CONTRATO PROMESSA DE PARTILHA
BENFEITORIAS
DIREITO DE RETENÇÃO
EXECUÇÃO ESPECÍFICA
Sumário

I - O pressuposto basilar da execução específica é a situação de incumprimento temporário do contrato e através dela o credor que permanece interessado no cumprimento da promessa procura obter, por intermédio do tribunal, a realização coativa da prestação devida.
II - O contrato-promessa de partilha de bens da herança e subsequente divisão dos mesmos é suscetível de execução específica nos termos gerais.
III - A promessa é qualificada como unilateral sempre que apenas uma das partes se encontre adstrita à realização do futuro contrato; a outra parte, ao invés, não está vinculada a essa celebração, podendo fazê-lo ou não.
IV- Havendo incumprimento temporário da promessa unilateral mostra-se possível a sua execução específica à luz do art. 830º do Cód. Civil, a solicitação do não vinculado, e sempre que ela seja admissível nesse quadro.

Texto Integral

Proc. nº 10584/19.4 T8PRT.P1
Comarca do Porto – Juízo Central Cível do Porto – Juiz 5
Apelação
Recorrentes: B… e C….
Recorridos: D… e E….
Relator: Eduardo Rodrigues Pires
Adjuntos: Desembargadores Márcia Portela e Carlos Querido.


Acordam na secção cível do Tribunal da Relação do Porto:
RELATÓRIO
Os autores D... e mulher E... intentaram a presente ação declarativa de condenação, com processo comum, contra os réus F... e mulher G... e B… e marido C…, tendo pedido que seja proferida sentença que produza os efeitos da declaração negocial dos réus (promitentes faltosos) no que toca ao contrato-promessa de partilha e adjudicação do imóvel sito na Rua do …, nº .., .. e .., descrito na matriz urbana sob o nº 6112, composto por casa de dois pavimentos com 36,7m2, anexo com 15m2, descrito na Conservatória do Registo Predial do … sob o nº 18/19841217, pelo preço de 40.000,00€, valor acordado pelas partes.
Subsidiariamente foi pedido pelos autores:
- o reconhecimento do seu crédito sobre os réus em montante não inferior a 222.179,60€, resultante de benfeitorias necessárias e úteis realizadas por eles no imóvel;
- o reconhecimento do direito de retenção dos autores sobre esse mesmo imóvel.
Foram apresentadas contestações pelos réus F... e mulher G… e também pelos réus B… e marido C... que se pronunciaram no sentido da improcedência da ação. Os segundos arguiram ainda exceções de prescrição e de ilegitimidade do réu C... e ainda de todos os réus por preterição de litisconsórcio necessário passivo, devendo estar na ação, como ré, H....
Os autores responderam às exceções invocadas.
As exceções de ilegitimidade foram julgadas improcedentes.
Seguidamente, foi proferida sentença que julgou a ação de execução específica de promessa de partilha por morte procedente e, com o objeto translativo da propriedade da declaração prometida pelos réus F... e B…, decidiu adjudicar ao autor D... a propriedade plena, por partilha por morte, do prédio urbano sito na rua do …, números .., .. e .., Porto, descrito no Registo Predial na ficha n.º 18/19841217 – …, inscrito na matriz predial urbana com o artigo 6112º, integrado na herança de I…, com efeitos, com a inerente aquisição da propriedade plena, no momento em que forem integralmente liquidadas as quantias devidas a título de tornas adiante referidas.
Mais julgou o autor D... devedor de tornas aos réus F... e B…, no valor de 40.000,00€ a cada um (num total de 80,000,00€).
Inconformados com o decidido, os réus B… e C... interpuseram recurso de apelação tendo finalizado as suas alegações com as seguintes conclusões:
…………………….
…………………….
…………………….
Pretendem assim que o recurso seja provido e a sentença declarada nula por excesso de pronúncia.
Os autores apresentaram contra-alegações, nas quais se pronunciaram pela confirmação do decidido.
