REQUERIMENTO DE ABERTURA DE INSTRUÇÃO
ASSISTENTE
REJEIÇÃO POR INADMISSIBILIDADE LEGAL
Sumário


I – O requerimento para abertura da instrução formulado pelo assistente deve estruturar-se como uma acusação.
II – Assim, dele deve constar, para além do mais, “a narração, ainda que sintética, dos factos que fundamentam a aplicação ao arguido de uma pena ou de uma medida de segurança, incluindo, se possível, o lugar, o tempo e a motivação da sua prática, o grau de participação que o agente neles teve e quaisquer circunstâncias relevantes para a determinação da sanção que lhe deve ser aplicada, bem como as disposições legais aplicáveis”.

Texto Integral


Acordam, em conferência, os Juízes na Secção Penal do Tribunal da Relação de Guimarães:

I. RELATÓRIO

Nos autos de instrução nº123/20.0T9VPA, do Tribunal Judicial da Comarca de Vila Real - Juízo de Competência Genérica de Vila Pouca de Aguiar, A. P., assistente nos autos, discordando do despacho de arquivamento proferido, veio de acordo com o disposto nos artigos 68º nº3 e 287º nº 1, al. b), requerer a sua constituição de assistente e a abertura da instrução.
O Mmº Juiz a quo depois de admitir a sua constituição de assistente, rejeitou liminarmente o requerimento de abertura da instrução, por manifestamente infundado.
Inconformado com este despacho, dele veio interpor o assistente o presente recurso, apresentando a respectiva motivação, que finaliza com as conclusões que a seguir se transcrevem:

“1-O presente recurso vem interposto do douto despacho que indeferiu o pedido de abertura de instrução apresentado pelo assistente com fundamento na sua inadmissibilidade legal.
2. Salvo o devido respeito e melhor opinião não existe fundamento para o indeferimento do pedido de abertura de instrução, nomeadamente, a sua invocada inadmissibilidade legal.
3. O requerimento de abertura de instrução apresentado pelo assistente, ora recorrente, contém de forma clara as razões que consubstanciam a sua discordância relativamente à decisão de arquivamento.
4. Bem como contém a indicação dos actos de instrução que o assistente pretende que sejam levados a cabo e dos meios de prova que não foram considerados no inquérito.
E mais,
5. Pode ler-se no despacho recorrido que ‘o assistente impetra a prolação de um despacho de pronúncia do arguido F. J. pela prática de um crime de dano e de um crime de usurpação de coisa imóvel p.p. pelos artºs 212°/1 e 215º/1 do Código Penal”.
6. Assim, está feito o enquadramento legal dos factos imputados ao arguido no presente inquérito e tal enquadramento é, expressamente, mencionado no despacho de arquivamento.
7. Tal enquadramento legal não é questionado polo assistente, até porque foi este quem o fez.
Na verdade,
8. O Assistente imputa factos ao arguido, os quais são em si constitutivos do tipo de ilícito subjectivo, quer ao nível do dolo do tipo, quer ao nível do dolo da culpa.
9. O assistente, expressamente, indica que o que o levou a discordar do despacho de arquivamento se prende exclusivamente com a análise feita às provas existentes no inquérito e com as conclusões que das mesmas o despacho de arquivamento retirou.
10. O assistente, expressamente, invoca que existem outras diligências de prova a realizar, que se mostram pertinentes para demonstrar a prática pelo arguido já devidamente qualificados.
11. A aplicação ao requerimento de abertura de instrução, quando apresentado pelo assistente, das alíneas b) e c), do n°3, do art° 283° do CPP, tem que ser devidamente adaptada e não pode ser interpretada como se, naquele seu requerimento, o assistente tenha que fazer tábua rasa de tudo quanto já foi trazido aos autos dc inquérito e deles conste.
12. Do requerimento de abertura de instrução, conjugado com o despacho de arquivamento ao qual reage e com o aditamento por si produzido no inquérito resulta perfeitamente identificado:
a) quem é o arguido;
b) quais os crimes cuja prática o assistente lhe imputa e quais os factos que os consubstanciam
c) quais os motivos de discordância do assistente relativamente ao despacho de arquivamento;
d) as provas complementares que o assistente entende serem úteis e quais as diligências complementares de prova que o assistente reputa importantes para a descoberta da verdade.
13. O requerimento de abertura de instrução contém por isso, todos os elementos necessários para a delimitação do objeto do processo e da atividade cognitiva do Tribunal.

