PODERES DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA
PODERES DA RELAÇÃO
MODIFICABILIDADE DA DECISÃO DE FACTO
PRESUNÇÕES JUDICIAIS
LIVRE APRECIAÇÃO DA PROVA
PROVA VINCULADA
ÓNUS DA PROVA
AÇÃO DE SIMPLES APRECIAÇÃO
PRESSUPOSTOS
HERDEIRO
FIDEICOMISSO
Sumário


I – Está vedado ao Supremo Tribunal de Justiça sindicar o uso ou o não uso, pelas instâncias, de presunções judiciais, visto a sua competência, afora as situações de controlo de prova tabelada, se restringir a aplicar definitivamente o regime jurídico que julgue adequado aos factos fixados.
II – O tribunal recorrido ao invalidar as presunções judiciais usadas pelo tribunal de 1.ª instância, para dar como provados factos relativos ao património do de cujus, não violou prova vinculada, nem regras básicas de lógica, tendo atuado ao abrigo do princípio da livre apreciação da prova, nada havendo a censurar a este respeito.
III – Peticionando-se, no âmbito de ação de simples apreciação negativa, que se declare que o autor de deixa fideicomissária não deixou quaisquer valores monetários, papéis de crédito e aplicações financeiras e que os réus não são herdeiros fideicomissários do dinheiro, aplicações financeiras e papéis de crédito constantes ou associados a contas tituladas pela autora, àqueles incumbe o ónus de prova dos factos constitutivos do direito conflituante que se arrogam.

Texto Integral

            Acordam na 1ª. Secção do Supremo Tribunal de Justiça


 I – Relatório

 1. AA intentou ação declarativa, com processo comum, contra BB e CC, pedindo:           

a) se declare que entre os bens e direitos que integravam o acervo hereditário deixado por DD, cidadão alemão residente e falecido em Portugal no dia 14-02-2002, não figuravam quaisquer valores monetários, quaisquer aplicações financeiras de que espécie fossem, nem papéis de crédito de qualquer tipo;

b) se declare que os réus não são titulares do direito, que se arrogam, de serem herdeiros fideicomissários do dinheiro, aplicações financeiras e papéis de crédito depositados e constituídos pela autora em quaisquer bancos, tanto em Portugal como no estrangeiro.


  Para o efeito a A. alega ser viúva do falecido e que conjuntamente com este anularam, a 15-01-1991, contratos de sucessão anteriormente celebrados e os filhos deste renunciaram, a 09-11-1987, simultaneamente, para os próprios e seus descendentes, aos seus direitos sucessórios como herdeiros legitimários de seu pai; a 24-06-1998, em ..., o marido da autora outorgou testamento, no qual, além do mais:

a) nomeou a autora sua única herdeira fiduciária liberta de todas as limitações e obrigações que constam do § 2136 do Código Civil alemão;

b) nomeou o seu filho EE, pai dos réus, seu herdeiro fideicomissário;

c) nomeou herdeiros substitutos sucedâneos os descendentes do seu filho EE. Mais alega que este herdeiro fideicomissário, morreu a 07-08-2013, deixando dois filhos, os ora réus e que entre os bens e direitos deixados por DD e sujeitos às regras – do direito alemão – da substituição fideicomissária, não figuravam quaisquer valores monetários, aplicações financeiras, nem papéis de crédito, que os RR. alegam estarem integrados na deixa testamentária.


  Citados, os réus contestaram, sustentando que pertencem à herança as verbas que integram as três contas de depósito bancário que identificam, no Millennium BCP e no Deutsche Bank AG – Sucursal em Portugal, bem como todos os valores, instrumentos e aplicações financeiros e carteiras de títulos associados às mesmas e os valores, títulos e aplicações financeiras que integram o Fundo fiduciário denominado “Trust Gaudi”, na instituição bancária suíça denominada UBS.

  Mais alegam que todo o acervo patrimonial de que a autora usufruiu durante o casamento pertencia ao seu marido, integrando assim a sua herança, além de outros bens, todos valores monetários, instrumentos, aplicações financeiras e carteiras de títulos que existiam à data da morte de DD.

   Por último alegam que a autora tem 98 anos de idade e há muito perdeu a sua autonomia, estando muito fragilizada e sofrendo de demência senil, ouvindo muito mal e tendo a sua capacidade de visão muito reduzida, estando pendente ação de inabilitação requerida pelo Ministério Público.

  Deduziram ainda reconvenção contra a autora, pedindo que se declare que integram o acervo hereditário deixado por óbito de DD, avô dos réus e marido da autora, todos os bens do falecido, não excluídos no respetivo testamento, existentes à data da sua morte, designadamente os valores monetários, as aplicações financeiras, sejam de que espécie forem e os papéis de crédito de qualquer tipo, concretamente os saldos das três contas de depósito bancário que identificam, do Millennium BCP e do Deutsche Bank AG – Sucursal em Portugal, e todos os valores, instrumentos e aplicações financeiros e carteiras de títulos associados às mesmas, bem como os valores, títulos e aplicações financeiras que integram o Fundo fiduciário denominado “Trust Gaudi”, na instituição bancária suíça denominada UBS, S.A..


  Notificada da contestação/reconvenção, a autora apresentou réplica, na qual se pronuncia no sentido da inadmissibilidade da reconvenção e se defende por impugnação. 


  Os réus vieram ainda aos autos requerer a ampliação do pedido reconvencional, formulando, em aditamento aos pedidos já deduzidos, o seguinte pedido:

“e) a A./reconvinda seja condenada a reconhecer que integram o acervo hereditário deixado por DD, todos os bens do testador – não excluídos no respectivo testamento - existentes à hora da sua morte, designadamente, os valores monetários, as aplicações financeiras, sejam de que espécie forem e os papéis de crédito de qualquer tipo: concretamente,

- O saldo da conta de depósito bancário com o NIB ...687, no Millennium BCP e todos valores, instrumentos e aplicações financeiros e carteiras de títulos associados à mesma;

- O saldo da conta de depósito bancário com o NIB ...605, no Millennium BCP e todos valores, instrumentos e aplicações financeiros e carteiras de títulos associados à mesma;

- O saldo da conta de depósito bancário com o NIB ...959, no Deutsche Bank AG - Sucursal em Portugal e todos valores, instrumentos e aplicações financeiros e carteiras de títulos associados à mesma; e

- Os valores, títulos e aplicações financeiras que integram o Fundo fiduciário denominado “Trust Gaudi”, na instituição bancária suíça denominada UBS, S.A, na ..., ... ..., Suíça”.


 2. Por despacho de 13-02-2015, foi admitido o pedido reconvencional formulado pelos réus e fixado o valor à causa e, por despacho de 09-04-2015, foi admitida a ampliação do pedido reconvencional requerida pelos reconvintes.


 3. Realizada audiência prévia, foi proferido despacho saneador, no âmbito do qual se julgou a reconvenção improcedente e se absolveu a reconvinda do pedido reconvencional, após o que se identificou o objeto do litígio e se procedeu à enunciação dos temas da prova.


4. Os réus/reconvintes interpuseram recurso de apelação da decisão que julgou improcedente o pedido reconvencional e por acórdão proferido no apenso B, foi julgada procedente a apelação, determinando-se o prosseguimento da instância reconvencional.

