CONVERSÃO DA MULTA EM PRISÃO SUBSIDIÁRIA
SUSPENSÃO DA EXECUÇÃO DA PRISÃO SUBSIDIÁRIA
SITUAÇÃO DE RECLUSÃO
Sumário


I – Nos termos do artigo 49.º, n.º 3 do Código Penal é pressuposto da suspensão da execução do cumprimento da prisão subsidiária que o não pagamento da multa aconteça por motivo não imputável ao arguido.
II- A reclusão de arguido em estabelecimento prisional constitui uma circunstância que não lhe é imputável quanto à impossibilidade de pagar a multa por falta de rendimentos.

Texto Integral


Acordam os Juízes da Secção Penal do Tribunal da Relação de Guimarães

I – RELATÓRIO

No âmbito do processo nº 1726/18.8PBBRG, no Juízo Local Criminal de Braga-J3, do Tribunal Judicial da Comarca de Braga, por despacho proferido em 10.05.2021, foi convertida a pena de 180 (cento e oitenta) dias de multa, à taxa diária de 5,00€, no montante global de 900,00€, aplicada à arguida G. S., na pena de 120 (cento e vinte) dias de prisão subsidiária, com o seguinte teor (Transcrição):

«A arguida G. S. foi condenada na pena de 180 (cento e oitenta) dias de multa, a 05,00€ (cinco Euros) por dia, o que perfaz a quantia global de 900,00€ (novecentos Euros).
A arguida não procedeu ao pagamento voluntário dessa multa e nem requereu o seu pagamento em prestações ou a sua substituição por prestação de trabalho a favor da comunidade.
Por outro lado, não alegou factos que demonstrem que o não pagamento da pena de multa não lhe era imputável nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 49.º, n.º 3, do Código Penal – adiante designado pela sigla C.P..
Com efeito, a reclusão da arguida é-lhe plenamente imputável, sendo a mesma devida à prática de ilícito jurídico-penal por parte da arguida, não sendo assim admissível proferir qualquer juízo favorável no sentido de que a suspensão da pena acautela as finalidades da punição.
Finalmente, também não se mostra viável a cobrança coercível.
Importa ainda referir que inexiste fundamento legal para, conforme requerido pela arguida, sobrestar na decisão de conversão da pena de multa em prisão subsidiária por se aguardar a realização de cúmulo jurídico.
Assim, indefiro o requerido pela arguida e, nos termos do disposto no artigo 49.º, n.º 1, do C.P., e nos termos doutamente promovidos, terá agora a arguida de cumprir 120 (CENTO E VINTE) dias de prisão subsidiária.
Nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 491.º-A, n.º 3, do Código de Processo Penal, fixo o quantitativo diário de 7,50€ (sete Euros e cinquenta Cêntimos).
Notifique, solicitando a notificação pessoal da arguida ao estabelecimento prisional onde a mesma se encontra detida-»
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Inconformada com a referida decisão, a arguida interpôs recurso, formulando na sua motivação as seguintes conclusões (transcrição):

«I – Do objecto de recurso:
O recurso versa sobre matéria de facto, pois entende que há factos notórios, que o Exmo. Tribunal tem conhecimento e não pode deixar de atender e julgar, sobre a matéria de direito;
II – Da matéria de facto:
1) Conforme requerimento com referência 10877630, de 14.12.20, informou Exmo. Tribunal que se encontrava em situação de PP, no Estabelecimento Prisional de Tires, à ordem dos autos 952/19.7SFLSB;
2) Estabelecimento onde passou a ser notificada do expediente e despacho destes autos;
3) E informou que tinha solicitado a realização do Cúmulo Jurídico, conforme decorre, aliás, do requerimento referido em 1., e refª.: 38746375, de 03.05.2020;
4) Não procedeu ao pagamento da coima, por no EPTires, não ter nem poder dispor de meios para proceder a tal pagamento – o que se nos afigura ser Notário e do senso comum -, nem ter condições para o solicitar a quem o pudesse por ela fazer;
5) Aliás, como é notório, durante vários meses existiu restrição absoluta de visitas às reclusas e noutro tempo com restrições ao mínimo (pais), a que, inclusive, os contactos com os mandatários e várias audiências foram efetuados por vídeo conferência.
6) Os telefonemas e contactos restritos ao mínimo, com as educadoras em teletrabalho com números de telefone com vários meses por inserir na aplicação, carregamentos de cartões não desbloqueados e alterações não efetuadas!
7) Aliás, com designação de educadoras às reclusas que jamais as contactaram!
8) Por conseguinte, não lhe pode ser imputada alguma culpa na falta do pagamento da multa, pois, enquanto em reclusão, apenas lhe foi possível pagar os poucos objetos e bens de primeira necessidade na «cantina» do Estabelecimento;
9) Notificada para se pronunciar para eventual reversão da multa em prisão (no caso de não pagamento da mesma), referiu: “
1. Conforme comunicou ao Exmo. Tribunal (refª.: 37437055, de 14.12.2020), solicitou a realização do cúmulo jurídico de penas ao Juízo Local Criminal de Torres Novas, tendo os autos, ao presente, cópia das sentenças (ora verificado na aplicação CITIUS), para a realização do mesmo;
2. No caso presente, foi condenada por sentença de 21.09.2020, com trânsito em outubro, quando a mesma já se encontrava submetida à medida de coação de prisão preventiva, desde 22-09-2020; situação em que ainda se encontra;
3. Estando em pp, a arguida não solicitou a prestação de trabalho a favor da comunidade, não procedeu a algum pagamento (nos 4 processos em que foi condenada), e aguarda a realização do cúmulo jurídico de penas com vista ao definir «e arrumar» da sua situação, que, finalmente, tende para tal com os efeitos da reclusão e da pena a evidenciarem-se.
4. As penas (individualmente aplicadas) tendem para a pena única, e após a definição da situação (pagamento, substituição ou conversão) da mesma (pena única) a curto prazo;
5. Não decorrendo o não pagamento da multa de culpa sua, e podendo a execução ser suspensa, requer não se proceda à conversão da multa não paga em prisão subsidiária até realização do cúmulo jurídico. Por outro lado, estando a condenada em pp, com o devido respeito, que é muito, a suspensão da conversão em execução em nada abala ou descredibiliza os fins da pena e, antes, a realização do cúmulo evidencia a unidade e o funcionamento do sistema jurídico.”
10) Sabendo, como sabia, que a aqui recorrente, desde a data do trânsito em julgado da douta sentença – aliás desde o dia imediatamente a seguir à mesma (22.09.2020), - estava submetida a prisão preventiva, e tendo-o referido a condenada no seu requerimento transcrito supra, com o devido respeito, que é muito, o Exmo. Tribunal recorrido deveria fazer constar do douto despacho recorrido a situação de reclusão da mesma!
11) Não o tendo feito, o despacho padece de falta de pronuncia, pelo que lhe dever ser aditado um paragrafo, onde conste:
Que a condenada se encontra na situação de prisão preventiva desde 22.09.2020 à ordem dos autos nº 952/19.7SFLSB;

