I. Os créditos emergentes de contratos de mútuo bancário em que é convencionada a amortização da dívida em prestações periódicas de capital com os respetivos juros estão sujeitos ao prazo de prescrição de cinco anos previsto no artigo 310.º, alínea e), do Código Civil.
II. O vencimento antecipado da totalidade das prestações não altera a natureza da dívida, não interferindo com o referido prazo prescricional. (sumário da relatora)
2. Para tanto, apresentou o documento que fez juntar ao requerimento executivo, correspondente a uma escritura pública de compra e venda e mútuo com hipoteca, celebrado, entre outrem, entre “Banco de Investimento Imobiliário, S.A.” e os aqui Embargantes, em 23 de Julho de 1997, com vista à concessão do montante para aquisição de casa própria.
3. O montante foi o equivalente a €44.892,00 e seria reembolsado em prestações mensais.
4. Os Embargantes deixaram de pagar as prestações a partir de 23 de Janeiro de 2008.
5. O bem imóvel hipotecado para garantia do pagamento da dívida foi vendido a terceiro, no âmbito do processo de execução fiscal nº 1112200701006754.
6. Por conta da venda do supra identificado imóvel, o Banco recebeu a quantia de €39.792,71, em Janeiro de 2010.
7. Em dívida está o valor de €5.853,98 de capital.
8. Os Embargantes foram citados para a acção executiva em 26 de Abril de 2021.»
C- De Direito
A sentença recorrida considerou a dívida (capital e juros) prescrita aplicando ao caso o prazo de 5 anos previsto no artigo 310.º, alínea e), do Código Civil, fundamentando-se em jurisprudência que tem defendido que o vencimento antecipado de todas prestações por falta de pagamento de uma delas, nos termos do artigo 781.º do Código Civil, implica o vencimento imediato e a perda do benefício do prazo, mas não altera a natureza da dívida, consubstanciada em obrigações mensais e sucessivas, não interferindo com o prazo prescricional aplicável em função da natureza fragmentada da obrigação.
A recorrente defende, ao invés, a aplicação do prazo de prescrição de 20 anos previsto no artigo 309.º do Código Civil, também se escudando em jurisprudência e doutrina que defende que o vencimento imediato de todas as prestações em face do não pagamento de uma delas determina que a dívida assuma a natureza de obrigação unitária, englobando o capital e os juros, encontrando-se, assim, sujeita ao prazo de prescrição ordinário.
Vejamos, então.
O artigo 309.º do Código Civil estipula do seguinte modo:
«Prescrevem no prazo de cinco anos:
a) As anuidades de rendas perpétuas ou vitalícias;
b) As rendas e alugueres devidos pelo locatário, ainda que pagos por uma só vez;
c) Os foros;
d) Os juros convencionais ou legais, ainda que ilíquidos, e os dividendos das sociedades;
e) As quotas de amortização do capital pagáveis com os juros;
f) As pensões alimentícias vencidas;
g) Quaisquer outras prestações periodicamente renováveis.»
Por sua vez, o artigo 310.º do mesmo diploma prescreve:
«O prazo ordinário da prescrição é de vinte anos.»
Como resulta do artigo 298.º do Código Civil, a prescrição tem o efeito de extinguir direitos que não sejam indisponíveis ou imprescritíveis por força da lei, não se incluindo nessa exclusão os direitos de crédito.
Assim, pelo decurso do prazo previsto na lei sobre o não uso de um direito de crédito e preenchidos os demais requisitos também exigidos por lei, extingue-se a relação jurídica e, consequentemente, também os respetivos direitos e obrigações que gerou.
Porém, a prescrição só releva se for invocada pelos interessados, embora a todos aproveite, pois, o juiz não a pode declarar ex officio (artigos 301.º e 303.º do Código Civil).
O início da contagem do prazo de prescrição depende, em regra, de dois requisitos: a existência do direito e a possibilidade do seu exercício (artigo 306.º, n.º 1, do Código Civil).
