TAXA DE JUSTIÇA EXCEPCIONAL
Sumário


O art.º 531º do CPC (aplicável ex vi do art.º 521º do CPP) apenas exige que a aplicação da taxa sancionatória excepcional seja fundamentada, mas não impõe a audição prévia da parte a quem essa taxa é aplicada sobre a oportunidade dessa aplicação e sobre o montante concreto da taxa aplicada.

Texto Integral




ACÓRDÃO

Acordam, em conferência, os juízes da Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora:

No Processo n.º 5/12.9ACPRT.E1 do Tribunal Judicial da Comarca de Setúbal Juízo Local Criminal de Santiago do Cacém - Juiz 2, o Recorrente (...), por não se conformar com o despacho de 05-04-2021, dele interpôs o presente recurso, extraindo da concernente motivação as seguintes conclusões:

« § 1. O presente recurso tem por objecto o despacho proferido pelo Tribunal a quo em 05.04.2021, com a ref. CITIUS n.º 92163003, que rejeitou liminarmente apreciar o requerimento apresentado pelo Arguido ora Recorrente em 15.09.2020, com a ref. CITIUS n.º 36472282, e o condenou numa taxa sancionatória especial de 12 (doze) unidades de conta.

Admissibilidade de conhecimento e valoração de factos supervenientes em processo penal (antes do trânsito em julgado)

§ 2. É incorrecto o entendimento do Tribunal a quo no sentido de que o requeri-mento apresentado pelo Arguido ora Recorrente em 15.09.2020, com a ref. CITIUS n.º 36472282, deveria ser indeferido por falta de cabimento legal.

§ 3. Foram conhecidos factos novos e supervenientes tanto quanto à decisão final condenatória, quanto à decisão proferida por este Tribunal —, portanto, enquanto o processo estava pendente no Tribunal Constitucional —, e tais factos deveriam e devem ser apreciados pelo Tribunal de 1.ª instância.

§ 4. Tais factos poderiam, no limite, servir de fundamento para a interposição de recurso de revisão, nos termos e para os efeitos do artigo 449.º, n.º 1, alínea d), do CPP, por serem factos susceptíveis de gerar graves dúvidas sobre a justiça da condenação.

§ 5. Causando estes factos novos dúvidas sérias sobre a justiça da condenação, a pena concreta aplicada ao Arguido, tornou-se, por via desses novos factos, grosseiramente desproporcional.

§ 6. Se são passíveis de conhecimento factos novos depois do trânsito em julgado de uma decisão, então, utilizando um argumento de identidade (ou até de maioria) de razão, tem de ser facultada ao Arguido a possibilidade de esses mesmos factos serem conhecidos antes do seu trânsito em julgado e deles extraídas todas as competentes consequências legais (possibilidade aliás reconhecida no parecer de 05.11.2019 apresentado junto deste Tribunal e que subjaz ao espírito do acórdão do Tribunal Constitucional n.º 124/2013).

§ 7. A circunstância de inexistir norma expressa habilitante para requerimento apresentado pelo Arguido ora Recorrente em 15.09.2020, com a ref. CITIUS n.º 36472282, não contraria, per se, aquela possibilidade, sendo aliás possível convocar lugares paralelos que a caucionam e impõem, como seja o caso do já referido recurso de revisão ou da possibilidade de reabertura da audiência para determinação da sanção, na renovação da prova.

§ 8. Em qualquer caso, as normas resultantes dos artigos 61.º, n.º 1, alínea j), 428.º e 431.º, n.º 1, do CPP, e ainda artigos 412.º, n.º 2, e 662.º, n.º 1, do Código de Processo Civil, aplicável ex vi artigo 4.º do CPP, se interpretadas e aplicadas no sentido de não ser admissível a alegação pelo arguido nem o conhecimento pelo tribunal competente de factos supervenientes potencialmente relevantes para a boa decisão da causa, produzidos e conhecidos apenas depois da condenação, mas sem esta ter ainda transitado em julgado, são, nessa interpretação, materialmente inconstitucionais, por violação, designadamente, dos artigos 18.º, n.º 2, 20.º, 32.º, n.º 1, e 52.º da Constituição.

Relevância e impacto dos factos supervenientes alegados

§ 9. O Recorrente, em devido tempo, trouxe ao conhecimento deste Tribunal da Relação a possibilidade de vir a ser expulso da Ordem dos Despachantes Oficiais e o projecto de decisão da Autoridade Tributária e Aduaneira em que concretamente se propunha a suspensão da autorização de garantia global de trânsito (autorização n.º ATGG2009PT004909) e, naturalmente, os efeitos nefastos que esses factos teriam na sua esfera jurídica, tendo este Tribunal entendido que não poderia relevá-los uma vez que se tratavam então de uma mera possibilidade e não de factos materializados.

§ 10. Através do requerimento sobre o qual incidiu a decisão recorrida, datado de 15.09.2020 e com a ref. CITIUS n.º 36472282, o Arguido ora Recorrente levou ao conhecimento do Tribunal de 1.ª instância que foi efectivamente suspensa a autorização de garantia global de que gozava a Sociedade de que o Arguido era sócio-gerente. Trata-se de um facto novo, já concreto e perfeitamente materializado.