Nestes termos e nos mais de direito aplicáveis e invocando ainda o douto suprimento, deve ser dado provimento ao presente recurso e, em consequência, ser o douto despacho recorrido revogado, para todos os efeitos legais e o requerimento de abertura de instrução apresentado pelo assistente, aceite, como é de direito e de JUSTIÇA!”

O Ministério Público, em 1ª instância, respondeu ao recurso, pugnando pela sua improcedência e, consequentemente, pela manutenção da decisão recorrida.
Nesta instância, a Exma. Procuradora-Geral Adjunta, emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso interposto pelo assistente, devendo manter-se integralmente o despacho posto sob sindicância e que rejeitou o requerimento de abertura de instrução (RAI) por não constituir uma acusação alternativa e como tal ser legalmente inadmissível.
No âmbito do disposto no art.º 417º, nº 2, do CPP, o recorrente não apresentou resposta ao parecer emitido.
Colhidos os vistos, procedeu-se à realização da conferência, por o recurso aí dever ser julgado - artigo 419º, nº 3, al. c), do Código de Processo Penal.

II- FUNDAMENTAÇÃO

1. OBJECTO DO RECURSO

Dispõe o art.º 412º, nº 1 do C. Processo Penal que, “a motivação enuncia especificamente os fundamentos do recurso e termina pela formulação de conclusões, deduzidas por artigos, em que o recorrente resume as razões do pedido”.
As conclusões delimitam, assim, o objecto do recurso, delas se devendo extrair as questões a decidir em cada caso. (1)
Atentas as conclusões formuladas pelo recorrente, a questão a decidir, sem prejuízo das de conhecimento oficioso, é a seguinte:
Saber se o requerimento para abertura de instrução formulado nos autos cumpre os requisitos enunciados no art.º 287º, nº 2 do CPP e, em particular, as exigências legais expressas no art.º 283º, nº 3 al. b) do mesmo diploma (por força da remissão prevista no primeiro dispositivo legal citado).

2. DA DECISÃO RECORRIDA

O despacho que rejeitou liminarmente o requerimento de abertura da instrução, por manifestamente infundado, tem a seguinte fundamentação (transcrição).
“Em consonância com o preceituado no art.º 286.º/1 do Código de Processo Penal (CPP), a instrução visa a comprovação judicial da decisão de deduzir acusação ou de arquiva o inquérito em ordem a submeter a causa a julgamento.
Ademais, a abertura da instrução pode ser requerida, no prazo de 20 dias a contar da notificação da acusação ou do arquivamento: a) Pelo arguido, relativamente a factos pelos quais o Ministério Público ou o assistente, em caso de procedimento dependente de acusação particular, tiverem deduzido acusação; ou b) Pelo assistente, se o procedimento não depender de acusação particular, relativamente a factos pelos quais o Ministério Público não tiver deduzido acusação. (art.º 287.º/1, do CPP).
O requerimento não está sujeito a formalidades especiais, mas deve conter, em súmula, as razões de facto e de direito de discordância relativamente à acusação ou não acusação, bem como, sempre que disso for caso, a indicação dos actos de instrução que o requerente pretende que o juiz leve a cabo, dos meios de prova que não tenham sido considerados no inquérito e dos factos que, através de uns e de outros, se espera provar, sendo ainda aplicável ao requerimento do assistente o disposto nas alíneas b) e c) do n.º 3 do artigo 283.º (art.º 287.º/2, do CPP).
Enfatize-se que “não tendo sido formulada acusação pelo MP, o requerimento para a abertura da instrução funciona como equivalente dessa acusação, do qual decorre a vinculação factual que o juiz tem de respeitar, pautando a sua conduta no processo, por força do princípio do acusatório, dentro dos parâmetros fornecidos por aquela delimitação factual, uma vez que o juiz não actua oficiosamente e não investiga por conta própria, embora dirija e conduza a instrução de forma autónoma.” (vd. Acórdão do STJ de 13.1.2011, proc. n.º 3/09.0YGLSB.S1,. in www.dgsi.pt ).
Neste sentido, nas situações de despacho de arquivamento proferido pelo MP, o requerimento para a abertura de instrução subscrito pelo assistente, não sendo uma acusação em sentido processual-formal, deve constituir processualmente uma verdadeira acusação em sentido material, que delimite o objecto do processo, devendo conter a narração dos factos e das disposições legais aplicáveis, nos termos do art.º 283.º/3, als. b) e c) (vd. António Henriques Gaspar et alii, Código de Processo Penal Comentado, Almedina, 2014, p. 1001-1003).
Acresce que o requerimento só pode ser rejeitado por extemporâneo, por incompetência do juiz ou por inadmissibilidade legal da instrução (art.º 287.º/3, do CPP).
No que se refere especificamente aos fundamentos de inadmissibilidade da instrução, conglobam quer os tipificados no citado n.º 3, quer os seguintes: (i) falta de legitimidade do requerente (MP ou ofendido não constituído assistente); (ii) quando a instrução é requerida contra incertos ou desconhecidos; (iii) quando a instrução é requerida contra pessoa que não foi investigada no inquérito; (iv) quando os factos constantes do requerimento não foram investigados no inquérito; (v) quando é requerida pelo assistente em crime particular (vd. António Henriques Gaspar et alii, Código de Processo Penal Comentado, Almedina, 2014, p. 1003).
Assinale-se, ainda, que “(…) Se o juiz de instrução, apreciando o requerimento do assistente, concluir que de modo algum o arguido poderá ser pronunciado, uma vez que os factos que narra jamais constituirão crime, deve rejeitar tal requerimento, por o debate instrutório nenhuma utilidade ter (…)”( vd. Acórdão do STJ de 13.1.2011, proc. n.º 3/09.0YGLSB.S1,in www.dgsi.pt), à luz do princípio da economia processual vertido no art.º 137.º, do Código de Processo Civil, ex vi do art.º 4.º, do Código de Processo Penal, posição constitucionalmente admissível (vd. Acórdãos do TC n.º 358/2004 e 636/2011, in www.dgsi.pt ).