No que concerne à aplicação do prazo de prescrição aplicável a um contrato de mútuo remunerado, cujas prestações se encontram fracionadas ao longo do tempo, através de prestações de capital e juros, como é o caso dos mútuos bancários que financiam contratos de compra e venda, como sucede na situação em apreço, é consensual que se aplica o prazo de prescrição de 5 anos previsto no artigo 310.º, alínea e), do Código Civil, enquanto não se verificar incumprimento de qualquer das prestações conforme o plano prestacional convencionado.
As divergências doutrinárias e jurisprudências surgem quando ocorre incumprimento de uma (ou várias) prestações (capital e juros) verificando-se, por esse modo, e por via do artigo 781.º do Código Civil, o vencimento antecipado de todas as demais (ressalvando-se, por via do AUJ de 25-03-2009, DR, de 05-05-2009, os juros remuneratórios relativos às prestações que se venceriam no futuro).
As duas teses em confronto são, precisamente, as que se debatem nestes autos.
No nosso entender, e seguindo a jurisprudência maioritária sobre esta questão, já que não descortinamos razão preponderante para a afastar, entende-se que, nestas situações, se aplica o prazo de 5 anos previsto no artigo 309.º, alínea e), do Código Civil.
A circunstância do direito de crédito se vencer antecipadamente, na sua totalidade, em resultado do incumprimento e da resolução da relação contratual, se for o caso, não significa o desaparecimento da natureza fragmentada da obrigação composta por duas parcelas – capital e juros – assim convencionada pelas partes, nem o regime de prescrição.
Socorrendo-nos da jurisprudência mais recente do STJ, publicada no site www.dgsi.pt, destacamos os seguintes arestos:
- Acórdão do STJ, de 09-02-2021[1], onde se pode ler:
«(…) estamos perante uma situação perfeitamente subsumível à alínea e) daquele preceito, porquanto se trata de uma obrigação de reembolso de dívida que foi objecto de um plano de amortização, composto por diversas quotas, que compreendem uma parcela de capital e outra de juros remuneratórios e que traduzem a existência de várias prestações periódicas, com prazos de vencimento autónomos.
Nestes casos, a doutrina entende que “na situação prevista no artigo 310.º, alínea e), não estará em causa uma única obrigação pecuniária emergente de um contrato de financiamento, ainda que com pagamento diferido no tempo, a que caberia aplicar o prazo ordinário de prescrição, de vinte anos, mas sim, diversamente, uma hipótese distinta, resultante do acordo entre credor e devedor e cristalizada num plano de amortização do capital e dos juros correspondentes, que, sendo composto por diversas prestações periódicas, impõe a aplicação de um prazo especial de prescrição, de curta duração. O referido plano, reitera-se, obedece a um propósito de agilização do reembolso do crédito, facilitando a respectiva liquidação em prestações autónomas, de montante mais reduzido. Por outro lado, visa-se estimular a cobrança pontual dos montantes fraccionados pelo credor, evitando o diferimento do exercício do direito de crédito para o termo do contrato, tendo por objecto a totalidade do montante em dívida.”[2]
Por conseguinte, “a estipulação de um plano de amortização do capital, de forma periódica, assente na individualização de duas frações, uma relativa ao capital em dívida e outra relativa aos juros devidos a título de remuneração de capital – a pagar conjuntamente – indicia o preenchimento da situação prevista na referida alínea e), do artigo 310º, do CC e prejudica a aplicação do prazo ordinário de prescrição de vinte anos.”[3]
A jurisprudência deste Supremo Tribunal também tem tido o mesmo entendimento, citando-se aqui, a título de exemplo, os acórdãos de 27/3/2014, processo n.º189/12.6TBHRT-A.L1.S, de 29/9/2016, processo n.º 201/13.1TBMIR-A.C1.S1, de 10/9/2020, processo n.º 805/18.6T8OVR-A.P1.S1 e de 12/11/2020, processo n.º 7214/18.5T8STB-A.E1.S1, todos disponíveis em www.dgsi.pt.
Como se escreveu no antepenúltimo aresto e transcreveu no último, “no caso do débito do capital mutuado, estamos confrontados com uma obrigação de valor predeterminado cujo cumprimento, por acordo das partes, foi fraccionado ou parcelado num número fixado de prestações mensais; ou seja, em bom rigor, não estamos aqui perante uma pluralidade de obrigações que se vão constituindo ao longo do tempo, como é típico das prestações periodicamente renováveis, mas antes perante uma obrigação unitária, de montante predeterminado, cujo pagamento foi parcelado ou fraccionado em prestações.