§ 11. Nessa medida, e utilizando como bitola o entendimento deste mesmo Tribu-nal da Relação em momento anterior, estando perante um facto estabilizado na ordem jurídica, então esse mesmo facto poderia (e deveria) ser relevado judicialmente no contexto dos presentes autos, para mais tendo tal facto consequências negativas muito substanciais para a referida Sociedade — que vê a possibilidade de actuar no mercado significativamente limitada — e que se projectam, naturalmente, na pessoa do Arguido, ora Recorrente, que em virtude da apontada circunstância se viu forçado a renunciar ao cargo de gerente da Sociedade (o que ainda assim não foi suficiente para que a decisão fosse revertida pela Autoridade Tributária e Aduaneira).

§ 12. As consequências advenientes do referido facto configuram-se, pois, como uma verdadeira sanção, projectando a sua danosidade desde logo na esfera profissional do Arguido, tratando-se de uma sanção com conexão evidente com os presentes autos e com o que neles se foi decidindo.

§ 13. A aplicação dessa sanção em sentido material deverá, pois, ser relevada para efeitos da sanção penal nesta sede aplicada, uma vez que também ela penaliza o Arguido com uma sanção, conquanto de natureza não penal.

§ 14. O Tribunal de 1.ª instância aplicou uma pena superior àquela que seria ex-pectável foram pretensas razões de prevenção geral e especial e de um grau de culpa pretensamente situado num ponto superior ao médio, atendendo à sua maior responsabilidade social tendo em conta a sua inserção profissional.

Independentemente da correcção da decisão nesse ponto, e da propriedade com que foram ou não convocados os critérios aplicáveis, a superveniência do facto acima descrito torna pena (ainda mais) ostensivamente desproporcional.

§ 15. Nesta conformidade, as consequências extracriminais, óbvia e severamente penalizantes para a vida pessoal e profissional do Arguido, não poderão ser desconsideradas no momento de determinação da medida concreta da pena, sob pena de se permitir que o Arguido seja sancionado muito para além do seu grau de culpa e das exigências de prevenção geral e especial, globalmente consideradas no momento mais próximo ⸺ como deve sempre suceder ⸺ da efectivação da sanção.

§ 16. Feita essa ponderação cabal e actualizada, a pena de prisão aplicada ao Ar-guido ora Recorrente, mesmo que suspensa na sua execução, deve ser substituída por pena de multa, por inexistirem, à luz desse quadro factual completo e actualizado, razões preventivas especiais atendíveis (ou quaisquer outras) que justifiquem a aplicação de uma pena de três anos de prisão tendo por base uma moldura penal que vai de um a cinco anos, sobretudo em face das consequências resultantes do facto superveniente acima descrito.

Quanto à aplicação de taxa sancionatória especial aplicada

§ 17. Foi aplicada ao Recorrente uma taxa sancionatória excepcional fixada no va-lor de 12 (doze) unidades de conta com fundamento na apresentação do requerimento objecto da decisão sob recurso, datado de 15.09.2020 e com a ref. CITIUS n.º 36472282.

§ 18. O Arguido ora Recorrente não foi ouvido pelo Tribunal a quo antes da apli-cação da taxa sancionatória especial que é parte integrante do despacho recorrido.

§ 19. A norma contida no artigo 531.º do CPC e, bem assim, a norma contida no artigo 521.º do CPP, na interpretação segundo a qual a decisão que condene uma parte em taxa sancionatória excepcional não tem de ser precedida da audição da parte interessada, é, nessa interpretação, materialmente inconstitucional por violação, entre o mais, do princípio ínsito ao artigo 20.º, n.º 4, da Constituição.

§ 20. Além da invocada inconstitucionalidade, a falta de audição prévia do Ar-guido ora Recorrente configura nulidade processual, nos termos do artigo 195.º do CPC (aplicável ex vi artigo 4.º do CPP), devendo ordenar-se a remessa dos autos ao Tribunal a quo para que possa ser dado cumprimento ao disposto no artigo 3.º, n.º 3, do CPC (apenas se este Tribunal da Relação entender não ter — como se crê que tem — bases suficientes para revogar de imediato a decisão recorrida nesse segmento).

§ 21. Além de não ter sido dada a possibilidade de o Recorrente exercer o contra-ditório, e de a decisão ser nula por essa razão, não estão reunidos os pressupostos para a aplicação de uma taxa sancionatória excepcional.

§ 22. Não basta a mera contradição com um acórdão previamente proferido — como aquele que foi invocado na decisão recorrida — para justificar, per se, a aplicação de uma taxa sancionatória excepcional, sendo necessária a contradição com jurisprudência constante e reiterada.

§ 23. É jurisprudência dos Tribunais superiores, inclusivamente do Supremo Tri-bunal de Justiça, que a aplicação da taxa sancionatória excepcional no âmbito processual penal ter de ser feita com especial cautela, sob pena de serem coarctados os direitos de defesa do arguido. É o que faz (ou procurou fazer) a decisão recorrida, que também por isso, e nessa parte, deve ser revogada.

Termos em que, e nos mais de Direito:

A. deve a decisão proferida em 1.ª instância ser integralmente revogada, sendo a mesma substituída por outra que proceda à apreciação dos factos novos supervenientes levados ao conhecimento do Tribunal e, consequentemente, revogue a decisão condenatória inicialmente proferida na parte relativa à medida da pena e a substitua por outra que aplique sanção penal justa e adequada, nos termos acima explicitados;

B. deve ser revogada a decisão na parte em que aplica ao Arguido ora Recorrente uma taxa sancionatória excepcional, por não se encontrarem preenchidos os respectivos requisitos legais;

O MINISTÉRIO Público respondeu às motivações de recurso apresentadas pela Recorrente, pugnando pela rejeição do recurso ou em caso de admissão pela improcedência do mesmo.

