CRIME DE CONDUÇÃO DE VEÍCULO SEM HABILITAÇÃO LEGAL
CARTA DE CONDUÇÃO CADUCADA
CARTA DE CONDUÇÃO CANCELADA
REQUISITOS
REGIME ACTUAL
Sumário

I - Na vigência do RHLC aprovado pelo DL 138/2012 de 5/7, competia ao IMT cancelar as cartas de condução caducadas verificados os requisitos legais.
II – Quando a carta fosse cancelada e o respectivo titular conduzisse na via pública nessas condições incorria na prática de um crime de condução sem habilitação legal na previsão do artigo 3º do DL nº 2/98 de 03/01.
III – Caso a carta não tivesse sido objecto de cancelamento, estando apenas caducada, o titular incorria apenas na prática de uma contra-ordenação sancionada como uma coima.
IV – Posteriormente, com a publicação do DL n.º 102-B/2020, de 09/12, em vigor desde 09/01/2021, deixou de ser necessário o cancelamento da carta de condução, estando sujeita a revalidação e a renovação e a impossibilidade de tal renovação se tiverem decorrido mais de 10 anos sobre a data da renovação.
V – A partir de então, afora as situações de não revalidação previstas no nº 1 do artigo 130º do CE, cuja verificação é sancionada apenas com coima, nas demais situações estamos perante a existência de “não habilitados a conduzir” do nº 5 citado preceito, o que faz cair a situação dos autos no âmbito da norma do artigo 121º do CE., e logo no âmbito da norma incriminadora do artigo 3º do DL nº 2/98 de 03/01.

Texto Integral

Rec nº 8/21.2GCPRT.P1
TRP 1ª Secção Criminal


Acordam em conferência os juízes no Tribunal da Relação do Porto

No Proc. Sumário nº 8/21.2GCPRT do Tribunal Judicial da Comarca do Porto - Juízo Local Criminal de Vila do Conde - Juiz 2 em que é arguido
B…

Por sentença de 23/4/2021 foi decidido:
Pelo exposto, o Tribunal julga procedente, por provada, a acusação do Ministério Público, em função do que:
1. Condeno o arguido, B…, pela prática, em autoria material, de um crime de condução sem habilitação legal, p. e p. pela norma do art.º 3º, nºs 1 e 2, do Decreto-Lei nº 2/98, de 03/01 na pena de 220 (duzentos e vinte) dias de multa à razão de 5,00€ o que perfaz o montante global de €1100,00 (mil e cem euros);
2. Condeno o arguido nas custas do processo, fixando-se em 1 UC de Taxa de Justiça, reduzida a metade atenta a confissão, e nos demais encargos a que a sua actividade deu causa (arts. 3º, nº 1, 8º, nº 5 do RCP e 344º, nº 2, al. c), 513º e 514ºdo C.P.P.).