III – Do direito

12) Considerando que a aqui recorrente se encontrava em prisão preventiva, que tal facto, além de alegado, era e é notório, e não disponha de meios nem de possibilidade para proceder ao pagamento da multa – atendendo ao regime de reclusão -, deve ser entendido que a falta de pagamento da multa não lhe pode ser imputado, nem agiu com culpa, na linha do estipulado pelo artº 49º do CP. Entendimento, aliás, perfilhado pelo TRPorto, conforme acórdão de 7.3.2012
“O não pagamento da multa, aplicada em substituição de uma pena de prisão, não é imputável ao condenado que está preso na data em que tal multa lhe é aplicada e se mantém preso quando se determina o cumprimento da prisão assim substituída.”
13) Por conseguinte, com o devido respeito, o Tribunal recorrido, no caso concreto, ao não conhecer no douto despacho recorrido da matéria de facto que se requer seja aditado, fez errada análise dos factos alegados, que se têm por Notórios, e, por conseguinte, violou, além de outros, o disposto nos artºs: 127º do CPP, 47º, 49º, nº 3 do CPenal,
14) Cuja interpretação dos preceitos normativos supra, com aditamento do ponto da matéria de facto em falta, deve ser no sentido de que, pelas regras da experiência comum, estando a condenada ao pagamento de Multa, na data em que a decisão transitou em Julgado, (11.11.2020), submetido a Prisão preventiva (desde 22.09.2020), e assim continuou até 9.6.2021 (data em que foi revogada a medida de coação) não lhe podendo, por conseguinte, ser imputada alguma culpa pelo não pagamento da multa. Interpretação contrário ao supra exposto, viola o disposto no artº 31º da CRP.»

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O recurso foi admitido a subir com o regime e efeito adequados.
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Na 1ª instância o Ministério Público respondeu ao recurso formulando as seguintes conclusões (transcrição):
«I.DO OBJETO DO RECURSO

Por despacho proferido em 10-05-2021, foi efetuada a conversão da pena de multa de 180 (cento e oitenta) dias de multa, a 05,00€ (cinco euros) por dia, a que foi condenada nestes autos a arguida e ora recorrente, G. S., pela prática de um crime de burla, p. e p. pelo artigo 217.º, n.º 1 do Código Penal, em 120 (cento e vinte) dias de prisão subsidiária.
É deste despacho que vem interposto recurso, requerido subsidiariamente em relação ao pedido (principal) de pagamento da pena de multa em prestações mensais, que foi objeto de indeferimento, com fundamento na sua extemporaneidade.
Refere a recorrente, em súmula, que o não pagamento da multa se deveu a motivo que não lhe é imputável, em virtude de se encontrar em situação de reclusão desde o dia 22-09-2020 – em cumprimento de medida de coação de prisão preventiva, à ordem de outro processo crime - e ao longo de todo o segmento temporal que mediou entre o trânsito em julgado da sentença condenatória que lhe aplicou a pena de multa nos presentes autos (11-11-2020) e o momento em que foi decidida a sua conversão em prisão subsidiária (10-05-2021) e, por via disso, não dispor de meios nem possibilidades para proceder ao seu pagamento.
E encontrando-se demonstrado que a razão do não pagamento da multa não lhe é imputável, pugna pela revogação da decisão recorrida e, se bem se depreende da citação que é feita do respetivo dispositivo legal - artigo 49.º, n.º3 do Código Penal - seja a mesma substituída por outra que defira a suspensão da execução da pena, condicionada ao cumprimento de deveres e regras de conduta, nos termos previstos na citada norma legal.

II: DA RESPOSTA AO RECURSO:

