CERTIFICADO DE REGISTO CRIMINAL
NÃO TRANSCRIÇÃO DE CONDENAÇÃO
TRIBUNAL COMPETENTE
Sumário

É ao tribunal da condenação, e não ao tribunal de execução das penas, que compete apreciar requerimento formulado pelo condenado nos termos do artº 13º da L. 37/2015 de 5/5, mesmo que a decisão condenatória já tenha transitado em julgado e tenha sido remetido boletim ao registo criminal.

Texto Integral

DECISÃO SUMÁRIA (artº 417º, nº 6, al. d), do C.P.P.)

Por sentença proferida em 27/10/2016 foi o arguido LHSC condenado, pela prática de vários crimes de roubo, na pena única de um ano e dois meses de prisão, pena essa que foi substituída por pena de 420 horas de prestação de trabalho a favor da comunidade.

Em 1/10/2020 foi proferido despacho declarando extinta a referida pena por virtude do seu cumprimento.

Em 3/3/2021 o arguido formulou requerimento solicitando “a não transcrição da condenação ao registo criminal, para efeitos de ingresso no exército.”

O Ministério Público não se opôs ao solicitado, invocando o artº 13º, nº 1, da L. 37/2015 de 5/5.

Sobre o referido requerimento recaiu o seguinte despacho:

“Fls. 379: Informe o condenado que, uma vez que a condenação já transitou em julgado, já foi comunicada aos serviços de registo criminal e a mesma já está averbada nesse registo, que deverá endereçar o pedido de cancelamento provisório do registo (artigo 12.º da Lei n.º 37/15, de 5 de Maio), ao Tribunal de Execução de Penas territorialmente competente.”

Inconformado com tal despacho, dele recorreu o Ministério Público, tendo terminado a motivação de recurso com as seguintes conclusões:

“1. Não se conformando com o despacho judicial de 10.05.2021, que indeferiu o pedido de não transcrição da sentença no certificado do registo criminal, para efeitos laborais (ingresso no exército), formulado pelo condenado PMRG, dela vem o Ministério Público interpor recurso, o qual incide sobre a matéria de direito, nos termos do disposto no artigo 412º, nº 2, do Código de Processo Penal, por se entender que o Tribunal indeferiu a pretensão do condenado devido a uma errada interpretação jurídica das normas aplicadas.

2. O Tribunal a quo indeferiu o pedido do condenado, por entender que a apreciação de tal pretensão cabia o Tribunal de Execução das Penas, uma vez que a condenação já tinha transitado em julgado e sido comunicado aos serviços de registo criminal, estando já averbado nessse registo.

3. – Ao decidir dessa forma, o Tribunal a quo violou e interpretou erradamente os artigos 10º, nºs 5 e 6, 12º e 13º, nº 1, todos da Lei nº 37/2015, de 05/05.

4. O artigo 13º, nº 1, da Lei 37/2015, de 05/05, sob a epígrafe “decisões de não transcrição”, dispõe que “sem prejuízo do disposto na Lei n.º 113/2009, de 17 de setembro, com respeito aos crimes previstos no artigo 152.º, no artigo 152.º-A e no capítulo V do título I do livro II do Código Penal, os tribunais que condenem pessoa singular em pena de prisão até 1 ano ou em pena não privativa da liberdade podem determinar na sentença ou em despacho posterior, se o arguido não tiver sofrido condenação anterior por crime da mesma natureza e sempre que das circunstâncias que acompanharam o crime não se puder induzir perigo de prática de novos crimes, a não transcrição da respetiva sentença nos certificados a que se referem os n.ºs 5 e 6 do artigo 10.º” (são estes os certificados requeridos para fins de emprego e os certificados requeridos pelos particulares para outros fins), sublinhado nosso.

5. O condenado requereu a não transcrição da sentença nos certificados de registo criminal a que aludem os nºs 5 e 6 do artigo 10º da Lei 37/2015, de 05 de Maio, e não o cancelamento provisório de decisão que devia constar do registo criminal, nos termos previstos no artigo 12º, do mesmo diploma legal.