Neste Tribunal, o Exmo. Procurador-Geral Adjunto teve Vista dos autos, emitindo parecer no sentido da rejeição do recurso ou em caso de admissão pela improcedência do recurso.

O Recorrente, notificado nos termos e para os efeitos previstos no art.º 417º, nº 2 do CPP, quedou-se pelo silêncio, nada tendo vindo alegar.

Colhidos os vistos legais e efectuada a conferência prevista no art.º 419º do CPP, cumpre agora apreciar e decidir.


****

O despacho recorrido, é do seguinte teor:

« I. Veio o Arguido requerer que o Tribunal da primeira instância alterasse a pena aplicada na sentença condenatória proferida nestes autos, enquanto os autos se encontravam no Tribunal Constitucional, depois de a sentença proferida por este Tribunal ter sido confirmada em segunda instância, depois de ter sido rejeitado o conhecimento do seu “memorando” em que pretendia carrear “factos supervenientes” para os autos, depois de ter arguido a nulidade do Acórdão do Tribunal da Relação, depois de tal arguição de nulidade ter sido indeferida em conferência, depois de ter recorrido de ambos os Acórdãos para o Tribunal Constitucional, depois de ver rejeitado um recurso por intempestivo, depois de ver indeferida a respectiva reclamação e depois de o Tribunal Constitucional deliberar não tomar conhecimento do objecto do recurso.

Aproveitando então a pendência da reclamação, quando sabia à saciedade que os autos se encontravam no Tribunal Constitucional, vem o Arguido atravessar requerimento junto da primeira instância.

Posteriormente à apresentação de tal requerimento viu ainda a reclamação ser rejeitada.

Ou seja, pretendia o Arguido que o Tribunal da primeira instância alterasse o objecto do processo quando se encontravam pendentes decisões a proferir no seguimento de recursos e reclamações por si interpostos e os autos não estavam sequer à disposição deste Tribunal.

Pretendia o Arguido que o Tribunal da primeira instância “retirasse o tapete” ao Tribunal da Relação e ao Tribunal Constitucional, alterando a base factual sobre a qual aqueles já se tinham pronunciado noutros arestos, inutilizando todas as deliberações por aqueles proferidas e aquelas ainda a proferir, anulando decisões de Tribunais aos quais este se encontra subordinado.

E com que argumentos? Em suma, alega o Arguido que a Autoridade Tributária e Aduaneira suspendeu definitivamente a autorização de garantia global de que gozava a sociedade. Destacamos ainda os seguintes trechos:

«Concretizando:

95. Contrariamente ao que este Tribunal asseverou, as exigências de prevenção geral

que foram reputadas elevada, não o são, pelo menos por dois motivos.

96. Em primeiro lugar, porque tais exigências, enquanto finalidade da pena, assumem, passe redundância, carácter geral, i.e., são inerentes ao tipo de crime em causa e ao bem jurídico que nele se tutela, sem que possam, ou devam, recortar-se ou calibrar-se no e para o caso concreto, para o que aliás é no mínimo duvidosa a legitimidade do julgador e o cabimento dessa operação na função jurisdicional.

97. Em segundo lugar, porque a prevenção especial limita de forma inultrapassável a consideração das exigências de prevenção geral

98. E a verdade é que, no caso sub judice, as exigências de prevenção especial, como aliás foi reconhecido pelo próprio Tribunal na sentença de 1.ª instância são inexistentes, o que por si só coloca a nu o carácter injustificado e desproporcional e, por conseguinte, ilegal da pena concreta aplicada ao Arguido.

99. Em qualquer caso, e sem prejuízo do que vai acima exposto, a qualificação das exigências de prevenção geral no caso dos autos como “elevadas”, seria sempre, como é, destituída de sentido. (…).

102. Tendo presente o exposto, procedeu este Tribunal incorrecta e infundadamente ao considerar tais exigências de grau elevado no caso dos presentes autos, e o mesmo sucedeu com a ratificação feita pelo Tribunal da Relação de Évora ao manter a condenação nos mesmos termos.

103. Também quanto ao grau de culpa atribuído ao Arguido, que este Tribunal valorou igualmente como circunstância relevante na graduação da pena concreta aplicada, são também vários os vícios lógicos e jurídicos que perpassam a argumentação acolhida.

104. Este Tribunal considerou, recorda-se, que a culpa documentada no facto concretamente imputado ao Arguido se situava “num ponto superior ao médio”, considerando “a maior responsabilidade social do arguido tendo em conta a sua inserção profissional”, sustentando também por essa via a elevação e maior severidade da pena aplicada.

105. Sem qualquer razão, porém: desde logo porque o crime que sustenta a condenação do Arguido, na modalidade que lhe é imputada, se assume como um crime específico, i.e., um crime que só pode ser cometido e imputado a determinado (e fechado) círculo de agentes, sendo a ilicitude recortada e fundamentada precisamente em função dessa qualidade especial.

106. Como tal, valorar nova e duplamente uma circunstância que é ela própria elemento do tipo de crime em causa, além de colocar em crise a proibição de dupla valoração que se extrai da vertente material do princípio ne bis in idem (extraído do artigo 29.º, n.º 5, da Constituição), mostra-se como um juízo material e juridicamente infundado, na medida em que a incriminação em causa já abarca como pressuposto, e para utilizar a expressão que encontramos na sentença recorrida, “a maior responsabilidade social do arguido tendo em conta a sua inserção profissional”.

