CONTRATO DE ARRENDAMENTO
REVOGAÇÃO DO NEGÓCIO JURÍDICO
DENÚNCIA
TEORIA DA IMPRESSÃO DO DESTINATÁRIO
APLICAÇÃO DA LEI NO TEMPO
DUPLA CONFORME
NEGÓCIO FORMAL
ADMISSIBILIDADE DE RECURSO
INTERPRETAÇÃO DA DECLARAÇÃO NEGOCIAL
DECLARAÇÃO TÁCITA
COMUNICAÇÃO
SENHORIO
ARRENDATÁRIO
DECISÃO FINAL
Sumário


I. De acordo com o art. 236.º, n.º 1, do CC; o sentido decisivo da declaração negocial é aquele que seria apreendido por um declaratário normal, ou seja, medianamente instruído e diligente, colocado na posição do declaratário real, perante o comportamento do declarante.
II. O art. 238.º, n.º 1, do CC, estabelece que o sentido correspondente à impressão do destinatário não pode valer se não tiver um mínimo de correspondência, ainda que imperfeita, no texto do respetivo documento. III. Apesar de as partes não revogarem expressamente o contrato de arrendamento anteriormente celebrado, a sua revogação tácita pode deduzir-se de factos que com toda a probabilidade a revelem.
IV. A Lei n.º 13/2019, ao abrigo do art. 12.º, n.º 2, 2.ª parte, do CC, na medida em que as suas disposições se revistam de natureza imperativa, aplica-se às relações jurídico-arrendatícias que subsistam à data do seu início de vigência, porquanto dispõe sobre o seu conteúdo e o conforma abstraindo do facto que lhes deu origem.
V. O art. 297.º, n.º 2, do CC, não se aplica ao prazo de antecedência da comunicação da denúncia efetuada antes da entrada em vigor a Lei n.º 13/2019. Uma vez efetuada a comunicação pelo senhorio, não começa a correr qualquer prazo para que seja exercido um qualquer direito.
VI. O decurso global do prazo de antecedência da comunicação de denúncia não tem o valor de um facto extintivo (constitutivo ou modificativo) de uma situação jurídica, pois este já se encontra verificado aquando do início de vigência da lei nova (art. 1101.º, al. c), do CC, na redação que lhe foi dada pela Lei n.º 13/2019).
VII. A declaração de denúncia encontra-se, por conseguinte, abrangida pelo âmbito de competência ou de aplicabilidade da lei antiga (art. 1101.º, al, c), do CC, na redação que lhe foi conferida pela n.º Lei n.º 31/2012), porquanto é ela que determina a competência da lei aplicável. VIII. Para efeitos de determinação da lei aplicável à denúncia do contrato, afigura-se decisiva a data da sua comunicação pelo senhorio ao arrendatário.

Texto Integral


Acordam no Supremo Tribunal de Justiça,



I - Relatório

1. Gerex - Gabinete de Gestão Industrial e Comercial, Lda., Requerida no procedimento especial de despejo intentado por Paradise Pyramid, Lda., com fundamento na oposição à renovação do contrato de arrendamento, deduziu, ao abrigo do art. 15.º-F da Lei n.º 6/2006, de 27 de Fevereiro, oposição com pedido reconvencional.

2. Alegou, em síntese, que:

- a Requerente apresentou no presente procedimento especial de despejo um contrato de arrendamento celebrado, por escritura pública, a 19 de dezembro de 1997, juntando o comprovativo da comunicação prevista no art. 1097.º, n.º 1, do CC; omitiu, todavia, que a relação contratual subjacente ao arrendamento dos autos remonta a 15 de junho de 1989, data da celebração do contrato entre a primitiva proprietária do imóvel - Hufvudsraden International AB, e a primitiva arrendatária - Procomer - Sociedade de Representação e Promoção de Vendas, Lda.;  previa-se, neste contrato, que a arrendatária podia ceder a sua posição contratual à Requerida, o que veio a suceder também a 15 de junho de 1989, por escritura celebrada, outrossim no  ... Cartório Notarial de ...; deste modo, o documento que serviu de base ao presente procedimento especial de despejo não corresponde ao contrato dos autos, mas sim a uma alteração do mesmo;

- tendo o contrato dos autos sido celebrado antes do início de vigência do DL n.º 321-B/90, de 15 de outubro (RAU), era imperativamente aplicável o regime denominado como vinculístico, sendo o arrendamento sucessivamente renovável, apenas podendo ser denunciado pelo locador nos casos previstos no então art. 1096.º do CC;

- com a entrada em vigor do DL n.º  321-B/90 (RAU), o regime de denúncia deste contrato manteve-se essencialmente inalterado, pelo que o arrendamento dos autos, celebrado em 1989, tem de ser tratado, no atual quadro normativo, como um arrendamento para fins não habitacionais, na modalidade temporal de contrato de duração indeterminada;

- com a Lei n.º 6/2006 (NRAU), que entrou em vigor a 27 de Junho de 2006, os contratos do mesmo tipo daquele dos autos passaram a reger-se pelo NRAU, com as particularidades introduzidas, inter alia, pela norma do art. 28.º, que veda ao senhorio  oposição à renovação; a Requerente nunca tomou a iniciativa de promover a transição do contrato para o NRAU, pelo que a carta enviada por si enviada a 26 de junho de 2017 carece de fundamento, não é válida, nem eficaz enquanto comunicação de oposição à renovação do contrato, não tendo, por isso, produzido quaisquer efeitos;

- ainda que por mera hipótese se considere que a escritura outorgada a 19 de dezembro de 1997 importou a revogação do contrato de arrendamento anterior, também o novo contrato eventual teria, ainda assim, duração indeterminada, pois que beneficiaria também do regime vinculístico previsto no art. 68.º, n.º 2, do RAU; com efeito, o DL n.º 257/95, de 30 de setembro, reviu o regime do arrendamento urbano para o exercício de comércio, indústria profissões liberais e outros fins lícitos não habitacionais, tendo previsto, para o futuro, a celebração de contratos de arrendamento urbano de duração limitada para comércio ou indústria, o que não acontecia antes da sua entrada em vigor - 5 de outubro de 1995; os então denominados arrendamentos não habitacionais de duração limitada deveriam conformar-se com as normas previstas nos arts. 98.º-101.º do RAU para os contratos de duração limitada nos arrendamentos urbanos para habitação, com as devidas adaptações;

- entre essas normas que, por remissão expressa do art. 117.º, n.º 2, do RAU, se aplicavam aos arrendamentos não habitacionais de duração limitada estava aquela segundo a qual o prazo mínimo de duração desses contratos não podia ser inferior a cinco anos (art. 98.º, n.º 2, do RAU); por conseguinte, do facto de o contrato de 19 de dezembro de 1997 haver mantido o prazo de duração do contrato de um ano, como previsto no contrato anterior, não mencionando expressamente a sua qualificação como “de duração limitada”, resulta que as partes não quiseram retirar a natureza vinculística ao contrato em causa;

- acresce que a cláusula 2.ª do documento complementar anexo a tal escritura se deveria considerar nula por contender com disposição legal imperativa, uma vez que o prazo de duração de tal contrato nunca poderia ser inferior a cinco anos; por isso, encontrando-se ferida de nulidade, essa cláusula nunca seria idónea para produzir quaisquer efeitos e, na falta de estipulação das partes, dever-se-ia considerar o contrato celebrado pelo prazo de cinco anos, automaticamente renovável por iguais e sucessivos períodos de cinco anos cada;

- vigorando inicialmente de 1 de janeiro de 1998 a 31 de dezembro de 2002, e sendo automaticamente renovável por períodos sucessivos de cinco anos, aquando da entrada em vigor, a 27 de junho de 2006, do NRAU, nos termos do art. 26.º,  n.º 3 (na sua redação originária), esse contrato renovou-se por cinco anos e, posteriormente, por três anos; não afetando tal disposição o prazo do contrato que se encontraria a correr, de 1 de janeiro de 2003 a 31 de dezembro de 2007, por força das sucessivas renovações, estaria agora a correr o período contratual de 1 de janeiro de 2018 a 31 de dezembro de 2022, não produzindo, por isso, efeitos a comunicação efetuada pela Requerente.

3. A Requerente exerceu o contraditório, tendo pugnado pela improcedência das exceções e pela inadmissibilidade da reconvenção.

4. Foi proferida decisão que não admitiu a reconvenção e decidiu do mérito da ação, concluindo pela improcedência do pedido.

5. Não conformada, a Requerente interpôs recurso de apelação.

6. Por seu turno, a Requerida também interpôs recurso de apelação que, todavia, não foi admitido.

7. Por acórdão, o Tribunal da Relação de Lisboa decidiu o seguinte:

Pelo exposto acorda-se em julgar a apelação procedente revogando-se a decisão recorrida e julgando-se improcedente a oposição ao pedido de despejo.”

8. Não conformada, a Requerida Gerex - Gabinete de Gestão Industrial e Comercial, Lda., interpôs recurso de revista, apresentando as seguintes Conclusões:

1) Para formalizar o aditamento de um contrato são necessárias as mesmas formalidades legais atribuídas ao contrato original, pelo que não constitui argumento decisivo para a questão de saber se o documento celebrado em 19 de dezembro de 1997 constitui um contrato novo ou um aditamento do anterior o facto de aquele ter sido celebrado por escritura pública (forma legal a que obrigatoriamente estavam sujeitos quaisquer dos atos àquela data).

2) O facto de o documento celebrado em 19 de dezembro de 1997 não ter feito referência ao documento celebrado em 15 de junho de 1989, revogando-o expressamente, leva à conclusão de que as partes não quiseram revogar, dando sem efeito, o contrato original que vinha já desde 1989.