Por sentença proferida em 21.09.2020, transitada em julgado em 11.11.2020 foi a arguida G. S. condenada, como autora material de um crime de burla simples, p. e p. pelo artigo 217.º, n.º 1 do Código Penal na pena de 180 (cento e oitenta) dias de multa, a 05,00€ (cinco euros) por dia.
A arguida foi julgada na ausência, não se tendo apurado qualquer facto quanto à sua situação socioeconómica.
Por essa razão, o Mm. º Juiz a quo, fixou o quantitativo diário da pena de multa aplicada no mínimo legal de € 05,00 (cinco euros).
A arguida não efetuou o pagamento da pena de multa no prazo legal, nem requereu, em igual prazo, o seu pagamento fracionado. Tão pouco, comunicou aos autos, em igual prazo qualquer circunstância impeditiva do seu pagamento ou demonstrativa da sua insuficiência económica.
Nessa sequência foram realizadas pesquisas quanto à existência de bens penhoráveis em nome da arguida com vista a obter o pagamento da pena de multa pela via coerciva, que resultou inviável, em virtude de a arguida não dispor de bens registados em seu nome.
Nessa sequência foi a arguida notificada para, no prazo de dez dias, proceder ao pagamento da pena de multa, sob pena de a mesma ser convertida em prisão subsidiária, nos termos do artigo 49.º do Código Penal, podendo igualmente pronunciar-se sobre o que tivesse por conveniente.
A arguida não realizou o pagamento da pena de multa, vindo, por meio de requerimento datado de 03-05-2021, alegar que se encontrava em prisão preventiva e que, em face dessa circunstância, o não pagamento não lhe era imputável, requerendo, a final, a sustação ou não conversão da pena de multa em prisão subsidiária até à realização do cumulo jurídico da pena aplicada nestes autos, com outras penas em que a mesma fora condenada noutros processos crime.
Portanto, e se bem se interpreta, uma suspensão da execução da prisão subsidiária até que fosse operado o pretendido cúmulo jurídico.
Porém, nada esclarece relativamente à sua situação socioeconómica ou eventuais esforços tendentes à obtenção de meios para prover ao seu pagamento. Ao invés, basta-se com a alegação tabelar de que tal pagamento não lhe era imputável, limitando-se, singelamente, a derivar a ausência de culpa no seu não cumprimento da circunstância de se encontrar em prisão preventiva.
Foi, então, proferido o despacho que determinou o cumprimento pela arguida de 120 dias de prisão subsidiária.
Desse despacho veio a arguida recorrer pugnando pela sua revogação e substituição por outro que determine a suspensão da execução da prisão subsidiária, por não lhe ser imputável o não pagamento da pena de multa, com fundamento na sua reclusão.
Pugna ainda pelo entendimento que o despacho a quo padece de omissão de pronúncia, por não fazer constar do mesmo que “a arguida se encontrava em prisão preventiva desde 22.09.2020, à ordem dos autos n.º952/19.7SFLSB”.
Ora, entendemos que não assiste qualquer razão à recorrente, em qualquer das matérias que põe em crise, não sendo de aplicar, in casu, o estabelecido no n.º 3 do artigo 49.º, do Código Penal.
Dispõe o artigo 49.º, n.º 3, do Código Penal “Se o condenado provar que a razão do não pagamento da multa lhe não é imputável, pode a execução da prisão subsidiária ser suspensa, por um período de um a três anos, desde que a suspensão seja subordinada ao cumprimento de deveres ou regras de conduta de conteúdo não económico ou financeiro. Se os deveres ou as regras de conduta não foram cumpridos, executa-se a prisão subsidiária; se o forem a pena é declarada extinta”.
Nesta sede, só quando chamada a pronunciar-se sobre a conversão da pena de multa em prisão subsidiária, veio a arguida invocar, a sua situação de reclusão como razão do não pagamento da pena de multa, pelo que tal falta de pagamento não lhe podia ser imputável.
E, já só em sede de recurso, é que vem aludir à sua situação socioeconómica deficitária, derivada dessa privação de liberdade.
Relembre-se que a arguida foi julgada na ausência, não se tendo apurado qualquer facto quanto à sua situação socioeconómica. Relembre-se que notificada a arguida da possibilidade de lhe ser aplicada a prisão subsidiária por falta de pagamento da pena de multa a que foi condenada nos presentes autos, a arguida centrou o seu esforço argumentativo, numa pretendida sustação da conversão da pena de multa em prisão subsidiária, requerendo a sua apreciação só após a realização do cúmulo jurídico com outras penas a que fora condenada.
Ou seja, para além da averiguação promovida com vista à instauração de execução para pagamento coercivo da pena de multa, não existia nos autos, nem foi trazido aos autos pela arguida qualquer informação e prova quanto à sua situação económica.
Como efeito, da mera circunstância de se encontrar em situação de reclusão entre o momento do pagamento voluntário da pena de multa (e a eventual aplicação de mecanismos legais alternativos ao pagamento da multa ou ao seu pagamento faseamento) e o momento da conversão em prisão subsidiária, não decorre automaticamente que o condenado não reúna meios próprios para proceder ou pagamento da multa ou que se obrigasse perante terceiros, em ordem à obtenção de liquidez. Na certeza, porém, de que, até à decisão que operou a sua conversão em prisão subsidiária, a arguida manteve sempre uma postura processual de manifesto desprezo e desinteresse quanto ao desfecho deste processo e, em particular, quanto à condenação de que foi alvo.
Como bem anota o Mm. º Juiz no despacho a quo, “a arguida não alegou factos que demonstrem que o não pagamento da pena de multa não lhe era imputável nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 49.º, n.º 3, do Código Penal (…) Com efeito, a reclusão da arguida é-lhe plenamente imputável, sendo a mesma devida à prática de ilícito jurídico-penal por parte da arguida, não sendo assim admissível proferir qualquer juízo favorável no sentido de que a suspensão da pena acautela as finalidades da punição.
Acolher entendimento diverso, será como que premiar os condenados, que, em condições semelhantes, se limitem a repousar na sua própria reclusão, à ordem de outros processos, para que do incumprimento das penas de multa em que eventualmente venham a ser condenados nesse lapso temporal, não se extraiam as consequências previstas no artigo 49.º do Código Penal, em violação frontal do ónus da prova, previsto no n.º3 deste normativo, que faz impender sobre o condenado, no atinente à demonstração de que a razão do não pagamento da pena de multa lhe não é imputável.
Tal argumento é ainda menos admissível, se pensarmos que, apesar da reclusão à ordem de outros processos, a aqui recorrente esteve permanentemente representada por defensor e que em momento algum, mesmo em contexto pandémico, ou ainda que por meios alternativos, foi postergado o direito de contacto ou comunicação, por um lado, entre a arguida e o seu defensor, ou entre a arguida e o tribunal, que justificasse a inércia processual vinda de constatar.
In(sub)verter a ratio do normativo contido no artigo 49.º, n.º3 do Código Penal e fazer impender sobre o tribunal o ónus da demonstração da insuficiência socioeconómica do arguido em situações como a presente, configura ilegalidade crassa e não consentida pelo nosso ordenamento jurídico-penal.
Outrossim, inexiste, no despacho a quo, qualquer omissão de pronúncia no despacho que converteu a pena de multa em prisão subsidiária, no atinente à invocada desconsideração de que a arguida se encontrava na situação de prisão preventiva à ordem de outros auto. De resto, nem sequer se percebe a razão da invocação deste vício, considerando que a situação de reclusão da arguida é aí versada de forma expressa, e elencados os fundamentos que levaram o Mm. º Juiz a quo para a desconsiderar como causa bastante para a suspensão da prisão subsidiária.
Por todo o exposto, nenhuma censura merece o despacho sub judice.
Nestes termos e nos demais de direito aplicável, que Vossas Excelências doutamente suprirão, deve o recurso interposto pela arguida ser julgado improcedente e, em consequência, ser mantido integralmente o despacho que determinou o cumprimento da prisão subsidiária.
Assim, fazendo V. Exas. inteira JUSTIÇA.»
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Neste Tribunal, a Exma. Sr.ª Procuradora Geral Adjunta emitiu parecer corroborando a posição assumida pelo Ministério Público em 1ª instância, concluindo que o recurso deve ser julgado improcedente:

II - DO MÉRITO DO RECURSO:

Desde já se adianta que se nos afigura carecer a recorrente de razão tal como é defendido pelo Ministério Publica na sua resposta, que aqui se dá por integralmente reproduzida permitindo-nos apenas realçar o seguinte excerto “ ….. para além da averiguação promovida com vista à instauração de execução para pagamento coercivo da pena de multa, não existia nos autos, nem foi trazido aos autos pela arguida qualquer informação e prova quanto à sua situação económica.
Como efeito, da mera circunstância de se encontrar em situação de reclusão entre o momento do pagamento voluntário da pena de multa (e a eventual aplicação de mecanismos legais alternativos ao pagamento da multa ou ao seu pagamento faseamento) e o momento da conversão em prisão subsidiária, não decorre automaticamente que o condenado não reúna meios próprios para proceder ou pagamento da multa ou que se obrigasse perante terceiros, em ordem à obtenção de liquidez. Na certeza, porém, de que, até à decisão que operou a sua conversão em prisão subsidiária, a arguida manteve sempre uma postura processual de manifesto desprezo e desinteresse quanto ao desfecho deste processo e, em particular, quanto à condenação de que foi alvo.(…)”
Assim, e porque da leitura do requerimento que apresentou na sequencia de ter sido notificada para pagamento e que transcreve no art. 9 da sua motivação de recurso, não decorre, nem comprova, que o não pagamento da pena de multa não lhe era imputável nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 49.º, n. 3, do Código Penal , estava o tribunal recorrido impedido proferir qualquer juízo favorável no sentido de suspender a pena de multa ou de determinar o eu pagamento faseado, como posteriormente e extemporaneamente veio a requerer.
Assim, e não tendo a arguida atempadamente cumprido o ónus que sobre si recaia, de comprovar a sua insuficiência económica nos termos das disposições conjugadas dos arts. 489º e 490º do CPP, e 49º, nº3 do CPenal, nenhum reparo merece o despacho recorrido, não havendo qualquer omissão de pronúncia, pois, como atras se referiu, a reclusão da arguida e a situação de pandemia de per si não são bastante para afastar o ónus de alegar e comprovar insuficiência económica que legalmente recai sobre o condenado em pena de prisão
Assim, em conclusão, somos do parecer que o recurso da arguida deverá ser julgado improcedente, pois a decisão recorrida encontra-se, a nosso ver, sustentada quer de facto e de direito, devidamente fundamentada, não violando qualquer preceito legal, nomeadamente, os enunciados pela recorrente no recurso interposto
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Foi cumprido o art. 417º, n.º 2, do CPP.
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A recorrente apresentou resposta ao parecer do Ministério Público, concluindo como nas conclusões do recurso apresentado, ou seja, pela sua procedência.
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Efetuado exame preliminar e, colhidos os vistos, o processo foi presente à conferência, por o recurso dever ser aí julgado, nos termos do art. 419º, n.º 3, al. c), do CPP.
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II- FUNDAMENTAÇÃO.