O Mmº Juiz “a quo” para os efeitos do art. 617º, nº 1 do Cód. de Proc. Civil consignou o seguinte:
“Tomando por referência o disposto no art. 615.º, n.º 1, do Cód. Proc. Civ. (Causas de nulidade da sentença), constata-se que a sentença proferida:
a) está assinada (assinatura autógrafa ou digital);
b) especifica os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão − não se devendo confundir a falta de fundamentação com a fundamentação breve ou mesmo escassa;
c) contém uma decisão consequente com os fundamentos, não contendo qualquer ambiguidade ou obscuridade que torne tal ininteligível
d) contém pronúncia sobre todas questões que o tribunal devia apreciar − não se devendo confundir questões com argumentos aduzidos pela parte −, não contendo, por outro lado, pronúncia sobre questões de que este não podia tomar conhecimento;
e) não conclui por uma condenação em quantidade superior ou em objeto diverso do pedido.
Não enferma, pois, a sentença de qualquer nulidade.
Quanto ao mais que constitui o objeto do recurso, cabe aos Venerandos Desembargadores do Tribunal da Relação do Porto decidir.
Pelo exposto, indefiro o requerimento de arguição de nulidade.”
Cumpre então apreciar e decidir.

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FUNDAMENTAÇÃO
O âmbito do recurso, sempre ressalvadas as questões de conhecimento oficioso, encontra-se delimitado pelas conclusões que nele foram apresentadas e que atrás se transcreveram – cfr. arts. 635º, nº 4 e 639º, nº 1 do Cód. do Proc. Civil.
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As questões a decidir são as seguintes:
I A sujeição da celebração do contrato definitivo a condição suspensiva;
II A qualificação do contrato-promessa como unilateral e a nulidade de excesso de pronúncia;
IIIA execução específica do contrato-promessa;
IV A condenação em custas.
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OS FACTOS
São os seguintes os factos considerados assentes na decisão recorrida:
1. As partes
1Em 11 de março de 2017, faleceu I....
2 – Em 10 de maio de 2017, foi lavrada escritura de habilitação de herdeiros, conforme documento junto a fls. 14, que aqui se dá por transcrito, na qual foram declarados herdeiros habilitados:
a) H... (cônjuge sobreviva);
b) D... (filho, ora autor, adiante D...);
c) F... (filho, ora réu, adiante F...);
d) B… (filha, ora ré, adiante, B…).
3 – D... é casado com a autora, E... (adiante, E...), no regime de comunhão de adquiridos.
4 – F... é casado com a ré G... (adiante, G…) no regime de comunhão de adquiridos.
5 – B… é casada com o réu C... (adiante, C...), no regime de comunhão de adquiridos.
2. A promessa de partilha da herança
6 – Em 12 de abril de 2018, por meio de escritura pública junta a fls. 17, que aqui se dá por transcrita, H..., na qualidade de primeiro outorgante, D..., na qualidade de segundo outorgante, F..., na qualidade de terceiro outorgante, e C..., na qualidade de quarto outorgante, em representação de B…, declararam, designadamente:
Disse a primeira outorgante:
Que, pela presente escritura, de forma gratuita, cede aos seus únicos filhos, D..., F... e B…, respetivamente, o segundo e o terceiro outorgantes e a representada do quarto outorgante, em comum e partes iguais, a sua meação nos bens comuns do dissolvido casal e o seu direito e ação à herança (…) aberta por óbito do seu falecido marido I....
Que, à meação nos bens comuns do dissolvido casal e ao direito e ação à referida herança atribui os valores, respetivamente, de cento e quatro mil novecentos e noventa e dois euros e cinquenta e dois cêntimos e de vinte e seis mil duzentos e quarenta e oito euros.
Que, na meação e no direito e ação agora cedido gratuitamente se compreende apenas um bem imóvel e bens móveis.
Que, nestes termos, dá estas cedências por efetuadas com a transferência para os adquirentes de todos os direitos e obrigações inerentes à meação e ao direito e à ação à indicada herança cedidos
Pelo segundo e terceiro outorgante foi dito:
Que, na parte a que cada um respeita, aceitam estas sessões [sic] gratuitas nos precisos termos exarados.
O quarto outorgante, na invocada qualidade, declarou:
Que, para sua representada e na parte ela respeita, aceita estas cessões gratuitas nos exatos termos exagerados [sic].
