AUDIÊNCIA PRÉVIA
PRINCÍPIO DO CONTRADITÓRIO
SANEADOR-SENTENÇA
Sumário


I - A regra é a obrigatoriedade da realização da audiência prévia destinada a algum ou alguns dos fins previstos no art. 591º do C.P.C..
II - As excepções encontram-se previstas no art. 592º do C.P.C. e a faculdade de a dispensar pode ocorrer nas situações taxativamente previstas no art. 593º do mesmo Código e no uso da faculdade de gestão processual respeitando o princípio do contraditório (art. 6º, nº 1 e 547º).
III - Num caso em que o juiz entende que a exposição e concretização da matéria de facto na petição inicial apresenta insuficiências que comprometem de forma inexorável as probabilidades de êxito da acção, e que, em face da não resposta do autor ao convite ao aperfeiçoamento efectuado, entende ser de proferir despacho a conhecer do mérito concluindo pela manifesta improcedência do pedido e consequente absolvição deste, está o mesmo vinculado ao cumprimento da regra da designação da audiência prévia nos termos e para os efeitos do art. 591º nº 1 b).
IV - A prolacção de saneador sentença sem prévia realização de audiência prévia consubstancia nulidade processual que deve ser arguida em recurso cuja procedência conduz à anulação daquela decisão, bem como dos termos processuais subsequentes.

Texto Integral


Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães

I – Relatório

J. R., residente na Rua … Freixo Ponte de Lima, em 16/10/2020,
Instaurou a presente acção declarativa de condenação, sob a forma de processo comum, contra:

E. P., residente no lugar …, freguesia de …, concelho de Ponte de Lima, Viana do Castelo,
C. O., residente na Quinta …, freguesia de …, concelho de Viana do Castelo, Viana do Castelo,
R. M., residente na Quinta …, freguesia de ..., concelho de Viana do Castelo, Viana do Castelo,
M. B., residente na Rua …, freguesia de ..., concelho de Viana do Castelo, Viana do Castelo, e
J. P., residente na Rua …, freguesia de …, concelho de Viana do Castelo, Viana do Castelo,

Pedindo:

a) A condenação dos réus a reconhecerem as invocadas nulidades e, em consequência,
b) declarar nulos e sem nenhum efeito ou anular os negócios referentes às sociedades, aos veículos automóveis e ao prédio urbano;
c) ordenar o cancelamento de quaisquer registos efetuados em contrário do aqui peticionado;
d) declarar nula as doações dissimuladas;
e) se assim não se entender, condenar a 2ª ré a restituir os bens doados à massa da herança;
f) declarar que o comprador do prédio urbano foi o falecido J. G.;
g) declarar que a Herança Ilíquida e Indivisa aberta por óbito de J. G. é legitima proprietária da sociedade “S. e G., Lda”, atualmente, “X – fabricação de redes, lda”, dos veículos automóveis e do prédio urbano;
h) Condenar os Réus a reconhecerem que o autor é herdeiro legítimo da sociedade “S. e G., Lda”, atualmente, “X – fabricação de redes, lda”, dos veículos automóveis e do prédio urbano;
i) Se assim não se entender ou não for possível a restituição dos bens imóveis, condenar os réus na restituição do valor destes.

Para tanto alega, em síntese, que o falecido J. G., pai do autor, foi sócio e gerente da sociedade “S. e G., Lda.” e da “Y, Unipessoal, Lda.”, sociedades declaradas insolventes por sentença transitadas em julgado no ano de 2010. No ano de 2008 o falecido constituiu a sociedade “X – Fabricação de Redes, Lda.” cujos sócios eram apenas “de papel”. A 2ª Ré terá alegadamente comprado com dinheiro seu, para esta sociedade, todo o património da sociedade “S. e G., Lda.”, no valor aproximado de € 350.000,00, negócio este que foi simulado com o intuito de prejudicar o autor.
O veículo automóvel com a matrícula MZ era propriedade da sociedade “S. e G., Lda.”, passou para a propriedade de V. P., funcionário da sociedade “S. e G., Lda.” e actualmente é propriedade do 3º réu.
O veículo automóvel QO passou da esfera jurídica do falecido para a da 2ª Ré e posteriormente para a esfera jurídica de um funcionário da sociedade “S. e G., Lda”, M. M..
No ano de 1999 o falecido comprou um terreno onde construiu uma casa para onde iria viver com a 4ª Ré, mas o prédio ficou no nome desta.
Todos estes negócios foram simulados e tiveram como intuito prejudicar o autor.

