APOIO JUDICIÁRIO
HONORÁRIOS DE PATRONO NOMEADO
PEDIDO CÍVEL
Sumário


No âmbito do apoio judiciário, os advogados têm direito a receber honorários pelos serviços prestados na acção penal e na acção civil, ou seja, em modo cumulativo.

Texto Integral





ACORDAM OS JUÍZES, EM CONFERÊNCIA, NA SECÇÃO CRIMINAL DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE ÉVORA


1. RELATÓRIO


A – Decisão Recorrida

Nos autos de processo comum colectivo nº 229/13.1TAELV, que correu termos no Tribunal Judicial da Comarca de Portalegre, Juízo Central Cível e Criminal, Juiz 1, a Ilustre Advogada (…) foi nomeada defensora do arguido (…), em substituição do anteriormente indicado, tendo apresentado um requerimento de protecção jurídica à Segurança Social para “contestar o processo crime e os pedidos cíveis de indemnização e ficar isento do pagamento de custas e honorários do Advogado”, pedido este, que veio a ser deferido, nas modalidades de “dispensa de taxa de justiça e demais encargos com o processo e pagamento da compensação do defensor oficioso”.

Após o trânsito do acórdão condenatório, com decisão sobre os três pedidos de indemnização civil que haviam sido deduzidos contra o arguido, a Ilustre Advogada apresentou dois pedidos de pagamento de honorários, um, relativo à nomeação em processo penal (e já pago pelo IGF) e outro, reportado à nomeação quanto aos pedidos de indemnização civil.

O M.P. pronunciou-se no sentido do não pagamento deste último pedido e o mesmo foi indeferido por despacho judicial nos seguintes termos (transcrição):

Ref.1866591: Vem a I. Defensora do arguido solicitar ordenar que sejam pagos à defensora oficiosa ora signatária os honorários previstos no Ponto 3.2 da Tabela anexa à Portaria Nº 1386/2004 e que foram pedidos no Processo de Nomeação Nº 70567/2021.
O Ministério Público pronunciou-se, pugnando pela improcedência do requerido, nos termos constantes da promoção que antecede.
Cumpre apreciar.
A I. Advogada foi nomeada defensora do arguido, nos termos do disposto no art.º 64.º, n.º 3 do Código de Processo Penal, e pese embora o arguido goze de apoio judiciário, a nomeação não ocorreu nesse âmbito. Assim sendo, têm inteira aplicação a este caso os argumentos expendidos pelo Tribunal da Relação de Évora, no acórdão prolatado no âmbito do processo n.º 20/15.0F1EVR, para o qual remetemos.
Em face do exposto, e pese embora se admita que já tenha sido perfilhado, neste Tribunal, entendimento diferente, concorda-se na íntegra com a posição assumida pelo Ministério Público, para cuja fundamentação de facto e de direito se remete, por uma questão de economia, e, em consequência, indefere-se o requerido.
Notifique.

B – Recurso

Inconformado com o assim decidido, recorreu a requerente, concluindo as suas motivações da seguinte forma (transcrição):