*
In casu, compulsando-se o requerimento de abertura de instrução, conclui-se que o assistente impetra a prolação de um despacho de pronúncia do arguido F. J. pela prática de um crime de dano e de um crime de usurpação de coisa imóvel, preceituados e punidos pelos arts. 212.º/ e 215.º/1, do Código Penal, sendo que falece de forma meridiana os factos intrínsecos constitutivos do tipo de ilícito subjetivo, quer a nível do dolo do tipo, quer a nível do dolo da culpa, sendo que as sobreditas insuficiências configuram vícios insupríveis.
Destarte, à luz do princípio da vinculação temática, infere-se que os factos plasmados no requerimento de abertura de instrução são inidóneos e insuscetíveis de consubstanciarem a imputação à arguida de um crime de furto e de um crime de furto qualificado, sendo que “(…) não há lugar a convite ao assistente para aperfeiçoar o requerimento de abertura de instrução, … quando este for omisso relativamente à narração sintética dos factos que fundamentam a aplicação de uma pena ao arguido.” (Acórdão de Fixação de Jurisprudência n.º 7/2005, in www.dgsi.-pt ).
Em consequência, atesta-se que o requerimento de abertura da instrução é manifestamente infundado, postulando-se a cristalina rejeição do mesmo, sob o crivo do princípio da economia processual e da doutrina plasmada no art.º 311.º”, al. a), do Código de Processo Penal.”