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Os réus contestaram impugnando o valor da acção por entenderem que deve ser de € 30.000,01; deduziram a ilegitimidade dos 1º, 3º e 5º réus; impugnaram o alegado e pediram a condenação do autor como litigante de má fé.

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O autor foi convidado a pronunciar-se acerca da excepção de ilegitimidade, o que fez.
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Em 17/06/2021 foi proferida a seguinte decisão:

“A petição inicial apresenta insuficiências na exposição e na concretização da matéria de facto que põem em causa o prosseguimento dos autos.
Alega o Autor na sua petição inicial que as sociedades “S. e G., Lda” e “Y, Unipessoal Lda” (complemento da “S. e G., Lda.) declararam insolvência para salvaguardar os interesses patrimoniais das sociedades e os interesses patrimoniais do falecido J. G., tendo sido consequentemente criada a “X – fabricação de redes, Lda” cuja gerência é desempenhada pela Ré C. O. (sendo que a X foi criada dois anos antes da declaração de insolvência das outras duas sociedades …).
À data das declarações de insolvência das sociedades “S. e G., Lda” e “Y, Unipessoal Lda” estas já não possuíam património para satisfazer os credores, uma vez que a “X – fabricação de redes, Lda” absorveu todo o património, tendo o seu equipamento sido adquirido de forma meramente contabilística.
A alegada compra do património da sociedade “S. e G., Lda.” pela Ré C. O. foi encetada entre esta e o falecido J. G. com a finalidade única de enganar e prejudicar o filho, aqui Autor, com quem, à data, não mantinham quaisquer relações. Ora, este facto é contrariado pela matéria dada como provada na sentença proferida no processo nº. 1644/15.1T8VCT, de onde resulta que, em julho de 2007, o Autor mantinha relações com a sua irmã (aqui 2ª Ré) e mãe e até recorreu às mesmas no sentido de realizar negócios simulados.
Analisadas as certidões de registo comercial juntas aos autos verifica-se que a sociedade “S. e G., Lda” esteve em liquidação, sendo que apenas foi extinta a insolvência após rateio final no ano transato, pelo que não é verdade que não tivesse património à data da declaração de insolvência...
Por outro lado, a pouca alegação feita relativamente ao prédio urbano da freguesia de ..., descrito na Conservatória do Registo Predial de … sob o nº …/19960227 também padece de imprecisão. Analisada a respetiva certidão verifica-se que o imóvel foi comprado pela Ré M. B. em 20/10/99, já no estado de divorciada.
Relativamente aos veículos automóveis, veja-se, por exemplo, que o veículo de matrícula MZ não transitou da propriedade da S. & G. para a o Réu R. M., sendo que antes foi propriedade de V. P. (não poderíamos declarar a simulação de um anterior negócio que, no seu trato sucessivo, foi interrompido por um outro negócio cuja validade não é posta em causa).
Atento o fundamento da presente acção, deveria o Autor esclarecer ainda o que sucedeu na partilha por óbito de seu pai – foi ou não feita e, se sim, e se o Autor entendia que faltavam bens no acervo hereditário do falecido, apresentou a devida reclamação? Reagiu atempadamente no âmbito do inventário?
O Autor alega nos presentes autos factualidade tendente a demonstrar que a criação da empresa “X – fabricação de redes, Lda” pelo seu falecido progenitor visava desviar bens da empresa “S. e G., Lda” e “Y, Unipessoal Lda”, para o prejudicar nos bens que teria o mesmo direito a herdar. Contudo, não alcança o tribunal como pretende o Autor herdar bens que pertencentes a essas empresas. Como pode a herança ilíquida e indivisa aberta por óbito de J. G. (se é que ainda permanece neste estado) ser proprietária da atual “X”? Como pode o A. ser herdeiro legítimo da atual X?
Sempre se dirá, também, que há documentos juntos aos autos que titulam a aquisição de bens da “S. e G.” pela “X”, bem como a aquisição por parte da “X” das máquinas pertencentes à empresa “Y”. Acrescentar ainda que se constata que as insolvências da “S. e G.” e da “Y” foram consideradas fortuitas.
Além de insuficiências e imprecisões na alegação da matéria de facto, constata-se desde já a alegação de factualidade contrariada pela prova documental junta aos autos. Por outro lado, a construção jurídica é muito confusa.
Convida-se o Autor a suprir todas as insuficiências ou imprecisões acima referidas, bem como a clarificar os seus pedidos, no prazo de cinco dias (art. 590º nº 4 do CPC). (…)”
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Por requerimento de 21/06/2021 o autor veio informar que nessa data solicitou a substituição da patrona nomeada.
Foi proferido despacho em 22/06/2021 a determinar que os autos aguardassem que a O.A. se pronunciasse.
Os autos foram informados de que foi nomeada outra patrona nomeada em 25/06/2021.
Esta patrona informou os autos em 30/06/2021 que pediu escusa.
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Em 02/07/2021 foi proferida a seguinte decisão, depois de transcrever o despacho de 17/06/2021:

“(…)
O despacho que antecede foi notificado à Exmª Patrona do Autor no mesmo dia em que foi proferido.
No dia 21/06/2021, o Autor comunicou ao Tribunal que requereu a substituição da Patrona. Em 25/06/2021, a OA comunicou ao Tribunal que deferiu o pedido do Autor, tendo nomeado nova Patrona. No dia 30/06/2021, a anterior Patrona do Autor informou os autos que havia requerido escusa do patrocínio (estando já findo o prazo que havia sido conferido ao A.).
Ora, os prazos em curso não se interrompem por via da substituição de Patrono nomeado ao Autor; inexiste qualquer interrupção de prazo processual em curso pela apresentação do requerimento de substituição (ao contrário do que se prevê no art. 24.º, n.º 4 e n.º 5 da Lei n.º 34/2004, de 29 de julho, para a nomeação inicial de patrono, e no art. 34.º, n.º 2 do mesmo diploma, para a escusa, face à diferente ponderação de interesses ínsitos nestas e naquela outra hipótese)(cfr. Ac. RC de 03/11/2020, processo nº 1097/19.5T8PBL-A.C1, in ww.dgsi.pt).
Assim sendo, já se esgotou o prazo concedido ao Autor para suprir todas as insuficiências e imprecisões e para clarificar os seus pedidos.
O Autor não acedeu ao convite que lhe foi dirigido. O convite ao suprimento das insuficiências ou imprecisões na exposição ou concretização da matéria de facto alegada é, por força do disposto na alínea b) do nº 2 do artigo 590º do Código de Processo Civil, uma incumbência do juiz, isto é, um seu dever funcional. O estrito cumprimento desse dever implica que o tribunal não pode deixar de dirigir o convite ao aperfeiçoamento do articulado que se revele deficiente e, mais tarde (designadamente na sentença final), considerar o pedido da parte improcedente precisamente pela falta do facto que a parte poderia ter alegado se tivesse sido convidada a aperfeiçoar essa peça processual. A omissão desse ato devido, influindo no exame e decisão da causa, implica a nulidade da sentença nos termos dos nºs 1 e 2 do art. 195º do Código de Processo Civil.
Contudo, apesar de o Tribunal ter especificado todos os pontos que necessitavam de esclarecimento e concretização, o Autor não acedeu ao convite. O Tribunal deu ao Autor a possibilidade de completar ou retificar a causa de pedir que foi invocada de um modo deficiente. Analisando o substrato factual alegado e referenciado pelo Autor e procurando os factos integradores das razões de facto fundamentadoras da sua pretensão, deparamo-nos com uma alegação inconsistente, em que se não mostram devidamente individualizados os atos ou factos concretos que suportam essa mesma pretensão (para além de que os pedidos precisavam também de ser clarificados).
As falhas verificadas na petição inicial e supracitadas demonstram que há uma insuficiência na alegação da causa de pedir que impossibilita a procedência da pretensão do Autor e que não é suprível no decurso da ação.
Entende assim este Tribunal que a ação é manifestamente improcedente. O Tribunal conhece assim de uma questão impeditiva do direito do A. que não está na exclusiva disponibilidade das partes - como o comprova o disposto no artº 590º nº1 do CPC, ao permitir o seu conhecimento no despacho liminar – que apelidou de exceção (inominada) de direito material, consistente na manifesta improcedência dos pedidos, sem se pronunciar quanto ao mérito dos mesmos. Trata-se de uma exceção inominada de conhecimento oficioso, que por força do disposto no artº 576º nº 3 do CPC, importa a absolvição (total) do réu do pedido.
Assim sendo, perante a manifesta improcedência da acção, decide-se absolver os Réus integralmente dos pedidos. (…)”
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Em 08/07/2021 foi junto ofício da O.A. a nomear outra patrona.
Em 12/07/2021 esta veio informar o processo que havia requerido escusa.
Em 15/07/2021 foi junto ofício da O.A. a nomear patrona a Dra. S. M..
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Não se conformando com aquela sentença veio o autor, através da patrona Dra. S. M., em 14/09/2021 dela interpor recurso de apelação, apresentando alegações e formulando as seguintes conclusões:

“1 - Na presente ação - sendo de valor superior a metade da alçada da Relação -, deveria ter a Meritíssima Juíza, finda a fase dos articulados e do pré-saneador, convocado audiência prévia, o que manifestamente não foi feito;
2 - Ao não ter sido feito, constitui nulidade, impugnável agora, pelo Recorrente, por meio do presente recurso, implicando assim a anulação do saneador-sentença proferido, com os devidos e legais efeitos;
3 - É entendimento do Recorrente, que a sentença viola o preceituado nos artigos 590º, n.º2, 591º, n.º 1, 592º, n.º1, 593º, n.º 3 e 597º, todos do C.P.C.;
3 - O recurso de apelação está em tempo.

Pugna pela revogação da decisão dizendo que a mesma é nula porque violadora do princípio do contraditório e por ter sido preterida a realização de audiência prévia.
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Foram apresentadas contra-alegações.
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O Tribunal pronunciou-se dizendo que a decisão não é nula.
O recurso foi admitido como sendo de apelação, com subida imediata, nos próprios autos e com efeito devolutivo.
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Foram colhidos os vistos legais.
Cumpre apreciar e decidir.
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Tendo em atenção que o objecto do recurso é delimitado pelas conclusões do recorrente (art. 635º nº 3 e 4 e 639º nº 1 e 3 do C.P.C.), sem prejuízo da apreciação de eventuais questões de conhecimento oficioso, observado que seja, se necessário, o disposto no art. 3º nº 3 do C.P.C., a questão a decidir é saber se, na situação presente, devia o tribunal recorrido ter designado audiência prévia.
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II – Fundamentação

Os factos que relevam para a decisão a proferir são os que constam do relatório que antecede que, por brevidade, aqui se dão por integralmente reproduzidos.
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Nos presentes autos, findos os articulados, o tribunal a quo proferiu despacho pré-saneador ao abrigo do disposto no art. 590º nº 2 b) e nº 4 do C.P.C. por ter entendido que a petição inicial “apresenta insuficiências na exposição e na concretização da matéria de facto que põem em causa o prosseguimento dos autos”, insuficiências essas que passou a enumerar, convidando o autor a suprir as mesmas, bem como a clarificar os pedidos.