6. A apreciação do pedido de não transcrição compete apenas ao Tribunal da condenação, nos termos previstos no artigo 13º, nº 1, da Lei nº 37/2015, de 05 de Maio, sendo certo que esta disposição legal prevê tal que tal decisão pode ser tomada na sentença ou em despacho posterior, inexistindo qualquer limitação temporal para o efeito.

7. Na verdade, “perante o disposto no artigo 13º da Lei nº 37/2015, de 05/05, com a decisão condenatória e a ordem de remessa do boletim ao registo criminal não fica esgotado o poder jurisdicional do juiz sobre a matéria naquela norma visada” (cfr. sumário do Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, de 15.06.2016, processo nº 21/13.3PFCBR.C1; vide ainda sobre a mesma questão, o Acórdão da Relação de Évora, de 07.06.2016, processo 907/12.2PBFAR.E1, e o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 21.03.2019, processo 1857/11.5PBSNT.L2-9, todos disponíveis em www.dgsi.pt).

8. O Tribunal a quo é o competente para conhecer do pedido de não transcrição da decisão condenatória nos certificados do registo criminal, que se referem os nºs 5 e 6 do artigo 10º da Lei nº 37/2015, de 05/05, pelo que a decisão recorrida deve ser revogada e substituída por outra que conheça do mérito da pretensão formulado pelo condenado.

Termos em que deve ser concedido provimento ao presente recurso e, consequentemente, a decisão recorrida deve ser revogada e substituída por outra que conheça do mérito da pretensão formulado pelo condenado.

V. Exas. farão, como sempre, JUSTIÇA”

Não houve resposta ao recurso.

Neste tribunal da Relação foi emitido parecer pelo Ministério Público no mesmo sentido do pugnando na 1ª instância.

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APRECIAÇÃO

2. A questão a apreciar é apenas a de se saber se é ao tribunal recorrido que compete apreciar o que foi requerido pelo arguido quanto à não transcrição da condenação no certificado do registo criminal. Não está em causa a apreciação de mérito do requerimento apresentado, mas apenas saber qual é o tribunal competente para a sua apreciação: o tribunal da condenação ou o tribunal de execução das penas.

A questão já foi judicialmente apreciada de modo uniforme e reiterado, e daí a presente decisão sumária ao abrigo da al. d) do nº 6 do artº 417º do C.P.P..

Com efeito, há que distinguir a não transcrição da condenação nos certificados a que se referem os nºs 5 e 6 do artº 10º da L. 37/2015 de 5/5, matéria que é regulada no artº 13º deste diploma legal, do cancelamento provisório regulado no artº 12º desse mesmo diploma legal.

São situações distintas com pressupostos e consequências diferentes.

Ora, como expressamente se prevê no indicado artº 13º a decisão de não transcrição pode ser tomada na sentença condenatória ou em despacho posterior, o que significa que quanto a isto não há qualquer esgotamento do poder jurisdicional do tribunal da condenação, sendo indiferente o trânsito em julgado da sentença condenatória e a remessa do boletim ao registro criminal.

O juiz que proferiu a sentença pode, e deve, apreciar o requerimento que lhe tenha sido dirigido nos termos do artº 13º da Lei 37/2015 de 5/5, como foi o caso, sem que haja qualquer prazo para o mesmo ser formulado.

Assim se tem pronunciado a jurisprudência de forma reiterada e, ao que se sabe, uniforme.

Os acórdãos referidos na motivação de recurso estão assim sumariados:

- Ac. da rel. de Coimbra de 15/6/2016:

I - Perante o disposto no artigo 13.º da Lei n.º 37/2015, de 05-05, com a decisão condenatória e a ordem de remessa do boletim ao registo criminal não fica esgotado o poder jurisdicional do juiz sobre a matéria naquela norma visada.

II - Ainda que a decisão condenatória haja sido proferida quando ainda estava em vigor a Lei n.º 57/98, de 18-08, e não obstante o trânsito em julgado da mesma, na vigência da Lei n.º 37/2015 o tribunal não está impedido de ordenar a não transcrição da sentença nos certificados a que se referem os n.ºs 5 e 6 do artigo 10.º da Lei n.º 37/2015, se verificados os pressupostos previstos no artigo 13.º do mesmo diploma.

