de servidão de vistas e de estilicídio.
Efetivamente, dispõe o artigo 1362º, n.º 1 do Código Civil que a existência de janelas, portas, varandas, terraços, eirados ou obras semelhantes, em contravenção do disposto na lei, pode importar, nos termos gerais, a constituição da servidão de vistas por usucapião, acrescentando o n.º 2 que constituída a servidão de vistas, por usucapião ou outro título, ao proprietário vizinho só é permitido levantar edijicio ou outra construção no seu prédio desde que deixe entre o novo edifício ou construção e as obras mencionadas no n.º 1 o espaço mínimo de metro e meio, correspondente à extensão destas obras.
Ora, para além de não ter sido produzida qualquer prova sobre a constituição de tal servidão, nada foi alegado quanto à cota de construção do prédio dos Réus (sendo certo que que o Tribunal observou, no local, que o prédio dos Autores frui do ar e da luz no interior do seu prédio, através de diversas janelas, terraços e um amplo quintal, tendo ainda vista para dentro do terreno dos Réus).
Por fim, a servidão de estilicídio tem como pressuposto necessário o gotejar, o escoamento de água provindo da cobertura do prédio dominante, sendo que, não se provando esse cair de água, não se pode ter por verificada tal servidão (artigo 1365° do Código Civil).
De qualquer modo, mesmo que se verificasse essa servidão, os Autores não podiam, só por isso, pedir a demolição da obra edificada pelos Réus, pois a existência de uma servidão de estilicídio e a sua violação, só conferem ao dono do edifício dominante o direito de exigir do dono do prédio serviente o cumprimento do artigo 1365°, n°2 do Código Civil, ou seja, a realização das obras necessárias pata que o escoamento se faça sobre o seu prédio (o que não foi peticionado).
*
Contudo, e mesmo que assim não se entendesse, e se concluísse pela usucapião, os pedidos dos Autores sempre seriam improcedentes por manifesto abuso de direito (de conhecimento oficioso - cir. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, datado dc 01.07.2004, no processo n.° 04B4671, disponível em www.dgsi.pt) nos termos do artigo 334.º do Código Civil (é ilegítimo o exercício de um direito, quando o titular exceda manifestamente os limites impostos pela boa fé, pelos bons costumes ou pelo fim social ou económico desse direito), na vertente do venire contra factum proprium, ou seja, o exercício do direito por alguém em contradição com uma sua conduta anterior em que fundadamente a outra parte tenha confiado (Vaz Serra, R.L.J., Ano 131.°, pág. 291).
A tutela da confiança, ínsita no princípio geral da boa-fé, deve estar presente na vida em sociedade, nomeadamente no momento da celebração de qualquer negócio jurídico. E é essa tutela da confiança que justifica a reprovação do venire contra factum proprium, isto é, a proibição do exercício de um direito que envolva a actuação de uma conduta contraditória com uma que, anteriormente, se adoptou e que, objectivamente analisada, se revela manifesta, moral ou eticamente reprovável ou chocante para a consciência e sentido de Justiça dominantes na sociedade, por claramente violadora dos deveres de lealdade, honestidade e de correcção decorrentes do princípio da boa-fé.
Como elucida sumariamente Menezes Cordeiro o venire contra factum proprium postula dois comportamentos da mesma pessoa, lícitos em si e diferidos no tempo. O primeiro - o factum proprium - é, porém, contrariado pelo segundo (Da Boa Fé no Direito Civil, Coleccção Teses. Almedina, pág. 745).
O abuso de direito na vertente do venire contra factum proprium impõe a fidelidade ao comportamento anterior, a conformação do comportamento actual ao sentido ou direcção do comportamento anterior, em nome da lisura de processos e da lealdade nas relações jurídicas, proscrevendo o comportamento sinuoso ou contraditório, consubstanciado numa regra de conduta no exercício de direitos que visa garantir a segurança nas relações jurídicas (Baptista Machado, Tutela de confiança e venire contra factum, in Obra Dispersa, Volume I, pág. 415).
Repare-se que em 2010 os Autores instauraram procedimento cautelar de embargo de obra nova contra os Réus, por forma a impedirem a construção da habitação que estava a ser edificada sobre a faixa de terreno sobre a qual alegavam ter direito de passagem.
Contudo, tendo a mesma sido julgada improcedente, não instauraram a ação principal, lendo esperado que a habitação dos Réus estivesse finalmente edificada, sendo que só agora, seis anos depois, vêm pedir que se reconheça que se constituiu uma servidão a seu favor, por usucapião, com a consequente demolição da habitação dos Réus.