3) Não constando a vontade de revogar o contrato original expressamente prevista no documento celebrado em 19 de dezembro de 1997, haverá que atender às regras normais em termos de interpretação das declarações negociais que, nos negócios jurídicos formais dispõem que não pode ser aceite como válida qualquer interpretação que não tenha no texto escrito um mínimo de correspondência (cfr. art.º 238º do C.C.).

4) A Recorrida não fez referência, nem juntou, qualquer documento subscrito pelas partes a dar expressamente por revogado o contrato anterior.

5) As regras estabelecidas no documento celebrado em 19 de dezembro de 1997 são, na sua quase totalidade, coincidentes com as estabelecidas no documento celebrado em 15 de junho de 1989.

6) Um aditamento a um contrato constitui, precisamente, a alteração de um contrato original, o qual, com as novas alterações, passa a constituir um contrato único, titulador do mesmo e único negócio jurídico, o que manifestamente ocorre na situação dos autos.

7) O facto de a relação contratual, após a alteração consubstanciada no documento celebrado em 19 de dezembro de 1997, ter mantido o mesmo núcleo essencial, sendo apenas alterados elementos acidentais ou acessórios (integração do lugar de estacionamento no contrato de arrendamento, o qual já fazia parte do locado, embora a título gratuito, e a introdução de uma cláusula sobre benfeitorias), significa que tais alterações não têm a virtualidade de transformar o negócio jurídico, que se manteve sem interrupções, num novo e diferente contrato.

8) Para apurar se subjacente à celebração do documento celebrado em 19 de dezembro de 1997está a intenção das partes de celebrar um novo contrato ou de modificar o anterior, deve o Julgador verificar se o negócio assim transformado se apresenta economicamente como uma relação completamente diferente da anterior, chamando à colação a distinção entre os elementos essenciais do negócio, e aqueles que são acessórios ou meramente acidentais.

9) Conforme decorre do simples confronto entre os dois documentos em apreciação, dúvidas não existem de que o documento celebrado em 19 de dezembro de 1997 se apresenta economicamente como a mesma relação jurídica decorrente do documento celebrado em 15 de junho de 1989, o que leva à conclusão de que aquele constitui uma mera modificação do contrato original, e não consubstanciou um novo contrato, ao contrário da qualificação que dele erroneamente fez o Acórdão recorrido.

10) Em ambos os documentos, o período contratual decorre do dia 1 de janeiro ao dia 31 de dezembro, sendo que o dia 1 de janeiro de 1998 que consta como data de início do contrato no documento celebrado em 19 de dezembro de 1997 coincide, precisamente, com o início de um novo período contratual após a renovação automática que já se impunha nos termos previstos no contrato original.

11) O facto de não ter ocorrido nenhuma interrupção entre a vigência do contrato original e a data de produção de efeitos do documento celebrado em 19 de dezembro de 1997 é mais um argumento a favor da qualificação deste último documento como mera modificação ou alteração contratual, e não como um novo contrato.

12) O Acórdão recorrido violou designadamente o disposto no artigo 238.º do Código Civil, pelo que carece de ser revogado e substituída por outro que decida pela qualificação de ambos os documentos como um único e o mesmo contrato, daí decorrendo as correspondentes consequências jurídicas.

13) Se no decurso de um prazo ao abrigo de uma lei antiga e antes daquele terminar se iniciou a vigência de uma nova lei que o alargou, nos termos do disposto no artigo 297.º, n.o 2, do Código Civil será este novo prazo o aplicável, contando-se, todavia, o prazo entretanto já decorrido.

14) Apenas com o decurso global do prazo o valor de um facto constitutivo de um direito se consolida na ordem jurídica.

15) Quando se dá a alteração de uma lei enquanto uma situação jurídica está em curso de constituição, passa o respetivo processo constitutivo a ficar imediatamente subordinado à lei nova, e isto porque é na vigência da lei nova que a constituição (ou seja, o facto constitutivo completo) se vem a verificar.

16) A questão da aplicação retroativa da lei e, eventualmente, do carácter interpretativo ou não da lei nova, apenas será de colocar se, quando da entrada em vigor da lei nova, esteja já esgotado o prazo face à lei antiga.

17) Dispõe o n.º 2 do artigo 297.º do Código Civil que «a lei que fixar um prazo mais longo é igualmente aplicável aos prazos que já estejam em curso, mas computar-se-á neles todo o tempo decorrido desde o seu momento inicial».

18) A alínea c) do artigo 1101.º do Código Civil foi alterada pelo artigo 2.º da Lei n.º 13/2019, de 12 de fevereiro, que entrou em vigor no dia 13 de fevereiro de 2019, passando a denúncia do contrato de duração indeterminada pelo senhorio dever observar uma antecedência não inferior a cinco anos (substituindo o anterior prazo que era de dois anos).

19) A comunicação de oposição à renovação rececionada pela Recorrente em 29 de junho de 2017 não é – em qualquer circunstância – apta a produzir a cessação do contrato de arrendamento dos autos uma vez que nem sequer havia decorrido à data da instauração do procedimento de despejo pela Recorrida o prazo de cinco anos a que alude a alínea c) do artigo 1101.º do Código Civil.

20) Para que uma alteração legislativa ponha em causa o princípio da proteção da confiança torna-se necessário que tal alteração constitua uma mutação da ordem jurídica com que, razoavelmente, os destinatários das normas dela constantes não possam contar, e que a mesma não seja ditada pela necessidade de salvaguardar direitos ou interesses constitucionalmente protegidos que devam considerar-se prevalecentes, de acordo com o critério consagrado no artigo 18.º, n.o 2, da C.R.P.

21) A Lei n.º 13/2019, de 12 de fevereiro, que alterou a redação da alínea c) do artigo 1101.º do Código Civil visou, precisamente, introduzir “medidas destinadas a corrigir situações de desequilíbrio entre arrendatários e senhorios, a reforçar a segurança e a estabilidade do arrendamento urbano e a proteger arrendatários em situação de especial fragilidade”.

22) Face à contínua modificação das opções legislativas em matéria de arrendamento urbano, não se afigura que a alteração do prazo de denúncia se mostre não expectável para os contraentes de relações locatícias que perduram no tempo, como é o caso dos autos.

23) No juízo de ponderação imposto pela proteção da confiança deverá prevalecer, em face do interesse do senhorio em fazer cessar o contrato, o superior interesse de proteção de inquilinos e arrendatários, que em regra se encontram numa situação de maior fragilidade negocial face aos senhorios.

24) O Acórdão recorrido fez uma incorreta interpretação e aplicação do disposto nos artigos 297.º, n.º 2, e 1101.º, alínea c) do Código Civil, e ainda dos princípios da segurança jurídica e da proteção de confiança.

Termos em que, nos mais do douto suprimento de Vossas Excelências, que se impetra e requer, deve o presente recurso de revista ser julgado procedente por provado e, em consequência, revogando-se o Acórdão recorrido, ser julgada procedente a oposição ao despejo e improcedente o procedimento especial de despejo e, em consequência, ser a Recorrente absolvida do pedido, com as legais consequências.

Assim se fará

JUSTIÇA!

9. A Requerente Paradise Pyramid, Lda., por sua vez, apresentou contra-alegações com as seguinte Conclusões:

44. Por tudo quanto antecede, improcedem inteiramente as conclusões da Recorrente.

Decidiu bem o douto Acórdão recorrido, no que concerne ao entendimento perfilhado de que o contrato apresentado com o requerimento inicial é um novo contrato de arrendamento e não uma mera alteração do contrato anterior, assim como que a Lei 13/2019 de 12.02 não é pois aplicável ao caso em concreto, tendo a denúncia efetivada pela Recorrida sido válida e eficaz e os seus efeitos sido totalmente consolidados à data da comunicação, uma vez que tal direito não se traduz num prazo no sentido técnico-juridico.

Nestes termos e nos demais de direito, não deve a revista apresentada ser (parcialmente) admitida, e mesmo que assim não se entenda, sempre deve ser negado provimento ao presente recurso, confirmando-se, a douta decisão recorrida.

Tudo como é de Direito e de JUSTIÇA!

II – Questões a decidir

Atendendo às conclusões do recurso que, segundo os arts. 608.º, n.º 2, 635.º, n.º 4 e 639.º, do CPC, delimitam o seu objeto, e não podendo o Supremo Tribunal de Justiça conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser em situações excecionais de conhecimento oficioso, estão em causa as seguintes questões:

- se o recurso interposto por Gerex - Gabinete de Gestão Industrial e Comercial, Lda é ou não admissível;

- se o arrendamento outorgado pelas partes em 1997 se traduz num contrato novo ou antes numa alteração ao contrato anteriormente celebrado;

- se o art. 1101.º, al. c), do CC, na redação que lhe foi conferida pela Lei n.º 13/2019, de 12 de fevereiro, se aplica à denúncia do contrato de arrendamento para fins não habitacionais comunicada ao arrendatário antes do seu início de vigência.

III – Fundamentação

A) De Facto

Foram considerados como provados os seguintes factos:

1. No dia 15 de Junho de 1989, a sociedade Hufvudsraden International AB e a sociedade Procomer - Sociedade de Representação e Promoção de Vendas, Limitada, no  ... Cartório Notarial de ..., conforme cópia da escritura junta com a oposição como documento n.º 1, cujo teor se dá aqui por reproduzido, declararam perante notário: a primeira dar de arrendamento à segunda, para loja, escritório e armazém desta, “uma área determinada na planta anexa, de cerca de cento e noventa e sete metros quadrados do ...” do prédio urbano sito em …, na ..., números ..., da freguesia de ..., inscrito na respectiva matriz urbana sob o artigo ..., pelo prazo de um ano, com início a 1 de Janeiro de 1988, sucessivamente renovável por períodos de seis meses, “nos termos legais”, autorizando a “arrendatária a utilizar gratuitamente, na cave do prédio, uma parte suficiente para a aparcagem de um automóvel ligeiro”; tendo os representantes da segunda declarado aceitar o arrendamento nos termos exarados.