- Ac. da rel. de Évora de 7/6/2016:

- 1. O art.17.º da Lei 57/98 (tal como o art. 13.º da Lei 37/2015 de 15 de junho que, revogando a anterior, regula atualmente a Identificação criminal), prevê a não transcrição da sentença de condenação nos certificados nela referidos, que não se confunde com a omissão da inscrição da condenação no registo criminal, que é obrigatória, nos termos do art. 5.º da Lei 57/98 e, agora, nos termos do art. 6.º da Lei 37/2015, nem com o cancelamento provisório do registo criminal, a que aludia o art. 16.º da Lei 57/98 e que se encontra previsto, em termos similares, no art. 13.º da Lei 37/2015, da competência do tribunal de execução de penas.

2. Os artigos 17.º da Lei 57/98 e 13.º da Lei 37/2015 preveem que a não transcrição da decisão condenatória em certificados determinados possa ser decidida na sentença ou em despacho posterior, sem estabelecer prazo para o efeito, pelo que é irrelevante que a sentença condenatória tivesse transitado em julgado e que a mesma se mostrasse inscrita no certificado de registo criminal do arguido, quando foi apresentado o requerimento e proferido o despacho recorrido.

- Ac. da rel. de Lisboa de 21/3/2019:

I – O cancelamento provisório das decisões que deviam constar do registo criminal, nos termos previstos no art. 12.º da Lei n.º 37/2015, de 05-05, não pode confundir-se com a não transcrição da sentença nos certificados de registo criminal a que aludem os n.ºs 5 e 6 do art. 10.º do mesmo diploma, possibilidade prevista no respectivo art. 13.º.

II - Enquanto a avaliação do pedido de cancelamento provisório cabe ao Tribunal de Execução das Penas (o que resulta não só do teor do mencionado art. 12.º como também do art. 138.º, n.º 4, al. z), da Lei n.º 115/2009, de 12-10), a apreciação da pretensão de não transcrição compete ao Tribunal da condenação, como expressamente prevê o n.º 1 do art. 13.º da Lei n.º 37/2015, de 05-05.

III – Esta última apreciação pode ser efectuada quer na sentença quer em despacho posterior, não estabelecendo a lei qualquer limitação temporal para o efeito.

Veja-se ainda no mesmo sentido o ac. da rel. de Lisboa de 6/2/2019, assim sumariado:

1. A não transcrição da condenação no registo criminal pode ser determinada na própria sentença ou em despacho posterior, sendo certo que o legislador (artº 13º da Lei 37/2015) não impôs limite temporal no tocante ao despacho posterior, pelo que, é indiferente que seja antes ou depois do trânsito em julgado.

2. O que se impõe são as demais condicionantes previstas na norma, mais concretamente que:

a) O condenado não tenha sofrido condenação anterior por crime da mesma natureza; e,

b) Sempre que das circunstâncias que acompanharam o crime não se puder induzir perigo de prática de novos crimes.

3. Se fosse intenção do legislador limitar o período temporal de tal acto decisório, tê-lo-ia assumido, como fez para os casos de cancelamento definitivo, por exemplo no caso dos crimes contra a liberdade sexual, onde o legislador teve o cuidado de acentuar que o dito cancelamento nos casos de condenação pelos aludidos crimes se verifica decorridos vinte e três anos sobre a extinção da pena, principal ou de substituição (cf. artigo 4º, nº 1, da Lei nº 113/2009, de 17-09).

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Reveste particular importância o acima referido ac. da rel. de Évora de 7/6/2016 pela clareza da exposição relativa à distinção entre as várias situações, aderindo-se totalmente aos seus fundamentos.

Desconhece-se a existência de qualquer decisão com entendimento diferente ao aqui exposto.

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DECISÃO

Face ao exposto, decido julgar procedente o recurso e, em consequência, revogar o despacho recorrido, o qual deverá ser substituído por outro que aprecie o requerimento em causa.

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Sem tributação.

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Évora, 4 de Janeiro de 2022

Nuno Garcia