107. Por outro lado, a condenação firmada em 1.ª instância e mantida pelo Tribunal da Relação de Évora merece igualmente censura neste apartado dado o notório menosprezo pelo modo legal e constitucionalmente imposto de estabelecer as relações de articulação metodológica e ponderativa entre a culpa, ou o específico grau de culpa do agente, e as demais finalidades da pena que relevam para a sua determinação concreta.

108. A verdade é que a culpa, enquanto critério gradativo da pena, é pressuposto e limite da pena, mas nunca seu fundamento único.

109. Isto é, a pena é sempre limitada, no seu máximo inultrapassável, pela culpa do agente.

110. O que não nega, porém, antes pressupõe, que a pena possa ⸺ e deva ⸺ situar-se abaixo do grau de culpa, o que sucederá e deve suceder quando as finalidades preventivas atendíveis apontem para um mais baixo patamar punitivo.

111. Assim, mesmo que a culpa do Arguido devesse efectivamente ser situada “num ponto superior ao médio” (o que vimos acima não ser sequer o caso), a verdade é que esse putativo grau de culpa nunca poderia ser utilizado, como implicitamente foi, para tornar a pena concreta mais elevada e severa.

112. A esta luz, e sendo consistente e consequente com a correcta ordenação e harmonização prática dos factores relevantes na determinação da medida da pena explicitada supra, é de concluir que a pena concreta aplicada ao Arguido, situada acima do ponto médio do limite máximo abstracto, é manifestamente infundada e excessiva,

113. E já o era, de resto, em momento anterior à superveniência dos factos novos que são agora trazidos ao conhecimento de V. Ex.ª, como um juízo objectivo, rigoroso, razoável e balanceado ⸺ e pondo as coisas e as realidades no seu sítio, e na devida perspectiva em termos absolutos e comparados ⸺, como é suposto que seja (e deve ser sempre) o juízo judicial, teria permitido constatar.

Para facilitar o trabalho desta inapta instância junta ainda um índice.

Pretende o Arguido não só que este Tribunal, num exercício de autoflagelação, se autocensure, mas que, pelo caminho, recrimine igualmente o Tribunal da Relação, numa inversão completa daquele que é o nosso sistema processual.

Com base em que normativos?

Elenca o Arguido os artigos 61.º, n.º 1, alínea j), 428.º e 431.º, n.º 1, do Código de Processo Penal, e ainda artigos 412.º, n.º 2, e 662.º, n.º 1, do Código de Processo Civil, bem como ainda invoca o recurso de revisão previsto no artigo 449.º, n.º 1 do Código de Processo Penal.

E o que nos dizem tais preceitos?

O artigo 61.º, n.º 1, al. j) consagra o direito do Arguido ao recurso. Nada acrescenta para o presente caso, em que o Arguido exerceu tal direito exaustivamente, muito para lá daquilo que a lei lhe permite, como se constata pelos repetidos indeferimentos.

Os artigos 428.º e 431.º do Código de Processo Penal regem os poderes do Tribunal da Relação e não são aplicáveis à primeira instância.

O artigo 412.º, n.º 2 do Código de Processo Civil refere-se a factos de que o Tribunal tem conhecimento pelo exercício das suas funções, o que em nada se relaciona com a questão invocada, sendo a sua convocação completamente despropositada.

O artigo 662.º, n.º 1 do Código de Processo Civil refere-se uma vez mais à possibilidade de modificação da decisão de facto pelo Tribunal da Relação.

Quanto ao recurso de revisão, a competência para apreciação cabe ao Supremo Tribunal de Justiça.

Inexiste normativo legal que permita dar conforto ao que o Arguido pretende, especialmente com competência deste Tribunal de primeira instância.

Se não foi permitido ao Arguido introduzir factos tardiamente perante o Tribunal Superior, não é naturalmente possível fazê-lo perante o Tribunal da primeira instância. Se os factos não foram carreados para os autos tempestivamente por razões não imputáveis ao Arguido, aquele mantém a sua disposição o recurso de revisão, sublinhe-se, mais uma vez perante o Supremo Tribunal de Justiça.

Todavia, “a justiça da condenação” que o Arguido tanto repete, enquanto conceito jurídico consagrado no artigo 449.º, não se confunde com a justiça da pena, isto é, o recurso de revisão não é uma apelação disfarçada, não é um instrumento de perfectibilização de sanções criminais, não tendo por escopo atenuar penas, mesmo com recurso a pretensos factos supervenientes.

Inexiste qualquer norma directamente aplicável, mesmo que extensivamente interpretada. O preceito mais próximo, o que consagra o recurso de revisão, enquanto norma excepcional, não é susceptível de aplicação analógica.

Inexiste ademais qualquer lacuna que necessite de ser integrada.

Aquilo que o Arguido pretende não tem qualquer cabimento legal. Como refere Paulo Pinto de Albuquerque, não é concebível, num Estado de Direito um julgamento com duas fases sincopadas de produção de prova, eventualmente separadas por anos uma da outra – Comentário do Código de Processo Penal, Universidade Católica Portuguesa, 4.ª edição, actualizada, p. 956.

O Arguido encontra-se a usar e abusar dos meios de defesa que a lei lhe proporciona, mas, não satisfeito, pretende usar meios que a lei não lhe faculta. O Arguido chega ao ponto de pretender criar normas que não existem, sustentando uma estapafúrdia interpretação, num prolixo requerimento com mais de cem artigos, acompanhada de um inenarrável índice (tudo o que não deveria fazer parte de uma peça processual).

É grande o seu atrevimento. E dizemos atrevimento porquanto não se julga que seja estultice, mal seria se assim fosse. O Arguido tem perfeito conhecimento que os requerimentos que atravessa não têm cabimento legal e que vão contra os mais elementares princípios processuais. A sua atitude processual sumariada supra e a singularidade do requerido são prova bastante disso mesmo.