Ora, o comportamento dos Autores durante o longo período temporal que mediou entre o procedimento cautelar e a instauração da presente ação constitui circunstância idónea a reforçar a convicção séria de que não seria colocado qualquer outro obstáculo à obra em causa, nomeadamente, a demolição da habitação que agora peticionam. (...)».
O tribunal a quo fundamente a assim a decisão de considerar verificada, in casu, a incorretamente denominada «excepção dilatória de autoridade do caso julgado»:
«Desde logo se veja que, sendo certo que a primeira ação foi intentada pelo Autor e pela falecida esposa, contra os mesmos Réus, a presente ação foi intentada pelo Autor e pelos herdeiros da falecida esposa do Autor, pelo que, não se verificando, desde logo, exata identidade de sujeitos, tal circunstância ocorre por via do falecimento de uma das partes na primeira acção, havendo, na verdade, identidade de sujeitos processuais.
Quanto ao pedido, tentaram os Autores escapar à excepção de caso julgado, dizendo que nesta acção pretendem apenas a condenação dos Réus em demolirem o muro confinante com o dos Autores de modo a que este não ultrapasse a altura de dois metros. Contudo, de uma maneira ou de outra, quer na primeira quer na segunda acções, o que peticionam, bem vistas as coisas, os Autores, é sempre e unicamente a mesma realidade, a demolição do muro, a demolição de obra. Peticionam ainda os Autores a reparação dos defeitos que a construção do muro pelos Réus provocou no seu imóvel e ainda o pagamento de uma indemnização por danos não patrimoniais. E na primeira acção também peticionavam uma indemnização pelos danos decorrentes à servidão de vistas, reposição de ramais, electricidade, reposição e instalação de equipamentos e privação de uso, que também lhes foi negada. Tudo conjugado, a verdadeira intenção dos Autores é ver a sua pretensão novamente julgada, o que não se permite, nem se concede, na medida em que, nenhum facto acrescentam os Autores, à sua Petição Inicial na presente ação e, relativamente à Petição Inicial apresentada na primeira acção.
Por sua vez, finalmente, no que respeita à causa de pedir, dúvidas não restam de que a causa de pedir é exatamente a mesma, a demolição em 2010, de um muro divisório de balaustres e a edificação, no mesmo ano, de um muro divisório entre as propriedades.
Ora, neste sentido, e perante toda a factualidade acima reproduzida, a verdade é que, observando ambas as ações, impõe-se concluir que, no caso, o que se pretende obstar é a que a concreta questão que já foi julgada anteriormente, venha a ser novamente decidida, porquanto nada mais os Autores pretendem, que não o julgamento da mesma, ab initio – como resulta claro da leitura dos articulados.
De facto, não aditam os Autores qualquer facto diverso ou documento que divirja, igualmente dos anteriormente apresentados, sendo a Petição Inicial ora apresentada em juízo, tirando parcas nuances, em tudo idêntica à Petição Inicial apresentada na ação anterior, como é fácil de ver pelo confronto de ambas – e que este tribunal teve o cuidado de confrontar e verificar».
Apesar de afirmar que vai «aferir se se verifica a existência da excepção dilatória de autoridade do caso julgado», o senhor juiz a quo desenvolve, afinal de contas, toda a descrita argumentação à volta do efeito negativo do caso julgado, ou seja, da sua vertente de exceção dilatória, e não do seu efeito positivo, ou seja, da sua vertente de autoridade.
Só assim se compreende a sua preocupação com a tríplice identidade quanto aos sujeitos, ao pedido e à causa de pedir.
Pedido e causa de pedir que, como facilmente se atesta pelo confronto das respetivas petições iniciais, são diferentes em ambas as ações.
Conforme já referido, se essa tríplice identidade é condição sine qua non para a verificação do caso julgado na sua vertente de exceção dilatória (efeito negativo), ela já não é necessária para a ocorrência da exceção perentória consistente na autoridade do caso julgado (efeito positivo), que apenas exige a identidade de sujeitos na perspetiva da sua qualidade jurídica.
Não ocorrendo, como resulta à evidência, a exceção dilatória de caso julgado, também não ocorre, tal como já afirmado, a exceção perentória de autoridade do caso julgado.
Para se concluir que a autoridade do caso julgado produzido pela sentença proferida no Proc. n.º ____ não se estendeu à presente ação, importa ter presentes o âmbito objeto ou os limites objetivos do caso julgado.