Recorre o arguido o qual no final da respectiva motivação apresenta as seguintes conclusões:
“1- No dia 23 de Abril de 2021 foi proferida Douta Sentença, a qual condenou o Arguido B… pela prática de um crime de condução sem habilitação, p. e p. artigo 3.º, nº 1º D.L. nº 2/98 de 3 de Janeiro:
a. Na pena de 220 (duzentos e vinte) dias de multa à razão de 5,00€, o que perfaz o montante global de €1100,00 (mil e cem euros);
b. No pagamento das custas do processo, fixando-se em 1UC de taxa de justiça, reduzida para metade atenta a confissão, e nos demais encargos a que a sua atividade deu causa (art.º 3.º, nº 1, 8º, nº 5 do RCP e 344º, nº 2, al. c), 513º e 514º do C.P.P) – arts. 513.º e 514.º do Código Penal e 8.º do Regulamento das Custas Processuais.
Tudo, conforme melhor consta da Douta Sentença, que se dá aqui por reproduzida para todos os efeitos legais.
2- Ora, o Recorrente não se pode conformar, com a sua condenação.
3- A nosso ver, com o devido respeito por opinião diversa, não devia o Arguido, ora Recorrente ser condenado pela prática de um crime de condução sem habilitação legal, conforme se demonstrará infra.
4- E a entender-se que o mesmo deveria ter sido condenado, o que só se admite por mero dever de patrocínio, a medida da pena de multa aplicada pelo Tribunal “a quo” é excessiva e desproporcionada em função do agente e crime praticado, da perigosidade e face às condições sociais e familiares do Arguido, ora Recorrente.
5- A MM.ª Juiz do Tribunal “a quo” deu como provada a Douta Acusação e condenou o Arguido/Recorrente.
6- A MM-ª Juiz do Tribunal “a quo” considerou a confissão livre e sem reservas do Arguido, que admitiu que tinha conduzido o veículo ligeiro de mercadorias de matrícula ..-..-QB, no dia 08 de Abril de 2021, cerca das 12h30, na localidade de … – Vila do Conde.
7- É verdade que o Arguido confessou os fatos constantes da acusação e que conduziu, no dia 08 de Abril de 2021, cerca das 120.30 horas, na localidade de …, Vila do Conde, o veículo de ligeiro de mercadorias, matrícula ..-..-QB.
8- Porém, a confissão do Arguido/recorrente assume-se processualmente irrelevante no que respeita à inexistência da decisão administrativa de cancelamento do título de condução.
9- Ao contrário da caducidade que opera automaticamente, isto é, “ope legis”, o cancelamento do título de condução não ocorre automaticamente, é necessário uma decisão administrativa nesse sentido.
10- Pois, em conformidade com o disposto no artigo 2.º, n.º 1 do Regulamento Legal para Conduzir, o cancelamento do título de condução, mesmo que caducado, implica e está dependente de uma decisão administrativa,
11- O tipo de crime de condução sem habilitação legal está assente em dois elementos objetivos:
a)- a condução de veículo na via pública; e,
b)- que o agente não possua título que o habilite a conduzir o veículo em concreto.
12- Conforme resulta dos autos, o arguido/recorrente é/era titular de carta de condução que o habilita/habilitava a conduzir.
13- Ora, a carta de condução do arguido/recorrente encontrava-se caducada e não cancelada.
14- Para que estivesse cancelada teria de existir uma prévia decisão administrativa nesse sentido, o que não sucedeu, sendo o Arguido/recorrente alheio a tal situação.
15- Não existe nos autos qualquer documento que prove que o título de condução do Arguido/recorrente esteja cancelado.
16- Assim, com o devido respeito por opinião diversa, a conduta do Arguido/recorrente não preenche o segundo elemento objetivo do referido crime, ou seja, que o “agente não possuía título que o habilite a conduzir o veículo em causa”, pelo que, não pode o Arguido/recorrente ser condenado pela prática do crime de condução sem habilitação, p. e p. art 3, nºs 1º e 2 do D.L. nº 2/98 de 3 de Janeiro, mas sim de uma contraordenação prevista no n.º 7 do artigo 130.º do Código da Estrada.
17- Pelo que deve ser absolvido do crime pelo qual vem acusado.
Sem prescindir, o que apenas se admite por mero dever de patrocínio:
18- A entender-se que o Arguido/Recorrente praticou o crime de condução sem habilitação, p. e p. art 3, nºs 1º e 2 do D.L. nº 2/98 de 3 de Janeiro:
19- O ora Recorrente não concorda com a determinação da medida de pena de multa em que foi condenado, pugnando pela aplicação de uma pena de multa pelo mínimo legal, por entender que a pena de multa em que o Arguido/recorrente foi condenado se revelou desproporcional e excessiva em função do crime, da perigosidade diminuta e face às condições sociais e familiares do Arguido, ora Recorrente.
20- No entendimento do ora Recorrente, não foram tidas em consideração todas as atenuantes e factos relevantes que poderiam levar à aplicação de uma pena de multa pelo mínimo legal.
21- As penas são aplicadas por um lado, para reafirmar perante a comunidade a manutenção da confiança na validade das normas jurídicas que, com a prática do crime, foram infringidas, com vista a prevenir, ao nível societário, a prática de novos crimes, deste ou de outros tipos (prevenção geral positiva ou de integração); por outro lado, as sanções penais são aplicadas para reintegrar o agente na sociedade, afastando-o, por essa via, da prática de outros delitos (prevenção especial positiva ou de ressocialização).