Como é pacífico (Cf. o acórdão de uniformização de jurisprudência n.º 7/95 do STJ, de 19-10-1995, in Diário da República – I Série, de 28-12-1995), sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso – como sejam a deteção de vícios decisórios ao nível da matéria de facto emergentes da simples leitura do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum, previstos no art. 410º, n.º 2, do Código de Processo Penal, e a verificação de nulidades que não devam considerar-se sanadas, nos termos do art. 379º, n.º 2, e 410º, n.º 3, do mesmo código – é pelas conclusões extraídas pelo recorrente da motivação que se delimita o objeto do recurso e se fixam os limites de cognição do tribunal superior.

Posto isto, atenta a conformação das conclusões formuladas pela recorrente, o recurso prende-se com as seguintes:

1. Questões a decidir

- Saber se existe prova nos autos de que o não pagamento da multa não é imputável à arguida, e estão reunidos os pressupostos legais para ser determinada a suspensão da prisão subsidiária fixada;
– Nulidade da decisão, por omissão de pronúncia nos termos previstos no art. 379º, nº 1, al. c) do CPP, por não ter feito constar da mesma o facto da reclusão da arguida.

2. Factos e ocorrências processuais com interesse para a decisão:

Por sentença proferida em 21.09.2020, transitada em julgado em 11/11/2020 foi a arguida G. S. condenada, como autora material de um crime de burla simples, p. e p. pelo artigo 217.º, n.º 1 do Código Penal na pena de 180 (cento e oitenta) dias de multa, a 05,00€ (cinco euros) por dia.
Notificada para, no prazo de 15 dias, efectuar o pagamento da multa da sua responsabilidade, em que foi condenada por essa sentença, a arguida nada veio dizer ao processo.
Face à inércia da arguida, sob promoção do Ministério Público foram encetadas diligências junto de várias entidades no sentido de apurar se aquela aufere algum vencimento, subsídio ou pensão, bem como se tem bens móveis ou imóveis registados em seu nome, suscetíveis de serem penhorados, para lograr obter o pagamento da dívida.
Perante o resultado negativo dessas diligências, foi a arguida notificada para vir aos autos comprovar o cumprimento da pena de multa a que foi condenada, ou expor as razões por que não o fez, sob pena de, nada sendo dito ou requerido, ser considerado culposo o verificado incumprimento da mesma e, por via disso, convertida em dias de prisão subsidiária, nos termos do artigo 49º do Código Penal, caso não seja possível proceder à sua cobrança coerciva.
A arguida não realizou o pagamento da pena de multa, mas, por requerimento de 03/05/2021, alegou.
“1. Conforme comunicou ao Exmo. Tribunal (refª.: 37437055, de 14.12.2020), solicitou a realização do cúmulo jurídico de penas ao Juízo Local Criminal de Torres Novas, tendo os autos, ao presente, cópia das sentenças (ora verificado na aplicação CITIUS), para a realização do mesmo;
2. No caso presente, foi condenada por sentença de 21.09.2020, com trânsito em outubro, quando a mesma já se encontrava submetida à medida de coação de prisão preventiva, desde 22-09-2020; situação em que ainda se encontra;
3. Estando em pp, a arguida não solicitou a prestação de trabalho a favor da comunidade, não procedeu a algum pagamento (nos 4 processos em que foi condenada), e aguarda a realização do cúmulo jurídico de penas com vista ao definir «e arrumar» da sua situação, que, finalmente, tende para tal com os efeitos da reclusão e da pena a evidenciarem-se.
4. As penas (individualmente aplicadas) tendem para a pena única, e após a definição da situação (pagamento, substituição ou conversão) da mesma (pena única) a curto prazo;
5. Não decorrendo o não pagamento da multa de culpa sua, e podendo a execução ser suspensa, requer não se proceda à conversão da multa não paga em prisão subsidiária até realização do cúmulo jurídico. Por outro lado, estando a condenada em pp, com o devido respeito, que é muito, a suspensão da conversão em execução em nada abala ou descredibiliza os fins da pena e, antes, a realização do cúmulo evidencia a unidade e o funcionamento do sistema jurídico.”
Ou seja, que se encontrava em prisão preventiva e que, em face dessa circunstância, o não pagamento não lhe era imputável, requerendo, a final, a sustação ou não conversão da pena de multa em prisão subsidiária até à realização do cumulo jurídico da pena aplicada nestes autos, com outras penas em que a mesma fora condenada noutros processos crime.

Foi então proferido, com data de 10/05/2021, no tribunal recorrido foi proferida a seguinte decisão:
«A arguida G. S. foi condenada na pena de 180 (cento e oitenta) dias de multa, a 05,00€ (cinco Euros) por dia, o que perfaz a quantia global de 900,00€ (novecentos Euros).
A arguida não procedeu ao pagamento voluntário dessa multa e nem requereu o seu pagamento em prestações ou a sua substituição por prestação de trabalho a favor da comunidade.
Por outro lado, não alegou factos que demonstrem que o não pagamento da pena de multa não lhe era imputável nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 49.º, n.º 3, do Código Penal – adiante designado pela sigla C.P..
Com efeito, a reclusão da arguida é-lhe plenamente imputável, sendo a mesma devida à prática de ilícito jurídico-penal por parte da arguida, não sendo assim admissível proferir qualquer juízo favorável no sentido de que a suspensão da pena acautela as finalidades da punição.
Finalmente, também não se mostra viável a cobrança coercível.
Importa ainda referir que inexiste fundamento legal para, conforme requerido pela arguida, sobrestar na decisão de conversão da pena de multa em prisão subsidiária por se aguardar a realização de cúmulo jurídico.
Assim, indefiro o requerido pela arguida e, nos termos do disposto no artigo 49.º, n.º 1, do C.P., e nos termos doutamente promovidos, terá agora a arguida de cumprir 120 (CENTO E VINTE) dias de prisão subsidiária.
Nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 491.º-A, n.º 3, do Código de Processo Penal, fixo o quantitativo diário de 7,50€ (sete Euros e cinquenta Cêntimos).»
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3. Apreciação do recurso