O Arguido, lesto em convocar preceitos do Código de Processo Civil, não pode ignorar que se encontra esgotado o poder jurisdicional da primeira instância, especialmente quando os autos estão pendentes nos Tribunais Superiores, princípio básico de direito adjectivo – artigo 613.º, n.ºs 1 e 3, do Código Processo Civil, aplicável ex vi artigo 4.º do Código de Processo Penal.

Mas isso o Arguido sabe-o bem. O que o Arguido pretende é unicamente evitar o trânsito em julgado da decisão condenatória, sendo os seus requerimentos manifestamente dilatórios.

Aliás, o Arguido diz desde logo ao que vem, quando no artigo 41.º refere que, «antes de avançar, e à cautela alega a inconstitucionalidade material das normas».

É manifesta a sua intenção, tal como é manifesta a sua falta de razão. Não existe qualquer violação dos seus direitos, nem das garantias de defesa, incluindo o direito ao recurso, que o Arguido exerce com extensão superior à permitida, nem de qualquer outro preceito constitucional. Até porquanto, como já se disse, ou os factos foram carreados pelo Arguido tardiamente para os autos e, nesse caso, sibi imputet, ou sendo efectivamente supervenientes a lei consagra com apertadas regras o recurso de revisão, de que o Arguido ainda dispõe.

A temeridade, prolixidade, falta de fundamentação legal, a pretensão de inversão de ordem do sistema judicial, a ofensa de princípios elementares de direito adjectivo, a alegação contrária à jurisprudência – cfr. por todos Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 25 de Junho de 2009, relatado por Oliveira Mendes, proc. 537/03.0PBVRL, disponível para consulta in dgsi.pt – a finalidade meramente dilatória, preenchem os pressupostos necessários para aplicação da necessária taxa sancionatória excepcional, nos termos dos artigos 521.º, n.º 1 o Código de Processo Penal e 531.º do Código de Processo Penal.

É uma peça inaudita, inconcebível e nunca vista. Merece que a tributação faça jus a tal singularidade: 12 (doze) UCs – artigo 10.º do Regulamento das Custas Processuais.

Diga-se, a latere, que apesar de essa ser a intenção do Arguido, não se julga que o seu requerimento tenha o efeito de impedir o trânsito em julgado dos Acórdãos proferidos nos autos, que confirmaram a sentença condenatória. Com efeito, um requerimento apresentado em primeira instância não pode impedir o trânsito de um Acórdão de um Tribunal Superior. Tendo os autos sido devolvidos a esta instância apesar de o Tribunal da Relação ter conhecimento do requerimento apresentado pelo Arguido deve concluir-se pelo trânsito em julgado da sentença. Ainda assim, admite-se que a ter provimento a posição do Arguido, o trânsito em julgado se encontra sujeito a uma condição resolutiva, que, ainda assim, não impede a produção dos seus efeitos, desde já, que serão oportunamente anulados na eventualidade de o requerido pelo Arguido obter provimento junto dos Tribunais superiores.


*

II. Pelo exposto, por manifestamente improcedente, indefiro o requerimento apresentado pelo Arguido.

Mais condeno o Arguido no pagamento de uma taxa sancionatório excepcional que se fixa em 12 (doze) unidades de conta.


*

Notifique.

*

Cumpra o trânsito em julgado.”

Apreciando:

Prescreve o art.º 613º do Código de Processo Civil, aplicável por remissão do art.º 4º do CPP:

“1 – Proferida a sentença, fica imediatamente esgotado o poder jurisdicional do juiz quanto à matéria da causa.

2 – É lícito, porém, ao juiz retificar erros materiais, suprir nulidades e reformar a sentença, nos termos dos artigos seguintes.

3 – O disposto nos números anteriores, bem como nos artigos subsequentes, aplica-se, com as necessárias adaptações aos despachos.”

E porque assim é proferida a sentença ou despacho, fica imediatamente esgotado o poder jurisdicional do juiz quanto à matéria em causa, sendo apenas admissíveis alterações que não importem modificação essencial, de harmonia com a previsão do art.º 380º, nº1 al. b), parte final, e nº3, do Cód. Proc. Penal.

De acordo com o ensinamento do Prof. Alberto dos Reis, “o caso julgado exerce duas funções: a) uma função positiva; b) uma função negativa. Exerce a primeira quando faz valer a sua força e autoridade; exerce a segunda quando impede que a mesma causa seja novamente apreciada pelo tribunal. A função positiva tem a sua expressão máxima no princípio da exequibilidade (…). A função negativa exerce-se através da excepção do caso julgado. Mas, quer se trate da função positiva, quer da função negativa, são sempre necessárias as três identidades….” (cfr. Código de Processo Civil Anotado, Vol. III, 3ª Edição – Reimpressão – 1981, Pág. 93).

Deste modo, a pretensão do Arguido/ Recorrente de ver reapreciado pelo Tribunal recorrido na sentença condenatória proferida nos autos, o item medida concreta da pena em consequência de factos novos supervenientes levados ao conhecimento do Tribunal, não podia ser efectuado pelo Tribunal a quo e perdeu essa oportunidade no recurso que interpôs dessa decisão para o Tribunal da Relação.

Com a prolação da sentença esgotou-se o poder jurisdicional do Tribunal recorrido sobre essa matéria (art.º 666º, nº 1 e 3, do C. P. Civil e 4º do C. P. Penal), pelo que o requerimento do arguido, enquanto entendido como um meio para levar o Tribunal a reapreciar o mérito daquela decisão e a alterá-la, estava necessariamente votada ao malogro.