 

 5. Foi realizada nova audiência prévia, na qual se procedeu à reformulação do despacho que identificou o objeto do litígio e enunciou os temas da prova, com vista à apreciação do mérito do pedido reconvencional.

 

 6. Foi realizada a audiência final, sendo proferida sentença que julgou “improcedente a ação e parcialmente procedente a reconvenção, em consequência do que:

a) declaro que, entre os bens e direitos que integram o acervo hereditário deixado por óbito de DD, falecido a 14-02-2002, existem valores monetários, aplicações financeiras e papéis de crédito, pertencendo à herança, designadamente:

- parte do saldo das contas de depósito bancário com o NIB ...687 no Millennium BCP, com o NIB ...605 no Millennium BCP e com o NIB ...959 no Deutsche Bank AG - Sucursal em Portugal e dos valores, instrumentos e aplicações financeiros e carteiras de títulos associados às mesmas;

- parte dos valores, títulos e aplicações financeiras que integram o fundo fiduciário denominado “Trust Gaudi”, na instituição bancária UBS, S.A.;

b) nada mais havendo a declarar, improcede o peticionado pela autora e o demais peticionado pelos reconvintes»


 6. Não conformada com esta decisão, interpôs a autora recurso de apelação, tendo o Tribunal da Relação decidido o seguinte:

 «Pelo exposto, acordam os Juízes desta relação em julgar procedente a apelação interposta pela A. e improcedente a apelação interposta pelos RR., pelo que revogam a decisão recorrida, substituindo-a pela seguinte:

a) declara-se que entre os bens e direitos que integravam o acervo hereditário deixado por DD, cidadão ... residente e falecido em Portugal no dia 14-02-2002, não figuravam quaisquer valores monetários, quaisquer aplicações financeiras de que espécie fossem, nem papéis de crédito de qualquer tipo;

b) declara-se que os réus não são titulares do direito, que se arrogam, de serem herdeiros fideicomissários do dinheiro, aplicações financeiras e papéis de crédito depositados e constituídos pela autora em quaisquer bancos, tanto em Portugal como no estrangeiro;

c)julga-se improcedente o pedido reconvencional».


7. Inconformados os réus interpõem recurso de revista no qual formulam as seguintes conclusões:

«I – ENQUADRAMENTO

1. Vem o presente recurso do douto acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 25 de Fevereiro de 2021, que julgou “procedente a apelação interposta pela A. e improcedente a apelação interposta pelos RR., pelo que, revogou a decisão recorrida, substituindo-a…”.

2. Porque entendeu que os R.R. reconvintes não lograram provar que o falecido DD deixou valores monetários, instrumentos e aplicações financeiras e carteiras de títulos e que da herança deixada pelo mesmo faziam parte bens depositados em contas tituladas pela A. reconvinda, em Portugal ou no estrangeiro.

3. Dado que os “factos constitutivos do direito dos RR. e ao mesmo tempo impeditivos do direito que a A. pretendia ver declarado, não podem ser objecto de presunção e genérica, por não assentar em qualquer premissa fáctica”. “A existência de bens integrados na deixa fideicomissária, não pode resultar de presunção judicial” e “os RR. não efectuaram a prova que lhes cabia e ao tribunal está vedado suprir a ausência de prova por recurso a presunções judiciais, que nesta medida são ilegais.”

4. Em síntese, o douto acórdão recorrido entendeu que os factos que aos R.R. cabia provar não podiam ser objecto de presunção e, partindo desta premissa, desconstruiu as presunções alcançadas em 1ª Instância e, consequentemente, julgou procedente a apelação da A. e improcedente a apelação dos R.R.

II – FUNDAMENTO DA REVISTA

5. Na presente Revista Está em causa “erro na apreciação da prova” resultante de “ofensa de uma disposição expressa da lei que exija certa espécie de prova para a existência do facto”, o que constitui “errada aplicação da lei do processo”

6. Trata-se de submeter à apreciação do Venerando Supremo Tribunal de Justiça a questão de saber se a “inutilização” operada pelo Venerando Tribunal a quo das presunções judiciais alcançadas em 1ª Instância violou ou fez errada aplicação de alguma norma adjectiva ou “carece de coerência lógica”.

7. Face ao disposto nos nºs. 1, al. b) e 3 do art. 674º do Código de Processo Civil, é pacífico que a questão da utilização das presunções judiciais pode ser apreciada pelo Supremo Tribunal de Justiça, se o acórdão do Tribunal da Relação violar norma processual, carecer de coerência lógica ou se partir de factos não provados ou, inversamente, desconsiderar factos provados. (cfr., por todos, o Ac. do S.T.J. (Proc. 2350/17.8T8PRT.P1.S1) de 24-11-2020, disponível em: http://www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/9437b8fccf93c27f8025863e003f63a9?Op enDocument)

8. Logo, a presente revista tem pleno fundamento legal.

III – O OBJECTO DO RECURSO

9. O que se põe em crise com o presente recurso é o entendimento do douto acórdão recorrido, na parte em que o mesmo considerou que certos factos que foram considerados provados pelo Tribunal de 1ª Instância com recurso a presunções, não o deveriam ter sido - por ilegalidade ou inadmissibilidade de prova por presunção - e, consequentemente, eliminando as presunções obtidas em 1ª Instância, julgou tais factos como não provados.

10. Trata-se dos seguintes factos:“ae) Pertence à herança aberta por óbito de DD, pelo menos, parte do dinheiro depositado nas contas referidas em i), ii) e iii) da alínea x), bem como dos valores, instrumentos e aplicações financeiros e carteiras de títulos associados às mesmas”; “af) Pertence à herança aberta por óbito de DD, pelo menos, parte dos valores, títulos e aplicações financeiras que integram o Fundo fiduciário referido em z); “ag) Pertence à herança aberta por óbito de DD, pelo menos, parte do dinheiro transferido, nos termos referidos na alínea l) ; “ah) À data da sua morte, DD tinha valores monetários, instrumentos, aplicações financeiras e carteiras de títulos”; e “ai) (ex aj)) Pertence à herança aberta por óbito de DD, pelo menos, parte das quantias transferidas pela autora para as contas referidas em ii) e iii) da alínea x).

11. Resulta dos pedidos da acção, pedido reconvencional e “questões a decidir” na apelação, que, nos presentes autos, as únicas contas de depósito bancário que estão em causa são contas tituladas em nome da A., concretamente as que constam de i), ii) e iii) da alínea x) dos Factos Provados, não estando em causa contas tituladas pelo falecido marido da A., DD.

12. Tratando-se apenas de averiguar se a propriedade dos valores depositados nas referidas contas tituladas em nome da A. era desta ou da herança de DD.

13. A prova de que pertenciam ao marido da A. os valores depositados nas contas tituladas por esta à data da morte do seu marido podia, legalmente, resultar de prova testemunhal, logo também podia ser alcançada por presunção judicial (art. 351º do C.C.).

14. No entanto, entendeu o douto acórdão recorrido que a prova de tal facto não podia ser alcançada por presunção, o que viola frontalmente a lei adjectiva.

15. Em 1ª Instância tal facto foi, e bem, considerado provado pelas razões expostas na douta sentença – que aqui se dão por reproduzidas -, com fundamento quer nos factos que demonstram a situação patrimonial da A., quer na prova testemunhal e documental produzida.