2. Da cláusula quinta do escrito referido em 1. consta: “Fica expressamente proibida a sublocação, total ou parcial, dos locais arrendados, podendo, todavia, ceder a sua posição contratual à sociedade “Gerex - Gabinete de Gestão Industrial e Comercial, Limitada”.

3. No mesmo dia 15 de Junho de 1989, por escritura celebrada no também ...Cartório Notarial de..., cuja cópia foi junta como documento n.º 2 com a oposição, a Procomer - Sociedade de Representação e Promoção de Vendas, Limitada cedeu a sua posição no contrato referido em 1. à ora Requerida.

4. No dia 19 de Dezembro de 1997, no ...Cartório Notarial de..., conforme cópia da escritura junta com o requerimento inicial como documento n.º 1 e que se dá aqui por reproduzida, a sociedade comercial holandesa Asmto Holding, BV., à data proprietária e senhoria do prédio urbano situado em ..., na ..., números ..., freguesia de ... (anterior freguesia de ...), concelho de ..., inscrito na respectiva matriz urbana sob o artigo … que proveio do anterior artigo ..., através dos seus representantes, na qualidade de primeiros outorgantes, e os representantes da requerida, em representação desta, na qualidade de segundos outorgantes, declararam perante notário o seguinte: a primeira dar de arrendamento à segunda “uma área determinada, com a zona de cento e noventa e sete metros quadrados no ...” do prédio referido em 1. e “uma vaga de garagem na cave”, pelo prazo de “doze meses, com início no dia um de Janeiro de mil novecentos e noventa e oito, pela renda mensal de duzentos e trinta e três mil e quinhentos escudos, nos termos e cláusulas constantes do documento complementar”; e os segundos, em representação da requerida, declararam aceitar o arrendamento nos termos exarados.

5. Da cláusula segunda do documento complementar mencionado em 4. consta: “O presente contrato é feito, pelo prazo de um ano, tendo o seu início em um de Janeiro de mil novecentos e noventa e oito e termo a trinta e um de Dezembro de mil novecentos e noventa e oito, supondo-se sucessiva e automaticamente renovado por períodos de um ano se a segunda outorgante não o denunciar, por carta registada e com aviso de recepção, até noventa dias antes do termo do prazo ou do termo de qualquer uma das renovações”.

6. No dia 29 de Dezembro de 1997, por escritura pública de compra e venda, a sociedade Asmto Holding, BV., vendeu ao IMOVEST – Fundo de Investimentos Imobiliários o prédio urbano descrito em 1.

7. O IMOVEST – Fundo de Investimentos Imobiliários foi objecto de operação de fusão, por incorporação no NOVIMOVEST – Fundo de Investimento Imobiliário, com transferência integral do património e consequente extinção do Fundo incorporado, com efeitos a partir de 19 de Março de 2010.

8. No dia 29 de Maio de 2015, por escritura pública de compra e venda, mútuo com hipoteca e consignação de rendimentos, o NOVIMOVEST – Fundo de Investimento Imobiliário vendeu à Requerente o prédio urbano referido em 1.

9. A Requerida e a Requerente outorgaram, em 1 de Fevereiro de 2017, a “Adenda ao Contrato de Arrendamento para Fins Não Habitacionais celebrado em 19/12/1997”, junta com o articulado de resposta às excepções como documento n.º4, cujo teor se dá aqui por reproduzido.

10. Mediante carta registada, com aviso de recepção, datada de 26 de Junho de 2017, junta com o requerimento inicial como documento n.º 5 e cujo teor se dá aqui como reproduzido, a Requerente comunicou a sua intenção de se opor à renovação do referido contrato de arrendamento, com efeitos a partir de 31 de Dezembro de 2019, tendo a requerida recepcionado a carta a 29 de Junho de 2017.

11. Por carta registada, com aviso de recepção, datada de 16 de Abril de 2019, enviada pela requerente à requerida aquela reiterou a sua intenção de se opor à renovação do contrato.

B) De Direito

Tipo e objecto de recurso

1. Trata-se de um recurso de revista interposto por Gerex – Gabinete de Gestão Industrial e Comercial, Lda., Requerida no procedimento especial de despejo intentado por Paradise Pyramid, Lda., do acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa que julgou procedente o recurso de apelação interposto pela Requerente e revogou a decisão recorrida, julgando improcedente a oposição ao pedido de despejo.

2. O Tribunal de 1.ª Instância, julgando procedente a oposição ao despejo deduzida pela Requerida e improcedente o procedimento especial de despejo, absolveu a Requerida do pedido.

3. Inconformada com a decisão do Tribunal da Relação de Lisboa, por entender que este fez uma errada interpretação, aplicação e determinação das normas legais aplicáveis, a Requerida veio, assim, apresentar o recurso de revista em apreço.

(In)admissibilidade do recurso de revista

1. A Requerida Gerex – Gabinete de Gestão Industrial e Comercial, Lda., veio apresentar o presente recurso de revista nos termos do art. 671.º, n.º 1, do CPC.

2. Em sede de contra-alegações, a Recorrida Paradise Pyramid, Lda., propugnou pela inadmissibilidade da revista por entender existir uma situação de dupla conforme entre a sentença da primeira instância e o acórdão recorrido, uma vez que ambas as instâncias convergiram no entendimento de que o contrato outorgado pelas partes em 1997 consubstancia um novo contrato de arrendamento.

3. Entende a Recorrida que a referida conformidade decisória é impeditiva da revista normal, nos termos do art. 671.º, n.º 3, do CPC.

4. Não assiste, porém, razão à Recorrida.

5. Conforme resulta do art. 671.º, n.º 3 do CPC, a dupla conformidade decisória, enquanto obstáculo à recorribilidade, afere-se em função da decisão final e, consequentemente, pela confirmação desta decisão, sem voto de vencido e sem fundamentação essencialmente diferente[1].

6. Assim, a eventual conformidade das decisões do Tribunal de 1.ª Instância e do Tribunal da Relação de Lisboa quanto à questão suscitada pela Recorrida não releva para efeitos de dupla conformidade decisória, obstativa do recurso de revista, nos termos do art. 671.º, n.º 3, do CPC.

7. Em suma, tendo em conta o valor da causa, a legitimidade da Recorrente e o teor do acórdão recorrido, conclui-se pela admissibilidade do presente recurso de revista, nos termos do disposto nos arts. 629.º, n.º 1, 631.º, n.º 1, 671.º, n.º 1, e 674.º, n.º 1, al. a), do CPC

Contrato de 1997: modificação do contrato anteriormente celebrado ou novo contrato

1. A propósito desta questão, a Recorrente apresenta as seguintes Conclusões:

1) Para formalizar o aditamento de um contrato são necessárias as mesmas formalidades legais atribuídas ao contrato original, pelo que não constitui argumento decisivo para a questão de saber se o documento celebrado em 19 de dezembro de 1997 constitui um contrato novo ou um aditamento do anterior o facto de aquele ter sido celebrado por escritura pública (forma legal a que obrigatoriamente estavam sujeitos quaisquer dos atos àquela data).

2) O facto de o documento celebrado em 19 de dezembro de 1997 não ter feito referência ao documento celebrado em 15 de junho de 1989, revogando-o expressamente, leva à conclusão de que as partes não quiseram revogar, dando sem efeito, o contrato original que vinha já desde 1989.

3) Não constando a vontade de revogar o contrato original expressamente prevista no documento celebrado em 19 de dezembro de 1997, haverá que atender às regras normais em termos de interpretação das declarações negociais que, nos negócios jurídicos formais dispõem que não pode ser aceite como válida qualquer interpretação que não tenha no texto escrito um mínimo de correspondência (cfr. art.º 238º do C.C.).

4) A Recorrida não fez referência, nem juntou, qualquer documento subscrito pelas partes a dar expressamente por revogado o contrato anterior.

5) As regras estabelecidas no documento celebrado em 19 de dezembro de 1997 são, na sua quase totalidade, coincidentes com as estabelecidas no documento celebrado em 15 de junho de 1989.

6)  Um aditamento a um contrato constitui, precisamente, a alteração de um contrato original, o qual, com as novas alterações, passa a constituir um contrato único, titulador do mesmo e único negócio jurídico, o que manifestamente ocorre na situação dos autos.

7) O facto de a relação contratual, após a alteração consubstanciada no documento celebrado em 19 de dezembro de 1997, ter mantido o mesmo núcleo essencial, sendo apenas alterados elementos acidentais ou acessórios (integração do lugar de estacionamento no contrato de arrendamento, o qual já fazia parte do locado, embora a título gratuito, e a introdução de uma cláusula sobre benfeitorias), significa que tais alterações não têm a virtualidade de transformar o negócio jurídico, que se manteve sem interrupções, num novo e diferente contrato.

8) Para apurar se subjacente à celebração do documento celebrado em 19 de dezembro de 1997 está a intenção das partes de celebrar um novo contrato ou de modificar o anterior, deve o Julgador verificar se o negócio assim transformado se apresenta economicamente como uma relação completamente diferente da anterior, chamando à colação a distinção entre os elementos essenciais do negócio, e aqueles que são acessórios ou meramente acidentais.

9)  Conforme decorre do simples confronto entre os dois documentos em apreciação, dúvidas não existem de que o documento celebrado em 19 de dezembro de 1997 se apresenta economicamente como a mesma relação jurídica decorrente do documento celebrado em 15 de junho de 1989, o que leva à conclusão de que aquele constitui uma mera modificação do contrato original, e não consubstanciou um novo contrato, ao contrário da qualificação que dele erroneamente fez o Acórdão recorrido.