Dispõe o n.º 1 do art. 621.º que «a sentença constitui caso julgado nos precisos limites e termos em que julga (...)».
Para Manuel de Andrade «o caso julgado só se destina a evitar uma contradição prática de decisões, e não já a sua colisão teórica ou lógica. Pouco lhe interessa que possam ser resolvidos diversamente pelos tribunais questões cujos elementos de direito, ou mesmo de facto, sejam idênticos. São outros os institutos processuais (...) que, até certo ponto, curam de prevenir ou remediar esse inconveniente. O caso julgado, por sua parte, só pretende obstar a decisões concretamente incompatíveis (que não possam executar-se ambas sem detrimento de alguma delas; a que em novo processo o juiz possa validamente estatuir de modo diverso sobre o direito, situação ou posição jurídica concreta definida por uma anterior decisão, e portanto desconhecer no todo ou em parte os bens por ela reconhecidos ou tutelados.»[23].
E acrescentava logo a seguir, reportando-se à decisão e à motivação da sentença: «Consoante o exposto, o caso julgado só se forma em princípio sobre a decisão contida na sentença. O que adquire a força e autoridade de caso julgado é a posição tomada pelo juiz quanto aos bens ou direitos (materiais) litigados pelas partes e à concessão ou denegação da tutela jurisdicional para esses bens ou direito. Não a motivação da sentença: as razões que determinaram o juiz; as soluções por ele dadas aos vários problemas que teve de resolver para chegar àquela conclusão final (pontos ou questões prejudiciais»[24].
No entanto, Castro Mendes opinava no sentido de que «os fundamentos são elemento válido na interpretação e integração da parte decisória da sentença, disso não cabem dúvidas (aliás, a decisão igualmente se pode apontar como elemento de interpretação dos fundamentos e o próprio relatório como elemento de interpretação de uma e outros). (...).
Que a fundamentação é elemento de interpretação da parte decisória, isso é reconhecido mesmo por todos os autores que negam rigidamente qualquer extensão do caso julgado aos motivos»[25].
Ainda segundo Castro Mendes, «desligando-a por completo dos seus fundamentos, a sentença de absolvição aparece-nos apenas com o seguinte conteúdo: “o réu é absolvido do pedido formulado contra ele”. E logo questiona: «Como pode pretender atribuir-se força de caso julgado a esta frase vazia de conteúdo?».
Para em seguida responder: «Para integrar portanto a decisão, para saber em que consiste aquilo que o juiz concede ou recusa, temos de recorrer aos motivos - aí é que encontramos a identificação dos elementos da situação de direito tornada (...) ficto veritatis, rectius, indiscutível.
Por outras palavras, prossegue o Autor, citando Savigny, a autoridade do caso julgado que cabe à sentença é inseparável das relações jurídicas afirmadas ou negadas pelo juiz; porque a parte puramente prática do julgamento, o acto imposto ao réu, ou a rejeição do pedido, não é senão a consequência dessas relações jurídicas. Eis, portanto, o sentido em que atribuo aos motivos a autoridade do caso julgado.»[26].
Ou seja, para Castro Mendes, «os pressupostos da decisão transitada em julgado são indiscutíveis como pressupostos da decisão, e só nessa medida», o mesmo é dizer, «os pressupostos da decisão são cobertos pelo caso julgado enquanto pressupostos da decisão, ficando fora do caso julgado tudo o que o que esteja contido na sentença e que não seja essencial ao iter judicandi.»[27].
Teixeira de Sousa, por sua vez, afirma que «o caso julgado abrange a parte decisória do despacho, sentença ou acórdão, isto é, a conclusão extraída dos seus fundamentos, que pode ser, por exemplo, a condenação ou absolvição do réu ou o deferimento da providência solicitada.
Como toda a decisão é a conclusão de certos pressupostos (de facto e de direito), o respectivo caso julgado encontra-se sempre referenciado a certos fundamentos. Assim, reconhecer que a decisão está abrangida pelo caso julgado não significa que ela valha, com esse valor, por si mesma e independente dos respectivos fundamentos. Não é a decisão, enquanto conclusão do silogismo judiciário, que adquire o valor de caso julgado, mas o próprio silogismo considerado no seu todo: o caso julgado incide sobre a decisão como conclusão de certos fundamentos e atinge estes fundamentos enquanto pressupostos daquela decisão.