22- Ora, no caso, a necessidade de prevenção geral e especial é reduzida, uma vez que o Arguido/recorrente é detentor da carta de condução há muitos anos, e, por isso, com muita experiência na condução, sendo a perigosidade diminuta
23- Assim, in casu, com o devido respeito por opinião diversa, a aplicação ao Recorrente, de uma pena de multa – pelo mínimo legal – é suficiente para afastar o ora Recorrente da criminalidade e suficiente para acautelar as finalidades de prevenção geral e especial que as penas visam acautelar.
24- In casu, o limite mínimo da medida da pena de multa, atenta a regra supletiva do artigo 47.º, n.º 1 do Código Penal, é de 10 dias, e, o limite máximo é de 120 dias, nos termos do artigo 3º, n.º 1, do DL 2/98, de 03/01 e 240 dias nos termos do artigo 3º, n.º 2 do referido Decreto-Lei.
25- Dentro da moldura penal abstrata, a medida concreta da pena será determinada em função das exigências de prevenção e da culpa do agente, como prevê o artigo 71º, n.º 1 do Código Penal.
26- O patamar mínimo da multa corresponde ao nível abaixo do qual a comunidade jurídica, atendendo-se às necessidades da prevenção geral positiva, não se sente suficiente e eficazmente protegido o bem jurídico que foi violado com a prática do crime.
27- O nível máximo é fornecido pelo grau da culpa, que é o fundamento ético e jurídico da aplicação das penas, e que representa também o seu máximo inultrapassável, como resulta do artigo 40.º, n.º 2 do Código Penal.
28- A medida da pena deve ser encontrada atendendo às necessidades de prevenção especial que o caso reclame, devendo o Tribuna “a quo” atender a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, deponham a favor do arguido e contra ele, nos termos do artigo 71.º, n.º 2 do Código Penal.
29- Assim, in casu, na determinação da medida concreta da pena não foram, salvo devido respeito por opinião diversa, bem ponderadas as necessidades de prevenção especial e geral e da culpa do agente, tendo sido aplicada uma pena manifestamente excessiva ao crime de condução sem habilitação legal, depois de consideradas as circunstâncias do caso concreto.
30- Na determinação da medida concreta da pena deviam ter sido ponderados diversos fatores e variáveis subjetivas que no caso concorrem de forma diversa, e que não foram tidos em consideração, existindo, por isso, uma violação dos princípios da proporcionalidade e da adequação.
31- Assim, pelo grau de ilicitude do facto, o modo de execução do crime, o dolo com que o agente atuou, as condições pessoais do ora Recorrente e a sua situação económica (O Recorrente tem a antiga quarta classe, é técnico de pecuária, trabalha por conta própria e ganha apenas cerca de 500,00€, a mulher trabalha como auxiliar numa escola, vive em casa arrendada, pagando cerca de 275,00€), tem um filho que é estudante, frequenta a universidade, ao qual ajuda monetariamente, conforme resulta da gravação áudio do depoimento do arguido), a confissão livre, integral e sem reservas do ora Recorrente, deveria o “quantum” da medida da pena ser inferior.
32- Deve considerar-se que a pena de multa no montante de 1100,00€ (220 dias de multa à razão de 5,00) é desajustada, e, substituir-se esta por uma pena de multa menor.
33- E, substituir-se esta pena por uma pena de multa menor, entendendo-se adequada e proporcional, face às circunstâncias em que o crime ocorreu, à perigosidade, uma pena nunca superior a 90 (noventa) dias, à taxa mínima de 5,00€, no montante total de total também não superior a 450,00€, por assim ficarem cumpridas as necessidades de prevenção geral e prevenção especial.
34- Violou, assim, a Douta Sentença, o disposto nos artigos 40.º, 47.º, e 71.º todos do Código Penal e 130º do C.E, artigo 9.º do DL n.º 138/2012, de 5 de Julho, que aprovou o Regulamento da Habilitação Legal para Conduzir, artigo 2.º do Regulamento da Habilitação Legal para Conduzir.
TERMOS EM QUE DEVERÁ SER DADO PROVIMENTO AO PRESENTE RECURSO E, EM CONSEQUÊNCIA, SERA DOUTA SENTENÇA PROFERIDA NA PRIMEIRA INSTÂNCIA REVOGADA, SUBSTITUINDO-SE POR OUTRA QUE ABSOLVA O ARGUIDO PELA PRÁTICA DE UM CRIME DE CONDUÇÃO LEGAL PREVISTO E PUNIDO PELO ARTIGO 3.º DO DECRETO-LEI N.º 2/98, DE 03/01.
OU CASO SE ENTENDA QUE O ORA RECORRENTE PRATICOU O CRIME DE CONDUÇÃO SEM HABILITAÇÃO LEGAL, P. E P. PELO ARTIGO 3.º DO DECRETO-LEI N.º 2/98, DE 3 DE JANEIRO, SEJA REVOGADA A DOUTA SENTENÇA PROFERIDA EM PRIMEIRA INSTANCIA, SUBSTITUINDO-SE POR UMA OUTRA QUE APLIQUE AO ARGUIDO, ORA RECORRENTE, UMA PENA DE MULTA PELO MÍNIMO LEGAL, MAS NUNCA SUPERIOR A 90 DIAS À TAXA DIÁRIA DE 5,00€ - E PORTANTO, NUM MONTANTE TOTAL TAMBÉM NÃO SUPERIOR A 450,00€ - EM FUNÇÃO DO AGENTE, DAS CIRCUNSTÂNCIAS EM QUE FOI PRATICADO, DA PERIGOSIDADE, DAS CONDIÇÕES FAMILIARES, SOCIAIS E ECONÓMICAS DO ARGUIDO, ORA RECORRENTE, POR SE AFIGURAR QUE DESTA FORMA SE REALIZAM DE FORMA ADEQUADA E SUFICIENTE AS FINALIDADES DA PUNIÇÃO