10) Em ambos os documentos, o período contratual decorre do dia 1 de janeiro ao dia 31 de dezembro, sendo que o dia 1 de janeiro de 1998 que consta como data de início do contrato no documento celebrado em 19 de dezembro de 1997 coincide, precisamente, com o início de um novo período contratual após a renovação automática que já se impunha nos termos previstos no contrato original.

11) O facto de não ter ocorrido nenhuma interrupção entre a vigência do contrato original e a data de produção de efeitos do documento celebrado em 19 de dezembro de 1997 é mais um argumento a favor da qualificação deste último documento como mera modificação ou alteração contratual, e não como um novo contrato.

12) O Acórdão recorrido violou designadamente o disposto no artigo 238.º do Código Civil, pelo que carece de ser revogado e substituída por outro que decida pela qualificação de ambos os documentos como um único e o mesmo contrato, daí decorrendo as correspondentes consequências jurídicas.

2. As Instâncias convergiram no entendimento de que o acordo celebrado pelas partes em 1997 constituía um contrato novo.

3. Na decisão do Tribunal de Instância, entendeu-se que “de acordo com as regras de hermenêutica negocial, recorrendo, em primeira linha, à chamada teoria da impressão do destinatário, tal como consagrada no artigo 236.º, n.º 1 do Código Civil, julga-se não ter um mínimo de correspondência com o texto do escrito em apreciação, de acordo com o artigo 238.º do Código Civil, a interpretação de que as partes não quiseram, em 1997, celebrar um novo contrato, mas apenas alterar o contrato anteriormente celebrado.

Com efeito, da escritura mencionada em 4., resulta que as partes nada referem sobre o contrato de arrendamento anteriormente celebrado, estabeleceram todas as regras aplicáveis ao contrato de arrendamento, que não são integralmente coincidentes com as estabelecidas no contrato anterior – veja-se v.g. que no primeiro o lugar de garagem é cedido gratuitamente e no segundo integra o objecto da locação, assim como no primeiro não se estabelece regras para as benfeitorias -, sendo que se estabelece no segundo contrato uma data de início de vigência para futuro, não pressupondo a existência e manutenção do contrato anterior.

Deste modo, de acordo com as mencionadas normas e atendendo ao estipulado pelas partes no contrato de 1997, impõe-se concluir que o contrato apresentado com o requerimento inicial é um novo contrato de arrendamento e não uma mera alteração do contrato anterior.

4. O Tribunal da Relação de Lisboa sufragou idêntico entendimento, acrescentando que “nada permite concluir que este contrato de 1997 constitua uma alteração ao contrato anterior. Não é feita qualquer menção a esse contrato e este contrato tem em si todos os elementos necessários para se considerar um verdadeiro contrato de arrendamento.”.

1. É jurisprudência consolidada que o apuramento da vontade real dos declarantes, em matéria de interpretação de negócio jurídico, constitui matéria de facto que, como tal, está subtraída ao conhecimento do Supremo Tribunal de Justiça enquanto Tribunal de revista: i.e., a interpretação das cláusulas dos contratos é matéria de facto quando se dirija à averiguação e reconstituição da vontade real das partes, mas já será matéria de direito se e quando, desconhecida essa vontade, se devem observar os critérios previstos nos arts. 236.º-238.º do CC[2]. A interpretação da declaração negocial reveste-se de particular importância, uma vez que o sentido negocial determina, nos negócios jurídicos, os efeitos jurídicos.

5. Segundo o art. 236.º do CC, “1. A declaração negocial vale com o sentido que um declaratário normal, colocado na posição do real declaratário, possa deduzir do comportamento do declarante, salvo se este não puder razoavelmente contar com ele. 2. Sempre que o declaratário conheça a vontade real do declarante, é de acordo com ela que vale a declaração emitida.

6. Este preceito acolhe a teoria da impressão do destinatário, de cariz objetivista, segundo a qual a declaração vale com o sentido que um declaratário normal, medianamente instruído, sagaz e diligente, colocado na posição do concreto declaratário, a entenderia.

7. De acordo com o art. 236.º, n.º 1, do CC, o sentido decisivo da declaração negocial é aquele que seria apreendido por um declaratário normal, ou seja, medianamente instruído e diligente, colocado na posição do declaratário real, perante o comportamento do declarante. Ressalvam-se apenas os casos de não poder ser imputado ao declarante, razoavelmente, aquele sentido (n.º 1), ou o de o declaratário conhecer a vontade real do declarante (n.º 2).

8. Pretende-se proteger o declaratário, conferindo à declaração o sentido que seria razoável presumir atendendo ao comportamento do declarante, e não o sentido que este lhe quis efetivamente atribuir. Está em causa o princípio da tutela da confiança.

9. A normalidade do declaratário, que a lei toma como padrão, exprime-se não só na capacidade para entender o texto ou conteúdo da declaração, mas também na diligência para recolher todos os elementos que, coadjuvando a declaração, auxiliem a descoberta da vontade real do declarante.

10. O declaratário normal deve ser uma pessoa dotada de razoabilidade, sagacidade, conhecimento e diligência medianos, considerando as circunstâncias que ela teria conhecido e o modo como teria raciocinado a partir delas, mas colocando-a na posição do destinatário real, isto é, acrescentando as circunstâncias que este conheceu concretamente e o modo como aquele concreto declaratário poderia a partir delas ter depreendido um sentido declarativo.

11. Assim, a interpretação das declarações negociais não se dirige, salvo no caso do artigo 236.º, n.º 2, a fixar um facto simples – o sentido que o declarante quis imprimir à sua declaração –, mas antes o sentido normativo da declaração.

12. Por sua vez, quando estejam em causa negócios formais, independentemente de a forma observada ser voluntária ou legal, conforme o art. 238.º, “1. Nos negócios formais não pode a declaração valer com um sentido que não tenha um mínimo de correspondência no texto do respectivo documento, ainda que imperfeitamente expresso. 2. Esse sentido pode, todavia, valer, se corresponder à vontade real das partes e as razões determinantes da forma do negócio se não opuserem a essa validade”.

13. O art. 238.º, n.º 1, do CC, estabelece que o sentido correspondente à impressão do destinatário não pode valer se não tiver um mínimo de correspondência, ainda que imperfeita, no texto do respetivo documento.

14. A colocação do “declaratário normal” na posição do “real declaratário” implica a consideração, pelo primeiro, dos elementos disponíveis para o segundo. Se o sentido com o qual a declaração negocial vai valer é um sentido deduzido (pelo “declaratário normal” do comportamento do declarante), isto significa que o sentido jurídico é um sentido que pode ser atribuído ao comportamento do declarante. Um juízo racional, baseado nos elementos atendíveis, é o único que consente a fundamentação da interpretação e, ao mesmo tempo, o respeito pelas diretrizes contidas na remissão para o sentido deduzido do comportamento por um “declaratário normal” colocado na posição do “real declaratário[3].

15. A declaração negocial vale com o sentido que um “declaratário normal”, colocado na posição do “real declaratário”, possa deduzir do comportamento do declarante, salvo se este não puder razoavelmente contar com ele. In casu, o declarante podia e devia contar com a cessação do primeiro contrato de arrendamento.

16. Não se aplica ao caso em apreço a norma consagrada no art. 236.º, n.º 2, do CC (nem aquela contida no art. 238.º, n.º 2, do mesmo corpo de normas): falsa demonstratio non nocet. Da factualidade assente não resulta que declarante e declaratário se hajam exprimido e entendido bem, apesar de esse entendimento comum contrariar o uso linguístico ou o sentido normal das expressões empregues. As partes quiseram declarar o que efetivamente declararam, com o sentido correspondente à adoção de uma nova disciplina contratual.

17. As partes quiseram celebrar um novo negócio jurídico, dotado de uma nova e diversa economia negocial, regulando de modo diferente os seus interesses.

18. Por outro lado, o método de interpretação das declarações formais é o método geral, estabelecido nos arts. 236.º e 237.º do CC. Nos negócios formais, conforme mencionado supra, o resultado alcançado mediante a aplicação destes preceitos não pode, contudo, valer com um sentido que não tenha um mínimo de correspondência no texto do respetivo documento, ainda que imperfeitamente expresso. I.e., o art. 238.º do CC consagra um limite a que o resultado da interpretação alcançado, determinado ao abrigo das regras gerais, deve ser submetido. Respeitado esse limite, é esse o sentido da declaração negocial formal  - como sucede no caso dos autos a propósito da celebração de um novo contrato.

19. Aliás, o “declaratário normal” de uma declaração negocial integrante de um negócio formal (maxime quando se trate de forma for legal), colocado na posição do “real declaratário”, conferirá, em regra, especial importância ao comportamento do declarante consubstanciado no documento. Por seu turno, poderia até dizer-se que o sentido juridicamente relevante do documento é o literal, pois que o art. 238.º, n.º 1, do CC, exige um mínimo de correspondência com o “texto” do documento. O sentido apurado tem um mínimo ressonância no texto do documento que se possa afirmar que esse sentido é um dos sentidos possíveis do texto do documento, ao abrigo das regras próprias da língua em que o documento se encontra redigido. O “declaratário normal” sabe que o que não encontrar correspondência ou expressão no documento corre o risco de ser não válido ou de não produzir efeitos[4]. No caso  sub judice, o “texto” do contrato comporta apenas um sentido, que é o celebração de um novo contrato de arrendamento. Não resultou provado que a redação do “texto” tivesse atraiçoado o pensamento das partes.