O caso julgado da decisão também possui valor enunciativo: essa eficácia de caso julgado exclui toda a situação contraditória ou incompatível com aquela que ficou definida na decisão transitada»[28].
No que tange à extensão do caso julgado aos fundamentos de facto, salienta o mesmo Autor que «em regra, o caso julgado não se estende aos fundamentos de facto da decisão. Ou melhor: estes fundamentos não adquirem valor de caso julgado quando são autonomizados da respectiva decisão judicial. Esta solução justifica o disposto no artº 96.º, n.º 2 [correspondente ao atual art.º 91.º, n.º 2, do C.P.C./13], sobre a apreciação incidental: pode inferir-se desse preceito que, se só a apreciação incidental possibilita que os fundamentos da decisão adquiram valor de caso julgado fora do processo respectivo, é porque tais fundamentos não possuem em si mesmos esse valor (…).
Portanto, pode afirmar-se que os fundamentos de facto não adquirem, quando autonomizados da decisão de que são pressupostos, valor de caso julgado (…). Esses fundamentos não valem por si mesmos, isto é, não são vinculativos quando desligados da respectiva decisão, pelo que eles valem apenas enquanto fundamentos da decisão e em conjunto com esta.
(…)
A regra acabada de enunciar comporta algumas excepções, isto é, também se verificam situações em que os fundamentos de facto, considerados em si mesmos (e, portanto, desligados da respectiva decisão), adquirem valor de caso julgado. Esses fundamentos possuem um valor próprio de caso julgado sempre que haja que respeitar e observar certas conexões entre o objecto decidido e um outro objecto (ou entre o efeito produzido e um outro efeito). Essas conexões podem ser várias: sem excluir outras possíveis, analisam-se em seguida as relações de prejudicialidade entre objectos e as relações sinalagmáticas entre prestações (…).
Importa acrescentar, no entanto, que essas relações de prejudicialidade ou sinalagmáticas só podem conduzir à extensão do caso julgado aos fundamentos da decisão quando o processo no qual ela foi proferida fornecer às partes, pelo menos, as mesmas garantias que lhe são concedidas no processo em que é invocado o valor vinculativo daqueles fundamentos.
(…)
A atribuição do valor de caso julgado com base numa relação de prejudicialidade verifica-se quando o fundamento da decisão transitada condiciona a apreciação do objecto de uma acção posterior.»[29].
Quanto aos fundamentos de direito, «a fundamentação jurídica da decisão não se inclui, em princípio, no valor de caso julgado da decisão, pelo que os juízos sobre a validade, interpretação e aplicação do direito não se integram no caso julgado. Quer dizer: mesmo quando os fundamentos de facto ficam englobados nesse caso julgado, tal sucede sem essa eficácia se estender à sua qualificação jurídica.»[30].
Em suma, e tal como se afirma no Ac. do S.T.J. de 08.11.2018, Proc. n.º 478/08.4TBASL.E.S1 (Tomé Gomes), in www.dgsi.pt, «a autoridade do caso julgado implica o acatamento de uma decisão proferida em ação anterior cujo objeto se inscreva, como pressuposto indiscutível, no objeto de uma ação posterior, ainda que não integralmente idêntico, de modo a obstar a que a relação jurídica ali definida venha a ser contemplada, de novo, de forma diversa.
Para tal efeito, embora, em regra, o caso julgado não se estenda aos fundamentos de facto e de direito, “a força do caso julgado material abrange, para além das questões diretamente decididas na parte dispositiva da sentença, as que sejam antecedente lógico necessário à emissão da parte dispositiva do julgado.
Nesta linha, a eficácia de autoridade de caso julgado pressupõe uma decisão anterior definidora de direitos ou efeitos jurídicos que se apresente como pressuposto indiscutível do efeito prático-jurídico pretendido em ação posterior no quadro da relação material controvertida aqui invocada.
Ora, os juízos probatórios positivos ou negativos que consubstanciam a chamada “decisão de facto” não revestem, em si mesmos, a natureza de decisão definidora de efeitos jurídicos, constituindo apenas fundamentos de facto da decisão jurídica em que se integram.
Nessa medida, embora tais juízos probatórios relevem como limites objetivos do caso julgado material nos termos do artigo 621.º do CPC, sobre eles não se forma qualquer efeito de caso julgado autónomo, mormente que lhes confira, enquanto factos provados ou não provados, autoridade de caso julgado no âmbito de outro processo.