16. De resto, constam dos autos recibos assinados pela própria A. (fls. 656 a 663), na qualidade de Cabeça de Casal da herança aberta por óbito do seu marido, DD, dos quais resulta que a A. recebeu os respectivos montantes para a Herança, num total superior a €230.000,00, existindo também prova testemunhal que, como se afirma na douta sentença que: DD desenvolveu nos últimos anos da sua vida negócios imobiliários (…) tendo auferido desde 1990 montante superior a €1.000.000,00.

17. O que, só por si, permite concluir - com segurança, como é afirmado na douta sentença - que DD era titular de valores monetários à data da sua morte.

18. O douto acórdão recorrido, faz também referência a um “seguro de vida pessoal e intransmissível” e a uma conta bancária com o NIB ...600, que a A. veio invocar pela primeira vez nas suas alegações da apelação; conta que não foi considerada na douta sentença recorrida, dado que, à data em que foi proposta a presente acção, tal conta já tinha sido encerrada há 12 anos.

19. Porém, tais contas e seguro, mesmo quando eventualmente existissem, nunca seriam incompatíveis com o facto considerado provado na alínea ah), ou seja, que “à data da sua morte, DD tinha valores monetários, instrumentos, aplicações financeiras e carteiras de títulos”. Os factos das alíneas ah) ae), ag) e aj) (no acórdão ai)

20. Além dos factos provados nas alíneas s), t), u), ab), ac) e ad) dos Factos Provados, está também demonstrado nos autos que integram a herança deixada por DD 28 imóveis. (cfr. alíneas o) e p)), no valor de vários milhões de euros.

21. À data do óbito de DD, a lei presumia que, além de todos os bens encontrados na sua residência, por ser titular de bens imóveis, lhe pertenciam também valores monetários e outros bens móveis de valor correspondente a 15% do valor dos restantes bens discriminados na relação de bens (cfr. art. 26º do, então vigente, Código do Imposto Municipal da Sisa e do Imposto sobre Sucessões e doações).

22. No entanto, a inversão do ónus da prova prevista no art. 344º do C.C. não foi aplicada pelo douto acórdão recorrido, apesar da presunção legal de que constituem objecto da sucessão todos os bens, sejam de que natureza forem, móveis e imóveis, pertencentes ao de cuius.

23. Além disso, os referidos factos relativos à situação patrimonial da A. foram ponderados, como resulta da douta sentença, com os factos relativos à morte de DD, à abertura de uma das contas na data do falecimento do seu marido, bem como com as informações bancárias constantes de fls. 715 e seguintes, relativas à data da abertura da conta referida em i) da alínea x) de 3.1.1. - das quais se extrai que tal conta do ... foi aberta em 01-09-1987, como tal no decurso do matrimónio da autora, cerca de 15 anos antes do falecimento de seu marido -, com o facto julgado provado sob a alínea l) de 3.1.1, relativo à transferência pela autora de parte do dinheiro depositado no B... para o ..., e com as informações prestadas por este último banco (fls. 686-690, 755-782 e 793-820) - dos quais decorre a existência de verbas depositadas no ... provenientes da transferência pela autora de dinheiro anteriormente depositado no B... “.

24. O que, segundo a mesma sentença, “Analisado à luz das regras de experiência comum e dos princípios da lógica, o mencionado acervo factual, julgado provado, indicia a pertença à herança de, pelo menos, parte do dinheiro e demais valores indicados nas alíneas ae), ag) e aj) de 3.1.1.. “

25. Além destes factos, foi igualmente ponderado, como decorre da sentença “o facto julgado provado na alínea ah) “do qual decorre que DD era, então, titular de valores monetários, instrumentos, aplicações financeiras e carteiras de títulos”.

26. Os factos que resultam da alegada segunda presunção não foram alcançados apenas a partir do facto indiciário da alínea ah), o qual, por sua vez, não foi alcançada por presunção, mas sim, por prova testemunhal e documental, como antes se expôs.

27. Mas, mesmo que se entendesse que a prova do facto da alínea ah) fora alcançada por presunção, a lei não impede que a partir dele se alcancem novos factos presumidos (cfr. “Prova por Presunção no Direito Civil” do Dr. Luís Filipe Pires de Sousa, cap. 4., págs. 14 e segs. - transcrição no corpo da presente alegação).

28. Nada impedia, portanto, a Mmª. Juiz de 1ª Instância de considerar provados os factos das alíneas ae), ag) e ai) (ex aj)) por meio de presunções, as quais são absolutamente legais, ao contrário do que sustenta o Venerando Tribunal a quo.

29. Também, ao contrário do que é entendido no douto acórdão recorrido, carece em absoluto de lógica que a A., apesar de não ter rendimentos, nem fortuna pessoal nem ter recebido qualquer herança; dispondo, apenas, de uma modesta pensão de velhice, tenha logrado amealhar e poupar vários milhões de euros durante o seu casamento (entre 1979 e 2002).

30. Os factos base ou indiciários que permitiram presumir que o dinheiro pertencia ao de cuius foram provados por testemunhas e por documentos, sendo, por isso, legal alcançar o indicado facto por presunção.

Quanto ao facto da alínea af), que é o seguinte:

31.“af) Pertence à herança aberta por óbito de DD, pelo menos, parte dos valores, títulos e aplicações financeiras que integram o Fundo fiduciário referido em z).”

32. DD é não só instituidor do ... como também beneficiário (beneficial owner) do mesmo ....

33. Ao contrário do que é entendido no douto acórdão recorrido, o certo é que a prova de que, pelo menos, parte dos valores que integram o Fundo pertence à herança é alcançável por presunção, dado que os factos indiciários de que a mesma partiu foram provados por testemunhas e por documentos, designadamente os documentos de fls. fls. 904 a 923, com tradução a fls. 928 a 930.

34. Destes documentos resulta que o falecido DD foi settlor (fundador) do ... - o que significa que transferiu bens e valores da sua propriedade para o ... - e era beneficiário do mesmo ..., o que significa ser proprietário do património que integra o ....

35. Assim, é óbvio que o facto de o fundo fiduciário “...” ser um fundo irrevogável não significa que o património afectado ao Fundo tenha passado a pertencer ao mesmo.

36. De resto, o simples facto de existirem beneficiários (beneficial owners) do ... revela que o respectivo fundador não transmitiu para o Fundo a propriedade do acervo inicial afectado à constituição do mesmo.

37. Logo, os valores patrimoniais que integravam o Trust, na data da morte de JJ, não podem deixar de ser considerados pertencentes ao de cuius, designadamente, para o efeito de se considerar provado que o de cuius deixou valores monetários e aplicações financeiras, devendo, além disso, manter-se como provada também a matéria da alínea af).

38. Ao considerar que as presunções alcançadas pelo Tribunal de 1.ª Instância eram ilegais ou inadmissíveis, o Venerando Tribunal a quo fez, com o devido respeito e salvo melhor opinião, uma errada interpretação das normas relativas à prova, designadamente do disposto nos artigos 344º, 349º e 351º do Código Civil.

39. A correcta interpretação das referidas normas imporia que o Venerando Tribunal a quo confirmasse a prova por presunção alcançada em 1ª Instância, com a confirmação dos factos das alíneas ah) ae), af) ag) e aj) (no acórdão ai) como provados, com a consequente confirmação da sentença.