O segundo, o terceiro e o quarto outorgantes finalizaram as declarações, sob a sua inteira responsabilidade, sendo que o quarto outorgante o fez na invocada qualidade
Que, face a referida escritura de “Habilitação de Herdeiros” conjugada com as operadas “Cessões Gratuitas da Meação e do Direito à Herança”, são eles, o segundo e terceiro outorgantes e a representada do quarto outorgante, os únicos herdeiros legitimários do autor da sucessão, I...;
Que, tal como resulta das declarações prestadas em sede de participação de transmissões gratuitas (modelo 1) – Imposto de Selo – confirmam serem aqueles os únicos bens que fazem parte da herança aberta, ilíquida e indivisa por óbito de I..., e que desconhecem que tal herança possua dívidas das quais sejam eles os seus credores, isto é, nenhum dos filhos do autor da sucessão possui qualquer crédito, seja a que título for, sobre o seu falecido pai e/ou sobre a sua mãe, ora primeira outorgante.
7 – Em 8 de maio de 2018, os ora autores, como primeiros outorgantes, os primeiros réus, como segundos outorgantes, e o último réu, como terceiro outorgante e representante da sua esposa, subscreveram a escritura notarial intitulada “QUITAÇÃO”, junta a fls. 32, onde consta, além do mais que aqui se dá por transcrito:
Pelos outorgantes, nas referidas qualidades, foi dito:
Que, pela presente escritura, declaram que, nesta data, nada lhes é devido, seja a que título for, por seus pais e sogros, I..., falecido (…), e mulher H..., (…) inexistindo, assim quaisquer dívidas, encargos ou obrigações destes para com eles outorgantes.
Disseram mais os outorgantes:
Que o segundo outorgante marido e a representada do terceiro prometem, em partilha por óbito de seu pai, o mencionado I..., adjudicar ao primeiro outorgante, durante o corrente ano, pagando este a quantia de quarenta mil euros a cada um, o prédio urbano sito na rua do …, número .. (…) e assumindo o mesmo toda e qualquer despesa ou encargo relacionado com o imóvel e com a herança.
Pelos primeiros foi dito:
Que aceitam a promessa, nos termos exarados, assumindo, nomeadamente, o pagamento de todas as despesas relativas a impostos, taxas, coimas e quaisquer outras.
8 – Os autores, verbalmente, convocaram os réus para a outorga, no dia 9 de agosto de 2018, pelas 10 horas, do contrato prometido de partilha, na rua …, n.º .., Porto.
9 – Em 9 de agosto de 2018, pelas 10 horas, os autores comparecerem no mencionado local de outorga, não tendo comparecido os réus B…, C..., F... e G....
10 – Em 9 de agosto de 2018, os réus F... e G... não compareceram ao ato outorga do contrato prometido porque foram antecipadamente informados de que os réus B... e C... haviam decidido não comparecer, ficando convencidos de que tal outorga não seria realizada por esta razão.
11 – Em 19 de dezembro de 2018, os autores, por meio de mandatário, remeteram aos réus as cartas, por estes recebidas, cujas cópias se encontram juntas de fls. 35 v. a 39, onde consta, além do mais que aqui se dá por transcrito:
ASSUNTO: Interpelação ara realização de contrato de Partilha com adjudicação e contrato de Mútuo com hipoteca e fiança - Prédio (…) sito em ... Rua do … n.º ... .. e .. (…).
N/ constituinte: D... e mulher
(…)
Posto isto, vimos convocar V. Exas, mais uma vez, para a celebração de contrato de partilha com adjudicação e contrato de mútuo com hipoteca e fiança que terão como objeto o imóvel melhor identificado no introito desta missiva e que se realizará no serviço CASA PRONTA do Porto, sito na rua (…) pelas 10 (dez) horas do próximo dia 15/01/2019.
Não antes por impossibilidade de agenda do próprio serviço, e que caso V. Exas não compareçam na data, local e hora mencionados, a obrigação de V. Exas. celebrar o referido contrato ter-se-á por definitivamente não cumprida, conferindo o direito ao interpelante (N/ constituinte) de resolver o contrato e exigir judicialmente todos os danos resultantes do incumprimento, incluindo danos não patrimoniais.
12Em 11 de janeiro de 2019, os réus B... e C... remeteram ao mandatário dos autores a carta, por este recebida no dia 14 de janeiro de 2019, cuja cópia se encontra junta a fls. 167, onde consta, além do mais que aqui se dá por transcrito:
Na sequência da V/ carta datada de 19 de Dezembro de 2018, revela-se de especial importância esclarecer V. Exa do seguinte: (…)
– Estando ainda disponíveis a realizar a partilha por acordo, deve este tomar a forma escrita – minuta –, refletir a vontade de todos os herdeiros nos termos previamente acordados, bem assim plasmar a sua prévia concordância sobre o respetivo conteúdo;
– Após o que, tal acordo deverá ser entregue a entidade pública competente, a fim de que elabore o título conforme as instruções constantes do acordo celebrado entre os outorgantes, promovendo tudo nos precisos termos do elencado no artigo 43º do Código do Notariado.”