De resto, os factos dados como provados ou não provados no âmbito de determinada pretensão judicial não se assumem como uma verdade material absoluta, mas apenas com o sentido e alcance que têm nesse âmbito específico. Ademais, a consistência dos juízos de facto depende das contingências dos mecanismos da prova inerentes a cada processo a que respeitam, não sendo, por isso, tais juízos transponíveis, sem mais, para o âmbito de outra ação.
Por isso mesmo é que o artigo 421.º do CPC dispõe sobre o valor extraprocessual das provas produzidas num processo no sentido de permitir, nas condições ali estabelecidas, o seu aproveitamento noutro processo.
Em suma, afigura-se que os juízos probatórios que recaem sobre os factos dados como provados ou não provados numa ação não constituem, em si mesmos, decisão de questão jurídica que possa valer com autoridade de caso julgado material como pressuposto de pretensão deduzida noutra ação.»
Retornando ao caso concreto, na primeira ação pede-se que:
«I - Com as legais consequências, inclusive pela demolição de obra edificada e que a obstrói, condenados os RR. a reconhecer a existência de direito de passagem dos AA sobre uma faixa de terreno com cerca de 4 metros de largura, existente a poente do prédio destes, com entrada na rua do Sertão, no cardeal sul, e com termo nas barrocas do mar, no cardeal norte e em toda a extensão do prédio, por o haverem adquirido por usucapião, repondo-a e entregando-a aos AA;
II - Condenados os RR a reconhecer, com as legais consequências, constituída a favor dos AA. servidão de estilicídio, na parte em que a construção do prédio destes escoa para a faixa de passagem reivindicada em I e independentemente do pedido aí formulado, e por haverem adquirido aquela por usucapião.
III - Condenados os RR. a reconhecer que o seu prédio se encontra onerado com servidão de vistas em benefício do prédio dos AA, em toda a extensão poente do prédio destes, em virtude de a haverem adquirido por usucapião e em função da existência de terraço/balcão que deita directamente sobre o prédio dos RR, ali edificado em 1987 e usado e fruído diariamente sem oposição de quem quer que seja e da erecção de muro de mais de três metros de altura a menos de 1,5 m da propriedade dos AA.
IV - Condenar os RR a demolirem a obra que obstaculiza o direito de passagem dos AA e as servidões de que o prédio destes beneficia e acessoriamente em indemnização e compensação pelos danos decorrentes à reposição da passagem, e de servidões de vista, reposição de ramais de água e electricidade, reposição e instalação de equipamentos e de privação de uso, em montante determinável, mas não determinado reservando-se o seu apuramento e liquidação ( por ora impossível) para execução de sentença.»
Invocam, para o efeito, a constituição, por usucapião, a favor do seu prédio, de servidões de passagem, de estilicídio e de vistas, adquiridas por usucapião, sobre o terreno dos réus.
É com fundamento na existência dessas servidões que os autores pediram a demolição da obra edificada pelos réus no seu terreno, impeditiva, segundo alegaram, do gozo de tais servidões.
Nessa ação foi proferida sentença que a julgou improcedente e absolveu os réus dos pedidos por se entender não se encontrar constituída a favor do prédio dos autores e a onerar, portanto, o terreno dos réus, qualquer uma daquelas servidões.
Além disso, afirma-se ainda na sentença proferida na primeira ação, mesmo que se mostrasse constituída, por usucapião, qualquer uma daquelas servidões, ainda assim os pedidos formulados pelos autores, nomeadamente o pedido de condenação dos réus a demolirem a obra edificada pelos no seu terreno, por via da verificação da figura do abuso de direito na modalidade de venire contra factum proprium.
Na presente ação pede-se que o tribunal:
a) declare o «direito de propriedade dos AA. sobre o prédio urbano constituído por uma casa de moradia, destinada a habitação, sito ____;
b) declare que os réus «exerceram o seu direito propriedade relativamente ao terreno destinado a construção sito ____., de modo excessivo, abusivo e prejudicando aqueles»;
c) condene os réus a demolirem «o muro que divide o imóvel de sua propriedade do imóvel propriedade dos AA. (melhor descrito em a) do pedido), de modo a que este não ultrapasse a altura de dois metros, num prazo de um mês após o trânsito em julgado da sentença;
d) condene os réus a repararem e eliminarem «os defeitos que o imóvel propriedade dos AA. apresenta no seu interior, num prazo de ura mês após o trânsito em julgado da sentença»;
e) condene os réus a pagarem «ao primeiro A. a quantia de € 7.500,00 a título de indemnização pelos não patrimoniais que sofreu e que sofre».