1º- A A Advogada Recorrente foi nomeada para patrocinar o Arguido (…) nos autos de processo comum (colectivo) nos termos dos Artigos 30º e 31º da Lei Nº 34/2004 de 29 de Julho e do Artigo 3º, Nº 1 da Portaria Nº 10/2008 de 3 de Janeiro.
2º- Na pendência do processo foi apresentado em nome do Arguido um Requerimento de Protecção Jurídica para contestar o processo crime e os pedidos cíveis de indemnização e ficar isento do pagamento de custas e honorários do Advogado”.
3º- O pedido de protecção jurídica foi deferido nas modalidades de “Dispensa de taxa de justiça e demais encargos com oprocesso e pagamento da compensação do defensor oficioso”.
4º- No processo crime foram deduzidos três pedidos cíveis nos montantes de 13.944,70 €, de 30.422,95 € e de 600.000,00 €.
5º- A Recorrente contestou todos esses pedidos no decurso da audiência que, em consequência, só parcialmente foram julgados procedentes.
6º- A Recorrente tem assim direito ao pagamento de honorários pelos serviços prestados com a defesa nos pedidos de indemnização civil em processo penal de acordo com o previsto no Ponto 3.2 da Tabela anexa à Portaria Nº 1386/2004.
7º- O Tribunal recorrido ao indeferir o pagamento dos honorários dos pedidos cíveis incorreu em erro de julgamento por violação dos Artigos 64º, 66º e 71º do C.P.P. e dos Artigos 16º, 18º, 39º e 45º da Lei Nº 34/2004 de 29/07 que regula o Regime de Acesso ao Direito e aos Tribunais (RADT) e do ponto 3.2 da tabela anexa à Portaria Nº 1386/2004 de 10 de Novembro.
8º- Perfilha-se o entendimento do douto Acórdão Nº 20/15.0F1EVR-A-E1 segundo o qual ao defensor nomeado no processo compete assegurar plenamente a assistência judiciária do arguido/demandado quer em matéria penal, quer em matéria civil enquanto a nomeação subsistir.
9º- Este entendimento vai de acordo com a Lei que impõe o princípio da adesão, segundo o qual o pedido de indemnização civil fundado na prática de um crime é deduzido no processo penal respectivo.
10º- Assim à Recorrente/defensora nomeada competiu igualmente a defesa do arguido quanto aos três pedidos cíveis - Art. 45º, Nº 1, al d) do RADT.
11º- Resulta por isso evidente que a Recorrente também deverá ser paga pela defesa dos pedidos cíveis, sob pena de se impor à Recorrente a obrigação de trabalhar sem ser paga relativamente aos pedidos cíveis.
12º- Só esta interpretação é conforme ao Artigo 59º, Nº1, al. a), da Constituição que garante que todos têm direito à retribuição do seu trabalho.
13º- No caso dos autos a retribuição não poderá ser assegurada de outra forma, porque a lei não permite outra forma de remuneração dos serviços prestados pelo advogado no âmbito do apoio judiciário.
14º- Em nenhuma das hipóteses de apoio judiciário é permitido o pagamento dos honorários directamente pelo arguido ao advogado.
15º- O advogado que seja nomeado defensor oficioso ao arguido num determinado processo penal não pode no mesmo processo aceitar mandato do mesmo arguido para o pedido cível, por constituir clara violação do disposto no Artigo 43º, Nº 2, da RADT.
16º- A Recorrente estaria ainda impedida de receber a retribuição do seu trabalho na parte cível pois tal constituiria violação do disposto no Artigo 3º, Nº 3, do RADT que veda aos advogados que prestem serviços no acesso ao direito em qualquer das suas modalidades auferir remuneração diversa da que tiverem direito nos termos da presente lei.
17º - Ora, sendo o exercício da função de defensor oficioso sempre remunerado de acordo com o disposto no Artigo 66º, Nº 5 do C.P.P., essa remuneração só poderá fazer-se de acordo com as disposições conjugadas dos Artigos 44º, Nº 2 e 45º, Nº 2 do RADT e da Portaria Nº 1386/2004.
18º- No caso dos autos o apoio judiciário foi concedido ao arguido e consequentemente a Recorrente/defensora deverá ser paga de acordo com a Tabela anexa à portaria Nº 1386/2004 também na parte cível (3.2).
19º- Nestes termos, o douto despacho recorrido deverá ser revogado nesta parte e substituído por outro que ordene o pagamento à Recorrente dos honorários que lhe cabem pelos serviços prestados com a contestação dos três pedidos cíveis nos termos do ponto 3.2 da Tabela anexa à Portaria Nº 1386/2004 de 10 de Novembro, com o que se fará a costumada JUSTIÇA.

C – Resposta ao Recurso

O MP respondeu ao recurso, apresentando as seguintes conclusões (transcrição):

1.A decisão da Exma. Juiz não violou qualquer norma legal ou constitucional, designadamente a dos artigos 64.º, 66.º e 71.º do CPP, 16º, 18º, 39º e 45º da Lei Nº 34/2004 de 29/07 que regula o Regime de Acesso ao Direito e aos Tribunais (RADT), do ponto 3.2 da tabela anexa à Portaria 1386/2004, de 10 de Novembro e dos artigos 13.º e 59.º da Constituição da República Portuguesa.
2.A decisão ora posta em crise não enferma de qualquer irregularidade, pois é bem explícita quanto aos fundamentos que estiveram na sua base.
3. Ao abrigo das disposições conjugadas dos artigos 64.º, 66.º e 71.º do CPP, 39.º do RADT e do ponto 3.2 da tabela anexa à Portaria 1386/2004, de 10 de Novembro, entende-se que deve ser negado provimento ao recurso, sendo certo que questão idêntica foi já tratada pelo Tribunal da Relação de Évora no seu acórdão proferido no processo n.º 20/15.0F1EVR, deste Juízo Central, em 09-03-2021, transitado em julgado em 13-05-2021, para o qual ousamos remeter.
V. Ex.as, porém, com superior apreciação e critério, farão, certamente, JUSTIÇA.