Porém, o reconhecimento desta específica natureza jurídica da obrigação de restituição do capital mutuado não preclude, sem mais, a aplicabilidade do regime contido no citado art. 310º, já que – por explícita opção legislativa - esta situação foi equiparada à das típicas prestações periodicamente renováveis, ao considerar a citada al. e) que a amortização fraccionada do capital em dívida, quando realizada conjuntamente com o pagamento dos juros vencidos, originando uma prestação unitária e global, envolve a aplicabilidade a toda essa prestação do prazo quinquenal de prescrição.
Ou seja, o legislador entendeu que, neste caso peculiar, o regime prescricional do débito parcelado ou fraccionado de amortização do capital deveria ser absorvido pelo que inquestionavelmente vigora em sede da típica prestação periodicamente renovável de juros, devendo, consequentemente, valer para todas as prestações sucessivas e globais, convencionadas pelas partes, quer para amortização do capital, quer para pagamento dos juros sucessivamente vencidos, o prazo curto de prescrição decorrente do referido art. 310º.”.»
Acrescentando ainda o mesmo aresto:
«A verdadeira questão que se coloca consiste em saber se esse regime se aplica a todo o crédito exequendo.
Como se dá nota no citado acórdão de 12/11/2020, “tem sido igualmente entendido por este Supremo Tribunal que a circunstância de o direito de crédito se encontrar vencido na totalidade, em consequência de patologias ocorridas no plano do (in)cumprimento do contrato, não altera o seu enquadramento em termos da prescrição” – cfr., neste sentido, os acórdãos do STJ de 4/5/1993, publicado na Coletânea de Jurisprudência (STJ), Ano I, T. II, pág. 82, de 18/10/2018, processo n.º 2483/15.5T8ENT-A.E1.S1 e de 23/1/2020, processo n.º 4518/17.8T8LOU-A.P1.S1.
Neste acórdão, considerou-se que a obrigação unitária, compartimentada em capital e juros, resultante do mútuo, pelo acordo de amortização celebrado, se converte em cada uma das prestações estipuladas no acordo de amortização, as quais caiem, quer globalmente quer parcelarmente, na alçada do art.º 310.º do Código Civil.
Ora, tratando-se de uma obrigação unitária, de montante predeterminado, cujo pagamento foi parcelado em fracções, não se vislumbra por que razão o regime do art.º 310.º, al. e), do Código Civil não deva ser aplicado a todo o crédito exequendo, independentemente do clausulado acerca do pagamento de cada uma das fracções e ainda que se verifique o vencimento antecipado das mesmas.
Com efeito, o art.º 781.º do Código Civil prevê o vencimento imediato de todas as fracções por via da falta de pagamento de uma delas. E apenas o vencimento imediato, com perda do benefício do prazo. Nada mais, designadamente a alteração da natureza da dívida, repristinando a anterior obrigação única que foi substituída por uma obrigação fracionada. O facto de as quotas de amortização deixarem nessa situação de estar ligadas ao pagamento dos juros, de acordo com o AUJ n.º 7/2009 (in DR, Série I, de 5/52009), por via dessa antecipação do vencimento, não interfere com o tipo de prescrição aplicável em função da natureza da obrigação, que não é alterada pelas vicissitudes do incumprimento[4].
(…)
O fundamento da prescrição quinquenal não deixa de subsistir com tal vencimento, continuando a verificar-se a necessidade da sua aplicação, por forma a evitar a perpetuação, com a consequente incerteza e insegurança, da situação dos devedores.»
- Acórdão do STJ, de 14-01-2021[5], seguiu a mesma linha de pensamento e transcreveu e citou doutrina e jurisprudência sobre a questão, que evidencia o amplo consenso que se foi formando sobre este assunto.
Assim, lê-se no sumário do aresto o seguinte:
«(…)
II. Prescrevem no prazo de 5 anos, nos termos da al. e) do art. 310º do CC, as obrigações decorrentes de um contrato de mútuo bancário, desdobradas em quotas de amortização do capital mutuado ao devedor, com prestações mensais e sucessivas, de valor predeterminado, englobando os juros devidos.