Os autores fundamentam a sua pretensão, não na existência de qualquer servidão, mas no alegado facto de os réus terem feito ruir, em 2010, o muro divisório de balaústres que separava os dois prédios e, em sua substituição, terem erigido, em alvenaria e betão, um novo muro divisório entre as duas propriedades.
Esse muro:
- tem 2,30 metros de altura, construídos em alvenaria e blocos de betão, nos primeiros 4 metros de comprimento (sentido sul/norte), a que acresce, também em altura, nessa parte, um vidro com 60 centímetros de altura, pelo que o muro tem, no total, naqueles primeiros 4 metros de comprimento, a altura total de 2,90 metros;
- tem 4,25 metros de altura, construídos em alvenaria de blocos de betão, nos seguintes 13,50 metros de comprimento (sentido sul/norte), a que acresce, também em altura, nessa parte, um vidro 60 centímetros de altura, pelo que o muro tem, no total, ao longo desses 13,50 metros de comprimento, a altura total de 4,85 metros;
- tem 1,95 metros de altura, construídos em alvenaria de blocos de betão, nos seguintes 4,50 metros de comprimento (sentido sul/norte), a que acresce, também em altura, nessa parte, um vidro 60 centímetros de altura, pelo que o muro tem, no total, ao longo desses 4,50 metros de comprimento, a altura total de 2,35 metros.
Esse muro, construído pelos réus, «diminui calor e luminosidade no prédio» dos autores, «prejudica a entrada de ar e luz no prédio», «gera correntes de ar no logradouro do prédio­ (...) e tira luz e calor à sala situada no rés-do-chão e ao quarto de cama situado no primeiro andar do prédio».
Tais factos «verificam-se em qualquer altura do dia e tornaram o prédio (...), quer no seu interior nas divisões a poente quer no exterior na parte do logradouro, um local sombrio e húmido.
Com efeito, as assoalhadas do prédio (...) junto ao logradouro, que se situam a uma distância de cerca de dois metros e meio do referido muro, são escuras e, especialmente desde o verão de 2018, passaram a ter fungos e humidade (...) porque o muro construído pelos RR. não deixa entrar o sol e secar a humidade, o que causa danos no imóvel» dos autores.
 Alegam ainda que tal «como consta da memória descritiva e justificativa de vedação da propriedade dos RR., elaborada pelo arquitecto Nuno Tavares, o muro de vedação que delimita a propriedade dos RR. seria de um metro e vinte centímetros para a Rua do Navio e a restante vedação, na confrontação das propriedades vizinhas, no que se inclui a propriedade do A. e da sua falecida mulher, de que o A. é cabeça de casal, seria feita a uma altura de dois metros (...).
Os RR., contrariando o projectado e licenciado, construíram um muro em alvenaria de blocos de betão, com as alturas [acima] referidas (...), confrontando a norte com o prédio» dos autores.
Acrescentam que «tal muro não foi construído com o intuito de vedação ou tapagem, porque tal fica assegurado com um muro de dois metros de altura.
Os RR. elevaram a altura do muro que construíram dos dois metros projectados e licenciados (...) para as medidas [acima] descritas (...) donde que a altura que excede os dois metros, em toda a extensão dos vinte e dois metros de comprimento do muro, é não licenciada.
Após o levantamento do muro, o A. foi acometido por crises de ansiedade, angústia e revolta e o A. perdeu o gosto que tinha por estar em casa e no logradouro», situação que lhe causa danos patrimoniais pelos quais pretende ser ressarcido.
A construção do muro em altura superior a 2 metros na linha que separa os dois prédios constitui o exercício abusivo do direito dos réus a vedarem o seu terreno, além de se traduzir na violação do direito constitucional dos autores à sua saúde e bem-estar, «no que se inclui o direito à insolação».
Trata-se de um conflito entre o direito de propriedade dos réus, «concretamente traduzido no direito à tapagem» e os direitos de personalidade dos autores, «valores singulares vitais da dignidade humana», devendo prevalecer estes últimos devem prevalecer os segundos, «com recurso ao instituto da colisão de direitos prevista no art.º 335.º do Código Civil.
Isto porque o levantamento do muro constitui um exercício lícito do direito de propriedade dos RR., consagrado pelo artigo 1356.º do Cód. Civil, em clara colisão com o direito à insolação e direito a receber o sol que o A. goza e esse conflito resolve-se condenando os RR. a baixarem o muro divisório, de modo a contê-lo nos limites projectados e legalizados de dois metros de altura.»