13Em 15 de janeiro de 2019, pelas 10 horas, os autores e os réus F... e G... comparecerem no serviço CASA PRONTA, não tendo comparecido os réus B... e C....
14 – Em 29 de janeiro de 2019, os autores, por meio de mandatário, remeteram aos réus B... e C... a carta, por estes recebida, cuja cópia se encontra junta de fls. 42 a 43 v., onde consta, além do mais que aqui se dá por transcrito:
ASSUNTO: Resolução da promessa de Partilha com adjudicação do Prédio (…) sito em ... Rua do … n.º ... .. e .. (…).
N/ constituinte: D... e mulher
(…)
Ora, V. Exas mais uma vez, apesar de regularmente notificados, não compareceram. Assim, considera-se a referida promessa definitivamente resolvido. Consequentemente, os nossos constituintes irão instaurar competente ação judicial contra V. Exas peticionando que V. Exas sejam condenados no pagamento de todos os danos que sofreram resultantes do incumprimento, incluindo danos não patrimoniais, mais no pagamento de todos os investimentos por eles realizados no prédio urbano em causa.
15 – Os autores não dirigiram aos réus F... e G... uma comunicação idêntica à descrita no ponto 14 – factos assentes –, declarando, designadamente, considerarem “referida promessa definitivamente resolvida” ou definitivamente incumprida.
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O DIREITO
I - A sujeição da celebração do contrato definitivo a condição suspensiva
Na sua contestação os réus B… e C... vieram sustentar que a celebração do contrato prometido se encontrava sujeita à condição de lhes ser entregue, com antecedência razoável, uma minuta do que iriam assinar a fim de verificar se a mesma correspondia ao acordado – cfr. arts. 41º a 57º da contestação.
Ora, entendem os réus/recorrentes que a sentença recorrida peca por insuficiência na análise da prova apresentada, uma vez que ignorou esta condição que vinculava as partes, o que, na sua perspetiva, compromete irremediavelmente o seu mérito.
Não ocorre assim uma falta de comparência injustificada, ainda que sustentada numa interpelação efetuada pelos autores aos réus, mas antes um afastamento pelos autores de uma cláusula que sabiam existir e que os vinculava.
Foram estes que inviabilizaram “ab initio” a celebração do contrato definitivo por conta da não cedência da respetiva minuta.
Em sintonia como decidido pela 1ª Instância consideramos que não lhes assiste razão.
Da factualidade considerada assente resulta que os autores convocaram os réus para a outorga do contrato prometido de partilha no dia 9.8.2018, ao que estes não compareceram – cfr. nºs 8, 9 e 10.
Posteriormente, através de cartas remetidas pelo mandatário dos autores aos réus em 19.12.2018 foram estes interpelados para a realização de contrato de partilha com adjudicação no serviço CASA PRONTA do Porto, pelas 10,00 horas do dia 15.1.2019. Foi ainda consignado nessas cartas que não comparecendo os réus na data, hora e local mencionados a obrigação destes celebrarem o contrato ter-se-á por definitivamente não cumprida, conferindo ao interpelante o direito de resolver o contrato e exigir judicialmente todos os danos resultantes do incumprimento – cfr. nº 11.
No dia 11.1.2019 os réus B… e C... remeteram ao mandatário dos autores uma carta por estes recebida em 14.1.2019, donde consta o seguinte:
Na sequência da V/ carta datada de 19 de Dezembro de 2018, revela-se de especial importância esclarecer V. Exa do seguinte: (…)
– Estando ainda disponíveis a realizar a partilha por acordo, deve este tomar a forma escrita – minuta –, refletir a vontade de todos os herdeiros nos termos previamente acordados, bem assim plasmar a sua prévia concordância sobre o respetivo conteúdo;
– Após o que, tal acordo deverá ser entregue a entidade pública competente, a fim de que elabore o título conforme as instruções constantes do acordo celebrado entre os outorgantes, promovendo tudo nos precisos termos do elencado no artigo 43º do Código do Notariado.”- cfr. nº 12.