O presente recurso foi interposto atempadamente, em 14/06/2021, portanto, no prazo de 30 dias subsequentes à notificação da decisão datada de 13/05/2021.
Antes de mais, diga-se desde já que não assiste a razão à recorrente no que concerne à invocada falta de pronúncia do tribunal recorrido sobre a sua situação de reclusão.
Como resulta evidente da decisão em apreciação, na fundamentação aí exarada foi feito constar: “Por outro lado, não alegou factos que demonstrem que o não pagamento da pena de multa não lhe era imputável nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 49.º, n.º 3, do Código Penal – adiante designado pela sigla C.P..
Com efeito, a reclusão da arguida é-lhe plenamente imputável, sendo a mesma devida à prática de ilícito jurídico-penal por parte da arguida, não sendo assim admissível proferir qualquer juízo favorável no sentido de que a suspensão da pena acautela as finalidades da punição.” Sublinhado nosso.
Ou seja, contrariamente ao alegado pela recorrente, o facto de se encontrar em cumprimento de medida de coação de prisão preventiva, a repercussão que essa reclusão poderia conferir para a sua situação económica, ou seja, a falta de imputabilidade para o não pagamento da pena de multa, consta da decisão recorrida e foi ponderada para o efeito pretendido, a solicitada suspensão da prisão subsidiária que resultou da conversão da sanção inicialmente aplicada.
Não deixou, pois, o tribunal recorrido de se pronunciar sobre a questão concreta que lhe foi suscitada pelo recorrente, o que origina o fracasso da posição tomada no recurso.
Sendo certo, no entanto, que a eventual nulidade da decisão impugnada, por omissão de pronúncia, nos termos do art. 379º, nº 1 al. c), do CPP, jamais se verificaria, uma vez que este dispositivo legal apenas se aplica às sentenças e não aos meros despachos, por maior relevância que tenham, como é o caso dos autos. E, não se tratando de uma nulidade de sentença, não pode estar sujeita ao regime do art. 379.°, mas ao regime de invocação e sanação das nulidades em geral, decorrente dos arts. 120.° e 121.°, do mesmo Código, pelo que tinha de ser invocada no prazo de dez dias (art. 105.°, n.° 1, do CPP), se outra coisa não resultar do n.° 3 do mesmo art. 120.°, nomeadamente da sua alínea a), que impõe que a nulidade deve ser arguida «antes que o ato esteja terminado», tratando-se de nulidade de ato a que o interessado assista.
Diga-se, também, que não vislumbramos em que normas legais é que a requerente se estriba para pugnar pela sustação da conversão da multa não paga em prisão subsidiária, pelo facto de, supostamente, a pena de multa se encontrar em concurso com outras aplicadas noutros processos e a aguardar a sua integração numa aventada decisão de efetivação de cúmulo jurídico a realizar num deles.
Esta posição não tem qualquer sustento legal, designadamente no regime de punição do concurso de crimes, previsto nos artigos 77º e 78º, do CP.
Improcede, também, a posição da recorrente
Avancemos
A questão principal a apreciar consiste em saber se nas circunstâncias dos autos se mostravam verificados os pressupostos para o tribunal enveredar pela suspensão na sua execução da pena de prisão subsidiária resultante da conversão efetuada.
Com efeito, para além da questão respeitante ao alegado concurso de crimes, já dilucidada, decorre das conclusões do recurso que a recorrente não questiona a substituição da pena de multa por prisão subsidiária, mas tão só a sua não suspensão, não obstante resultar dos autos que o não pagamento da multa se deveu a razões alheias à sua vontade, em suma, não é imputável a culpa sua.
Como já resulta do antecedente relatório, a arguida encontrava-se recluída, em cumprimento de medida de coação de prisão preventiva, desde 22/09/2020.
A sentença condenatória foi proferida em 21/09/2020, e transitou em julgado no dia 11/11/2020, ou seja, a medida de coação que decretou a sua prisão preventiva foi proferida no dia a seguir à prolação da sentença e, por isso, antes do trânsito da mesma.
Todas as notificações transmitidas, designadamente para pagamento da multa e, perante a sua inércia e a inexistência de bens penhoráveis, vir aos autos comprovar o cumprimento da pena de multa a que foi condenada ou expor as razões por que não o fez, sob pena de, nada sendo dito ou requerido, ser considerado culposo o verificado incumprimento da mesma e, por via disso, convertida em dias de prisão subsidiária, foram-no quando já se encontrava recluída no estabelecimento prisional, e remetidas para esse endereço.
Durante esse período de tempo, a recorrente não tomou qualquer posição quanto ao pagamento da multa, nem solicitou a sua substituição por prestação de trabalho a favor da comunidade.

Apenas quando da notificação para a eventualidade da conversão da pena de multa em prisão subsidiária veio apresentar o requerimento de 03/05/2021, no qual faz alusão à sua situação prisional, invoca a sua não culpabilidade no não pagamento daquela e aventa a hipótese suspensão na sua execução da pena que resultar dessa conversão, dizendo:
“Não decorrendo o não pagamento da multa de culpa sua, e podendo a execução ser suspensa, requer não se proceda à conversão da multa não paga em prisão subsidiária até realização do cúmulo jurídico. Por outro lado, estando a condenada em pp, com o devido respeito, que é muito, a suspensão da conversão em execução em nada abala ou descredibiliza os fins da pena e, antes, a realização do cúmulo evidencia a unidade e o funcionamento do sistema jurídico.”
O tribunal recorrido, após diligências realizadas para o efeito, concluiu pela impossibilidade de execução patrimonial, constando do despacho recorrido que ao arguido não são conhecidos bens.
No seguimento daquele requerimento veio a ser proferido o despacho recorrido.