III. A circunstância de o direito de crédito se encontrar vencido na totalidade, não altera o dito enquadramento em termos da prescrição.»
E na fundamentação do aresto de forma mais desenvolvida:
«Preceitua o art. 310º, al. e), do C. Civil:
«Prescrevem no prazo de cinco anos:
(…)
e) As quotas de amortização do capital pagáveis com os juros».
Ana Filipa Morais Antunes refere, a propósito desta norma, in “Algumas Questões sobre Prescrição e Caducidade”, Separata de “Estudos em Homenagem ao Prof. Sérvulo Correia”, Edição da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, Coimbra Editora, 2010, p. 47, a que se acedeu em https://www.servulo.com/pt/investigacao-e-conhecimento/Algumas-questes-sobre-prescricao-e-caducidade/5279/ (com destaque nosso, a negrito):
«(…) o preenchimento da situação contemplada na alínea e) do artigo 310.° do C.C. obriga a que se atenda às circunstâncias do caso concreto. Em particular, será relevante, para aquele efeito, o facto de o reembolso da dívida ter sido objecto de um plano de amortizações, composto por diversas quotas, que compreendam uma parcela de capital e uma parcela de juros remuneratórios.
Este dado tem, como observado, importantes reflexos em matéria de prazo prescricional, na medida em que permite suportar a conclusão de que será aplicável a referida prescrição quinquenal, e não o prazo ordinário prescricional, previsto no artigo 309.° do C.C.
Na verdade, na situação prevista no artigo 310.°, alínea e), não estará em causa uma única obrigação pecuniária emergente de um contrato de financiamento, ainda que com pagamento diferido no tempo, a que caberia aplicar o prazo ordinário de prescrição, de vinte anos, mas sim, diversamente, uma hipótese distinta, resultante do acordo entre credor e devedor e cristalizada num plano de amortização do capital e dos juros correspondentes, que, sendo composto por diversas prestações periódicas, impõe a aplicação de um prazo especial de prescrição, de curta duração. O referido plano, reitera-se, obedece a um propósito de agilização do reembolso do crédito, facilitando a respectiva liquidação em prestações autónomas, de montante mais reduzido. Por outro lado, visa-se estimular a cobrança pontual dos montantes fraccionados pelo credor, evitando o diferimento do exercício do direito de crédito para o termo do contrato, tendo por objecto a totalidade do montante em dívida.
Constituirão, assim, indícios reveladores da existência de quotas de amortização do capital pagáveis com juros: em primeiro lugar, a circunstância de nos encontrarmos perante quotas integradas por duas fracções: uma de capital e outra de juros, a pagar conjuntamente; em segundo lugar, o facto de serem acordadas prestações periódicas, isto é, várias obrigações distintas, embora todas emergentes do mesmo vínculo fundamental, de que nascem sucessivamente, e que se vencerão uma após outra.»
O Tribunal a quo concluiu ser aplicável ao caso o prazo de prescrição do art. 310º, al. e) do C. Civil, apoiando-se em vários arestos do Supremo Tribunal de Justiça.
Assim teve, designadamente, em conta:
- o Ac. do STJ de 27-03-2014, Rel. Silva Gonçalves, Proc. 189/12.6TBHRT-A.L1.S1, publicado em www.dgsi.pt, no qual se entendeu que:
«1. O prazo ordinário da prescrição é de vinte anos (art.º 309.º do C.Civil); todavia, prescrevem no prazo de cinco anos as quotas de amortização do capital pagáveis com os juros – art.º 310.º, alínea e), do C. Civil. (…)»;
- o Ac. do STJ de de 29-09-2016, Rel. Lopes do Rego, Proc. nº 201/13.1TBMIR-A.C1.S1, também publicado em www.dgs.pt:
«I. Prescrevem no prazo de 5 anos, nos termos da al. e) do art. 310º do CC, as obrigações consubstanciadas nas sucessivas quotas de amortização do capital mutuado ao devedor, originando prestações mensais e sucessivas, de valor predeterminado, englobando os juros devidos.