Em suma, aquilo que os autores pretendem, pelas razões expostas, é que os réus reduzam para dois metros, a altura do muro que construíram e que separa as duas propriedades.
Não é, assim, de todo, correta a afirmação proferida na decisão recorrida no sentido de que «quanto ao pedido, tentaram os Autores escapar à excepção de caso julgado, dizendo que nesta acção pretendem apenas a condenação dos Réus em demolirem o muro confinante com o dos Autores de modo a que este não ultrapasse a altura de dois metros. Contudo, de uma maneira ou de outra, quer na primeira quer na segunda acções, o que peticionam, bem vistas as coisas, os Autores, é sempre e unicamente a mesma realidade, a demolição do muro, a demolição de obra. Peticionam ainda os Autores a reparação dos defeitos que a construção do muro pelos Réus provocou no seu imóvel e ainda o pagamento de uma indemnização por danos não patrimoniais. E na primeira acção também peticionavam uma indemnização pelos danos decorrentes à servidão de vistas, reposição de ramais, electricidade, reposição e instalação de equipamentos e privação de uso, que também lhes foi negada. Tudo conjugado, a verdadeira intenção dos Autores é ver a sua pretensão novamente julgada, o que não se permite, nem se concede, na medida em que, nenhum facto acrescentam os Autores, à sua Petição Inicial na presente ação e, relativamente à Petição Inicial apresentada na primeira acção.»
Assim como também não é, de todo, correta a afirmação de que «(...) no que respeita à causa de pedir, dúvidas não restam de que a causa de pedir é exatamente a mesma, a demolição em 2010, de um muro divisório de balaustres e a edificação, no mesmo ano, de um muro divisório entre as propriedades.
Ora, neste sentido, e perante toda a factualidade acima reproduzida, a verdade é que, observando ambas as ações, impõe-se concluir que, no caso, o que se pretende obstar é a que a concreta questão que já foi julgada anteriormente, venha a ser novamente decidida, porquanto nada mais os Autores pretendem, que não o julgamento da mesma, ab initio – como resulta claro da leitura dos articulados.
De facto, não aditam os Autores qualquer facto diverso ou documento que divirja, igualmente dos anteriormente apresentados, sendo a Petição Inicial ora apresentada em juízo, tirando parcas nuances, em tudo idêntica à Petição Inicial apresentada na ação anterior, como é fácil de ver pelo confronto de ambas – e que este tribunal teve o cuidado de confrontar e verificar».
Afirma-se na sentença proferida na primeira ação, em sede de fundamentação de direito, que «(...) para além de não ter sido produzida qualquer prova sobre a constituição de tal servidão, nada foi alegado quanto à cota de construção do prédio dos Réus (sendo certo que o Tribunal observou, no local, que o prédio dos Autores frui do ar e da luz no interior do seu prédio, através de diversas janelas, terraços e um amplo quintal, tendo ainda vista para dentro do terreno dos Réus)».
Esta «simples» afirmação, proferida repete-se, em sede de fundamentação de direito, não tem a virtualidade de fazer estender a esta ação a autoridade do caso julgado produzido pela sentença proferida na primeira ação.
O objeto da decisão proferida na primeira ação não é questão prejudicial desta segunda ação.
As questões a decidir nesta ação são diferentes das que foram decididas na primeira ação; são diversos, os objetos de uma e de outra ação; não há conexão entre o objeto da presente ação e o objeto definido na primeira ação.
A decisão que eventualmente condene os réus a reduzirem para dois metros a altura do muro por eles construído na divisória entre a sua propriedade e dos autores, à luz dos fundamentos invocados na petição inicial, não é contraditória com a sentença proferida na primeira ação.
Os fundamentos em que há-de assentar a decisão a proferir nesta ação não serão os mesmos em que assentou a sentença proferida na primeira ação.
Em conclusão: não se verifica a exceção perentória (e não dilatória) de autoridade do caso julgado, pelo que não há lugar à absolvição dos réus do pedido (e não da instância), pelo que a decisão recorrida não pode subsistir, devendo, por isso, ser revogada e substituída por outra que determine o prosseguimento dos autos conforme for de direito.
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Em face do que antecede, não pode subsistir, evidentemente, a condenação dos autores a título de litigância de má-fé, por não se verificar qualquer um dos pressupostos de que o art. 542.º, n.º 1 e 2, als. a) a d) faz depender tal condenação, pelo que, também nesta parte terá a decisão recorrida de ser revogada.