40. Fundamento específico da recorribilidade: acórdão do Venerando Tribunal da Relação de ... - proferido sobre decisão da 1ª Instância que conheceu do mérito da causa - que fez “errada interpretação da lei de processo”, “com ofensa de uma disposição expressa de lei que exija certa espécie de prova para a existência do facto ou que fixe a força de determinado meio de prova”

Nestes termos e nos mais de direito, que Vossas Excelências doutamente se dignarão suprir, deverá a presente Revista ser julgada integralmente procedente e, consequentemente,

a) Ser o douto acórdão recorrido revogado e substituída por outro que declare que as presunções alcançadas em 1ª Instância são conformes à lei, devendo, por isso ser considerados como provados todos os factos que, na sentença, foram alcançados através de presunções judiciais.

b) E, consequentemente, confirme, a douta sentença de 1ª Instância, julgando improcedente a apelação da A.

c) Mais requerem que, com expressa definição do regime jurídico aplicável, seja ordenada a remessa dos autos ao Venerando Tribunal a quo para julgamento da apelação dos R.R., cuja apreciação ficou prejudicada em virtude de ter sido julgada procedente a apelação da A.

d) Tudo, com as inerentes consequências legais».


8. A autora apresentou contra-alegações nas quais pugna pela manutenção do decidido.


 9. Sabido que, ressalvadas as questões de conhecimento oficioso, o objeto do recurso se delimita pelas conclusões do recorrente, a questão a decidir é a de saber se o Tribunal da Relação, ao modificar a matéria de facto fixada pelo tribunal de 1.ª instância, invalidando as presunções judiciais usadas pelo 1.º grau, atuou dentro dos limites dos seus poderes-deveres.

           

   II – Fundamentação

      A - Os factos

 O Tribunal da Relação, após o exercício dos seus poderes de modificação da matéria de facto, deu como provados os seguintes factos:

«a) No dia 14-02-2002, na freguesia de ..., concelho de ..., faleceu DD, natural da República Federal da Alemanha, no estado de casado com a autora, com última residência habitual na Rua ..., ..., ..., ..., ...;

b) DD tinha nacionalidade ...;

c) Em 02-05-1979 e em 25-10-1985, a autora e o seu marido celebraram contratos sucessórios, os quais revogaram a 15-01-1991;

d) DD tinha três filhos: i) EE, que também usava FF, pai dos réus; ii) GG, que também usa HH; iii) II, que também usa JJ;

e) Em 09-11-1987, os três filhos de DD renunciaram, simultaneamente, para si e para os seus descendentes, aos seus direitos sucessórios como herdeiros legitimários de seu pai;

f) Em escrito redigido em língua alemã, outorgado no dia 24-06-1998, em cartório notarial sito em ..., encimado pela expressão “TESTAMENTO de 24 de Junho de 1998 de Senhor DD”, declarou DD, além do mais, o seguinte:

“(…) § 1 Sou cidadão .... No caso da minha morte é por isso aplicada a lei de sucessão alemã para a liquidação da minha herança.

§ 2 Por este meio revogo todos os testamentos anteriores unilateralmente feitos por mim. Os Contractos de Sucessão feitos com a minha mulher AA (…) foram anulados pela minha mulher e por mim através do documento de 15 de Janeiro de 1991 (…). A minha então noiva e actual mulher AA, renunciou (…) à sua herança legal e ao seu direito à sua quota obrigatória.

Os meus filhos

  a) EE (que em Portugal consoante a lei portuguesa usa o nome “FF”) (…)

 b) GG (consoante o direito civil português: “GG”) (…)

c) II (consoante o direito civil português: JJ)

(…) renunciaram – simultaneamente com efeitos para os seus descendentes – aos seus direitos às suas quotas obrigatórias através de documento de 09 de Novembro de 1987 (…).

Com base nestas transacções anteriormente mencionadas (anulações de Contractos de Sucessão, renúncias contratuais aos direitos às quotas obrigatórias) estou assim completamente livre de testar ao meu pleno agrado.

§ 3 Pela presente nomeio a minha mulher AA (…) minha única PRÉ HERDEIRA liberada. A minha mulher está liberada de todas as limitações e obrigações que constam do § 2136 do BGB (…).

§ 4 Nomeio o meu filho EE (consoante o direito civil português: FF) (…) o meu PÓS HERDEIRO. Pós herdeiros Substitutos são os descendentes do meu filho EE consoante as regras do direito de sucessão legal. O caso da Pós-herança acontece com a morte da Pré-herdeira (minha mulher). A expectativa ao direito do Pós-herdeiro e dos ... não pode ser transmitida por herança e não é transmissível. O Pós herdeiro e os Pós herdeiros Substitutos são instituídos simultaneamente meus Herdeiros Substitutos em lugar da Pré herdeira (minha mulher) (…).

§ 5 Lego a minha mulher AA por meio de LEGADO ADIANTADO A propriedade de todos os meus recheios, sem qualquer excepção (…), que se encontram nas seguintes casas:

a) no ..., do mesmo modo na casa anexa (Anexo – actualmente habitado pelo meu filho EE e a sua família, na também ali situada casa de jardim com terraço, cozinha e quartos, e também na casa com estufa, lavandaria, terraço e secagem.

b) na casa de habitação da propriedade ... (...) situada na ..., .../Portugal.

c) na casa de praia “...”, na ..., .../Portugal.

Os terrenos e construções mencionados nas alíneas b) e c) foram por mim comprados em nome dos meus dois filhos EE e GG, com reserva de usufruto vitalício para mim. Também nestes casos todo o recheio de ambas as casas foi por mim comprado e é por isso minha exclusiva propriedade. A Pré herdeira receberá este Legado com a minha morte. Determino que o direito dos Pós herdeiros (…) não abrange os objectos anteriormente mencionados (…)”;

g) EE faleceu no dia ...-08-2013;

h) Através de escritura pública outorgada no dia ...-10-2013, em Cartório Notarial de ..., foi reconhecida a qualidade do cônjuge sobrevivo, LL, e dos filhos, os réus BB e CC, como únicos e universais herdeiros do falecido EE;

i) Os réus são os herdeiros fideicomissários, sucedâneos de seu pai, instituídos no testamento de DD, seu avô;

j) Após a morte do pai dos réus, o relacionamento entre a mãe dos réus e a autora degradou-se;

l) A autora procedeu à transferência de parte do dinheiro depositado em conta da sua titularidade no Banco Comercial Português, para a sucursal em Portugal do Deutsche Bank.;

m) Os réus enviaram sucursal em Portugal do Deutsche Bank escrito datado de ...-03-2014, do qual consta, além do mais, o seguinte:

“ASSUNTO: Transferência de contas detidas por AA

Exmos. Senhores,

Por referência ao assunto em epígrafe, vimos pelo presente informar que chegou ao N. conhecimento que foram efectuadas transferências bancárias de uma conta detida pela Senhora AA (a nossa Avó) junto do “Banco Comercial Português, S.A.” (“BCP”) para uma conta aberta junto do ... (com o NIB ...959 – “Conta DB”). Neste contexto, vimos trazer ao V. conhecimento alguns factos que consideramos serem da maior importância. Antes de mais, e em virtude de quaisquer contas presentemente tituladas pela nossa Avó junto do BCP e da UBS, S.A. (“UBS”), lhe terem sido transmitidas por morte do nosso Avô (DD), vimos informar que agimos na qualidade de herdeiros fideicomissários deste último, por força de testamento outorgado a 24 de Junho de 1998 (…). Com efeito, nos termos do referido testamento, o nosso Avô (DD) determinou expressamente que o seu património (salvo os recheios de três imóveis) fosse transmitido mortis causa à nossa Avó, mas na qualidade de herdeira fiduciária. Assim, com o falecimento da nossa Avó, passaria o mencionado património para o nosso Pai (EE) ou, em caso de falecimento deste (que, infelizmente, se veio a verificar a ... de Agosto de 2013 (…)), para os respectivos descendentes, que somos nós. (…) importa mencionar que a nossa Avó, aos 98 anos, não se encontra efectivamente capaz de gerir a sua pessoa e bens, devido ao agravamento dos sintomas de demência – manifestados nomeadamente por alucinações – e parkinsónicos diagnosticados pelo seu médico (especialista do ...) já em Julho de 2011. (…) vimos salientar que quaisquer contas tituladas pela nossa Avó junto do BCP e da UBS encontram-se abrangidas pelo referido testamento, em virtude de (i) terem sido abertas pelo nosso Avô (e transmitidas à nossa Avó por morte), e de (ii) à data da respectiva abertura, a nossa Avó não ter detido qualquer património pecuniário.

Deste modo, e impendendo sobre a nossa Avó o encargo de conservar a herança fideicomissária, não poderá a mesma doar qualquer quantia a terceiros, nem praticar quaisquer actos prejudiciais à manutenção da herança (neste caso, das contas tituladas junto do BCP e da UBS e de bancos para os quais possam ter sido ou vir a ser transferidos os montantes em causa), ao abrigo da legislação alemã aplicável (…). (…) vimos (…) solicitar a V. Exas. encarecidamente que não viabilizem qualquer pedido de levantamento/transmissão dos fundos objecto da Conta DB que vos pareça ser irrazoável, quer em função dos montantes envolvidos, quer em virtude do eventual beneficiário (…)”;

n) Em consequência do recebimento da carta referida em m), o Deutsche Bank bloqueou a conta da autora, que deixou de poder movimentá-la;

o) Por morte de DD foi instaurado processo de imposto sucessório na ..., o qual foi autuado com o n.º 30...6, do ano de 2002;

p) No âmbito do processo referido em o) foi, pela autora, na qualidade de cabeça de casal, apresentada relação de bens constituída por bens móveis (7 verbas), bens imóveis (28 verbas) e uma dívida (à cabeça de casal, relativa ao pagamento do custo do funeral);

q) Não figuram, entre as verbas relacionadas no processo referido em o), valores em dinheiro, depósitos bancários, aplicações financeiras ou papéis de crédito;

r) A autora nasceu a XX/XX/1915 e tem nacionalidade portuguesa;

s) A autora casou com DD a ...-05-1979, no regime imperativo da separação de bens, tendo ela 63 e ele 64 anos de idade;

t) À data do casamento, a autora e DD tinham residência na morada indicada em a) e ali instalaram o seu domicílio conjugal;

u) Quanto começou a coabitar com DD, a autora deixou o seu emprego na sociedade comercial ... e nunca mais exerceu qualquer atividade profissional;

v) A autora participava da vida familiar e social de EE, sua mulher e seus filhos, situação que se manteve até à morte daquele;

x) A autora é titular:

i) da conta de depósito bancário com o NIB ...687, no Millennium BCP;

ii) da conta de depósito bancário com o NIB ...605, no Millennium BCP;

iii) da conta de depósito bancário com o NIB ...959, no Deutsche Bank AG - Sucursal em Portugal;

z) A autora é cofundadora e beneficiária de um Fundo fiduciário denominado “Trust Gaudi”, na instituição bancária suíça denominada UBS, S.A;

aa) Além das contas referidas em x), a autora é titular de outras contas bancárias, uma em Portugal e outra na ..., onde são mensalmente depositadas a sua pensão de velhice e a pensão de sobrevivência do falecido marido, pagas, respetivamente, pelo Estado português e pelo Estado ..., no montante global de € 2246,89;

ab) Quando casou com DD, a autora não tinha fortuna pessoal, não era titular de qualquer bem imóvel, nem tinha quaisquer rendimentos;

ac) Durante o casamento com DD, a autora não recebeu qualquer herança ou aumentou, por qualquer outra forma, o seu património, vivendo sempre a expensas do marido;

ad) A maior parte do acervo patrimonial de que a autora usufruiu, durante o casamento com DD, pertencia ao seu marido;

ae) A conta referida em ii) da alínea x) foi aberta no dia 14-02-2002 e a conta referida em iii) da mesma alínea foi aberta a 31-12-2013;

3.1.2. Foram dados como não provados os factos seguintes:

a) A mãe dos réus quis imiscuir-se na administração dos bens da autora;

b) A mãe dos réus utilizou de forma indevida, e para benefício próprio, uma procuração que a autora lhe outorgara para movimentar a sua conta aberta no Banco Comercial Português, a qual revogou;

c) A autora suspeitou que o Banco Comercial Português continuava a dar informações à mãe dos réus acerca da movimentação da conta referida em b);

d) (eliminado);

e) A participação referida na alínea v) de 3.1.1. intensificou-se após a morte do marido da autora;

f) Os pais dos réus passaram, desde então, a cuidar da autora;

g) Os pais dos réus é que mantiveram a autora na casa que fora o seu domicílio conjugal, com o serviço de três empregadas domésticas e um jardineiro;

h) Depois da morte do marido da autora, os bens da herança do mesmo foram geridos por EE, com a colaboração da sua esposa, em quem a autora sempre confiou;

i) Depois da morte do pai dos réus, as relações entre a autora e a mãe dos réus mantiveram-se muito cordiais e afetuosas;

j) Não houve qualquer alteração na forma como a herança era administrada;

l) A totalidade do dinheiro depositado nas contas referidas em i), ii) e iii) da alínea x) de 3.1.1., bem como dos valores, instrumentos e aplicações financeiros e carteiras de títulos associados às mesmas, pertence à herança aberta por óbito de DD;

m) A totalidade dos valores, títulos e aplicações financeiras que integram o Fundo fiduciário referido na alínea z) de 3.1.1. pertencem à herança aberta por óbito de DD;

n) A totalidade do dinheiro transferido, nos termos referidos na alínea l) de 3.1.1., faz parte da herança aberta por óbito de DD;

o) A autora há muito perdeu a sua autonomia, estando muito fragilizada, sofrendo de demência senil, que se vem acentuando;

p) A autora ouve muito mal e tem a sua capacidade de visão muito reduzida, sendo a sua “visão ao perto” de apenas 10%;

q) A autora está muito vulnerável a quem dela ou da sua confiança pretenda abusar;

r) (eliminado);

s) DD era sócio e administrador da sociedade comercial ...;

t) (eliminado);

u) (eliminado);

v) A totalidade do acervo patrimonial de que a autora usufruiu, durante o casamento com DD, pertencia ao seu marido;

x) (eliminado).

z) A conta referida em i) da alínea x) de 3.1.1. foi aberta no dia 14-02-2002;

aa) A totalidade das quantias transferidas pela autora para a conta referida em i) da alínea x) de 3.1.1. pertence exclusivamente à herança aberta por óbito de DD;

ab) O casamento entre a autora e DD constituiu segundas núpcias de ambos.

ae) Pertence à herança aberta por óbito de DD, pelo menos, parte do dinheiro depositado nas contas referidas em i), ii) e iii) da alínea x), bem como dos valores, instrumentos e aplicações financeiros e carteiras de títulos associados às mesmas;

af) Pertence à herança aberta por óbito de DD, pelo menos, parte dos valores, títulos e aplicações financeiras que integram o Fundo fiduciário referido em z);

ag) Pertence à herança aberta por óbito de DD, pelo menos, parte do dinheiro transferido, nos termos referidos na alínea l);

ah) À data da sua morte, DD tinha valores monetários, instrumentos, aplicações financeiras e carteiras de títulos;

ai) Pertence à herança aberta por óbito de DD, pelo menos, parte das quantias transferidas pela autora para as contas referidas em ii) e iii) da alínea x)».