D – Tramitação subsequente

Aqui recebidos, foram os autos com vista ao Exmº Procurador-Geral Adjunto, que se pronunciou pela improcedência do recurso.
Cumprido o disposto no Artº 417 nº2, foi apresentada resposta pela recorrente, reafirmando os seus argumentos.
Efectuado o exame preliminar, determinou-se que o recurso fosse julgado em conferência.
Colhidos os vistos legais e tendo o processo ido à conferência, cumpre apreciar e decidir.

2. FUNDAMENTAÇÃO

A – Objecto do recurso
De acordo com o disposto no Artº 412 do CPP e com a Jurisprudência fixada pelo Acórdão do Plenário da Secção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça n.º 7/95, de 19/10/95, publicado no D.R. I-A de 28/12/95 (neste sentido, que constitui jurisprudência dominante, podem consultar-se, entre outros, o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 12 de Setembro de 2007, proferido no processo n.º 07P2583, acessível em HYPERLINK "http://www.dgsi.pt/" HYPERLINK "http://www.dgsi.pt/"www.dgsi.pt, que se indica pela exposição da evolução legislativa, doutrinária e jurisprudencial nesta matéria), o objecto do recurso define-se pelas conclusões que a recorrente extrai da respectiva motivação, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso, que aqui e pela própria natureza do recurso, não têm aplicação.
Assim sendo, importa tão só apreciar se existe razão à recorrente, no sentido de lhe serem pagos os honorários reclamados.