II. Na verdade, neste caso – apesar de obrigação de pagamento das quotas de capital se traduzir numa obrigação unitária, de montante predeterminado, cujo pagamento foi parcelado ou fraccionado em prestações, - a circunstância de a amortização fraccionada do capital em dívida ser realizada conjuntamente com o pagamento dos juros vencidos, originando uma prestação unitária e global, determinou, por expressa determinação legislativa, a aplicabilidade a toda essa prestação do prazo quinquenal de prescrição»;
- o Ac. do STJ de 23-01-2020, Rel. Nuno Pinto Oliveira, Proc. 4518.17.8T8LOU.A.P1.S1, publicado em https://jurisprudencia.csm.org.pt, sob a referência ECLI:PT:STJ:2020:4518.17.8T8LOU.A.P1.S1:
«I. - Em contratos de mútuo oneroso, o acordo pelo qual se fracciona a obrigação de restituição do capital mutuado é um acordo de amortização e cada uma das prestações em que a obrigação de restituição se fracciona é uma quota de amortização.
II. - Em consequência, cada uma das prestações mensais devidas pelo mutuário é uma quota de amortização do capital no sentido do art. 310.º, alínea e), do Código Civil.
III. - O art. 730.º, alínea a), do Código Civil deve interpretar-se no sentido de que a hipoteca se extingue pela prescrição da obrigação a que serve de garantia.), publicados os dois primeiros».
No mesmo sentido, pode ver-se, também, por exemplo, o Ac. STJ de 18-10-2018, Rel. Olindo Geraldes, Proc. 2483/15.5T8ENT-A.E1.S1, em www.dgsi.pt:
«I. O legislador equiparou a amortização do capital, designadamente do mútuo, realizada de forma parcelar ou fracionada por numerosos anos, como o mútuo bancário destinado a habitação própria, ao regime dos juros, ficando sujeito ao mesmo prazo de prescrição, nomeadamente cinco anos – art. 310.º, alínea e), do Código Civil.
II. A circunstância de tal direito de crédito se vencer na sua totalidade, em resultado do incumprimento, não altera o seu enquadramento em termos da prescrição. (…)».
Outros, ainda mais recentes, têm consagrado este entendimento.
É o que sucede com:
- o Ac. do STJ de 10-09-2020, Rel. Rijo Ferreira, Proc. nº 805/18.6 T8OVR-A.P1.S1, em www.dgsi.pt (com larga recolha jurisprudencial no sentido defendido):
«Às quotas de amortização do capital integrantes das prestações para amortização de contratos de financiamento aplica-se a prescrição quinquenal prevista no art.º 310º, al. e), do CCiv, ainda que se verifique o vencimento antecipado das mesmas»;
- ou o Ac. do STJ de 12-11-2020, Rel. Maria do Rosário Morgado, Proc. nº 7214/18.5T8STB-A.E1.S1, também em www.dgsi.pt:
«I – O crédito emergente de um contrato de mútuo bancário, em que, por acordo entre credor e devedor, se prevê a amortização da dívida em diversas prestações periódicas de capital e dos juros correspondentes está sujeito ao prazo de prescrição, previsto na al. e), do art. 310º, do CC;
II – A circunstância de o direito de crédito se encontrar vencido na totalidade, em consequência de patologias ocorridas no plano do (in)cumprimento do contrato, não altera o seu enquadramento em termos da prescrição.»
Explica-se, no citado Acórdão de 29-09-2016 (Rel. Lopes do Rego), que uma situação como aquela que aqui está em causa configura uma obrigação unitária, de montante predeterminado, cujo pagamento foi parcelado ou fraccionado em prestações. E prossegue-se, escrevendo o seguinte:
«Porém, o reconhecimento desta específica natureza jurídica da obrigação de restituição do capital mutuado não preclude, sem mais, a aplicabilidade do regime contido no citado art. 310º, já que – por explícita opção legislativa - esta situação foi equiparada à das típicas prestações periodicamente renováveis, ao considerar a citada al. e) que a amortização fraccionada do capital em dívida, quando realizada conjuntamente com o pagamento dos juros vencidos, originando uma prestação unitária e global, envolve a aplicabilidade a toda essa prestação do prazo quinquenal de prescrição.»