20. É, por conseguinte, manifesta a vontade das partes de revogar o contrato de arrendamento de arrendamento urbano não habitacional anteriormente celebrado.

21. Na verdade, as partes poderiam ter apenas introduzido variações no conteúdo do contrato de arrendamento inicialmente celebrado, sem tornar inútil a subsistência da disciplina contratual anteriormente estabelecida. Porém, não foi isso que fizeram. Também não renegociaram nem renovaram o contrato inicial. Não quiseram a manutenção da relação locatícia anterior, pois substituíram-na por outra.

22. A observância das regras hermenêuticas contidas nos arts. 236.º e ss do CC conduz precisamente a esse resultado. A intenção das partes não se afigura compatível com a conservação, total ou parcial, da relação pré-existente. Não existe uma manifestação de vontade das partes dirigida a modificar a disciplina dos seus interesses estabelecida no acordo inicial, introduzindo-lhe mutações que não incidissem sobre a fisionomia originária da relação jurídica locatícia, na qual funcionalmente se inseririam e que visariam regular, numa relação de complementaridade com o negócio primitivo. Está antes em causa uma regulamentação inovadora da relação jurídica que diz respeito à própria existência ou subsistência dessa mesma relação jurídica, não concernindo apenas e tão somente à sua disciplina. Não pode, por isso, afirmar-se que, no segundo contrato de arrendamento, as partes, apesar de terem reformulado a disciplina contratual, mantiveram o primeiro contrato de arrendamento e, assim, a relação locatícia anterior, ainda que sujeita a regras diferentes.

23. As partes não salvaguardaram a subsistência de qualquer efeito do contrato anterior, pois que, apesar de o poderem fazer, ao abrigo do princípio da autonomia privada, não ressalvaram qualquer efeito já produzido – ou até a produzir – por esse contrato. Não se trata apenas de uma nova regulamentação contratual de uma relação locatícia anterior, mas antes da sua cessação e da constituição ex novo de outra relação locatícia cujo objeto integra o imóvel em apreço.

24. Levando em linha de conta as alterações substanciais introduzidas no novo contrato de arrendamento, ainda que as partes não tenham expressamente revogado, por mútuo consenso, o primeiro contrato, sempre se afiguraria bastante discutível concluir no sentido da continuidade da relação contratual anterior. É que, em geral, no silêncio das partes quanto à manutenção do contrato originário, no caso de as alterações não se limitarem a elementos acessórios, entende-se que as partes extinguiram o contrato primitivo e celebraram um novo contrato.

25. Compulsada a escritura dada como provada sob o n.º 4, verifica-se que as partes nada referem sobre o contrato de arrendamento anteriormente celebrado e que estabelecem integralmente as regras aplicáveis ao arrendamento que, conforme mencionado na sentença do Tribunal de 1.ª Instância, não são sequer coincidentes com aquelas adotadas no contrato de arrendamento anterior. Esta circunstância de facto, conduzindo à conclusão de que as partes quiseram celebrar um novo negócio jurídico, dotado de uma nova e diversa economia negocial e regulando de modo diferente os respetivos interesses (o que vai para além de uma simples vontade de alteração pontual de um contrato pré-existente), afigura-se, pois, incompatível com a subsistência do arrendamento anterior.

26. Para o “declaratário normal” (declaratário medianamente razoável), colocado na posição do “declaratário real” (segundo o critério do art. 236.º, n.º 1, do CC) – que é uma sociedade comercial – a cessação do contrato de arrendamento anterior resulta clara do texto da escritura referida. É esse o sentido que o destinatário médio – com as características específicas e do mesmo tipo do “destinatário real” - retiraria desse acordo.

27. Nas declarações formais, o resultado a que o intérprete chegar não pode valer com um sentido que não tenha um mínimo de ressonância no respetivo texto, ainda que imperfeitamente expresso. Com efeito, segundo o art. 238.º, n.º 1, do CC, o sentido da declaração formal, para valer, há-de ter um mínimo de correspondência “no texto do respectivo documento, ainda que imperfeitamente expresso”.

28. É esse o sentido que o intérprete pode atribuir ao acordo em apreço. O sentido da cessação do primeiro contrato de arrendamento funda-se nos factos reveladores ou envolventes do comportamento interpretando. Outro sentido radicaria “no alvedrio do intérprete, alçado a oráculo do sistema jurídico”. A inadmissibilidade de sentidos não fundamentados nos factos decorre, necessariamente, também da existência de um método de interpretação juridicamente devido (e que não se identifica com o arbítrio do intérprete) e da natureza quer da declaração (comportamento exteriorizador da vontade negocial) quer do sentido (valoração jurídica de um comportamento ou facto)[5].

29. Por sua vez, conforme resultou provado sob o n.º 5, a cláusula segunda do documento complementar refere que o contrato de arrendamento teria como data de início de vigência o dia 1 de janeiro de 1998. Daqui decorre, consequentemente, que o entendimento defendido pela Recorrente, de que as partes assumiram que a celebração do contrato de 1997 não consubstanciava mais do que uma mera alteração ao contrato pré-existente, não tem um mínimo de correspondência no texto do respetivo documento.

30. É certo que as partes não declararam expressamente revogar o contrato de arrendamento anteriormente celebrado. Contudo, a revogação de um acordo pode ser tácita quando se deduz de factos que com toda a probabilidade a revelem[6]: os factos concludentes em que assenta a declaração tácita não têm, necessariamente, de ser absolutamente inequívocos, sendo suficiente que permitam concluir com bastante segurança uma determinada vontade negocial.

31. Refira-se, ainda, nesta sede, que, a par dos elementos gramaticais ou literais mencionados supra, resultou ainda provado que a Requerida e a Requerente outorgaram, a 1 de fevereiro de 2017, uma “Adenda ao Contrato de Arrendamento para Fins Não Habitacionais celebrado em 19/12/1997”. Esta designação não parece deixar margem para dúvidas sobre a relação contratual que as partes tinham como referência.

32. Neste contexto, não pode sustentar-se, como faz a Recorrente, que as partes se basearam no pressuposto da existência e manutenção do contrato anterior, porquanto, na alteração ocorrida ulteriormente - em 2017 –, apenas é feita alusão expressa ao contrato celebrado em 1997. Esta referência mostra-se absolutamente fora do contexto negocial anterior (de 1989) e afasta, por si só, a interpretação segundo a qual o documento outorgado em 1997 constituiu apenas um mero aditamento ao contrato anterior.

33. Deste modo, levando em linha de conta a factualidade relevante dada como provada, segue-se de perto o juízo decisório formulado a este propósito no acórdão recorrido, que não viola as regras dos arts. 236.º 2 238.º do CC.

34. Soçobram, pois, as conclusões de recurso nesta parte.

Do regime aplicável à denúncia do contrato de arrendamento

1. Trata-se agora de saber se a denúncia efetuada pela senhoria nos termos do art. 1101.º, al, c), do CC (segundo o qual, na redação que lhe foi conferida pela Lei n.º 31/2012, tinha de ser feita com a antecedência não inferior a dois anos sobre a data que pretendia para a cessação), pode considerar-se válida e eficaz, ainda que no decurso desse prazo, e antes de o mesmo terminar, tenha entrado em vigor, a 13 de fevereiro de 2019, uma lei nova (Lei n.º 13/2019).

2. No seu recurso, a Recorrente conforma-se com a qualificação do negócio como contrato de arrendamento de duração indeterminada, não a pondo em causa, defendendo apenas a aplicação do novo regime previsto na Lei n.º 13/2019 ao prazo de antecedência da comunicação da denúncia sobre a data da cessação pretendida pelo senhorio.

3. A propósito da qualificação do contrato como de duração indeterminada, importa atender ao texto do contrato, que prevê que “o prazo do presente contrato é feito pelo prazo de um ano, tendo o seu início em um janeiro de mil novecentos e noventa e oito e termo a trinta e um de dezembro de mil novecentos e noventa e oito, supondo-se sucessiva e automaticamente renovado por períodos de um ano se a segunda outorgante não o denunciar, por carta registada e com aviso de receção, até noventa dias antes do termo do prazo ou do termo de qualquer uma das renovações.”.

4. O acórdão recorrido, a este respeito, respaldando-se na fundamentação exarada na sentença do Tribunal de 1.ª Instância – que cita -, salientou que “o facto de se estabelecer a possibilidade de denúncia apenas à inquilina é assaz sintomático de que as partes não quiseram sujeitar o contrato ao regime do contrato limitado. Outra explicação não se mostra plausível.”.

5. Subscrevemos idêntico entendimento, pelo que se concorda com a qualificação do contrato de arrendamento em apreço como contrato de duração indeterminada.

6. Com relevância para a determinação do regime legal aplicável à denúncia do contrato de arrendamento, foram dados como provados os seguintes factos:

10. Mediante carta registada, com aviso de receção, datada de 26 de junho de 2017, junta com o requerimento inicial como documento n.º 5 e cujo teor se dá aqui como reproduzido, a Requerente comunicou a sua intenção de se opor à renovação do referido contrato de arrendamento, com efeitos a partir de 31 de dezembro de 2019, tendo a requerida rececionado a carta a 29 de junho de 2017.

11.Por carta registada, com aviso de receção, datada de 16 de abril de 2019, enviada pela requerente à requerida aquela reiterou a sua intenção de se opor à renovação do contrato.”

7. Tendo o contrato de arrendamento comercial sub judice sido celebrado em 1997, depois da entrada em vigor do DL n.º 257/95 de 30-09, é-lhe aplicável o NRAU nos termos do disposto no art. 26.º, n.º 1, da Lei n.º 6/2006.