           


  B - O Direito 

  1. Nos presentes autos, está em causa uma ação de simples apreciação negativa, em que a autora pretende que seja declarado que o de cujus não deixou valores monetários, instrumentos e aplicações financeiras e carteiras de títulos e que os réus não são herdeiros do dinheiro depositado em contas por si constituídas em Portugal ou no estrangeiro.

    Por seu lado, os réus deduziram um pedido reconvencional, com a natureza de simples apreciação, mas na vertente positiva, em que alegam que, pelo menos parte do dinheiro integrado nas contas bancárias da autora pertencia ao seu avô e que fazem parte da herança ainda papel comercial e aplicações financeiras.

     Estas ações de simples apreciação têm como objetivo pôr termo a uma situação de incerteza, declarando-se a existência ou a inexistência de um direito, sem se exigir ao réu prestação alguma, pelo que, só é legitimo lançar meio deste tipo de ação quando a parte que a ela recorre estiver perante uma incerteza real, séria e objetiva, e que, dessa incerteza lhe possa resultar um dano. Ao contrário das ações de condenação, as ações de simples apreciação não se destinam a condenar a parte, mas apenas a afirmar na ordem jurídica a existência ou a inexistência de um direito.

    No caso vertente, a autora é herdeira fiduciária e resulta do regime aplicável (o § 2121 do BGB, dada a nacionalidade alemã do de cujus), o dever de o herdeiro fiduciário entregar ao sucessor fideicomissário um inventário com os objetos pertencentes à herança.  Neste contexto, a situação de incerteza, que justifica a dedução do pedido e o prejuízo dele decorrente para a parte, decorre da circunstância de não existir consenso entre os herdeiros (cônjuge, aqui autora e reconvinda, e netos do de cujus, aqui réus e reconvintes) sobre quais os bens que pertencem afinal a esta herança. 

   No Acórdão de 03/12/15 (proferido já nestes autos), que definiu o regime aplicável a esta sucessão, de acordo com a lei da nacionalidade do seu autor (cfr. artigos 25.º e 62.º e segs do Código Civil), afirmou-se que “segundo a Lei Alemã a liberdade de testar concede ao autor da sucessão a possibilidade de isentar o sucessor fiduciário dos seus deveres perante o sucessor fideicomissário (…), o que significa que o testador pode libertar o herdeiro provisório (sucessor fiduciário) das restrições dos §§ 2113, Secção 1 e dos §§ 2114, 2116 até 2119, 2133, 2137 até 2131, 2133, 2134. Existem, todavia, restrições que, não obstante sejam aplicáveis ao sucessor fiduciário, não podem ser afastadas pelo autor da sucessão, como sejam, designadamente, as obrigações decorrentes do disposto nos §§ 2121 e 2122 do BGB, i.e., o dever de elaborar um inventário da herança, bem como permitir a averiguação do estado da herança.”

     Este dever de elaborar um inventário da herança e de permitir a averiguação sobre os bens que a compõem, a que corresponde o direito dos herdeiros fideicomissários de verificarem a herança e avaliarem os bens que nela se integram, não se confunde com o direito de ver declarado que tais bens pertencem ou não pertencem à herança. São coisas diversas, embora interligadas, pois que nestes autos, como esclareceu o acórdão recorrido, não se pretende obter um inventário de todos os bens sujeitos ao fideicomisso, nem o cumprimento coercivo de um dever, de acordo com as regras previstas nos artigos 2121.º e 2122.º do BGB acima citados, mas antes declarar que determinados bens não existiam ou que os saldos, instrumentos financeiros e carteiras de títulos existentes nas contas da autora afinal integram a herança fideicomissária. À possibilidade de os réus peticionarem que se declare que os montantes existentes nas contas da autora resultavam da herança, corresponde, agora pela negativa o direito de a Autora obter a declaração de que não existiam quaisquer valores monetários, instrumentos e aplicações financeiras na herança deixada pelo falecido e que nenhum direito têm os réus aos que se encontram depositados em contas por si abertas.

    Delimitada assim a questão, o acórdão recorrido aplicou as regras do ónus de prova, entendendo que, quer num caso, quer noutro, estas oneram os réus, e não se mostrando cumpridas, procede o recurso da autora e improcede na totalidade o recurso interposto pelos réus.


  2. O acórdão recorrido deixou estabelecida a seguinte orientação, que agora os recorrentes impugnam, em relação ao tema do ónus da prova e das presunções judiciais:

  «I - Peticionando-se no âmbito de acção de simples apreciação negativa que se declare que o autor de deixa fideicomissária não deixou quaisquer valores monetários, papéis de crédito e aplicações financeiras e que os RR. não são herdeiros fideicomissários do dinheiro, aplicações financeiras e papéis de crédito constantes ou associados a contas tituladas pela A., àqueles incumbe o ónus de prova dos factos constitutivos do direito conflituante que se arrogam, bem como que os valores monetários identificados na reconvenção, pertencem à deixa fideicomissária, por dela não terem sido excluídos.   II - Não é admissível o recurso à presunção judicial para suprir a falta de prova a cargo dos RR., só sendo permitida a sua utilização nos casos e termos em que é admitida a prova testemunhal e apenas quando dos factos dados por assentes, conjugados com outros meios de prova, resultar logicamente o facto presumido.

   III- A existência de bens integrados na deixa fideicomissária, não pode resultar de presunção judicial.

  IV- São características gerais de um ... a transferência (formal) da propriedade dos bens do fundador (settlor) para o ...ee, que a partir desse momento assume a obrigação de administrar os bens incluídos neste ..., para benefício dos beneficiários designados (beneficial owners), que ficarão investidos na propriedade material ou económica destes bens.

  V - Constituído um ... irrevogável, pelo de cujus e pela A., com beneficiários designados, os bens nele incluídos não integram a herança deixada por um dos fundadores».


  2. Invocam os recorrentes que o acórdão recorrido fez um uso irregular e deficiente dos seus poderes de modificação da matéria de facto, na medida em que anulou presunções judiciais estabelecidas pela sentença do tribunal de 1.ª instância, assim violando regras de direito probatório material, nos termos do artigo 674.º, n.º 3, do CPC. Alegam ainda que este Supremo Tribunal deve considerar que os recorrentes-réus fizeram a prova, por presunção judicial, da titularidade dos valores monetários depositados nas contas da autora, e da existência de papel comercial e aplicações financeiras na esfera jurídica do de cujus, defendendo que são válidas as presunções tiradas pela sentença de 1.ª instância, que deve ser repristinada.