Com efeito, tendo o legislador optado pela teoria da substanciação da causa de pedir (art. 581º nº 4 do C.P.C., diploma a que pertencerão os preceitos a alegar sem menção de origem), incumbe ao autor alegar os factos de onde deriva a sua pretensão, os factos essenciais integradores da causa de pedir (art. 5º, nº 1).
A falta de alegação de factos essenciais dá origem à ineptidão da petição inicial por falta de causa de pedir e à consequente absolvição da instância que forma caso julgado formal (art. 186º nº 1 a), 577º b) e 278º nº 1 b), 619º).
Mas a não alegação de todos os factos que constituem a causa de pedir conduz à inconcludência do pedido ou à manifesta improcedência do pedido e à consequente absolvição deste, o que produz caso julgado material (art. 5º nº 1, 580º, 581º, 619º).
Apenas uma petição deficiente pode justificar um despacho de aperfeiçoamento, pois este visa completar o que é insuficiente ou corrigir o que é impreciso no pressuposto que a causa de pedir existe e é inteligível. É jurisprudência assente que tal convite corresponde a um poder vinculado pelo que a sua omissão constitui nulidade processual nos termos do art. 195º do C.P.C..
Voltando ao caso em análise verificamos que, tendo sido proferido despacho a convidar o autor ao aperfeiçoamento da petição, este nada disse no prazo concedido pelo que importa saber se, num caso desses, tinha o juiz o dever de designar data para audiência prévia ou poderia sem mais tirar as consequências desse não aperfeiçoamento.
Entendemos que tinha aquele dever.
Do art. 591º resulta que, Concluídas as diligências resultantes do preceituado no nº 1 do artigo anterior, a regra é a da obrigatoriedade da realização da audiência prévia destinada a algum ou alguns dos fins aí previstos, designadamente Facultar às partes a discussão de facto e de direito, nos casos em que o juiz cumpra apreciar exceções dilatórias ou quando tencione conhecer imediatamente, no todo ou em parte, do mérito da causa (b)).
Antes de mais, contrariamente ao defendido pelos apelados, este preceito, quando alude à conclusão das diligências do artigo anterior, refere-se naturalmente às diligências levadas a cabo pelo juiz pelo que é irrelevante para a sua aplicação que a parte responda ou não a eventual convite ao aperfeiçoamento.
As excepções à regra da realização da audiência prévia encontram-se previstas no art. 592º: a) Nas ações não contestadas que tenham prosseguido em obediência ao disposto nas alíneas b) a d) do artigo 568º e b) Quando, havendo o processo de findar no despacho saneador pela procedência de exceção dilatória, esta já tenha sido debatida nos articulados.
E as situações em que o juiz a pode dispensar estão previstas no art. 593º nº 1: (…) quando esta se destine apenas aos fins indicados nas alíneas d), e) e f) do nº 1 do artigo 591º. Assim, esta faculdade apenas pode ocorrer nas situações taxativamente previstas na lei e no uso da faculdade de gestão processual respeitando o princípio do contraditório (art. 6º, nº 1 e 547º).
Assim, da conjugação destes preceitos resulta com clareza que, num caso como o presente - em que o juiz entende que a exposição e concretização da matéria de facto na petição inicial apresenta insuficiências que comprometem de forma inexorável as probabilidades de êxito da acção e que, em face da não resposta do autor ao convite ao aperfeiçoamento efectuado, entendendo o tribunal que é de proferir despacho a conhecer do mérito concluindo pela manifesta improcedência do pedido e consequente absolvição deste - está o mesmo vinculado ao cumprimento da regra da designação da audiência prévia nos termos e para os efeitos do art. 591º nº 1 b).
Com efeito, caso o legislador tivesse querido incluir a prolação de decisão de mérito entre as hipóteses de dispensa de audiência prévia pelo juiz teria, no art. 592º nº 1, feito constar também a al. b) do art. 591º, o que não fez.
Acresce que, num caso como esse, mantém actualidade a razão de ser da obrigatoriedade da designação de audiência prévia que é o cumprimento do princípio do contraditório, princípio estruturante e basilar no processo civil.
A lei processual civil adoptou um concepção ampla deste princípio, pois além do direito de conhecimento de pretensão contra si formulada e do direito de pronúncia prévia à decisão (art. 3º nº 1 segunda parte e nº 2), prevê o direito de ambas as partes intervirem para influenciar a decisão da causa evitando decisões-surpresa (art. 3º, nº 3).
A este propósito referem José Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, Código de Processo Civil Anotado, Vol 1º, 4ª ed., Almedina, p. 29: “Este direito à fiscalização recíproca das partes ao longo do processo é hoje entendido como corolário duma conceção mais geral da contraditoriedade, como garantia de participação efectiva das partes no desenvolvimento de todo o litígio, em termos de, em plena igualdade, poderem influenciar todos os elementos (factos, provas, questões de direito) que se encontrem em ligação, direta ou indirecta, com o objecto da causa e em qualquer fase do processo apareçam como potencialmente relevantes para a decisão.”
Poder-se-ia pensar, num caso como o presente, que tendo sido proferido convite ao aperfeiçoamento e não tendo o autor respondido ao mesmo, seria desnecessário voltar a ouvir as partes, designadamente o autor, até porque está precludida a possibilidade deste completar a petição deficiente na audiência prévia ao abrigo do disposto no art. 591º nº 1 c). No sentido desta preclusão vide, entre outros, José Lebre de Freitas, in A Ação Declarativa Comum à Luz do Código de Processo Civil de 2013, 3ª ed., Coimbra Ed., p. 173.
Mas entendemos não ser assim.