O Mº Pº respondeu defendendo a procedência do recurso
Nesta Relação a ilustre PGA emitiu parecer no sentido da procedência do recurso.
Foi cumprido o artº 417º/2 CPP e o arguido não respondeu.

Cumpridas as formalidades legais, procedeu-se à conferência.
Cumpre apreciar.
O arguido foi condenado pelo crime de condução ilegal porque:
No dia 08 de abril de 2021, cerca das 12h30 horas, na localidade de …, Vila do Conde, o arguido conduziu o veículo de ligeiro de mercadorias, matrícula ..-..-QB, sendo que não possuía habilitação legal para a condução, uma vez que o seu titulo de condução caducou em 2013, não o tendo renovado até ao ano de 2018, pelo que o mesmo se encontra cancelado.
O arguido agiu deliberada, voluntária e conscientemente, com o propósito conseguido de conduzir o veículo ligeiro de mercadorias de matrícula ..-..-QB, sabendo que o fazia sem que, para tal, estivesse habilitado, sabendo ainda que a sua conduta era proibida e punida por lei penal.

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São as seguintes as questões a apreciar:
- Se a conduta do arguido constitui crime ou contraordenação
- medida da pena no crime exagerada
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O recurso é delimitado pelas conclusões extraídas da motivação que constituem as questões suscitadas pelo recorrente e que o tribunal de recurso tem de apreciar (artºs 412º, nº1, e 424º, nº2 CPP, Ac. do STJ de 19/6/1996, in BMJ n.º 458, pág. 98 e Prof. Germano Marques da Silva, in “Curso de Processo Penal” III, 2.ª Ed., pág. 335), mas há que ponderar também os vícios e nulidades de conhecimento oficioso ainda que não invocados pelos sujeitos processuais – artºs, 410º, 412º1 e 403º1 CPP e Jurisprudência dos Acs STJ 1/94 de 2/12 in DR I-A de 11/12/94 e 7/95 de 19/10 in DR. I-A de 28/12 - tal como, mesmo sendo o fundamento de recurso só de Direito: a insuficiência para a decisão da matéria de facto provada; a contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão; ou o erro notório na apreciação da prova (Ac. Pleno STJ nº 7/95 de 19/10/95 do seguinte teor:“ é oficioso, pelo tribunal de recurso, o conhecimento dos vícios indicados no artigo 410º, nº2 do CPP, mesmo que o recurso se encontre limitado à matéria de direito”) mas que, terão de resultar “ do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum” – artº 410º2 CPP, “ não podendo o tribunal socorrer-se de quaisquer outros elementos constantes do processo” in G. Marques da Silva, “Curso de Processo Penal”, III vol. pág. 367, e Simas Santos e Leal Henriques, “C.P.Penal Anotado”, II vol., pág. 742, sendo tais vícios apenas os intrínsecos da própria decisão, considerada como peça autónoma, não sendo de considerar e ter em conta o que do processo conste em outros locais - cfr. Ac. STJ 29/01/92 CJ XVII, I, 20, Ac. TC 5/5/93 BMJ 427, 100 - e constitui a chamada “ revista alargada” como forma de sindicar a matéria de facto.
Destes o arguido nenhum deles invoca e vista a decisão recorrida também não os vislumbramos.