Nos termos do artigo 49º do Código Penal:
1. Se a multa, que não tenha sido substituída por trabalho, não for paga voluntária ou coercivamente, é cumprida prisão subsidiária pelo tempo correspondente reduzido a dois terços (…);
(…)
3. Se o condenado provar que a razão do não pagamento da multa lhe não é imputável, pode a execução da prisão subsidiária ser suspensa, por um período de um a três anos, desde que a suspensão seja subordinada ao cumprimento de deveres ou regras de conduta de conteúdo não económico ou financeiro. Se os deveres ou as regras de conduta não forem cumpridos, executa-se a prisão subsidiária; se o forem, a pena é declarada extinta.
(…).
Vejamos
Antes de mais, importa salientar Como ensina Figueiredo Dias, (Cfr. - Direito Penal Português - As Consequências Jurídicas do Crime, Editorial Notícias, 1993, página 147), que a pena de prisão subsidiária constitui uma verdadeira pena de constrangimento conducente à realização do efeito preferido de pagamento da multa na medida em que o condenado pode a todo o tempo evitar a execução da pena de prisão subsidiária, pagando, no todo ou em parte, a multa a que foi condenado – artigo 49.º, n.º 2 do Código Penal.
Na situação dos autos, está em causa a execução de uma pena não privativa da liberdade, in casu, de uma pena de multa, que foi convertida em prisão subsidiária no despacho impugnado.
Cumpre dizer, que uma das características mais marcantes do atual ordenamento penal português resultante da reforma legislativa de 1982, assenta na ideia de que as sanções privativas da liberdade constituem a última ratio da política criminal, aqui relevando os princípios da necessidade/subsidiariedade da intervenção penal e da proporcionalidade das sanções penais (art 18º n.º 2 da CRP e, por exemplo os arts 70º e 98º do Cód. Penal) – cfr. Maria João Antunes, Penas e Medidas de Segurança, p. 17, Ed. Almedina.
Em coerência com essa orientação, o legislador de 1982 privilegiou a pena de multa, em contraponto com a pena de prisão, elevando-a a pena principal, vertente que veio a ser aprofundada com a revisão operada pelo DL nº 48/95, de 15 de Março, onde se pode ler no preâmbulo que “impõe-se, pois, devolver à pena de multa a efetividade que lhe cabe. A dignificação da multa enquanto medida punitiva e dissuasora passa por um significativo aumento, quer na duração (…) quer no montante máximo diário (…). E assim sendo, afastado o carácter residual ou secundário que a pena de multa assumia antes de 1982, o legislador rodeou aquela pena dos mecanismos aptos a acentuar a sua natureza de verdadeira pena criminal, conferindo-lhe a dignidade que esse estatuto reclamava, sob pena de não conseguir responder ao desafio de relegar a pena detentiva para o papel de ultima ratio do sistema penal. E tal desiderato passou – para além do mais - pelo estabelecimento de um sistema de execução da pena orientado para a preservação da dignidade penal da pena pecuniária, visando evitar que esta se convertesse numa (…) forma disfarçada de absolvição ou (…) de uma dispensa ou isenção da pena que se não tem a coragem de proferir“ (Ibidem Figueiredo Dias, obra citada, § 123).
Assim sendo, a interpretação do regime legal relativo à execução da pena de multa, “deverá ser em sintonia com as finalidades apontadas às penas; sem que se ignore, pois, em momento algum, no decurso da respetiva execução, que constituindo a pena de multa uma verdadeira pena criminal haverá que assegurar sempre a tutela do bem jurídico violado e a reintegração social do condenado, qualquer que seja a modalidade da execução que venha a ser seguida, porquanto é através da execução da pena, qualquer que ela seja, que se confere razão prática à sentença condenatória e se asseguram as finalidades de prevenção. Dito de outro modo, precisamente porque se trata de uma pena criminal, o condenado tem que a sentir como tal, sob pena de frustração das finalidades visadas através da sua aplicação; razão que justifica que as alternativas de cumprimento da pena de multa exijam a sua intervenção concreta e interessada, pois é a ele que cabe explicar o não cumprimento da pena em que foi condenado e para cujo cumprimento foi devidamente notificado sendo, pois, ao condenado que cabe requerer a suspensão da pena de prisão subsidiária e provar que o não pagamento lhe não é imputável. (Cfr. Ac. da Rel. de Coimbra de 13-5-12020, processo n.º 36/16.6T9LSA-A.C1, in www.dgsi.pt, e Paulo Pinto de Albuquerque, C.P.P. anotado, 3ª edição, p. 1237.
Voltando à norma legal em apreço, verificamos que o disposto no nº 3, do art. 49º, do CP, impõe a suspensão da prisão subsidiária se o incumprimento não for imputável ao condenado e este o provar.
Estando em causa a privação da liberdade, haverá que ponderar, conforme o Ac. Rel. Évora de 25-09-2012 (Proc. 111/08.4TAVR.E1 disponível in www.dgsi.pt), que “A prisão subsidiária da multa principal não paga está longe de constituir realidade pacífica no domínio das consequências jurídicas do crime, suscitando problemas do ponto de vista político criminal, dogmático e de constitucionalidade, que em sistemas jurídicos de que somos próximos deu mesmo origem a decisões dos respetivos tribunais constitucionais.
Na verdade, se são conhecidas as vantagens da pena de multa que levam a que se mantenha como opção legislativa significativa para a pequena e média criminalidade, continuando a ser aplicada também entre nós, são-lhe apontados inconvenientes de relevo, sendo essencialmente duas as questões de maior importância e gravidade que se têm suscitado.
Por um lado, a desigualdade resultante das diferenças de fortuna dos condenados e, por outro, os casos de falta de pagamento por falta de meios económicos, que pode levar a que, na prática, acabe por sancionar-se alguém com a prisão, não por ser essa a reação penal necessária e adequada para punir o ilícito praticado, mas por falta de meios para satisfazer a sanção pecuniária aplicada.
A consciência da sua gravidade tem levado a tentativas sérias de resolver ou minorar aqueles problemas, sendo disso exemplo, no que concerne à questão da desigualdade, o sistema de dias de multa, nomeadamente, quanto ao quantitativo diário que deve ser fixado de acordo com a situação económica e financeira do condenado, como sucede entre nós (art. 47º nº2 do C.Penal), ou através de alternativas à declaração e efetividade do cumprimento de prisão subsidiária nos casos de falta de pagamento da multa, de que o nosso código penal é igualmente exemplo, no que concerne ao segundo problema destacado e que aqui nos ocupa diretamente”.
(…)”
“Importa ter presente que o regime do incumprimento da pena principal de multa pretende constituir uma solução equilibrada para um problema jurídico e social que se desenvolve na tensão entre dois polos.
Por um lado, vale a necessidade de garantir a credibilidade e eficácia intimidatória da multa enquanto pena criminal, tanto mais que continua a ser uma das penas com maior potencialidade para constituir alternativa à pena de prisão, para além de sempre estar em causa a ineludibilidade e inderrogabilidade das penas em geral. Referindo-se à eventual contradição, no plano político criminal, resultante do cumprimento de prisão por falta de pagamento da multa que a lei penal perspetiva como alternativa às penas curtas de prisão, refere por todos, Quintero Olivares (Gonzalo Quintero Olivares, tradução de F.Morales Prats e J.M: Prats Canut, Manual de Derecho Penal, Aranzadi Editorial – 2000, p. 669) que a prisão subsidiária constitui o elemento coercivo necessário para que a pena de multa seja eficaz. De contrário, conclui, a pena pecuniária não serviria para nada. O direito penal deve evitar o recurso à pena clássica, mas não deve substitui-la pelo vazio).
Por outro lado, está bem presente a preocupação de assegurar o princípio constitucional da igualdade no domínio das consequências jurídicas do crime, procurando prevenir, essencialmente, que alguém venha a cumprir prisão por falta de capacidade económica e financeira para solver a multa”.
Como é sabido, a prisão subsidiária da multa e a prisão como pena principal, são respostas criminais que, por atingirem a liberdade individual, bem jurídico fundamental, devem ser aplicadas como ultima ratio.
Com efeito, apesar de as duas medidas terem géneses diferentes - a prisão subsidiária tem uma função de constrangimento ao pagamento da pena de multa, e a pena de prisão constitui uma censura penal direta -, na fase de execução ambas atuam como uma verdadeira pena privativa da liberdade, sendo nesta fase em tudo idênticas - neste sentido Acórdãos da Rel. do Porto de 22/09/2010 e 02/11/2011 in www.dgsi.pt).
“Assim, a suspensão da prisão subsidiária a que se alude no nº 3 do artº 49º do Cód.Penal, surge como tentativa de resolução desta verdadeira quadratura do círculo, realização das finalidades da punição e preservação da liberdade dos mais carentes economicamente. Daqui decorre que o recorrente só pode ver-lhe negado qualquer meio substitutivo da pena de prisão alternativa se não for permitido concluir que a falta de pagamento da multa não lhe é imputável, ou seja, se os elementos constantes dos autos permitirem concluir que os seus proventos económicos não são suficientes para o pagamento da multa.” (Ac Rel Coimbra de 6-02-2013, in www.dgsi.pt.)
Tem pois a arguida/recorrente o direito de provar que a razão do não pagamento da multa lhe não é imputável nos termos do assinalado art. 49º nº 3, do CP.