8. Assim, sendo um contrato de duração indeterminada, a denominada “denúncia livre” por iniciativa do senhorio rege-se pelo regime previsto no art. 1101.º, al. c), do CC, aplicável ex vi do art. 1110.º, n.º 1, do mesmo corpo de normas.

9. Ao tempo dessa comunicação, o art. 1101.º, n.º 1, al. c), do CC, na versão dada pela Lei n.º 31/2012, dispunha que “O senhorio pode denunciar o contrato de duração indeterminada nos casos seguintes: (…) al. c) Mediante comunicação ao arrendatário com antecedência não inferior a dois anos sobre a data em que pretenda a cessação.”

10. Entretanto, esse preceito legal foi alterado pela Lei n.º 13/2019, que entrou em vigor a 13 de fevereiro de 2019, passando a prever uma antecedência não inferior a cinco anos, ao invés do período de dois anos consagrado no regime antigo. Foi, assim, repristinado o regime que vigorava na redação inicial do NRAU aprovado pela Lei n.º 6/2006, de 27 de fevereiro, antes da entrada em vigor da Lei n.º 31/2012, sendo também repristinado o artigo 1104.º (que havia sido eliminado pela Lei n.º 31/2012), segundo o a denúncia prevista na alínea c) do artigo 1101.º deve ser confirmada, sob pena de ineficácia, por comunicação com a antecedência máxima de quinze meses e mínima de um ano relativamente à data da sua efetivação.

11. De acordo com a Recorrente, “se no decurso de um prazo ao abrigo de uma lei antiga e antes daquele terminar se iniciou a vigência de uma nova lei que o alargou, nos termos do disposto no artigo 297.º, n.º 2 do Código Civil será este novo prazo o aplicável, contando-se, todavia, o prazo entretanto já decorrido. Apenas com o decurso global do prazo o valor de um facto constitutivo de um direito se consolida na ordem jurídica.”.

12. Foi este também o entendimento propugnado pela sentença do Tribunal de 1.ª Instância, que, aplicando o disposto no art. 297.º, n.º 1, do CC, defendeu que “determinando a lei que o prazo mais longo é aplicável aos prazos que já estejam em curso, considerando que aquando da comunicação da oposição à renovação recepcionada em 29 de junho de 2017 estava em vigor o prazo de dois anos e antes daquela comunicação produzir efeitos o legislador veio a consagrar o prazo de cinco anos, tal prazo é aplicável ao caso dos autos, devendo contabilizar-se o prazo já decorrido até à alteração legislativa.”.         

13. Em sentido contrário, decidiu, porém, o Tribunal da Relação de Lisboa no acórdão recorrido, não considerando aplicável ao caso dos autos o disposto no art. 297.º do CC e entendendo que “quando a senhoria denunciou o contrato a lei exigia um prazo de 2 anos, prazo esse que ela cumpriu. Com a notificação ambas as partes ficaram com os seus direitos definidos: a senhoria reaveria o arrendado e consequentemente a inquilina teria que desocupá-lo findo o prazo dos 2 anos. As partes ficaram com esta expectativa consolidada nas respectivas esferas jurídicas. O artigo 12.° do Código Civil dispõe que "1. A lei só dispõe para o futuro; ainda que lhe seja atribuída eficácia retroactiva, presume-se que ficam ressalvados os efeitos já produzidos que a lei se destina a regular." Sabido que a lei nova só dispõe para o futuro e que Lei 13/2019, nada dispõe quanto a aplicação retroactiva quanto à nova versão da al c) do artigo 1101º do C. Civil, não concebemos que se possa vir a destruir as expectativas das partes que estavam consolidadas. Cremos que não é caso de se aplicar o art. 297.º do CC pois não estamos propriamente perante um prazo. Um prazo é a possibilidade de se fazer algo durante um determinado período de tempo, prazo esse que por força da lei nova pode vir a ser encurtado ou alargado. No caso presente não estava prazo nenhum em curso. A senhoria já tinha praticado o acto de denúncia e a inquilina já o tinha recepcionado. Entender-se de forma diferente é, no dizer da recorrente e que acompanhamos “violar de forma flagrante o princípio da igualdade prescrito no artigo 13.º da C. R. Portuguesa, e ainda os princípios da segurança jurídica e da proteção da confiança, integrantes do princípio do Estado de Direito Democrático contido no artigo 2.º da Constituição.”.

14. A Lei n.º 13/2019, no art. 14.º, estabelece algumas disposições transitórias que, todavia, não determinam qual das leis – a antiga (versão do art. 1101.º, al. c), do CC, na redação que lhe foi dada pela Lei n.º 31/2012) ou a nova (versão do art. 1101.º, al. c), do CC, na redação que lhe foi dada pela Lei n.º 13/2019)  – é aplicável a situações como aquela sub judice (disposição transitória de carácter formal), nem para essas situações consagram uma regulamentação própria, não coincidente nem com a lei antiga (versão do art. 1101.º, al. c), do CC, na redação que lhe foi dada pela Lei n.º 31/2012) nem com a lei nova (versão do art. 1101.º, al. c), do CC, na redação que lhe foi dada pela Lei n.º 13/2019) (disposição transitória de carácter material).

15. Vigora o princípio da não retroatividade da lei. Compete, inter alia, à jurisprudência, apurar um critério racional que permita delinear com clareza a linha de fronteira que separa o âmbito de competência da lei antiga do da lei nova. Está em causa um problema de definição do âmbito de aplicabilidade de cada uma das leis – a antiga e a nova -, e não diretamente um problema de aplicação de normas[7].

16. Assim,

Artigo 12.º

1. A lei só dispõe para o futuro; ainda que lhe seja atribuída eficácia retroactiva, presume-se que ficam ressalvados os efeitos já produzidos pelos factos que a lei se destina a regular.

2. Quando a lei dispõe sobre as condições de validade substancial ou formal de quaisquer factos ou sobre os seus efeitos, entende-se, em caso de dúvida, que só visa os factos novos; mas, quando dispuser directamente sobre o conteúdo de certas relações jurídicas, abstraindo dos factos que lhes deram origem, entender-se-á que a lei abrange as próprias relações já constituídas, que subsistam à data da sua entrada em vigor.

17. De acordo com o art. 12.º, n.º 1, a lei só dispõe para o futuro, quando lhe não seja atribuída eficácia retroativa pelo legislador. Mas mesmo quando o legislador confere eficácia retroativa à lei nova, presumem-se ressalvados os efeitos já produzidos pelos factos que a lei se destina a regular.

18. Por seu turno, o art. 12.º, n.º 2, distingue entre as leis ou normas que dispõem sobre os requisitos de validade – formal e substancial - de quaisquer factos jurídicos ou sobre os efeitos de quaisquer factos (1.ª parte) e aquelas que dispõem sobre o conteúdo de certas situações jurídicas e o modelam sem olhar aos factos que a tais situações deram origem (2.ª parte). Enquanto as primeiras apenas se aplicam a factos novos, as segundas aplicam-se a situações jurídicas constituídas antes da entrada em vigor da lei nova, mas que subsistem nessa data. Além disso, a lei nova pode regular o conteúdo das relações jurídicas atendendo aos factos que lhes deram origem, que é o que se verifica no domínio dos contratos, via de regra, quando as disposições da lei nova se revistam de natureza supletiva ou interpretativa[8] e, por isso, não se lhes aplicando.

19. O “estatuto do contrato” (da autonomia privada) é determinado perante a lei vigente ao tempo da sua celebração. Todavia, a lei nova que, inter alia, respeite à organização da economia ou vise a tutela da parte mais vulnerável, limita o domínio da autonomia da vontade e será de aplicação imediata[9]. A Lei n.º 13/2019, ao abrigo do art. 12.º, n.º 2, 2.ª parte, do CC, na medida em que as suas disposições se revistam de natureza imperativa, aplica-se às relações jurídico-arrendatícias que subsistam à data do seu início de vigência, porquanto dispõe sobre o seu conteúdo e o conforma abstraindo do facto que lhes deu origem.

20. É verdade que muitas das disposições contidas na lei nova (Lei n.º 13/2019), tendo em vista tutelar um interesse social particularmente imperioso (ordem pública económica de proteção), se revestem de natureza imperativa. Pode, por isso, dizer-se que dispõem sobre o conteúdo de situações jurídicas, como aquela em apreço, abstraindo do facto que a tais situações jurídicas deu origem[10], conforme o art. 12.º, n.º 2, 2.ª parte, do CC. Deste modo, sem suscitar grande dificuldade, o art. 1101.º, al. c), do CC, na redação atual, será aplicável à denúncia, efetuada pelo senhorio depois do início de vigência da Lei n.º 13/2019, dos contratos de arrendamento celebrados antes da sua entrada em vigor.

21. Não se afigurando objeto de querela a aplicação da lei nova (Lei n.º 13/2019) a contratos de arrendamento como aquele sub judice, importa determinar qual a lei aplicável (art. 1101.º, al c), na redação que lhe foi dada pela Lei n.º 12/2012 ou pela Lei 13/2019) à denúncia efetuada pela Autora por carta recebida pela Ré a 29 de junho de 2017, muito antes da entrada em vigor da lei nova, mas para produzir efeitos extintivos do contrato a 1 de janeiro de 2020, ou seja, alguns meses depois do início da vigência da lei nova (Lei n.º 13/2019).