B – Apreciação

Exposta a questão em discussão, eminentemente jurídica, afigura-se-nos que assiste razão à Ilustre recorrente, sendo a decisão recorrida passível de reparo.
É sabido que nos termos dos Artsº 62 nº1 e 64 nºs, ambos do CPP, a nomeação de defensor ao arguido é obrigatória quando contra ele for deduzida acusação, cabendo ao defensor exercer os direitos que a lei reconhece ao arguido, devendo, nessa medida, assisti-lo, como demandado, no pedido civil contra este interposto.
A intervenção do defensor oficioso do arguido, sendo legalmente obrigatória, impõe, naturalmente, que exerça os direitos que a lei reconhece aos arguidos, incluindo a sua defesa no que concerne ao pedido de indemnização civil, até porque vigorando na nossa lei processual penal o sistema de adesão da demanda civil, nos termos do Artº 71 do CPP, em regra, no mesmo processo, devem ser resolvidos e decididos os pedidos – crime e civil – ainda que as duas acções mantenham a sua natureza e características próprias.
A função de defensor oficioso é sempre remunerada, nos termos e quantitativos a fixar pelo tribunal, dentro dos limites constantes das tabelas aprovadas pelo Ministério da Justiça, sendo que os honorários a atribuir ao defensor em processo penal, ainda que nomeado fora do apoio judiciário, são os constantes da tabela anexa à Portaria nº 1386/2004, de 10/11, como estipula os Artº1 e 2 nº1 deste diploma.
Ora, de acordo com esta tabela, os honorários a atribuir no âmbito do processo penal são os previstos nos pontos 3.1.1.1.1. e 3.1.1.1.2. (consoante a punibilidade dos crimes em causa), sendo que no ponto 3.2. da mesma se estabelece a atribuição de honorários ao pedido de indemnização civil deduzido no âmbito do processo penal, reportados aos previstos nas acções declarativas.
Nestes termos, estabelecendo-se diferentes níveis de honorários em relação ao processo penal e ao pedido de indemnização civil neste formulado, parece decorrer da lei que, no âmbito do apoio judiciário, os advogados têm direito a receber honorários pelos serviços prestados na acção penal e na acção civil, ou seja, em modo cumulativo (Cfr, neste sentido, Ac. da Relação do Porto de 22/05/02, Proc. 0240412 e desta Relação, de 06/10/20, Proc. 115/17.6PBSTB.E1 e de 09/03/21, Proc. 20/15.0F1EVR-A.E1).
A pedra de toque para que se atinja esta conclusão reporta-se, necessariamente, à circunstância de os serviços prestados no âmbito da demanda civil enxertada no processo penal, estarem, ou não, cobertos pelo apoio judiciário.
Se assim não acontecer, é defensável que ao defensor obrigatoriamente nomeado ao arguido, nos termos do Artº 64 do CPP, apenas lhe seja devida a compensação pelo trabalho efectuado no âmbito do processo penal, até porque a defesa penal do arguido envolve, naturalmente, a sua defesa civil, pela necessária conexão das matérias em causa e pela plena tutela do exercício de defesa do arguido.
Ainda que se trate, nesta parte, de uma questão controversa, no caso de a defesa do arguido estar suportada pelo instituto de apoio judiciário, não se crê como se possa concluir pela não aplicação do ponto 3.2. da referenciada tabela, quando, como é o caso dos autos, foram deduzidos pedidos de indemnização civil contra o arguido, já que da dita tabela são discriminados os honorários em sede civil e criminal, pelas distinções que aí se fazem, tendo em conta a diferente natureza dos pedidos, criminal e civil (Também neste sentido, ainda que revista natureza interpretativa meramente auxiliar para o julgador, Manuel do Apoio Judiciário, Perguntas Frequentes, Custas Processuais, DGAJ, 2021).
Na verdade, aquando da nomeação da Ilustre recorrente como patrona do arguido, em substituição do anterior nomeado, foi em nome do arguido apresentado à Segurança Social um requerimento de protecção jurídica, em que se solicitava o “apoio judiciário com dispensa de taxa de justiça e demais encargos com o processo e de pagamento da compensação de defensor oficioso”, com vista a “contestar o processo crime e os pedidos cíveis de indemnização e ficar isento do pagamento de custas e honorários ao advogado”, o que veio a ser deferido nos exactos termos peticionados.
Nestes termos, não cabendo ao arguido o pagamento dos honorários devidos à sua defensora em consequência do apoio judiciário que lhe foi concedido e não podendo a Ilustre advogada nomeada no processo como defensora do arguido, nele aceitar mandato para o representar no pedido civil (Artº 43 nº2 Lei Nº 34/2004 de 29/07 que regula o Regime de Acesso ao Direito e aos Tribunais (RADT), o não pagamento dos honorários, nesta sede, por si reclamados, implicaria que a mesma ficaria impedida de receber a sua retribuição pelo seu trabalho desenvolvido na parte civil, o que consubstancia uma violação do estatuído no Artº 59 nº1 da Constituição da República Portuguesa.
A Ilustre requerente foi nomeada defensora oficiosa do arguido e este, no âmbito de um pedido que abrange a contestação ao processo crime e ao pedidos de indemnização civil contra si formulados, goza de apoio judiciário, na modalidade, também, de pagamento da compensação devida ao seu defensor, pelo que tem aquela direito a que lhe sejam pagos, pelo Cofre dos Tribunais, os honorários pelos serviços prestados, nos termos da tabela anexa Portaria 1386/2004, de 10/11, que define, de modo único, a remuneração dos profissionais forenses no âmbito da protecção jurídica e cujo pagamento é assegurado pelo Estado.
Tendo já sido pagos os honorários relativos à parte criminal, devem ser objecto de pagamento os honorários devidos pelos três pedidos cíveis deduzidos contra o arguido, de acordo com o ponto 3.2. da aludida tabela, procedendo, assim, o recurso.

3. DECISÃO

Nestes termos, decide-se conceder provimento ao recurso e em consequência, revoga-se o despacho recorrido que deverá ser substituído por outro, que determine o pagamento à recorrente dos honorários que lhe cabem pelos serviços prestados pela contestação aos pedidos de indemnização civil deduzidos contra o arguido, nos termos do ponto 3.2. da tabela anexa à Portaria nº 1386/2004 de 10/11.
Sem custas.
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Consigna-se, nos termos e para os efeitos do disposto no Artº 94 nº2 do CPP, que o presente acórdão foi elaborado pelo relator e integralmente revisto pelos signatários.
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Évora, 16 de Dezembro de 2021
Renato Barroso (Relator)
Maria Fátima Bernardes (Adjunta)
(Assinaturas digitais)