No que respeita à questão suscitada a mesma prende-se em saber se o acto do arguido preenche o tipo de crime de condução ilegal ou antes a contraordenação do artº 130º7 CE.

Dispõe o artº 3º do DL 2/98 de 3/1: “1 - Quem conduzir veículo a motor na via pública ou equiparada sem para tal estar habilitado nos termos do Código da Estrada é punido com prisão até 1 ano ou com pena de multa até 120 dias. 2 - Se o agente conduzir, nos termos do número anterior, motociclo ou automóvel a pena é de prisão até 2 anos ou multa até 240 dias.” sendo que dispõe o artº 121º CE (nºs 1 e 14) DL n.º 114/94, de 03 de Maio: “1 - Só pode conduzir um veículo a motor na via pública quem estiver legalmente habilitado para o efeito. (…) 14 - O condutor que infringir algum dos deveres fixados no RHLC é sancionado com coima de (euro) 60 a (euro) 300, se sanção mais grave não for aplicável.”
No caso em analise o arguido era titular de carta de condução do veiculo automóvel em causa (carta: BR-…..) valida até 1/2/2013 conforme documento de IMT junto aos autos.
Entretanto o artº 9.º do D L n.º 138/2012, de 5 de Julho, que aprovou o Regulamento da Habilitação Legal para Conduzir (RHLC) estabeleceu que “1 - As cartas de condução de qualquer dos modelos aprovados por legislação anterior cuja primeira emissão ou revalidação tenha ocorrido antes da entrada em vigor do presente diploma mantêm-se válidas pelo período nelas averbado, só devendo ser revalidadas no seu termo.”, donde decorre que sendo a carta do arguido válida até 1/2/2013 como dele consta, teria de ser revalidada antes dessa data, e não o fez, nem o fez posteriormente.

Dessa não revalidação decorria à data, nos termos da al. a) do n.º 2 do artigo 130.º do CE que “O título de condução caduca ainda quando:
a) Não for revalidado nos termos fixados em regulamento, apenas no que se refere às categorias ou subcategorias abrangidas pela necessidade de revalidação”, donde o seu, do arguido, titulo de condução caducou com a não renovação.

O artº 130º 3 do CE redação do DL nº 138/2012, de 5/7, dispôs que “O título de condução é cancelado quando: (…)
d) Tenha caducado há mais de cinco anos sem que tenha sido revalidado e o titular não seja portador de idêntico documento de condução válido” donde, de acordo com este normativo, e porque o arguido não renovou a carta de condução depois de ter caducado no decurso dos seguintes 5 anos a mesma estaria sujeita a ser cancelada.
Este cancelamento da carta de condução não renovada (caducada) manteve-se na redação dos DL 72/2013 de 3/1 e 40/2016 de 29/7, tal como o nº 5 do mesmo artº que dispunha “5 - Os titulares de título de condução cancelados consideram-se, para todos os efeitos legais, não habilitados a conduzir os veículos para os quais o título fora emitido”

Ora o RHLC aprovado pelo DL 138/2012 de 5/7 no seu artº 2 dispunha que “1 - Os títulos de condução, com exceção dos títulos para a condução de veículos pertencentes às forças militares e de segurança, são emitidos, revogados e cancelados pelo Instituto da Mobilidade e dos Transportes, I. P. (IMT, I. P.), nos termos do Código da Estrada e do presente regulamento.
2 - A emissão de um título de condução pelo IMT, I. P., determina a revogação automática do título anteriormente emitido com o mesmo número.
3 - Entende-se não ser portador de título de condução, nos termos e para os efeitos previstos no artigo 85.º do Código da Estrada, o condutor que se faça acompanhar de uma carta de condução revogada” donde competia ao IMT cancelar as cartas de condução caducadas verificados os requisitos legais. Todavia não se mostra que a carta do arguido tenha sido objeto de cancelamento pelo IMT, pelo que a carta de condução do arguido está apenas caducada, e não cancelada, pelo que exigindo o nº5 do citado artº130º que a carta estivesse cancelada, o mesmo, parece que a sua conduta seria apenas sancionada pela coima prevista no nº7 do mesmo normativo que dispunha “7 - Quem conduzir veículo com título caducado é sancionado com coima de (euro) 120 a (euro) 600.”