Essa decisão ganhou estabilidade, não sendo agora passível de modificação ou revogação pela eventual infirmação do seu acerto formal ou da sua bondade substancial.

Por outro lado, e como certeiramente notou a decisão recorrida: «O artigo 61.º, n.º 1, al. j) consagra o direito do Arguido ao recurso. (…)

Os artigos 428.º e 431.º do Código de Processo Penal regem os poderes do Tribunal da Relação e não são aplicáveis à primeira instância.

O artigo 412.º, n.º 2 do Código de Processo Civil refere-se a factos de que o Tribunal tem conhecimento pelo exercício das suas funções, o que em nada se relaciona com a questão invocada, (…)

O artigo 662.º, n.º 1 do Código de Processo Civil refere-se uma vez mais à possibilidade de modificação da decisão de facto pelo Tribunal da Relação.

Quanto ao recurso de revisão, a competência para apreciação cabe ao Supremo Tribunal de Justiça.»

Efectivamente, os normativos legais invocados pelo Arguido/Recorrente visando suportar a sua pretensão não têm aplicabilidade no Tribunal de 1ª Instância e perderam a sua oportunidade no Tribunal da Relação.

Em boa verdade, como já referido, a decisão do Tribunal a quo é intocável.

A única forma de atacar a mesma seria através do recurso de Revisão cuja competência para apreciação cabe ao Supremo Tribunal de Justiça.

É que, «O recurso de revisão penal é um meio extraordinário de impugnação de uma sentença transitada em julgado que visa a obtenção de uma nova decisão mediante a repetição do julgamento.

Sendo, um expediente excepcional, que prevê a quebra do caso julgado e, portanto, uma restrição grave do princípio da segurança jurídica inerente ao Estado de Direito, só circunstâncias substantivas e imperiosas o podem legitimar.

E, na sua concreta actuação, não se pode transformar em uma apelação disfarçada num recurso ordinário encapotado, degradando o valor do caso julgado e permitindo a eternização da discussão de uma causa penal.

O fundamento de revisão previsto na al. d) do n.º 1 do art.º 449.º do CPP importa a verificação cumulativa de dois pressupostos: por um lado, a descoberta de novos factos ou meios de prova e, por outro lado, que tais novos factos ou meios de prova suscitem graves dúvidas sobre a justiça da condenação, não podendo ter como único fim a correcção da medida concreta da sanção aplicada (n.º 3 do mesmo preceito). (…) (Ac. do Supremo Tribunal de Justiça, de 11-11-2021 proferido no Proc. nº 769/17.3PBAMD-B.S1, no site htpp//www.dgsi.pt) (negrito e sublinhado nosso)

Como bem observa o Digno Magistrado do Ministério Público, nas suas contra motivações de recurso –, « … porque, proferida a sentença, fica imediatamente esgotado o poder jurisdicional do juiz quanto à matéria da causa, como estabelece o n.º 1 do artigo 613.º do CPC, aplicável ao processo penal por força do artigo 4.º do CPP, e depois,

II. porque, também o Venerando Tribunal da Relação de Évora, esgotou o seu poder jurisdicional quanto a esta matéria.

No caso, estamos perante uma situação de caso julgado.

Tendo transitado em julgado o douto acórdão, que manteve a douta sentença proferida pela 1ª Instância, não há, agora, que convocar novamente essa matéria.»

Pelo que bem andou o Tribunal a quo ao indeferir a pretensão do arguido/recorrente, por manifestamente carecer de fundamento legal.

Insurge-se ainda o Arguido/Recorrente pela sua condenação na taxa sancionatória especial de 12 (doze) unidades de conta.

Na sua tese, o despacho recorrido está ferido de nulidade, porquanto a falta de audição prévia do Arguido ora recorrente configura nulidade processual, nos termos do artigo 195.º do CPC (aplicável ex vi artigo 4.º do CPP).

Prescreve o artigo 521.º, n.º 1, do Código de Processo Penal, que:

À prática de quaisquer atos em processo penal é aplicável o disposto no Código de Processo Civil quanto à condenação no pagamento de taxa sancionatória excecional”.

Por seu turno, o artigo 531.º do Código de Processo Civil, sob a epígrafe “Taxa sancionatória excecional”, dispõe que «Por decisão fundamentada do juiz, pode ser excecionalmente aplicada uma taxa sancionatória quando a ação, oposição, requerimento, recurso, reclamação ou incidente seja manifestamente improcedente e a parte não tenha agido com a prudência ou diligência devida.»
E o art.º 10º do Regulamento das Custas Processuais (cfr. art.º 524º do Cód. Proc. Penal), determina:
A taxa sancionatória é fixada pelo juiz entre 2 UC e 15 UC.”