- Acórdão do STJ de 26-01-2021[6], no qual, após analisar o regime do artigo 781.º do Código Civil e concluir que as obrigações híbridas ou mistas previstas no artigo 310.º, alínea e), do Código Civil têm um prazo de prescrição de cinco anos em ordem «(..) a estimular o credor na cobrança pontual das diversas prestações periódicas em que essas obrigações se dividem, evitando-se, assim, o protelamento do exercício do direito de crédito para o termo do contrato de mútuo, que teria por objeto a totalidade do montante em dívida», se formulou o seguinte sumário:
«I - No mútuo bancário, as obrigações que visam simultaneamente amortizar e remunerar o capital - obrigações híbridas ou mistas não são nem obrigações de reembolso de capital e nem obrigações de pagamento de juros. São obrigações unitárias, ainda que se destinem a cumprir uma dupla função: restituição e remuneração do capital mutuado.
II - Segundo a doutrina dominante, o incumprimento de uma das prestações em que a obrigação de reembolso é dividida ou repartida preenche a facti-species do art. 781.º, ainda que o incumprimento se reporte a uma prestação com função simultaneamente amortizadora e remuneratória do capital.
III - De modo a evitar que o credor deixe acumular excessivamente os seus créditos, para tutelar o devedor contra a acumulação da sua dívida, deve aplicar-se o prazo de prescrição do art. 310.º, als. d) e e) do CC - de cinco anos a contar do respetivo vencimento.
IV - O facto de o incumprimento de uma prestação implicar o vencimento antecipado das restantes prestações em “nada releva para o problema em causa, porque nesse caso a prescrição respeitará a cada uma das quotas de amortização e não ao todo em dívida”.»
Neste mesmo sentido também vão os acórdãos do STJ, de 14-07-2021; de 28-04-2021; de 29-04-201 e de 04-05-2021[7], pelo que nos dispensamos de maiores considerações sobre a questão em discussão.
No caso em apreço, e como bem se referiu na sentença recorrida, «(…) encontravam-se decorridos bem mais de cinco anos – na verdade, mais de 10 anos, quer sobre o correspondente às quotas de amortização (artigo 310.º alínea e) do Código Civil), quer sobre os correspondentes juros (artigo 310.º, alínea d), do mesmo diploma)», pelo que não merecem acolhimento as conclusões de recurso, improcedendo o mesmo, sendo de confirmar a sentença recorrida.
Dado o decaimento, as custas ficam a cargo da apelante (artigo 527.º do CPC), sendo a taxa de justiça do recurso fixada pela tabela referida no n.º 2 do artigo 6.º do RCP.
III- DECISÃO
Nos termos e pelas razões expostas, acordam em julgar improcedente a apelação, confirmando a sentença recorrida.
Custas nos termos sobreditos.
Évora, 16-12-2021
Maria Adelaide Domingos (Relatora)
José Lúcio (1.º Adjunto)
Manuel Bargado (2.º Adjunto)
__________________________________________________
[1] Processo n.º 15273/18.4T8SNT-A.L1.S1 (Fernando Samões).
[2] O acórdão cita: «Ana Filipa Morais Antunes, Prescrição e Caducidade, anotação aos artigos 296.º a 333.º, do Código Civil, Coimbra editora, 2ª edição, Junho de 2014, pág. 127.»
[3] O acórdão cita: «Ana Filipa Morais Antunes, obra citada, pág. 128.»
[4] Constando do acórdão a seguinte menção: «Neste sentido, também o citado acórdão de10/9/2020, deste Supremo Tribunal.»
[5] Processo n.º 6238/16.1T8VNF-A.G1.S1 (Tibério Nunes da Silva).
[6] Processo n.º 20767/16.3T8PRT-A.S2 (Maria João Vaz Tomé).
[7] Prolatados, respetivamente, nos proc. n.º 1249/18.5T8MMN-A.E1.S1 (Ilídio Sacarrão Martins); n.º 1736/19.8T8AGD-A.P1.S1 (Graça Amaral); n.º 723/18.8T8OVR-A.P1.S1 (João Cura Mariano) e n.º 3522718.3T8LLE-A.E1.S1 (Pedro de Lima Gonçalves), todos disponíveis em www.dgsi.pt