Em 15.1.2019, pelas 10 horas, os réus B... e C... não compareceram no serviço CASA PRONTA, tendo comparecido os réus F... e G... – cfr. nº 13.
A razão do não comparecimento daqueles primeiros réus no serviço CASA PRONTA radica, segundo alegam, na não satisfação da solicitação de prévia entrega da minuta do documento a subscrever.
Porém, os réus B... e C... não alegam que o título elaborado não correspondia ao teor da sua promessa, até porque, ao não comparecerem, não ouviram a sua leitura e explicação. Aliás, os documentos do serviço CASA PRONTA que titulam negócios jurídicos são elaborados em conformidade com o pretendido pelos interessados, de acordo com modelo previamente escolhido por estes, havendo sempre lugar à leitura e explicação do respetivo conteúdo, salvo se essa leitura for dispensada pelos interessados – cfr. arts. 3º, nº 1, al. a) e 8º, nº 1, als. b) e e) do Dec. Lei nº 263-A/2007, de 23.7, que criou o procedimento especial de transmissão, oneração e registo imediato de prédio urbano em atendimento presencial único.
A celebração do contrato prometido está sujeita à sua conformidade objetiva com o teor da promessa e os réus apenas se poderiam recusar a assinar o contrato de partilha se o escrito não correspondesse, objetivamente, ao conteúdo da antecedente promessa e para isso sempre estes teriam de ter comparecido no serviço CASA PRONTA.
Sucede, como já se referiu, que réus não se defenderam dizendo que o documento disponível para assinatura no dia 15.1.2019 não correspondia ao prometido, facto que por eles, dada a sua não comparência, é desconhecido.
Assim, toda a defesa dos réus relativa à existência de uma condição de prévia entrega de minutas, face ao teor da promessa assumida pelos réus na escritura pública de 8.5.2018, sem estipulações acessórias, “não tem efeito útil defensivo”, conforme referido pelo Mmº Juiz “a quo” na sentença recorrida.
Com efeito, os réus B... e C... estavam obrigados a comparecer e, inexistindo divergências entre o prometido e o teor do documento lido e explicado, a assiná-lo.
Se não compareceram não podem, naturalmente, alegar que o documento que, disponível para assinatura no dia 15.1.2019, consubstanciava o contrato de partilha não correspondia ao conteúdo do que havia sido prometido.
Neste contexto, toda a matéria fáctica alegada pelos réus a propósito da existência de uma condição de prévia entrega de minutas se mostra inócua e irrelevante para a apreciação de mérito, sendo desnecessário produzir prova quanto à mesma e remeter, para tal efeito, o processo para julgamento.
É que não se justifica fazer prosseguir um processo para julgamento quando, independentemente da prova produzida sobre factos controvertidos, a sorte da demanda seria sempre a mesma, não sendo condicionada pela prova daqueles factos.
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IIA qualificação do contrato-promessa como unilateral e a nulidade de excesso de pronúncia
Pese embora as partes tenham qualificado o contrato-promessa de partilha em apreciação nos autos como bilateral, o Mmº Juiz “a quo”, na sentença recorrida, entendeu que, face ao teor do respetivo documento [nº 7, supra], as partes celebraram um contrato-promessa unilateral.
Acontece que os réus/recorrentes, na sua alegação recursiva, consideram que a questão da qualificação do contrato, caracterizado por autores e réus como bilateral, se trata de matéria não submetida à apreciação do tribunal e assim, na sua perspetiva, o Mmº Juiz “a quo” ao tratá-la cometeu a nulidade de excesso de pronúncia.
O art. 608º, nº 2 do Cód. de Proc. Civil estabelece que «o juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, excetuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras; não pode ocupar-se senão das questões suscitadas pelas partes, salvo se a lei lhe permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras
A nulidade de excesso de pronúncia, a que alude o art. 615º, nº 1, al. d) do Cód. de Proc. Civil na sua parte final, ocorre quando o juiz conhece de questões de que não podia tomar conhecimento.
Não pode pois o juiz conhecer de causas de pedir não invocadas, nem de exceções não invocadas que estejam na exclusiva disponibilidade das partes, de tal modo que é nula a sentença que conheça de questão que nenhuma das partes submeteu à apreciação do juiz.[1]
Porém, conforme nos diz o art. 5º, nº 3 do Cód. de Proc. Civil o juiz não está sujeito às alegações das partes no tocante à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito.