3. APRECIAÇÃO DO RECURSO

A questão a decidir prende-se, no essencial, em determinar se o requerimento para abertura da instrução formulado nos autos cumpre os requisitos enunciados no art.º 287º, nº 2 do CPP e, em particular, as exigências legais expressas no art.º 283º, nº 3 al. b) do mesmo diploma (por força da remissão prevista no primeiro dispositivo legal citado).
Conforme resulta do despacho de arquivamento os factos participados nos autos eram eventualmente susceptíveis, em abstracto, de configurar os crimes de dano e de usurpação de coisa imóvel, previstos e punidos, respectivamente, pelos artigos 212º nº 1 e 215º nº 1 do Código Penal.
Inconformado com esse arquivamento o assistente veio requer a abertura de instrução através do requerimento referª 2568556.
Nos termos previstos no art.º 286.º, n.º 1, do C.P.P. (diploma a que se reportam as demais disposições legais sem menção de origem), a instrução visa a comprovação judicial da decisão de deduzir acusação ou de arquivar o inquérito em ordem a submeter ou não a causa a julgamento.
A este propósito, sublinha Germano Marques da Silva (2) que, no nosso Código de Processo Penal, a fase de instrução foi estruturada com uma dupla finalidade: “obter a comprovação jurisdicional dos pressupostos jurídico-factuais da acusação, por uma parte, e o controlo judicial da decisão processual do Ministério Público de acusar ou arquivar o inquérito, nos termos do art. 277º, nº 1 e 2, por outra.”
E, de acordo com o previsto no art.º 287.º, n.º 1, alínea b), do C.P.P., a instrução pode ser requerida pelo assistente se o procedimento não depender de acusação particular, relativamente a factos pelos quais o Ministério Público não tiver deduzido acusação.
Nesse caso “o requerimento não está sujeito a formalidades especiais, mas deve conter, em súmula, as razões de facto e de direito de discordância relativamente à acusação ou não acusação, bem como, sempre que disso for caso, a indicação dos actos de instrução que o requerente pretende que o juiz leve a cabo, dos meios de prova que não tenham sido considerados no inquérito e dos factos que, através de uns e de outros, se espera provar, sendo ainda aplicável ao requerimento do assistente o disposto nas alíneas b) e c) do n.º 3 do artigo 283.º”.- cfr. nº 2 do citado art.º 287.º
Assim, e muito embora não esteja sujeito a formalidades especiais, atentos os princípios do acusatório e do contraditório que caracterizam a tramitação processual penal, e o disposto nos art.ºs 287.º, n.º 2, e 283.º, n.º 3, alíneas b) e c), do C.P.P., o requerimento para a abertura da instrução formulado pela assistente, na sequência de despacho de arquivamento proferido pelo Ministério Público - como no caso dos autos - deve estruturar-se como uma acusação, dele tendo que constar, para além do mais, “a narração, ainda que sintética, dos factos que fundamentam a aplicação ao arguido de uma pena ou de uma medida de segurança, incluindo, se possível, o lugar, o tempo e a motivação da sua prática, o grau de participação que o agente neles teve e quaisquer circunstâncias relevantes para a determinação da sanção que lhe deve ser aplicada, bem como as disposições legais aplicáveis.” (cfr. art.º 283.º, n.º 3, alíneas b)).