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IV - DECISÃO:
Por todo o exposto, acordam os juízes que integram esta 7.ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa, na procedência da apelação, em julgar inverificada a exceção perentória consistente na autoridade do caso julgado, revogando, em consequência, a decisão proferida, incluindo a parte condenatória dos autores em multa e indemnização por litigância de má fé, e determinando que os autos prossigam seus termos.
Custas a cargo dos apelados.

Lisboa, 21 de dezembro de 2021
José Capacete
Carlos Oliveira
Diogo Ravara
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[1] Neste acórdão utilizar-se-á a grafia decorrente do Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa de 1990, respeitando-se, no entanto, em caso de transcrição, a grafia do texto original.
[2] Diploma a que pertencem todos os preceitos legais citados sem indicação da respetiva fonte.
[3] Estudos em Homenagem ao Professor Doutor João de Castro Mendes, Lex, 1995, pp. 21-22.
[4] Isto, claro está, independentemente de o pedido, constituindo um elemento fundamental para definir o objeto do processo, dever apresentar características que o tornem inteligível, idóneo e determinado, em vez de vago e abstrato.
[5] Pertencem ao CPC/2013 todos os preceitos que vierem a ser mencionados sem indicação da respetiva fonte.
[6] Cfr. Francisco Ferreira de Almeida, Direito Processual Civil, Vol. II, Almedina, 2015, pp. 626-627.
[7] Cfr. Alberto dos Reis, Revista de Legislação e de Jurisprudência, Ano 80.º, p. 393.
[8] Cfr. Manuel de Andrade, Noções Elementares de Processo Civil, Coimbra Editora, 1979, p. 138.
[9] Idem, pp. 320-321. O Autor reporta-se ao art. 498.º do C.P.C./61, correspondente ao art. 581.º do C.P.C./13.
[10] O Objeto da Sentença e o Caso Julgado Material, BMJ 325º, pp. 49 e ss.
[11] Cfr. Lebre de Freitas et al., Código de Processo Civil Anotado, Vol. I, Coimbra Editora, 2001, p. 325, e Teixeira de Sousa, ob. cit., pp. 49 e ss..
[12] Art. 581.º do C.P.C./13.
[13] Ob. cit., p. 628, citando, em parte, o Ac. do STJ de 29.05.2004, Proc. nº 1722/12.9TBBCL.G1.S1 (João Bernardo), in www.dgsi.pt.
[14] Proferido no Proc. nº 07A3739, acessível em http://www.dgsi.pt.
[15] Proferido no Proc. nº 8870/03.4TVLSB.L1.S1, acessível em http://www.dgsi.pt.
[16] Proferido no Proc. nº 08B402, acessível em http://www.dgsi.pt.
[17] Proferido no Proc. nº 4959/10.1TBBRG.G1, acessível em http://www.dgsi.pt.
[18] Mariana França Gouveia, A Causa de Pedir na Acção Declarativa, Coimbra, Almedina, 2004, p. 415. Cfr. ainda a jurisprudência do S.T.J. citada na nota do acórdão que vimos acompanhando.
[19] B.M.J. 325.º, pp. 178-179.
[20] Ob. cit., p. 499. Cfr. ainda Teixeira de Sousa, Ob. Cit., 171. Cfr. também os Acórdãos do S.T.J. de 12.07.2011, de 12.09.2013, de 18.06.2014 e de 24.03.2015, citados no acórdão que vimos acompanhando.
[21] Cfr. Lopes do Rego, Comentários ao CPC, Vol. I, 2ª ed., 2004, p. 33. Deve tratar-se, como refere este Autor, de "uma aplicação ou interpretação normativa insólita e inesperada, fora de um adequado e normal juízo de prognose sobre o conteúdo e sentido da decisão".
[22] Cfr. o citado Ac. do S.T.J. de 28.03.2019.
[23] Noções Elementares de Processo Civil, Reimpressão, Coimbra Editora, 1993, pp. 317-318.
[24] Noções cit., p. 318.
[25] Limites Objectivos do Caso Julgado em Processo Civil, Edições Ática, 1968, p. 76.
[26] Limites cit., p. 101.
[27] Limites cit., pp. 152-159.
[28] Estudos Sobre o Novo Processo Civil, Lex, 1997, pp. 578-579.
[29] Estudos cit., pp. 579-581.
[30] Estudos cit., p. 583.