Por isso, o tribunal pode proceder à qualificação jurídica que repute de mais adequada, mas movendo-se sempre dentro da fronteira da factualidade alegada e provada e nos limites do efeito prático-jurídico pretendido, sendo-lhe vedado enveredar por uma medida que extravase aquele limite.[2]
Deste modo, não tendo o juiz conhecido, como não conheceu, de causa de pedir não invocada nem de exceção não invocada que estivesse na exclusiva disponibilidade das partes, nada obstava a que, movimentando-se dentro do âmbito da factualidade alegada, procedesse à qualificação do contrato em apreciação no processo de forma diferente da que fora feita pelas partes nos articulados.
Por conseguinte, não se mostra cometida a nulidade de excesso de pronúncia.
Tal como não se mostra cometida a nulidade prevista no art. 615º, nº 1, al. e) do Cód. de Proc. Civil[3], atendendo a que o Mmº Juiz “a quo” na sentença proferida não condenou os réus em objeto diverso do pedido, antes se conteve no âmbito do pedido formulado.
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IIIA execução específica do contrato-promessa
O art. 830º, nº 1 do Cód. Civil estabelece que «se alguém se tiver obrigado a celebrar certo contrato e não cumprir a promessa, pode a outra parte, na falta de convenção em contrário, obter sentença que produza os efeitos da declaração negocial do faltoso, sempre que a isso não se oponha a natureza da obrigação assumida
A premissa base da execução específica da promessa é a situação de incumprimento temporário do contrato. Interessado no seu cumprimento o credor procura obter, através do tribunal, a realização coativa da prestação devida.[4]
Concede-se assim à parte que tem interesse na celebração do contrato definitivo a faculdade de obter sentença que substitua a declaração negocial do faltoso em caso de não cumprimento ou recusa de cumprimento. Embora o campo privilegiado do recurso à execução específica seja o da mora, uma vez que a delimitação da situação de incumprimento definitivo assenta na perda de interesse do credor, não se vê motivo para excluir da execução específica as hipóteses em que na sequência do insucesso da interpelação admonitória o credor continua interessado no cumprimento da prestação.[5]
Sucede que o contrato-promessa de partilha de bens da herança e subsequente divisão dos mesmos é válido e suscetível de execução específica nos termos gerais.[6]
No caso dos autos, dos factos assentes, resulta patente o incumprimento da promessa por parte dos réus B... e C..., mas as características desse incumprimento não são obstáculo à execução específica. E no tocante aos réus F... e G... também ocorre incumprimento da promessa, embora não se possa afirmar que o seu incumprimento tenha sido culposo, atendendo a que necessitavam do concurso dos outros réus para satisfazerem eficazmente a promessa.
Na sentença recorrida, conforme já acima se salientou, considerou-se que o contrato-promessa em causa nos autos se configura como unilateral e não como bilateral.
A promessa é qualificada como unilateral sempre que apenas uma das partes se encontre adstrita à realização do futuro contrato. A outra parte, ao invés, não está vinculada a essa celebração, podendo fazê-lo ou não.[7]
As razões nesse sentido adiantadas pelo Mmº Juiz “a quo” afiguram-se-nos pertinentes, uma vez que, como este refere, apenas os réus “prometem, em partilha por óbito de seu pai, (…) I..., adjudicar ao primeiro outorgante (…) o prédio urbano sito na Rua do …, número .. (…)”. Os autores, por seu lado, nada prometem. Apenas declaram que “aceitam a promessa nos termos exarados”
Não se está sequer perante uma promessa unilateral de contratar remunerada já que a contraprestação (pagamento de quarenta mil euros a cada um dos réus) está prevista para o contrato definitivo e não como remuneração pela realização da promessa.
Havendo incumprimento temporário da promessa unilateral mostra-se possível a sua execução específica à luz do art. 830º do Cód. Civil, a solicitação do não vinculado, e sempre que ela seja admissível nesse quadro.[8]
Porém, ocorrendo resolução do contrato-promessa por parte dos autores tal obstaria à sua execução específica.
É certo que na missiva enviada, em 29.1.2019, pelos autores, através do seu mandatário, aos réus B... e C... consideraram aqueles a promessa como definitivamente resolvida – cfr. nº 14.
Mas essa “resolução”, conforme sustentado pelo Mmº Juiz “a quo”, não deve ser considerada.