Como se escreveu no Ac. do STJ de 24 de Setembro de 2003, (3)
“(…)
2 - O requerimento de abertura da instrução constitui o elemento fundamental para a definição e determinação do âmbito e dos limites da intervenção do juiz na instrução: investigação autónoma, mas autónoma dentro do tema factual que lhe é proposto através do requerimento de abertura da instrução. … 5 - O requerimento do assistente deve, em termos materiais e funcionais, revestir o conteúdo de uma acusação alternativa, de onde constem os factos que considerar indiciados e que integrem o crime, de forma a possibilitar a realização da instrução, fixando os termos do debate e o exercício do contraditório”.
Em idêntico sentido também se escreveu no sumário do recente Ac. do S.T. J. de 13-01-2021 (4),
“I- Não sendo deduzida acusação, o requerimento de abertura de instrução substitui tal peça, delimitando o thema decidendum, a actividade instrutória do juiz e, em última análise, o conteúdo de eventual despacho de pronúncia (cfr. o disposto nos arts. 303.º, 308.º e 309.º do CPP).
II - É em função do conteúdo dessa peça que o arguido pode praticar o contraditório e exercer, na sua plenitude, as suas garantias de defesa. Daí que o cumprimento do estatuído nas als. b) e c) do n.º 3 do art. 283º do CPP (ex vi do art. 287.º, n.º 2 do mesmo diploma) tenha em vista, em última instância, a tutela dessas garantias de defesa: perante um requerimento de abertura de instrução onde se não delimitem, com precisão, os factos concretos a apurar, susceptíveis de integrar os elementos objectivos e subjectivos do tipo legal de crime imputado ao arguido, carece este de elementos suficientes em ordem a organizar a sua defesa.”
Impõe-se, assim, que o assistente descreva quer os factos que integram o elemento objectivo do tipo, quer os que preenchem o seu elemento subjectivo, isto é, no caso dos autos tratando-se de crimes dolosos, o dolo, já que o requerimento para a abertura da instrução, consubstanciando, na prática, uma acusação, delimita o objecto do processo.
Deste modo, como tem que se verificar na acusação deduzida pelo Ministério Público, a descrição factual do dolo tem que constar do requerimento para abertura de instrução, sob pena de não ser possível preencher o tipo de crime pelo qual se pretende submeter o arguido a julgamento, sendo certo que, nos termos previstos no art.º 309.º , nº 1 do C.P.P., é nula a decisão instrutória na parte em que pronunciar o arguido por factos que constituam alteração substancial dos descritos na acusação do Ministério Público ou do assistente ou no requerimento para a abertura da instrução.
Nesse sentido veja-se o Ac. do TRC de 01.06.2011 (5) no qual se lê: “(…)da acusação há-de constar necessariamente, pela sua relevância para a possibilidade de imputação do crime ao agente, que o arguido agiu livre (afastamento das causas de exclusão da culpa - o arguido pôde determinar a sua acção), deliberada (elemento volitivo ou emocional do dolo - o agente quis o facto criminoso) e conscientemente (imputabilidade - o arguido é imputável), bem sabendo que a sua conduta era proibida e punida por lei (elemento intelectual do dolo, traduzido no conhecimento dos elementos objectivos do tipo).
O dolo como elemento subjectivo - enquanto vontade de realizar um tipo legal conhecendo o agente todas as suas circunstâncias fácticas objectivas - constitutivo do tipo legal, será, então, em definitivo, um dos elementos que o artigo 283º/3 C P Penal, impõe que seja incluído na acusação.”.
No que respeita à possibilidade de rejeição do requerimento para abertura de instrução, estabelece o n.º 3 do art.º 287.º do C.P.P. que aquele requerimento “só pode ser rejeitado por extemporâneo, por incompetência do juiz ou por inadmissibilidade legal da instrução.”
E, conforme escreve Maia Gonçalves (6), “a rejeição por inadmissibilidade legal de instrução inclui os casos em que aos factos não corresponde infracção criminal (falta de tipicidade), de haver obstáculo que impede o procedimento criminal e de haver obstáculo à abertura da instrução, v. g. ilegitimidade do requerente (caso do MP) ou inadmissibilidade legal de instrução (v.g. casos dos crimes particulares e de alguns processos especiais)”.
Tem sido entendido, de forma maioritária senão mesmo uniforme, pela doutrina e Jurisprudência dos tribunais superiores (7) que, quando o requerimento para abertura da instrução formulado pelo assistente não contenha os requisitos de uma acusação, isto é, quando do mesmo não constem a indicação do agente e a narração dos factos que integram o crime pelo qual se pretende ver o arguido pronunciado, não é legalmente admissível já que nunca poderá levar à pronúncia válida do arguido.

A título exemplificativo dessa orientação cita-se o Ac. do TRL de 07.05.2015, com o seguinte sumário:

“I. A estrutura acusatória do processo penal impõe que o objecto do processo seja fixado com rigor e precisão adequados em determinados momentos processuais entre os quais se conta o momento em que é requerida a abertura da instrução.
II-Uma instrução que peque por défice enunciativo de factos susceptíveis de conduzir á pronúncia do arguido titularia um acto inútil que a lei não poderia admitir.
III. O que significa que, a par de outros fundamentos da rejeição, que se reconduzem também a realidades de que deriva a inutilidade da instrução, se deva ter a instrução como legalmente inadmissível.”

E, impor-se-á a rejeição por inadmissibilidade legal, nos termos previstos no art.º 287.º, n.º 3, do C.P.P., já que não será possível o convite do assistente para aperfeiçoar o seu requerimento.