Subscrevemos o referido no Ac. da R.L. de 11/07/2019 (Ana de Azeredo Coelho), in www.dgsi.pt, endereço ao qual pertencerão os acórdãos a citar sem menção de origem):
“O princípio do contraditório não implica um juízo do juiz quanto à necessidade de ouvir as partes, nomeadamente por considerar que elas ainda têm algo a dizer-lhe com relevo para o que tem a decidir. Implica, antes, que as partes têm o direito de dizerem ao juiz aquilo que naquele momento ainda entendem ser relevante.
Ora, podendo as partes estar impedidas de carrear novos factos para os autos, podendo ter já abordado todas as questões a apreciar, podem ainda, na perspectiva de uma decisão imediata, querer aprofundar algumas questões, ou, talvez mais relevante, podem querer infirmar a conclusão a que o juiz chegou de que lhe era possível decidir. Essa é, pelo menos, uma oportunidade relevante cerceada. E não pode presumir-se que, mesmo sendo exercida, a decisão seria a mesma. Pela simples razão de que não foi exercida.”

E ainda na parte em que refere:
“As razões de economia processual aventadas nos autos, de exaustão de razões, de pronúncia integral sobre todas as matérias, podem conduzir à não realização da audiência prévia. Mas não nestes termos, antes nos que a adequação formal permite – artigo 547.º do CPC - ou, meramente, mediante acordo das partes, para tal consultadas previamente, nos termos do artigo 3.º, n.º 3, do CPC.”
É, assim, jurisprudência e doutrina unânimes de que o juiz não pode julgar de mérito no despacho saneador sem facultar previamente às partes a discussão – vide na jurisprudência, entre outros, Ac. da R.L. de 08/02/2018 (Cristina Neves), de 30/05/2019 (Isoleta Almeida Costa), da R.P. de 12/09/2019 (Judite Pires), desta Relação de 17/01/17 (José Cravo), 13/02/2020 (Raquel Batista Tavares) e na doutrina, entre outros, Lebre de Freitas, in A Acção Declarativa Comum…, p. 172, Ferreira de Almeida, in Direito Processual Civil, Almedina, Vol. II, 2015, p. 190.
A prolacção de saneador sentença sem prévia realização de audiência prévia consubstancia a omissão de um acto que a lei impõe com influência na decisão da causa – art. 195º nº 1. Uma vez que essa omissão se torna patente com a prolacção de tal decisão essa nulidade deve ser arguida em sede de recurso com fundamento em excesso de pronúncia nos termos do art. 615º nº 1 d). Neste sentido vide Ac. do S.T.J. de 23/06/2016 (Abrantes Geraldes).
Tal nulidade implica a anulação da decisão proferida, bem como dos termos processuais subsequentes.
Deste modo, procede a apelação.
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As custas da apelação são da responsabilidade dos réus apelados face ao seu decaimento (art. 527º, nº 1 e 2 do C.P.C.).
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Sumário – 663º nº 7 do C.P.C.:

I - A regra é a obrigatoriedade da realização da audiência prévia destinada a algum ou alguns dos fins previstos no art. 591º do C.P.C..
II - As excepções encontram-se previstas no art. 592º do C.P.C. e a faculdade de a dispensar pode ocorrer nas situações taxativamente previstas no art. 593º do mesmo Código e no uso da faculdade de gestão processual respeitando o princípio do contraditório (art. 6º, nº 1 e 547º).
III - Num caso em que o juiz entende que a exposição e concretização da matéria de facto na petição inicial apresenta insuficiências que comprometem de forma inexorável as probabilidades de êxito da acção, e que, em face da não resposta do autor ao convite ao aperfeiçoamento efectuado, entende ser de proferir despacho a conhecer do mérito concluindo pela manifesta improcedência do pedido e consequente absolvição deste, está o mesmo vinculado ao cumprimento da regra da designação da audiência prévia nos termos e para os efeitos do art. 591º nº 1 b).
IV - A prolacção de saneador sentença sem prévia realização de audiência prévia consubstancia nulidade processual que deve ser arguida em recurso cuja procedência conduz à anulação daquela decisão, bem como dos termos processuais subsequentes.
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III – Decisão

Pelo exposto, acordam os juízes desta Relação em julgar procedente a apelação e, consequentemente, anulam a decisão recorrida, a qual deve ser substituída por outra que designe dia e hora para a realização de audiência prévia.
Custas pelos apelados.
A presente decisão é elaborada conforme grafia anterior ao Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa salvaguardando-se, nas transcrições efectuadas, a grafia do texto original.
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Guimarães, 16/12/2021

Relatora: Margarida Almeida Fernandes
Adjuntos: Afonso Cabral de Andrade
Alcides Rodrigues