Esta taxa, não tem natureza tributária (como a tem a taxa de justiça), mas sim sancionatória, o que significa que ela se destina a punir uma conduta processual reprovável.
Ante o critério muito lato fornecido por lei para a caracterização dos actos susceptíveis desta sanção, « … a jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça tem procurado fixar os pressupostos limitativos de aplicação da taxa sancionatória excepcional que, de modo genérico, o art. 531º CPC enuncia.
Assim, deverá o processado revelar a presença de pretensões formuladas por um sujeito processual que sejam manifestamente infundadas, abusivas e reveladoras de violação do dever de diligência que dêem azo a assinalável actividade processual. Mas para fazer essa avaliação é de exigir ao juiz muito rigor e critério na utilização desta medida sancionatória de modo a salvaguardar o direito das partes à defesa dos seus interesses pela via processual limitando o seu uso a situações que tenham efectivamente, algum relevo na normal marcha processual[1].
Somente em situações excepcionais em que o sujeito aja de forma patológica no desenrolar normal da instância, ao tentar contrariar ostensivamente a legalidade da sua marcha ou a eficácia da decisão praticando acto processual manifestamente improcedente é que se justifica a aplicação da taxa sancionatória – por isso chamada – excepcional. O sujeito processual que não tenha agido com a prudência ou diligência devida é o que agiu contra disposição de lei expressa ou sem fundamento legal de forma imperceptível na sua pretensão, ou actuando com fins meramente dilatórios[2].
É que, além do mais, à criação da sanção não são de todo estranhas razões de celeridade processual e bem assim de gestão útil dos fundos postos ao serviço da Justiça e suportados por todos os cidadãos contribuintes para as receitas fiscais. E à sua utilização deverá subjazer a patente falta de prudência a respeito da prática de certo acto e a falta de utilidade de que esse dito acto se revestiria importando um acrescido e injustificado atraso no desfecho do processo[3].
Se é certo que com a taxa sancionatória excepcional se não pretende sancionar erros técnicos pois a sanção para estes sempre adveio do pagamento de custas não é menos certo também que com a sua imposição se pretende reagir contra uma atitude claramente abusiva de utilização do processo sancionando o sujeito que intencionalmente o perverte com uma actuação imprudente, desprovida da diligência exigível e como tal censurável[4].
Uma actuação que, em síntese, assuma um carácter excepcionalmente reprovável por constituir um desvio acentuado e injustificado à tramitação regular e adequada do processo mediante a utilização de meios não previstos na lei ou a sua utilização abusiva para dificultar a sua marcha mormente com a prática de actos meramente dilatórios e completamente infundados. Ainda que se não deva confundir a defesa enérgica e exaustiva dos interesses dos sujeitos processuais com um uso desviante dos mesmos o que exigirá uma apreciação concreta de especial rigor[5]. (Ac. do Supremo Tribunal de Justiça, de 05-09-2019, proferido no Proc. nº 222/18.8YUSTR.L1-A. S1, no site htpp//www.dgsi.pt.

Na tese do Recorrente, os artigos 521.º do CPP e 531.º do CPC seriam inconstitucionais, por violação do artigo 20.º, n.º 4, da Constituição da República. Isto se tais preceitos forem interpretados – como o teria feito o tribunal recorrido – no sentido de que a decisão que condene uma parte em taxa sancionatória excepcional não tem de ser precedida da audição da parte interessada.

Ora, «Com este normativo pretende-se sancionar o mau cumprimento do dever de cooperação e diligência dos intervenientes processuais, penalizando o uso indevido do processo com expedientes meramente dilatórios.

Nas palavras do Acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 22 de janeiro de 2013[5], esta taxa sancionatória excecional «aplica-se a condutas que entorpeçam o andamento do processo ou impliquem a disposição substancial de tempo e meios injustificadamente, no sentido de ausência de motivo atendível para tal comportamento processual»

De realçar, porém, que esta figura, nada tem a ver com o instituto civilístico da litigância de má fé, previsto no Código de Processo Civil, o qual, aliás, nem sequer é compaginável com a estrutura do processo penal, dada a natureza pública deste processo e dos interesses em confronto.

É que enquanto o processo civil, tem subjacente o poder dispositivo das partes, no quadro da prossecução de interesses e direitos privados, ao processo penal subjaz a realização de um interesse público, o que, não deixa de ter reflexos, no quadro de ação e de intervenção processual.

Assim, diferentemente do que acontece no processo civil, em que a má fé é sancionada com a aplicação de uma multa e/ou uma indemnização a satisfazer à parte contrária, no domínio dos direitos penal e processual penal, o uso indevido do processo com expedientes manifestamente infundados e meramente dilatórios (contemplem, ou não, má fé, negligência ou mesmo dolo), é sancionado apenas em custas, com um agravamento da taxa de justiça devida.

E se assim é, não se vê que a decisão de condenação no pagamento desta taxa de justiça-sanção, com vista à moralização da atividade processual, seja suscetível de afetar a posição jurídica do visado, pelo que entendemos não impender, no caso dos autos, sobre o Sr. Juiz Desembargador o dever de, antes de proferir a decisão de condenação do arguido/recorrente em 4 (quatro) Uc de taxa de justiça sancionatória excecional, proporcionar o contraditório, ordenando a notificação do arguido para, no prazo que lhe fosse fixado ou no prazo supletivo de 10 dias ( art. 149º do CPP), se pronunciar sobre tal condenação. (Ac. do Supremo Tribunal de Justiça, de 04-01-2017, proferido no Proc. nº 149/05.3PULSB.L1-B.S1, no site htpp//www.dgsi.pt.