No caso concreto, analisando o requerimento para a abertura de instrução apresentado pelo assistente, com a referência electrónica nº2568556, verifica-se que se reconduz, no essencial, em mostrar a sua discordância com o arquivamento proferido pelo Ministério Público, não obedecendo aos requisitos referidos. Com efeito, como salienta a Exma. Procuradora-Geral Adjunta, não descreve os factos de forma autónoma, não os concretiza no tempo e espaço (desconhecendo-se onde e quando os mesmos ocorreram), o valor do prejuízo e é absolutamente omisso quanto a factos que preencham o tipo subjectivo dos imputados crimes de dano e de usurpação de coisa imóvel, previstos e punidos, respectivamente, pelos artigos 212º nº 1 e 215º nº 1 do Código Penal.
Do que resulta que os factos nele descritos não constituem crime/s por não conterem todos os pressupostos essenciais de que depende a aplicação ao arguido de uma pena ou medida de segurança criminais.
E, impor-se-á a rejeição por inadmissibilidade legal, nos termos previstos no art.º 287.º, n.º 3, do C.P.P., já que não será possível o convite do assistente para aperfeiçoar o seu requerimento.
Isso mesmo decorre do Acórdão de Fixação de Jurisprudência n.º 1/2015, de 20.11.2014, DR, 1.ª série, n.º 18, de 27.01.2015, onde foi decidido que, “a falta de descrição, na acusação, dos elementos subjectivos do crime, nomeadamente dos que se traduzem no conhecimento, representação ou previsão de todas as circunstâncias da factualidade típica, na livre determinação do agente e na vontade de praticar o facto com o sentido do correspondente desvalor, não pode ser integrada, em julgamento, por recurso ao mecanismo previsto no art.º 358.º do Código de Processo Penal.
Por outro lado, conforme se consignou também neste mesmo Acórdão “de forma alguma será admissível que os elementos do dolo, quando não descritos na acusação, possam ser deduzidos por extrapolação dos factos objetivos, com “recurso à lógica, à racionalidade e à normalidade dos comportamentos, de onde se extraem conclusões suportadas pelas regras da experiência comum” (…)”.
Assim, os factos integradores dos elementos objectivos e subjectivo dos crimes em causa nos autos tinham que constar do requerimento para abertura de instrução apresentado pelo assistente, já que, como referimos, é aquele requerimento que delimita a instrução (art.º 309.º, n.º 1, do C.P.P.), sendo que, na ausência de tais factos, mostra-se a instrução inadmissível por jamais poder vir a ser proferido despacho de pronúncia válido.
Concluímos, assim, que o requerimento para abertura da instrução formulado nos autos não cumpre os requisitos enunciados na al. b) do nº 3 do art.º 283º do C. Penal, aplicável por força do disposto no nº 2 do art.º 287º, do mesmo diploma legal e, por isso, deve ser rejeitado por se apresentar manifestamente infundado.

III DECISÃO

Nos termos e pelos fundamentos expostos, acordam os Juízes do Tribunal da Relação de Guimarães, em negar provimento ao recurso interposto pelo assistente A. P., confirmando o despacho recorrido.

custas pelo recorrente, fixando-se a taxa de justiça em três unidades de conta (art.º 513º, n.º 1, do Código de Processo Penal, e art.º 8º, n.º 9, do Regulamento das Custas Processuais e Tabela III anexa a este último diploma).
(Texto elaborado pela relatora e revisto por ambas as signatárias - art.º. 94º, n.º 2, do CPP)
Guimarães, 6 de Dezembro de 2021

Anabela Varizo Martins (relatora)
Maria Augusta Fernandes (adjunta)



1. Cfr. entre outros Ac.do STJ de 27-10-2016 e de 06-06-2018, disponíveis in www.dgsi.pt e, na doutrina, Germano Marques da Silva- Direito Processual Penal Português, 3, pág. 335.
2. In ob. citada, pag. 126.
3. Proc. nº 03P2299, disponível in www.dgsi.pt.
4. Proc. nº 8/19.2TRGMR.S2, in www.dgsi.pt.
5. Disponível in www.dgsi.pt.
6. in Código de Processo Penal Anotado, 16ª ed., pág. 629.
7. Na doutrina Germano Marques da Silva, in ob. citada, pag.141 e Ac. do STJ de 13-01-2011, Processo nº 3/09.0YGLSB.S1 Ac.da Relação de Guimarães 17-05-2004, Processo nº 777/04-1, Ac da Relação de Coimbra de 15/05/2019, Processo nº 1229/17.8 PBVIS Ac. da Relação de Évora 13-07-2017 Processo nº 203/14.0T9ENT e Ac. da Relação do Porto de 25-11-2020 Processo nº 4043/16.4T9VNG.P1, todos disponíveis in www.dgsi.pt.