22. A propósito de idêntica problemática, “se é certo reportarem-se as condições de exercício do direito de resolução ou de denúncia  ao conteúdo da relação jurídica existente, certo é também que as mesmas não podem ser abstraídas do contrato de arrendamento que está na sua génese, pelo que, afastada a regra estabelecida nº 2 do citado art. 12º, impõe-se, quanto a elas, observar o disposto no nº1 deste mesmo artigo, ressalvando-se, por isso, os efeitos já produzidos. Quer tudo isto dizer que, no tocante aos fundamentos de resolução e/ou de denúncia dos contratos de arrendamento para fins não habitacionais, de duração ilimitada e celebrados  antes do Decreto-Lei n.º 257/95, de 30 de Setembro, não se impõe a aplicabilidade imediata e retroativa do novo regime do NRAU, designadamente das normas transitórias constantes dos seus arts. 26º a 28º, havendo que ponderar a relevância dos factos apontados como causa da pretendida resolução ou da denúncia do contrato por parte do senhorio à luz das normas vigentes à data em que os mesmos ocorreram.”[11].

23. I. Um conflito de leis no tempo (art. 1101.º, al. c), do CC, na versão que lhe foi dada pela Lei n.º 31/2012, de 14 de agosto, ou naquela que lhe foi conferida pela Lei n.º 13/2019, de 12 de fevereiro) deve ser resolvido antes de se proceder à aplicação das normas aos factos da causa: o contrato de arrendamento foi celebrado a 8 de outubro de 1999, muito antes do início de vigência da lei nova, mas prolonga-se na sua vigência. II. Tratando-se de um contrato de duração indeterminada, a denominada “denúncia livre ou não vinculada” por iniciativa do senhorio rege-se pela disciplina consagrada no art. 1101.º, al. c), do CC. III. Para efeitos de determinação da lei aplicável à denúncia do contrato, afigura-se decisiva a data da sua comunicação pelo senhorio ao arrendatário. É o que resulta do art. 12.º, n.os 1 e 2, do CC, pois o facto que desencadeia o efeito extintivo do contrato de arrendamento não é o decurso do prazo de pré-aviso, mas antes a comunicação da denúncia pelo senhorio ao arrendatário.[12].

24. Sendo a declaração negocial de denúncia irrevogável depois de chegar ao poder do destinatário ou de ser dele conhecida, nos termos gerais (art. 230.º do CC), o contrato cessa após o decurso do período de pré-aviso. Este período serve para que o destinatário da declaração se possa precaver ou acautelar perante a extinção anunciada do vínculo contratual.

25. A denúncia é uma figura privativa dos contratos de execução duradoura (i.e., execução que se prolonga no tempo), como o contrato de arrendamento – que é também de execução continuada -, que se renovam por vontade (real ou presumida) das partes ou por determinação da lei, ou que foram celebrados por tempo indeterminado, visando satisfazer necessidades não transitórias das partes. O interesse das partes é dessa forma realizado. A denúncia consiste precisamente na declaração feita por uma das partes à outra, em regra com certa antecedência sobre o termo do período negocial em curso, de que não quer a renovação ou a continuação do contrato renovável ou fixado por tempo indeterminado. Permite, pois, fazer cessar unilateralmente um contrato de duração indeterminada, ou evitar a sua renovação automática. Extingue a relação obrigacional complexa derivada do contrato cuja renovação ou continuação impede. Denunciado o arrendamento, cessam, a partir do momento em que a declaração opera os seus efeitos, as obrigações, tanto do locador como do locatário[13]. Em síntese, uma das partes comunica à outra que deseja pôr termo ao contrato.

26. A relação contratual não pode, todavia, ser extinta ex abrupto, independentemente de um pré-aviso. A denúncia tem, pois, que ser tempestiva, por parte do senhorio, isto é, com observância do prazo não inferior àquele para o efeito legalmente previsto. A indicação da data concreta em que se extingue a relação contratual constitui apenas um efeito necessário dessa denúncia[14].

27. Não se aplica, in casu, o art. 297.º, n.º 2, do CC, porquanto não está em causa um prazo em curso aquando da entrada em vigor da lei nova. Com efeito, uma vez efetuada a comunicação pelo senhorio, não começa a correr qualquer prazo para que seja exercido um qualquer direito. O decurso global do prazo de dois anos não tem o valor de um facto extintivo (constitutivo ou modificativo) de uma situação jurídica, pois este já se encontra verificado aquando do início de vigência da lei nova (art. 1101.º, al. c), do CC, na redação que lhe foi dada pela Lei n.º 13/2019). A declaração de denúncia encontra-se, por conseguinte, abrangida pelo âmbito de competência ou de aplicabilidade da lei antiga (art. 1101.º, al, c), do CC, na redação que lhe foi conferida pela n.º Lei n.º 31/2012), porquanto é ela que determina a competência da lei aplicável. Não se consubstanciando o decurso do prazo de dois anos num facto extintivo (constitutivo ou modificativo) de uma situação jurídica, não releva o facto de ter volvido, total ou parcialmente, na vigência da lei nova (Lei n.º 13/2019). É um mero pressuposto que deve acrescer ao facto principal – a declaração de denúncia – para que este produza as respetivas consequências jurídicas. A antecedência – da comunicação ao arrendatário - não inferior a dois anos sobre a data em que o senhorio pretenda a cessação do contrato constitui um pressuposto do direito de denúncia, que se encontrava preenchido ao tempo em que aquele exerceu o seu direito de pôr termo ao contrato. Fonte de efeitos jurídicos é a declaração de denúncia e não o decurso do período de dois – ou de cinco – anos. Por isso, do exercício deste direito, pela Autora, resulta a cessação do contrato de arrendamento a 1 de janeiro de 2020. É como se o direito de denúncia estivesse sujeito a termo certo, ou o contrato passasse, a partir da comunicação da denúncia ao arrendatário, a estar a ele sujeito. De resto, também se poderia dizer que o pré-aviso não é condição de eficácia da denúncia, gerando apenas a somente obrigação de indemnizar, nos termos gerais, pelos danos causados pela sua inobservância.

28. A lei nova não se aplica a factos extintivos (constitutivos ou modificativos) de situações jurídicas – quando ela própria lhes reconhece esse valor extintivo (constitutivo ou modificativo) - verificados antes do seu início de vigência.

29. O facto que produz a denúncia do contrato e é, portanto, o facto extintivo do contrato de arrendamento, é a declaração de denúncia. A cessação do arrendamento é o efeito ou consequência da comunicação feita pelo senhorio ao arrendatário.

30. Assim, para efeitos de determinação da lei aplicável à denúncia do contrato, afigura-se decisiva a data da sua comunicação pelo senhorio ao arrendatário[15], o que, no caso dos autos, sucedeu a 26 de junho de 2017, antes da entrada em vigor da Lei 13/2019 (13 de fevereiro de 2019).

31. É o que resulta do art. 12.º, n.os 1 e 2, do CC, pois o facto que desencadeia o efeito extintivo do contrato de arrendamento não é o decurso do prazo de pré-aviso (de dois anos, conforme o art. 1101.º, al. c), na redação da Lei n.º 31/2012, ou de cinco anos, segundo o mesmo preceito, na redação que lhe foi dada pela Lei n.º 31/2019), mas antes, reitere-se, a comunicação da denúncia pelo senhorio ao arrendatário. Logo, não se traduzindo o decurso do prazo de pré-aviso num facto extintivo (constitutivo ou modificativo) de uma situação jurídica, afigura-se irrelevante saber se esse prazo ainda não se havia completado aquando do início de vigência da lei nova (13 de fevereiro de 2019).

32. Em síntese: sem prejuízo de se aplicar aos contratos de arrendamento, que subsistam à data da sua entrada em vigor, a Lei n.º 13/2019, de acordo com o art. 12.º, n.º 1 e n.º 2, 1.ª parte, assim como da 2.ª parte a contrario, não se aplica a factos extintivos (constitutivos ou modificativos) verificados antes do seu início de vigência, como é o caso da comunicação da denúncia do contrato pelo senhorio ao arrendatário. Quando a Lei n.º 13/2019 entrou em vigor, já se havia constituído na esfera jurídica do senhorio o direito de denúncia do contrato, e este já o tinha adequadamente exercido. A denúncia rege-se, pois, pela lei em vigor ao tempo da sua comunicação ao arrendatário (art. 1101.º, al. c), na redação da Lei n.º 31/2012). Portanto, o contrato de arrendamento cessa após o decurso do período de dois anos subsequente àquela comunicação. O art. 1101.º, al. c), na redação da Lei 13/2019, aplica-se, conforme referido supra, ao direito de denúncia, também de contratos anteriormente celebrados, que venha a ser exercido depois do seu início de vigência, mas não ao direito de denúncia exercido antes da sua entrada em vigor.

33. Conforme o acórdão recorrido, “quando a senhoria denunciou o contrato a lei exigia o prazo de 2 anos, prazo que ela cumpriu. Com a notificação, ambas as partes ficaram com os seus direitos definidos: a senhoria reaveria o arrendado e consequentemente a inquilina teria de desocupá-lo findo o prazo dos 2 anos.”.

34. Parece-nos que a fundamentação do acórdão recorrido não merece qualquer reparo.

35. A pretensão da Recorrente não poderá, pois, deixar de soçobrar também nesta parte.

IV - Decisão

 Nos termos expostos, acorda-se em julgar totalmente improcedente o recurso interposto por Gerex - Gabinete de Gestão Industrial e Comercial, Lda., confirmando-se o acórdão recorrido.

Custas pela Recorrente.


Lisboa, 30 de novembro de 2021.