   A sentença de 1.ª instância fundamentou a decisão de considerar improcedente a ação e parcialmente procedente a reconvenção, na circunstância de a autora não auferir qualquer rendimento, não ter fortuna pessoal, nem ter sido beneficiada em qualquer herança, daí deduzindo que o dinheiro depositado nas contas bancárias, pelo menos em parte, tinha de pertencer ao de cujus:

   « Os mencionados factos, considerados assentes sob as alíneas s), t), u), ab), ac) e ad) de 3.1.1., relativos à situação patrimonial da autora à data do casamento e no decurso do matrimónio com DD - dos quais decorre que, aquando do casamento, AA não tinha fortuna pessoal, não era titular de bens imóveis e não tinha rendimentos, não tendo recebido, no decurso do matrimónio, qualquer herança ou aumentado, por qualquer outra forma, o seu património, vivendo sempre a expensas do marido, a quem pertencia a maior parte do acervo patrimonial de que a autora usufruiu durante o casamento -, conjugados com o facto julgado provado sob a alínea ah) de 3.1.1., relativo à situação patrimonial de seu marido à data da respetiva morte - do qual decorre que DD era, então, titular de valores monetários, instrumentos, aplicações financeiras e carteiras de títulos -, e com os factos considerados provados sob as alíneas a) e ai) de 3.1.1., relativos à data da morte de DD e à data da abertura da conta referida em ii) da alínea x) de 3.1.1. - dos quais decorre que a conta foi aberta pela autora no dia do falecimento de seu marido -, bem como com as informações bancárias constantes de fls. 715 e seguintes, relativas à data da abertura da conta referida em i) da alínea x) de 3.1.1. - das quais se extrai que tal conta do ... foi aberta em 01-09-1987, como tal no decurso do matrimónio da autora, cerca de 15 anos antes do falecimento de seu marido -, com o facto julgado provado sob a alínea l) de 3.1.1, relativo à transferência pela autora de parte do dinheiro depositado no B... para o ..., e com as informações prestadas por este último banco (fls. 686-690, 755-782 e 793-820) - dos quais decorre a existência de verbas depositadas no ... provenientes da transferência pela autora de dinheiro anteriormente depositado no B..., permitem considerar provados os factos constantes das alíneas ae), ag) e aj) de 3.1.1., relativos à pertença à herança de, pelo menos, parte do dinheiro transferido pela autora para a conta aberta no ... na data do falecimento de seu marido e posteriormente para a conta entretanto aberta no ..., bem como de, pelo menos, parte do dinheiro depositado nas três contas mencionadas na alínea x) e demais valores, instrumentos e aplicações financeiros e carteiras de títulos associados às mesmas.

(…)

Analisado à luz das regras de experiência comum e dos princípios da lógica, o mencionado acervo factual, julgado provado, indicia a pertença à herança de, pelo menos, parte do dinheiro e demais valores indicados nas alíneas ae), ag) e aj) de 3.1.1.»

             

   Quid iuris?     


  3. Em primeiro lugar, importa concluir que da análise das alegações dos recorrentes e dos meios de prova para os quais remetem para fundamentar a revogação do acórdão recorrido, não está em causa nem foi invocado um documento autêntico ou autenticado, confissão judicial ou qualquer outra prova de valor tabelado, que permitisse a este Supremo Tribunal de Justiça alterar a factualidade dada como provada e não provada após a modificação da matéria de facto a que procedeu o Tribunal da Relação. Os recorrentes para fundamentar as presunções judiciais tiradas pela 1.ª instância limitam-se a remeter para prova testemunhal e documental relativa à abertura de uma conta pela A na data do falecimento do marido, a recibos assinados pela autora, à atividade profissional do de cujus e aos seus rendimentos e informações bancárias, meios de prova de livre apreciação pelas instâncias e que estão fora dos poderes cognitivos deste Supremo Tribunal de Justiça.

  Sendo certo que as presunções judiciais se inserem no julgamento da matéria de facto, constituindo um meio de prova de livre apreciação do julgador, está por isso vedado ao Supremo proceder à sua avocação, visto a sua competência, afora as situações de controlo de prova tabelada, estar limitada à aplicação definitiva do regime jurídico que julgue adequado aos factos fixados pelas instâncias, conforme resulta dos artigos 674.º, n.º 3 e  682.º, n.º 1, ambos do Código de Processo Civil.

           

  4. Em segundo lugar, deve partir-se da conceção segundo a qual, as presunções judiciais em ilações que o julgador tira de um facto conhecido para firmar um facto desconhecido, conforme noção constante do artigo 349.º do Código Civil. As presunções, legais ou judiciais, baseiam-se sempre numa regra de experiência, que estabelece a ligação entre o facto conhecido que está na base da ilação e o facto desconhecido que dele é derivado. Atendendo ao elevado grau de probabilidade ou verosimilhança da ligação concreta entre o facto que constitui base da presunção e o facto presumido, este é dado como assente quando o primeiro é provado. As presunções judiciais assentam no raciocínio do julgador e inspiram-se, como afirmam Pires de Lima/Antunes Varela (Código Civil Anotado, vol. I, 4.ª edição revista e atualizada, com a colaboração de Henrique Mesquita, Coimbra, Coimbra Editora, 1987, p. 312), “nas máximas da experiência, nos juízos correntes de probabilidade, nos princípios da lógica ou nos próprios dados da intuição humana”.

   De acordo com orientação fixada unanimemente neste Supremo Tribunal (cfr., por todos, Acórdão de 12-12-2004, processo n.º 04b3526, «I -As instâncias podem tirar, através das chamadas presunções judiciais, ilações lógicas da matéria de facto dada como provada, completando-a e esclarecendo-a; II - O Supremo só poderá sindicar tal actividade no sentido de averiguar se ela ofende qualquer norma legal, se padece de alguma ilogicidade ou se parte de factos não provados.». Afirma-se, também, no Acórdão deste Supremo Tribunal, de 03-03-2013 (processo n.º 241/08.2TTLSB.L1.S1), que, tratando-se as presunções judiciais de um «(…) meio probatório que é admitido para prova de factos susceptíveis de serem provados por prova testemunhal, conforme determina o artigo 351º do CC, está por isso vedado ao Supremo Tribunal de Justiça sindicar o uso deste meio probatório pelas instâncias, visto a sua competência, afora as situações de controlo de prova tabelada, se restringir a aplicar definitivamente o regime jurídico que julgue adequado aos factos fixados pelas instâncias, conforme resulta dos artigos 722º, nº 3 e 729º, nº 1, do CPC. No entanto, já poderá o Supremo Tribunal de Justiça aferir se as presunções extraídas pelas instâncias violam os artigos 349º e 351º do CC, por se tratar duma questão de direito, podendo assim sindicar se as ilações foram inferidas de forma válida, designadamente se foram retiradas dum facto desconhecido por não ter sido dado como provado e bem assim se contrariam ou conflituam com a restante matéria de facto que tenha sido dada como provada, após ter sido submetida ao crivo probatório.»