A propósito, citando um outro acórdão da Relação de Coimbra, proferido no processo 21/13.3PTVIS-A.C1 de 18.11.2015, publicado em www.dgsi.pt:

“Sem questionar a circunstância de o legislador fazer recair sobre o condenado a prova de que a razão de ser do não pagamento da multa lhe não é imputável - incumbência cuja conformidade à lei fundamental já foi reconhecida pelo Tribunal Constitucional no acórdão n.º 491/2000, de 22.11.2000 -, afigura-se-nos, de todo, irrazoável que se, por força das vicissitudes com vista ao cumprimento da pena, resultar dos autos uma situação de precariedade económica/financeira por parte daquele, ao ponto de inviabilizar a cobrança coerciva da multa (…) situação, essa, sustentada por documentos e informações que o próprio tribunal se encarregou de reunir, se ignorem, para efeito da suspensão da prisão subsidiária, os elementos, assim, recolhidos.
De facto, conforme decorre do citado aresto do Tribunal Constitucional, a demonstração de que o não pagamento da pena de multa não é imputável ao condenado pode naturalmente fazer-se por via da prova de factos positivos, de onde resulte essa não imputabilidade. Basta pensar, por exemplo, na apresentação de determinados documentos (declaração de rendimentos, recibo do subsídio de desemprego, atestado da junta de freguesia, declaração relativa a eventual internamento hospitalar, entre outros), dos quais se deduza não ser imputável ao condenado o não pagamento da multa em que foi condenado.
E neste domínio não podem, no caso em apreço, deixar de ser considerados todos os elementos carreados para os autos (…).
Quer a razão de ser do não pagamento por facto não imputável ao condenado remonte ao momento da condenação, quer surja posteriormente, como refere Maria João Antunes «depois das alterações introduzidas pelo Decreto-Lei n.º 48/95, quer a razão do não pagamento da pena de multa seja contemporânea da condenação quer seja superveniente, a solução é sempre a da suspensão da execução da prisão subsidiária, nos termos do n.º 3 do artigo 49.º do CP, quando tal razão não seja imputável ao condenado, em observância do princípio da igualdade (artigo 13.º, n.º 2, da CRP)» - [cfr. Consequências Jurídicas do Crime”, pág. 69].
Traduzindo-se a suspensão da prisão subsidiária num poder-dever ou poder-vinculado do tribunal, constando dos autos elementos que insofismavelmente apontam para uma situação de precariedade económica/financeira do condenado, induzindo fundamentadamente o juízo de que o não pagamento da multa decorre de razão que não lhe é imputável, então, é mister concluir encontrarem-se reunidas as condições para decidir pela suspensão da execução da prisão subsidiária [sanção de constrangimento, visando, de facto, em último termo, constranger o condenado a pagar a multa], por um período compreendido entre os limites mínimo e máximo legalmente previstos, subordinando-a ao cumprimento de deveres ou regras de conduta de conteúdo não económico ou financeiro, que se venham a revelar adequadas.”
A situação apreciada no acórdão acabado de citar tem coincidência, no essencial, com a dos presentes autos dos quais resulta que à arguida não são conhecidos bens ou rendimentos penhoráveis e, para além disso, que se encontrava presa e impossibilitada de pagar a multa.
No caso vertente a arguida alegou que a falta de pagamento não lhe era imputável, como resulta do requerimento acima aludido, e o tribunal tinha confirmado que não tinha bens penhoráveis.
Por outro lado, estando presa, naturalmente não poderia ter outro rendimento senão o proveniente de eventual trabalho que exercesse no estabelecimento prisional, questão que não foi aflorada, nem averiguada.
No centro da divergência com a decisão recorrida encontra-se o juízo de imputação previsto no citado nº 3 do art. 49º, do CP, onde se debate se a situação de reclusão da arguida no estabelecimento prisional constitui uma circunstância que lhe é imputável quanto à impossibilidade de pagar a multa, por falta de rendimentos.
Sendo certo que a conversão da multa em prisão subsidiária de 120 dias opera quando o pagamento da multa aplicada como pena principal não ocorre voluntária ou coercivamente (mediante processo executivo), já o cumprimento efetivo dessa pena de prisão resultante da conversão pode ficar suspenso, como se frisou, caso a arguida prove (este é um ónus que o legislador lhe impôs) que a razão do não pagamento não lhe é imputável (cfr.art.49º nº3 do CP).
Discute-se, pois, no recurso se o cumprimento de pena de prisão no estabelecimento prisional (em cumprimento de medida de coação de prisão preventiva em processo diverso) pode corporizar uma razão não imputável à arguida, pela circunstância de ficar impossibilitado de trabalhar, e assim deixar de auferir rendimentos.
Relativamente à suspensão da execução da pena de prisão subsidiária, o despacho recorrido entendeu que não se verificavam os respetivos requisitos e daí que não tenha suspendido a prisão subsidiária. Para tanto, sublinhou que, nos termos do art. 49º, 3 do C.P, é pressuposto da suspensão da execução do cumprimento da prisão subsidiária que o verificado não pagamento aconteça por motivo não imputável à arguida, e que, no caso, não fez prova dessa verificação: “Por outro lado, não alegou factos que demonstrem que o não pagamento da pena de multa não lhe era imputável nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 49.º, n.º 3, do Código Penal – adiante designado pela sigla C.P..”
Acrescentou-se, até, que essa situação prisional só poderia ser imputada em termos de culpabilidade à própria arguida, como se fez constar: “Com efeito, a reclusão da arguida é-lhe plenamente imputável, sendo a mesma devida à prática de ilícito jurídico-penal por parte da arguida, não sendo assim admissível proferir qualquer juízo favorável no sentido de que a suspensão da pena acautela as finalidades da punição.” Sublinhado nosso.
“Ora, é consabido que uma condenação pela prática de um crime em prisão efetiva pode ocorrer pelos delitos mais diversos, cometidos com dolo ou até com negligência, com ofensa dos bens jurídicos mais distintos, sendo que um processo criminal e as suas consequências jurídicas são o resultado de causalidades complexas onde, sem embargo das condutas aí imputadas ao arguido, essas causalidades fundam-se em factos e contextos judiciários, totalmente distintos do cenário dos presentes autos, onde, após o trânsito em julgado, no curso da execução das penas, se indagam das possibilidades económicas do arguido para aferição do pagamento da pena de multa.
É claro que a reclusão em estabelecimento prisional com toda a probabilidade condicionará uma situação de insuficiência económica ditada pela impossibilidade de auferir rendimentos. Porém, o juízo de imputabilidade ao arguido que se discute, tem imanente, juízos de causalidade adequada aferidos à economia do que está em apreciação e que respeita ao estado de impossibilidade de pagar a pena de multa. E é com apelo a estas cautelas que alguma jurisprudência tende a considerar que as condenações que determinam o cumprimento de prisão efetiva, anteriores aos factos que determinam a condenação em multa, não podem ser imputadas ao arguido.
Porém, uma correta aferição dos parâmetros da causalidade adequada, impõe que não se impute ao arguido a impossibilidade de pagar pela situação de reclusão, seja qual for o “timing” dessa condenação, dado que, a consequência jurídica - pena de prisão efetiva - ditada nesse outro processo, respeita a causalidades distintas, por outras responsabilidades ou culpa, que nada têm que ver com a responsabilidade do arguido pelo não pagamento da pena de multa. Não se pode confundir a culpa e a imputação de uma condenação (onde o Tribunal respetivo optou ou aplicou uma pena privativa da liberdade), com as responsabilidades do arguido em solver as suas dívidas; cumprir e liquidar as penas pecuniárias e em prover pela sua subsistência. São realidades normativas totalmente distintas para o Direito.
O ónus previsto no nº 3 do art.49º do CP supõe que o arguido tenha de atuar com a diligência que lhe é possível para cumprir o dever de pagar a pena de multa, dentro das suas possibilidades e competências, devendo o mesmo provar que a impossibilidade de pagar não lhe é imputável. Este contexto económico não se pode confundir com a integralidade de todos os acontecimentos e comportamentos do agente, sob pena destes estarem sob vigilância (tal como sucede no regime da suspensão da pena de prisão). Para aferição das suas possibilidades económicas e diligência, não se podem imputar ao arguido outros comportamentos criminosos e as consequências dos mesmos.
Para quem defende o contrário, teria de procurar causas cada vez mais estranhas e distantes, ao arrepio da adequação, tal como a circunstância do arguido não ter desenvolvido a sua atividade remunerada por estar doente, e essa doença decorreu por incúria sua, quando não se tratou medicamente. Portanto, na tarefa e nos hábitos de pesar e medir as causalidades, não se podem permitir juízos de imputação, assentes em processos causais que nada tiveram com as possibilidades de pagamento de pena de multa naquilo de que depende adequadamente do arguido.” (Cfr. Ac. da Rel. do Porto, de 11/11/2020, in www.dgsi.pt).
A posição sufragada neste acórdão afigura-se-nos como a mais ajustada a situações como aquela que enfrentamos nos presentes autos, e, com a devida vénia, é por nós seguida e aqui adotada.