Acresce que, «O direito ao processo equitativo está hoje positivamente consagrado no art. 20º, da CRP, no art. 6º, da Convenção Europeia dos direitos do Homem, no art. 14º, do Pacto Internacional Relativo aos Direitos Civis e políticos e no art. 10º, da Declaração Universal dos Direitos do Homem.As doutrinas caracterizadoras do direito a um processo equitativo (CRP, art. 20º/4) têm quase sempre como ponto de partida a experiência constitucional americana do due process of law. (...)Pela própria arqueologia do due process verifica-se que este se concebia fundamentalmente como um direito de defesa do particular perante os poderes públicos. Quando os textos constitucionais, internacionais e legislativos, reconhecem, hoje, um direito de acesso aos tribunais este direito concebe-se como uma dupla dimensão: (1) um direito de defesa ante os tribunais e contra actos de poderes públicos; (2) um direito de protecção do particular através dos tribunais do estado no sentido de este o proteger perante a violação dos seus direitos por terceiros (dever de protecção do Estado e direito do particular a exigir essa protecção). (...)O direito de acesso aos tribunais implica o direito ao processo entendendo-se que este postula um direito a uma decisão final incidente sobre o fundo da causa sempre que se hajam cumprido e observado os requisitos processuais da ação ou recurso. Por outras palavras: no direito de acesso aos tribunais inclui-se o direito de obter uma decisão fundada no direito, embora dependente da observância de certos requisitos ou pressupostos processuais legalmente consagrados. Por isso, a efetivação de um direito ao processo não equivale necessariamente a uma decisão favorável; basta uma decisão fundada no direito quer seja favorável quer seja desfavorável às pretensões deduzidas em juízo» [1]

Porém, o mau uso desse direito, uma utilização abusiva do processo, é sancionável, visando tal sanção reprimir o uso doloso por parte do sujeito processual que o perverte visando desígnios alheios à realização da justiça criminal.

Fazer uma utilização abusiva do processo penal mais não é, em substância, do que fazer do processo ou dos meios processuais um uso manifestamente reprovável, com o fim de conseguir um objetivo ilegal. (Ac. do Supremo Tribunal de Justiça, de 09-05-2019, proferido no Proc. nº 565/12.4TATVR-C.E1-A.S1, no site htpp//www.dgsi.pt)

Na verdade, art.º 531º do CPC (aplicável ex vi do art.º 521º do CPP) apenas exige que a aplicação da taxa sancionatória excepcional seja fundamentada, mas não impõe a audição prévia da parte a quem essa taxa é aplicada sobre a oportunidade dessa aplicação e sobre o montante concreto da taxa aplicada. Ora, a decisão recorrida fundamenta, de modo exaustivo e eloquente, as razões pelas quais se decidiu pela aplicação ao Requerente ora Recorrente da referida taxa excepcional, descrevendo minuciosamente os sucessivos actos de carácter manifestamente dilatório praticados pelo Requerente/Recorrente ao longo da tramitação processual, sempre com o único desiderato de obstar ao trânsito em julgado da decisão penal condenatória pendente de apreciação nos tribunais superiores, e realçando a manifesta carência de base legal da pretensão do Requerente objecto da decisão recorrida. De resto, o arguido pode sempre pôr em crise, no recurso que interpõe da decisão que lhe aplica uma taxa de justiça sancionatória excepcional, a verificação dos requisitos de que depende a aplicação dessa taxa e a medida da taxa concretamente aplicada. Coisa que o Recorrente, de resto, fez, nas suas alegações. Pelo que a sua não audição prévia sobre esta questão da taxa de justiça não configura qualquer nulidade e, muito menos, a do art.º 195º do CPC (que sempre seria inaplicável em processo penal, dada a existência no CPP duma disciplina específica para as nulidades e irregularidades em processo penal).

O que sucede é que o Recorrente não consegue fundamentar minimamente por que razão não seria caso de aplicação ao mesmo duma taxa de justiça excepcional, na medida em que não podia desconhecer que formulou uma pretensão totalmente carecida de base legal e que bem sabia que nunca poderia ser acolhida pelo tribunal. Mas, como é disso mesmo que se trata, fica bem evidente que , ao formular uma pretensão que sabia, de fonte segura, que não tem a menor sustentabilidade, o Requerente se sujeitou, naturalmente a que o tribunal lhe aplicasse uma taxa de justiça excepcional, porque a aplicação desta taxa está precisamente pensada para estas hipóteses de formulação de pretensões ostensivamente descabidas e manifestamente improcedentes, quando a parte, ao deduzi-las, não tenha agido com a prudência ou diligência exigíveis a quem está devidamente patrocinado por um Advogado, isto é, por um profissional do foro.

Inexistindo assim, violação de quaisquer preceitos legais de ordem penal e/ou constitucional e, muito menos, dos indicados na motivação.

Destarte, tendo em conta os considerandos relativos ao direito aplicável sobreditos, parece-nos manifesto poder considerar-se que o requerimento apresentado pelo arguido que está na base do despacho recorrido configura uma actividade manifestamente injustificada relativamente ao processamento normal dos autos a justificar a sua condenação em taxa sancionatória excepcional.

Eis por que o presente recurso irá improceder.


DECISÃO

Nestes termos, acordam os juízes da Secção Criminal deste Tribunal da Relação em negar provimento ao recurso interposto pelo arguido (...) confirmando-se na íntegra o despacho recorrido.

Fixa-se a taxa de justiça devida pela Recorrente em 4 (quatro) UCs.

Évora,16/12/2021

Maria Margarida Bacelar

Martinho Cardoso

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[1] Ac STJ de 2017.01.04, proc 149/05.3PULSB.L1-B.S1 como os demais citados infra consultável em www.dgsi.pt.

[2] Ac STJ de 2017.05.10, proc 12806/04.7DLSB.L2-A.S1.

[3] Ac STJ de 2017.06.08, proc 1246/05.0TASNT.L1-B.S2.

[4] Ac STJ de 2019.05.09, proc 565/12.4TATVR-C.E1-A.S1.

[5] Ac STJ de 2019.05.29, proc 364/14.9TAPDL.L1.S1