Todavia o DL n.º 102-B/2020, de 09 de Dezembro (em vigor a 9/1/2021 – artº 15º 1) veio alterar o CE – artº 130º dispondo:
“1 - O título de condução caduca se:
a) Não for revalidado, nos termos fixados no RHLC, quanto às categorias abrangidas pela necessidade de revalidação, salvo se o respetivo titular demonstrar ter sido titular de documento idêntico e válido durante esse período;
b) O seu titular não se submeter ou reprovar na avaliação médica ou psicológica, no exame de condução ou em qualquer das suas provas, determinados ao abrigo dos n.os 1 e 5 do artigo anterior;
c) Se encontrar em regime probatório e o seu titular for condenado, por sentença judicial transitada em julgado ou decisão administrativa definitiva, pela prática de crime ligado ao exercício da condução, de uma contraordenação muito grave ou de segunda contraordenação grave;
d) For cassado nos termos do artigo 148.º do presente Código ou do artigo 101.º do Código Penal;
e) O condutor falecer.
2 - A revalidação de título de condução caducado fica sujeita à aprovação do seu titular em exame especial de condução, cujo conteúdo e características são fixados no RHLC, sempre que:
a) A causa de caducidade prevista na alínea a) do número anterior tenha ocorrido há mais de dois anos e há menos de cinco anos, com exceção da revalidação dos títulos das categorias AM, A1, A2, A, B1, B e BE cujos titulares não tenham completado 50 anos;
b) A causa de caducidade seja a falta ou reprovação no exame de condução ou em qualquer das suas provas determinadas ao abrigo dos n.os 1 e 5 do artigo anterior;
c) A causa de caducidade seja a falta ou reprovação na avaliação médica ou psicológica, determinada ao abrigo dos n.os 1 e 5 do artigo anterior e o título se encontre caducado há mais de um ano.
3 - O título de condução caducado não pode ser renovado quando:
a) [Revogada.]
b) [Revogada.]
c) O titular reprove, pela segunda vez, em qualquer das provas do exame especial de condução a que for submetido;
d) Tenham decorrido mais de dez anos sobre a data em que deveria ter sido renovado.
4 - São ainda sujeitos ao exame especial previsto no n.º 2:
a) Os titulares de títulos de condução caducados ao abrigo das alíneas c) e d) do n.º 1;
b) Os titulares do título caducado há mais de cinco anos.
5 - Os titulares de título de condução caducado consideram-se, para todos os efeitos legais, não habilitados a conduzir os veículos para os quais o título fora emitido, sendo-lhes aplicável o regime probatório previsto no artigo 122.º caso venham a obter novo título de condução.
6 - [Revogado.]
7 - Quem conduzir veículo com título caducado, nos termos previstos no n.º 1, é sancionado com coima de (euro) 120 a (euro) 600.”
Daqui decorre que desde 9/1/2021 deixou de ser necessário o cancelamento da carta de condução, estando sujeita a revalidação e a renovação - e a impossibilidade de tal renovação se tiverem decorrido mais de 10 anos sobre a data da renovação -, manteve-se a redação do nº5 e foi alterado o nº7 que comina com coima o comportamento relativo apenas ao nº 1 ou seja, apenas no caso que interessa que “a) Não for revalidado, nos termos fixados no RHLC, quanto às categorias abrangidas pela necessidade de revalidação, salvo se o respetivo titular demonstrar ter sido titular de documento idêntico e válido durante esse período”, ou seja apenas no caso de não revalidação do nº1 pelo que nos demais casos estamos perante a existência de “não habilitados a conduzir” do nº 5 citado “ Os titulares de título de condução caducado consideram-se, para todos os efeitos legais, não habilitados a conduzir os veículos “, o que faz cair a situação dos autos no âmbito da norma do artº 121º CE “1 - Só pode conduzir um veículo a motor na via pública quem estiver legalmente habilitado para o efeito.” e logo no âmbito da norma incriminadora do artº 3º DL 2/98 de 3/1 “1 - Quem conduzir veículo a motor na via pública ou equiparada sem para tal estar habilitado nos termos do Código da Estrada é punido com prisão até 1 ano ou com pena de multa até 120 dias. 2 - Se o agente conduzir, nos termos do número anterior, motociclo ou automóvel a pena é de prisão até 2 anos ou multa até 240 dias.”
A jurisprudência referenciada sobre esta matéria é anterior ao DL n.º 102-B/2020, de 09 de dezembro (Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 25/11/2020, Proc. n.º 20/19.1GALSD.P1; Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 16/10/2019, Proc. n.º 27/19.9GABBR.C1, e Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de Lisboa de 30/4/2019, Proc. n.º 320/18.8PARGR.L1-5) pelo que não o tem em conta.
Improcede assim esta questão, incorrendo o arguido no crime imputado de condução ilegal.