No caso vertente, como já se salientou, a arguida foi presa preventivamente no dia seguinte à data de prolação da sentença que a condenou ao pagamento da pena de multa, datada de 21/09/2020, demonstrando a impossibilidade de pagar essa multa por estar reclusa
Esta situação de reclusão foi-lhe imposta antes do trânsito em julgado daquela decisão, no cumprimento de uma medida de coação de prisão preventiva, que lhe foi imposta no âmbito do Processo nº 952/19.7SFLSB, preenche a tutela prevista no nº3 do art.49º do CP.
Apesar desta medida de coação imposta nesse processo provavelmente lhe ser atribuível em termos causais, a impossibilidade de auferir rendimentos, já não lhe é imputável. A circunstância de estar fortemente indiciada da prática de um crime que levou á aplicação da prisão preventiva, à situação de reclusão, e a inércia que entretanto assumiu sem que liquidasse a pena de multa aplicada, nem requeresse a sua substituição por prestação de trabalho a favor da comunidade, não afeta o juízo de impossibilidade de pagamento que se consumou com a reclusão da arguida, devendo por isso proceder o recurso.
A realidade factual vertida nos autos, contrariamente ao feito constar no despacho recorrido para fundamentar a não suspensão solicitada, afigura-se-nos, salvo o devido respeito por opinião diversa, bastante para se possa considerar verificado o requisito legalmente imposto, ou seja, para se considerar provado que o não pagamento da multa não é imputável à arguida.
Não lhe é imputável, desde logo, porque a arguida se encontrava recluída em cumprimento de medida de coação de prisão preventiva (aplicada noutro processo) desde data anterior à do trânsito em julgado da sentença proferida nestes autos, e porque se deu como provado que não lhe são conhecidos bens, não se tendo mostrado viável a cobrança coerciva da multa, dada a comprovada situação de inexistência de bens penhoráveis, e também não se apurou que auferisse quaisquer rendimentos.
De igual forma, também não procede o argumento aduzido no despacho recorrido de que a prisão preventiva a que a arguida se encontrava sujeita lhe é imputável, uma vez que tal não invalida a precária situação económica em que a mesma se encontra. De resto, no seguimento do expendido no acórdão da Relação do Porto aludido, o art. 49º, n.º 3 do C. Penal apenas impõe como pressuposto da suspensão da execução da prisão subsidiária que o condenado prove que “a razão do não pagamento lhe não é imputável”. Ou seja, a lei refere-se à razão do não pagamento da multa (inimputabilidade do não pagamento), sem qualquer referência à culpa do condenado para essa situação.
Refira-se, por fim, que não colhe o argumento do despacho recorrido, apelando à natureza e finalidades da suspensão da execução da pena, para daí chegar à conclusão: “não sendo assim admissível proferir qualquer juízo favorável no sentido de que a suspensão da pena acautela as finalidades da punição”. A inconcludência deste argumento decorre da análise do próprio texto do art. 49º, nº 3, do CP, que nada diz (em comparação com o art. 50º, 1 do C.P) quanto à necessidade de ponderação das finalidades da punição.
Haverá assim de ser revogada a decisão que indeferiu a suspensão da prisão subsidiária de 120 dias, devendo ser substituída por outra que assim a suspenda, nos termos do art.49º nº3 do CPP, subordinada a deveres e regras de conduta, de conteúdo não económico ou financeiro.

III DISPOSITIVO.

Pelo exposto, acordam os juízes na Secção Criminal do Tribunal da Relação de Guimarães, em conceder provimento ao recurso, nos termos acima expostos e, consequentemente, revogar a decisão recorrida, a qual deverá ser substituída por outra que suspenda a execução da pena de 120 dias de prisão subsidiária (por conversão da pena de 180 dias multa), aplicada à recorrente G. S., pelo período que se entender como adequado, devendo ainda o tribunal a quo fixar os deveres ou regras de conduta de natureza não económica a que a referida suspensão fica subordinada, nos termos do disposto no n.º 3 do art. 49º, do C.P.
Sem tributação.
Notifique.
(O acórdão foi elaborado pelo relator e revisto pelos seus signatários, nos termos do artigo 94.º, n.º 2 do CPP)
Guimarães, 16 de dezembro de 2021

Os Juízes Desembargadores
José Júlio Pinto
Pedro Cunha Lopes