Em primeiro lugar, há que ter em conta que o beneficiário da promessa unilateral não pode resolver o contrato, no que se terá em atenção a redação do art. 801º, nº 2 do Cód. Civil onde se diz que «tendo a obrigação por fonte um contrato bilateral, o credor, independentemente do direito à indemnização, pode resolver o contrato e, se já tiver realizado a sua prestação, exigir a restituição dela por inteiro
A resolução tem como objetivo a exoneração do declarante do cumprimento da sua obrigação e assim tal direito de extinção do vínculo contratual inexiste – por desnecessidade – nos casos de promessa unilateral. Com efeito, o contrato-promessa unilateral que foi celebrado entre as partes não se configura como um contrato bilateral e, por isso, é-lhe inaplicável o referido art. 801º, nº 2 do Cód. Civil e a resolução contratual aí prevista, sendo que não existe qualquer outro fundamento legal ou contratual para o direito de resolução supostamente exercido pelos autores.
Em segundo lugar, também não se pode considerar como eficaz a referida declaração recetícia de resolução emitida pelos autores, visto que esta não foi dirigida a todos os contratantes, tendo sido esquecidos os réus F... e G....
Como tal, impõe-se concluir que o contrato-promessa unilateral de partilha não foi extinto por resolução e, consequentemente, nenhum obstáculo há à procedência do pedido de execução específica deste contrato e à prolação, conforme peticionado, de sentença que produza os efeitos da declaração negocial dos réus F... e B….
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IVA condenação em custas
Na sentença recorrida foram condenados em custas apenas os réus B… e C…, sem prejuízo de apoio judiciário.
No art. 528º, nº 1 do Cód. de Proc. Civil estatui-se que «tendo ficado vencidos, na totalidade, vários autores ou vários réus litisconsortes, estes respondem pelas custas em partes iguais.»
Sucede que, no caso “sub judice”, também os réus F... e G... que contestaram, sem sucesso, a ação no sentido da sua total improcedência e consequente absolvição, devem ser considerados como parte vencida.
Assim sendo, a condenação em custas recairá não apenas sobre os réus B... e C... mas igualmente sobre os réus F... e G... na proporção de 50% para cada um deles, o que significará, neste segmento, a procedência do recurso interposto.
Em tudo o mais será julgado improcedente.
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Sumário (da responsabilidade do relator – art. 663º, nº 7 do Cód. de Proc. Civil):
…………………….
…………………….
…………………….
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DECISÃO
Nos termos expostos, acordam os juízes que constituem este tribunal em julgar parcialmente o recurso de apelação interposto pelos réus B… e C… e em consequência:
a) Confirma-se a sentença recorrida;
b) Altera-se a condenação em custas que, sem prejuízo de apoio judiciário e na proporção de 50%, serão suportadas pelos réus B... e C... e F... e G....

As custas da apelação, também sem prejuízo de apoio judiciário, serão suportadas pelos autores e pelos réus/recorrentes B... e C... na proporção do respetivo decaimento que se fixa na proporção de 1/10 para os autores e de 9/10 para os réus/recorrentes.

Porto, 29.9.2021
Rodrigues Pires
Márcia Portela
Carlos Querido
________________________________________________
[1] Cfr. Lebre de Freitas, “A Ação Declarativa Comum”, 4ª ed., pág. 383; Alberto dos Reis, “Código de Processo Civil Anotado”, vol. V, reimpressão, 1984, págs. 143/144.
[2]Cfr. Ac. STJ de 19.1.2017, proc. 873/10.9 T2AVR.P1.S1, relator Tomé Gomes, disponível in www.dgsi.pt.
[3] Estatui-se neste preceito que é nula a sentença que condene em quantidade superior ou em objeto diverso do pedido.
[4] Cfr. Fernando de Gravato Morais, “Contrato-Promessa em Geral – Contratos-Promessa em Especial”, Almedina, 2009, pág. 105.
[5] Cfr. Ana Afonso in “Comentário ao Código Civil – Direito das Obrigações – Das Obrigações em Geral”, Universidade Católica Editora, 2018, pág. 1241.
[6] Cfr. Ac. Rel. Lisboa de 11.11.2014, proc. 505/10.5 TVLSB.L1, relator Tomé Gomes, disponível in www.dgsi.pt.
[7] Cfr. Fernando de Gravato Morais, ibidem, pág. 33.
[8] Cfr. Fernando de Gravato Morais, ibidem, pág. 35.