Questiona o arguido a medida da pena aplicada, que considera desproporcional e excessiva em função do crime, da perigosidade diminuta e face às condições sociais e familiares, pelo que em face da condenação só podem estar em causa os dias de multa pois a taxa diária foi fixada no seu mínimo.
O arguido foi condenado em 220 dias de multa sendo que o limite máximo é de 240 dias, pelo que importa analisar se em face de todas as circunstancias aquela pena é excessiva e desproporcional.

Cremos que sem razão, desde logo há que atentar na data em que o arguido devia revalidar a sua carta de condução e não o fez, depois os seus antecedentes criminais, sendo esta a 6ª condenação, sendo duas vezes por condução em estado de embriaguez, três vezes por desobediência, já o foi por condução sem carta (5/8/2019) e de novo por tal conduta, pelo que as exigências de prevenção especial, relativas à circulação rodoviária por parte do arguido são acentuadas, e tendo em conta as exigências de prevenção geral nesta matéria, e as condições de vida do arguido que usa o veiculo como técnico de pecuária, e a sua culpa que se mostra reiterada em face da anterior condenação pela mesma razão, carta caducada, é justificada a pena aplicada próxima do limite máximo, até porque na última condenação a pena aplicada foi de 180 dias (que como se evidencia não surtiu efeito), no pressuposto de se lhe aplicar ainda uma pena de multa, sob pena de se optar por uma pena de prisão, pois que na aplicação da pena de multa tem de se ter em conta a penosidade da pena e da necessidade de esta constituir um sacrifício sob pena de inutilidade e dos respectivos fins (das penas - evitar o cometimento de novos crimes: prevenir a reincidência) ponderando a função penal da multa uma vez que o legislador penal ao valorar esta pena só pode ter querido que ela “ ... surja... como autentica pena criminal..”, e que “Impõe-se,...que a aplicação da pena de multa represente, em cada caso, uma censura suficiente do facto ... “ Prof. F. Dias, As Consequências Jurídicas do Crime, Ed. Noticias, 1993, pág. 118/119, (caso contrário implicaria a adopção de penas mais graves e/ou mais penosas, por a multa não cumprir a sua função de pena), ou como se diz no ac. R P. 19/2/03 www.dgsi.pt /jtrp, proc. 0213013. “ A pena de multa tem de representar uma censura suficiente do facto, sentida verdadeiramente pelo arguido e, simultaneamente, uma garantia para a comunidade da validade e vigência da norma violada” sendo que “a multa enquanto sanção penal não pode deixar de ter um efeito preventivo e portanto não pode deixar de ter uma natureza de pena ou sofrimento, isto é e por outras palavras, não pode o condenado na multa deixar de a “sentir na pele” – Taipa de Carvalho, As Penas no Dto Penal Português após a revisão de 1995, Jornadas de Dto Criminal, CEJ 1998, II, pág.24, dizendo o STJ no ac. 3/6/2004 www.dgsi.pt/jstj que a multa deve implicar um sacrifício económico: “V - A pena de multa, se não quer ser um andrajoso simulacro de punição, tem de ter como efeito o causar ao arguido, pelo menos, algum desconforto se não, mesmo, um sacrifício económico palpável.” devendo traduzir-se num real sacrifício para o condenado, sobre o qual ele deve reflectir, sob cominação de não ter nenhum efeito preventivo e ressocializador (finalidade das penas – artº 40º CP ) e ser inútil.
Assim não há que criticar a pena aplicada de 220 dias de multa.
Improcede esta questão e com ela o recurso.
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Pelo exposto, o Tribunal da Relação do Porto, decide:
Julgar improcedente o recurso interposto pelo arguido e em consequência mantém a sentença recorrida.
Condena o arguido no pagamento da taxa de justiça de 3 Uc e nas demais custas.
Notifique.
Dn.
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Porto, 13/10/2021
José Carreto
Paula Guerreiro