  5. Analisado o acórdão recorrido verifica-se que a fundamentação da modificação da matéria de facto foi feita de forma consistente, não resultando violada qualquer regra de lógica, nem qualquer meio de prova vinculada, conforme decorre do seguinte excerto do mesmo:

  «Assim das duas uma: ou o falecido era titular de contas bancárias, onde se encontravam valores monetários, carteiras de títulos, aplicações financeiras, ou não era, apesar de ser proprietário desses valores que então estariam depositados noutras contas da A. ou de terceiros. No primeiro caso, a prova da existência dessas contas bancárias, instrumentos e aplicações financeiras e carteiras de títulos, da titularidade do falecido, não pode ser feita por recurso a presunção judicial. Já a prova da propriedade dos valores detidos nestas contas, se não coincidente com a sua titularidade e se não resolvida por presunção legal, é que pode decorrer de prova testemunhal e eventualmente de presunções judiciais, desde que resulte provado o facto fonte, a premissa de que o magistrado poderá extrair a ilação de que um determinado facto tem igualmente de ser verídico (de que se alguém, apesar de titular ou co-titular de uma conta bancária, não tem quaisquer rendimentos, nem nela efectua depósitos, depósitos estes que provêm de terceiro, o dinheiro nela depositado será desse terceiro). O mesmo se dirá dos alegados instrumentos e aplicações financeiras e carteiras de títulos. Não se encontra nos autos qualquer documento que demonstre a existência destas contas, carteiras de títulos e aplicações financeiras de que fosse titular o falecido, nem foi requerido qualquer meio de prova com vista a apurar a sua existência à data do óbito.

  A prova da existência destes instrumentos, aplicações financeiras e carteiras de títulos só poderia ser feita por documento, proveniente dos bancos onde se sediassem estas contas, meio de prova que não foi junto nem requerido pelos RR. e que não pode ser suprido por vago depoimento testemunhal, no sentido de que existiriam, tendo em conta a riqueza do falecido, ou de que no dia do óbito estes valores teriam sido levantados e estas não identificadas constas encerradas, pela A. e pelo filho do falecido.

   Quanto à segunda hipótese, vieram os RR. alegar apenas que o dinheiro existente em contas da A., era do falecido marido e que este nunca lhe deu qualquer quantia monetária. Mas, não consta alegado que este não tivesse contas bancárias ou que todo o dinheiro que constasse de contas da titularidade da A., independentemente da data em que tivessem sido abertas ou da proveniência dos depósitos nelas feitos, antes ou depois da morte do de cujus, fossem propriedade deste e, consequentemente, integrados na deixa fideicomissária. E, para tanto, não basta alegar que a A. não tinha bens quando se casou, nem os recebeu por herança, pelo que forçosamente todos e quaisquer bens pecuniários não podem pertencer-lhe, apesar dos mais de 20 anos de matrimónio e de vivência em comum com o falecido e apesar de esta ter constituído um seguro de vida, pessoal e intransmissível, de valor superior a 1 milhão de euros e de, conjuntamente com o seu marido, ter constituído um fundo fiduciário».

 

   6. Do exposto, se conclui, que o tribunal recorrido ao invalidar as presunções judiciais usadas pelo Tribunal de 1.ª instância para dar como provados factos relativos ao património do de cujus, não violou prova vinculada, nem regras básicas de lógica, tendo atuado ao abrigo do princípio da livre apreciação da prova, nada havendo a censurar a este respeito.

   A questão destes autos deve, pois, ser resolvida em prejuízo de quem tinha o ónus de prova: o risco da insuficiência de prova corre contra a parte a quem a lei atribuiu o respetivo ónus, equivalendo a falta de prova a uma decisão desfavorável relativamente à parte onerada.            

   Destinando-se a obter a declaração da inexistência de um facto e de um direito, a presente ação declarativa consiste numa ação de simples apreciação negativa, conforme noção constante do artigo 10.º, n.º 3, al. a), do CPC.

    Sob a epígrafe “Ónus da prova em casos especiais”, dispõe o artigo 343.º, n.º 1, do Código Civil, o seguinte: “Nas ações de simples apreciação ou declaração negativa, compete ao réu a prova dos factos constitutivos do direito que se arroga”.

    Da análise deste preceito decorre que, tendo-se o réu previamente arrogado certo direito, afirmando-o extrajudicialmente, cabe-lhe o ónus de demonstrar tal afirmação, provando os factos integradores do direito invocado.

     Como afirma Rita  Lynce de Faria (“Anotação ao artigo 343.º, n.º 1, do Código Civil”, in Comentário ao Código Civil, Parte Geral, Universidade Católica Editora, Lisboa, 2014, p. 814), «Nestes termos, e uma vez que o critério geral não atribui o ónus da prova ao autor ou ao réu mas, em abstracto, àquele que invoca um direito ou contra quem a invocação é feita, nenhuma inversão resulta deste preceito quando estatui que é ao réu que compete a prova dos factos constitutivos do seu direito. Se todos os factos alegados ficarem por provar é contra o réu, e não contra o autor, que a acção é julgada».

           

  7. Assim, aplicando as regras do ónus da prova vigentes para as ações de simples apreciação, resulta que, não tendo os réus procedido à demonstração de que parte do dinheiro das contas bancárias tituladas pela autora, assim como as aplicações financeiras e papel comercial a elas associados, pertenciam ao de cujus e integravam a herança, nega-se a revista e confirma-se o acórdão recorrido.

    Improcedem, pois, todas as conclusões de recurso.

           

   8. Anexa-se sumário elaborado de acordo com o artigo 663.º, n.º 7, do CPC:

   I – Está vedado ao Supremo Tribunal de Justiça sindicar o uso ou o não uso, pelas instâncias, de presunções judiciais, visto a sua competência, afora as situações de controlo de prova tabelada, se restringir a aplicar definitivamente o regime jurídico que julgue adequado aos factos fixados.

    II – O tribunal recorrido ao invalidar as presunções judiciais usadas pelo tribunal de 1.ª instância, para dar como provados factos relativos ao património do de cujus, não violou prova vinculada, nem regras básicas de lógica, tendo atuado ao abrigo do princípio da livre apreciação da prova, nada havendo a censurar a este respeito.

    III – Peticionando-se, no âmbito de ação de simples apreciação negativa, que se declare que o autor de deixa fideicomissária não deixou quaisquer valores monetários, papéis de crédito e aplicações financeiras e que os réus não são herdeiros fideicomissários do dinheiro, aplicações financeiras e papéis de crédito constantes ou associados a contas tituladas pela autora, àqueles incumbe o ónus de prova dos factos constitutivos do direito conflituante que se arrogam.


   9. Assim, tem de se concluir, como no acórdão recorrido, que entre os bens e direitos que integravam o acervo hereditário deixado por DD, não figuravam quaisquer valores monetários, quaisquer aplicações financeiras, nem papéis de crédito e que os réus não são titulares do direito, que se arrogam, de serem herdeiros fideicomissários do dinheiro, aplicações financeiras e papéis de crédito depositados e constituídos pela autora em quaisquer bancos, tanto em Portugal como no estrangeiro.


    III – Decisão

   Pelo exposto, decide-se negar a revista e confirmar o acórdão recorrido.

   Custas pelos recorrentes.


Lisboa, 30 de novembro de 2021


Maria Clara Sottomayor (Relatora)

Pedro de Lima Gonçalves (1.º Adjunto)

Fernando Samões (2.º Adjunto)