Sumário: 1. De acordo com o art. 236.º, n.º 1, do CC; o sentido decisivo da declaração negocial é aquele que seria apreendido por um declaratário normal, ou seja, medianamente instruído e diligente, colocado na posição do declaratário real, perante o comportamento do declarante. 2. O art. 238.º, n.º 1, do CC, estabelece que o sentido correspondente à impressão do destinatário não pode valer se não tiver um mínimo de correspondência, ainda que imperfeita, no texto do respetivo documento. 3. Apesar de as partes não revogarem expressamente o contrato de arrendamento anteriormente celebrado, a sua revogação tácita pode deduzir-se de factos que com toda a probabilidade a revelem. 4. A Lei n.º 13/2019, ao abrigo do art. 12.º, n.º 2, 2.ª parte, do CC, na medida em que as suas disposições se revistam de natureza imperativa, aplica-se às relações jurídico-arrendatícias que subsistam à data do seu início de vigência, porquanto dispõe sobre o seu conteúdo e o conforma abstraindo do facto que lhes deu origem. 5. O art. 297.º, n.º 2, do CC, não se aplica ao prazo de antecedência da comunicação da denúncia efetuada antes da entrada em vigor a Lei n.º 13/2019. Uma vez efetuada a comunicação pelo senhorio, não começa a correr qualquer prazo para que seja exercido um qualquer direito. 6. O decurso global do prazo de antecedência da comunicação de denúncia não tem o valor de um facto extintivo (constitutivo ou modificativo) de uma situação jurídica, pois este já se encontra verificado aquando do início de vigência da lei nova (art. 1101.º, al. c), do CC, na redação que lhe foi dada pela Lei n.º 13/2019). 7. A declaração de denúncia encontra-se, por conseguinte, abrangida pelo âmbito de competência ou de aplicabilidade da lei antiga (art. 1101.º, al, c), do CC, na redação que lhe foi conferida pela n.º Lei n.º 31/2012), porquanto é ela que determina a competência da lei aplicável. 8. Para efeitos de determinação da lei aplicável à denúncia do contrato, afigura-se decisiva a data da sua comunicação pelo senhorio ao arrendatário.


Maria João Vaz Tomé (relatora)

António Magalhães

Fernando Jorge Dias

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[1] Cf. acórdão do Supremo Tribunal de 28 de outubro de 2021 (Rosa Tching), proc. n.º 1778/15.2T8CSC.L1.S1 (“a dupla conforme entre as decisões das instâncias, como circunstância de irrecorribilidade de revista, afere-se em função da decisão final e não em função de partes da fundamentação da decisão ou de questões por ela apreciadas.”) – disponível para consulta in www.dgsi.pt.
[2] Cf. acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 4 de maio de 2010 (Alves Velho), proc. n.º 2066/04.5TJVNF.P1.S1.
[3] Cf.  MARIA RAQUEL ALEIXO ANTUNES REI, Da interpretação da declaração negocial no Direito Civil Português, pp.135-137 – disponível para consulta in https://repositorio.ul.pt/bitstream/10451/4424/1/ulsd61308_td_Maria_Rei.pdf.
[4] Cf.  MARIA RAQUEL ALEIXO ANTUNES REI, Da interpretação da declaração negocial no Direito Civil Português, pp.224, 230 – disponível para consulta in https://repositorio.ul.pt/bitstream/10451/4424/1/ulsd61308_td_Maria_Rei.pdf.
[5] Cf.  MARIA RAQUEL ALEIXO ANTUNES REI, Da interpretação da declaração negocial no Direito Civil Português, p.119 – disponível para consulta in https://repositorio.ul.pt/bitstream/10451/4424/1/ulsd61308_td_Maria_Rei.pdf.
[6] Cf. acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 9 de dezembro de 2004 (Luís Fonseca), proc. n.º 04B3693.
[7] Cf. João Baptista Machado, Introdução ao Direito e ao Discurso Legitimador, Coimbra, Almedina, 1987, p.231.
[8] Cf. João Baptista Machado, Introdução ao Direito e ao Discurso Legitimador, Coimbra, Almedina, 1987, p.233.
[9] Cf. João Baptista Machado, Introdução ao Direito e ao Discurso Legitimador, Coimbra, Almedina, 1987, p.241.
[10] Cf. João Baptista Machado, Introdução ao Direito e ao Discurso Legitimador, Coimbra, Almedina, 1987, pp.240-241. Segundo o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 23 de maio de 2002 (Ferreira de Almeida), proc. n.º 1308/02 - disponível para consulta in www.dgsi.pt, “as leis relativas às relações jurídicas de arrendamento ou locatícias são, em princípio, de aplicação imediata às relações já constituídas, por visarem, não propriamente o «estatuto contratual» das partes, mas antes o respectivo «estatuto legal», atingindo-as, desse modo, não tanto como partes contratantes, mas enquanto sujeitos de direito entre si ligados por um particular e específico vínculo contratual (…) as normas relativas ao inquilinato e arrendamento, reportam-se à estruturação básica do sistema jurídico e da ordem social, e consequentemente, ao estatuto fundamental das pessoas e das coisas, e que, por isso, são de interesse geral, exigindo a aplicação imediata da lei nova, dado que este tipo de relações se autonomiza, atento o seu estatuto legal, do seu acto criador, conforme resulta da 2ª parte do n° 2 do artº 12° do C. Civil. Isto sendo sabido que o sistema de regulamentação do arrendamento de prédios urbanos, é entre nós e desde o Decreto de 12-11-1910, marcado por um acentuado carácter de ordem pública, consubstanciado em severas limitações à liberdade contratual e por uma forte incidência de motivações de cariz político-social”. Por seu turno, de acordo com Maria Olinda Garcia, “Alterações em matéria de Arrendamento Urbano introduzidas pela Lei n.º 12/2019 e pela Lei n.º 13/2019”, in Julgar Online, março de 2019, p.8, “no que respeita à aplicação da lei no tempo, tais alterações aplicam-se não só aos contratos futuros, mas também aos contratos em curso, como decorre da regra geral do artigo 12.º, n.º 2, do Código Civil. Acresce que o legislador esclareceu expressamente que algumas alterações têm aplicação mesmo a situações constituídas antes da entrada em vigor da presente lei (artigo 14.º). Assim acontece quanto à forma do contrato, prevista no n.º 2 do artigo 1096.º, e quanto ao disposto no artigo 1041.º.” Por sua vez, Jéssica Rodrigues Ferreira, “Análise das principais alterações introduzidas pela Lei n.º 13/2019, de 12 de fevereiro, aos regimes da denúncia e oposição à renovação dos contratos de arrendamento urbano para fins não habitacionais”, in Revista Electrónica de Direito, fevereiro 2020, n.º 1, vol. 21, afirma o seguinte: “Parece-nos que, regra geral, as normas imperativas previstas na Lei 13/2019 se aplicam não apenas aos contratos futuros, mas também aos contratos celebrados em data anterior à entrada em vigor da lei, nos termos da regra geral sobre aplicação da lei no tempo prevista no n.º 2 do art. 12.º, na medida em que tais normas contendem com o conteúdo de relações jurídicas abstraindo dos factos que lhes deram origem”.
[11] Cf. acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 21 de fevereiro de 2019 (Rosa Tching), proc. n.º 750/13.1YXLSB.L1.S2 – disponível para consulta in www.dgsi.pt
[12] Cf. acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 23 de março de 2021 (Maria João Vaz Tomé), proc. n.º 6208/19.8T8PRT.P1.S1 – disponível para consulta in www.dgsi.pt.
[13] Cf. João de Matos Antunes Varela, Das obrigações em geral, vol. II, Coimbra, Almedina, 1997, pp.280-281.
[14] Cf. Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 23 de abril de 2002 (Ferreira Ramos), proc. n.º 4298/01 - disponível para consulta in www.dgsi.pt; de 15 de fevereiro de 2018 (João Camilo), proc. n.º 7086/15.1TBALM.L1.S1 – não disponível para consulta.
[15] Cf. Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 23 de maio de 2002 (Ferreira de Almeida), proc. n.º 1308/02) – disponível para consulta in www.dgsi.pt, segundo o qual “no que tange especificamente aos pressupostos legais da efectivação da denúncia do contrato de arrendamento pelo senhorio, não é aplicável a lei vigente ao tempo da celebração do contrato, mas sim, e em princípio, a lei vigente ao tempo em que é operada a declaração de denúncia do contrato.”; de 14-10-2008 (Cardoso de Albuquerque), proc. n.º 2234/08 – não se encontra disponível para consulta, conforme o qual “Tendo a denúncia operada pela recorrente ocorrido ainda na vigência do RAU, em nada releva que a presente acção tenha dado entrada já durante a vigência do NRAU, pois o que se está a discutir são os efeitos de um direito que à data em que foi exercido pela 1.ª R. ainda não lhe assistia, ou seja, o de denunciar aquele contrato com base na nova redacção do art. 1098.º, n.º 2, do CC. Ora, não se aplicando este novo regime, segue-se que é pelas normas aplicáveis do RA U que se deve reger a denúncia operada.”; de 21 de fevereiro de 2019 (Rosa Tching), proc. .º 750/13.1YXLSB.L1.S2 - disponível para consulta in www.dgsi.pt, de acordo com o qual “se é certo reportarem-se as condições de exercício do direito de resolução ou de denúncia  ao conteúdo da relação jurídica existente, certo é também que as mesmas não podem ser abstraídas do contrato de arrendamento que está na sua génese, pelo que, afastada a regra estabelecida nº 2 do citado art. 12º, impõe-se, quanto a elas, observar o disposto no nº1 deste mesmo artigo, ressalvando-se, por isso, os efeitos já produzidos Quer tudo isto dizer que, no tocante aos fundamentos de resolução e/ou de denúncia dos contratos de arrendamento para fins não habitacionais, de duração ilimitada e celebrados  antes do Decreto-Lei n.º 257/95, de 30 de Setembro, não se impõe a aplicabilidade imediata e retroativa do novo regime do NRAU, designadamente das normas transitórias constantes dos seus arts. 26º a 28º, havendo que ponderar a relevância dos factos apontados como causa da pretendida resolução ou da denúncia do contrato por parte do senhorio à luz das normas vigentes à data em que os mesmos ocorreram.”