MANDATO FORENSE
PERDA DE CHANCE
NEXO DE CAUSUALIDADE ADEQUADA
IMPUGNAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO
Sumário

I - O novo C.P.Civil, no que tange à impugnação da matéria de facto, reforça o ónus de alegação imposto ao recorrente, exigindo que deixe expressa a solução alternativa que devem ter as questões de facto impugnadas, sob pena de rejeição do recurso nesse segmento.
II - Não se compreendendo na obrigação de um mandatário forense a obtenção de um determinado resultado na causa em que representa o mandante, impõe-se-lhe já o cumprimento pontual e escrupuloso dos deveres consignados no respectivo estatuto, bem como todos aqueles que a lei lhe impõe, designadamente, o dever de zelo e diligência.
III - A responsabilidade do advogado pelos danos causados ao seu cliente, no âmbito e exercício do mandato forense, tem natureza contratual, uma vez que decorre da violação de deveres jurídicos emergentes do contrato com ele firmado.
VI - Comungando dos pressupostos da responsabilidade civil, para que possam ser imputadas as consequências de um determinado comportamento culposo ao mandatário judicial no exercício do seu múnus, é necessário que as mesmas se possam filiar naquele através de um nexo de causalidade adequada.
V - No instituto da “perda de chance”, a indemnização justifica-se quando se conclua, não que a perda de uma determinada vantagem é consequência adequada do facto ilícito do agente (segundo o tradicional nexo de causalidade entre o facto ilícito e culposo e o dano), mas desde que fossem verosímeis as probabilidades de obtenção dessa vantagem, num juízo de prognose póstuma, as quais se frustraram em consequência daquele facto.
VI - O ónus de prova de tal probabilidade impende sobre o lesado, como facto constitutivo que é da obrigação de indemnizar (art.º 342.º, n.º 1, do CC).
VII - Na apreciação casuística do dano impõe-se ao tribunal realizar uma apreciação/representação que, em termos de probabilidade, permita perspectivar o que teria sido decidido no processo (o apelidado critério do julgamento dentro do julgamento).

Texto Integral

Processo nº 18853/17.1T8PRT.P1-Apelação
Origem: Tribunal Judicial da Comarca do Porto Juízo Central Cível do Porto- J3
Relator: Manuel Fernandes
1º Adjunto Des. Miguel Baldaia
2º Adjunto Des. Pedro Damião e Cunha
Sumário:
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I-RELATÓRIO
B…, residente em …, …, Cantanhede, intentou acção com processo comum contra C…, advogado, com domicílio profissional na Avenida …, …, 6.º, Salas …, … e …, Porto pedindo a sua condenação a pagar-lhe uma quantia nunca inferior a € 118.304,54, acrescida dos respectivos juros legais até ao efectivo e integral pagamento.
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Alega para tanto e em resumo, que o Réu incorreu em responsabilidade civil profissional enquanto advogado, por ter omitido actos e violado deveres enquanto seu advogado, ao ter interposto uma acção para reconhecimento dos seus créditos laborais em dívida, apenas dois anos após o seu despedimento, quando já estavam prescritos tais créditos, prescrição essa que foi invocada pela entidade patronal e, que veio a ser julgada procedente na referida acção por sentença transitada em julgado, concluindo que era obrigação do Réu ter instaurada aquela acção atempadamente e, não o tendo feito, provocou-lhe prejuízos desde logo patrimoniais-correspondentes aos créditos laborais prescritos- no valor de € 90.701,04, acrescidos de juros legais, totalizando a importância de € 108.304,54, bem como danos não patrimoniais que computou em € 5000,00.
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O Advogado Réu contestou, impugnando os factos alegados pelo Autor, sustentando que, representou cerca de 5 trabalhadores que foram todos despedidos pela mesma entidade patronal, entre eles o aqui Autor, nomeadamente em todas as negociações relacionadas com o despedimento colectivo, nas quais foram referidas as pretensões salariais dos trabalhadores, nomeadamente em matéria de créditos alegadamente vencidos e não pagos, mas estando claro para todos que tais créditos não estavam ainda devidamente contabilizados pelos trabalhadores, que iriam ser mais tarde peticionados em acções judiciais, sendo que para isso era necessário que cada um dos trabalhadores compilasse todas as informações das respectivas agendas de motoristas e das cópias dos discos de condução, por forma a se poder saber todos os elementos necessários à contabilização dos créditos, tendo sido entregues no escritório do Réu, no decurso de 2012, todos os elementos do autor e dos restantes colegas, onde se constatou que a leitura das agendas era impossível, uma vez que só o próprio autor percebia o significado dos caracteres por ele apostos naquelas, pelo que ficou acordado que o autor e os restantes colegas preparariam a informação constante das respectivas agendas e a fariam chegar ao réu, a fim de este poder iniciar os cálculos relativos aos valores que porventura estivessem em dívida, tendo ficado o colega do Autor-H…-de tratar desse assunto, mas devido ao enorme volume de informação, só no dia 13 de Novembro de 2012 é que aquele enviou um primeiro esboço do referido esquema ao réu, só tendo chegado a informação completa, com os elementos das agendas, em data muito posterior a 23 de Novembro de 2012 e, tendo o dossier do autor sido preenchido e entregue ao Réu em data posterior a Dezembro de 2012, concluindo que sem essa informação não lhe era possível saber os valores que poderiam ser peticionados na acção que iria intentar contra a entidade patronal do autor, sabendo o autor que o prazo para a reclamação dos créditos era de um ano, havendo sido despedido em 22/11/2011.
Alegou ainda que, para evitar o decurso do prazo prescricional, requereu a notificação judicial avulsa da entidade patronal do autor, dando entrada da mesma em tribunal no dia 16/11/2012, tendo instaurado a acção do Autor a 15/11/2013, na qual requereu a citação urgente da entidade patronal do autor, da qual foi dado conhecimento ao autor, tendo a PI 1390 artigos e sendo o pedido formulado de €112.467,82 acrescido da quantia que se viesse a liquidar em sede de execução de sentença relativa a todo o trabalho extraordinário efectuado pelo autor no período compreendido entre Maio de 2001 e Julho de 2011, tendo a entidade patronal alegado na contestação que a notificação judicial avulsa não tinha sido correctamente feita por não especificar a natureza e o montante dos créditos laborais, defesa essa que foi atendida pelo juiz desse processo, que decretou a prescrição, decisão de que recorreram para o Tribunal da Relação, para o STJ e TC, tendo sido mantida a decisão proferida pela 1ª instância, concluindo o Réu que não houve qualquer facto ilícito porquanto não tinha na sua posse os elementos necessários, a fornecer pelo autor, que lhe permitissem fazer qualquer tipo de cálculo de créditos porventura vencidos e não pagos, bem como não era previsível que viesse a ser entendido que a notificação judicial avulsa que efectuou não interrompesse a prescrição, quando noutro tribunal, numa situação idêntica, veio a ser tratada a questão de forma juridicamente diferente, assim como os factos alegados na PI são insuficientes para aferir da existência de dano.
Peticionou por fim a condenação do Autor como litigante de má-fé, por ter omitido factos muitíssimo relevantes para a decisão da causa, colocando em causa a honorabilidade pessoal e profissional do Réu, não havendo conduta ilícita do mesmo, peticionando a esse título a condenação do Autor numa multa não inferior a 10 ucs e uma indemnização de € 2500,00.
Mais suscitou, a intervenção principal provocada das seguradoras Companhia de Seguros D… (seguro de responsabilidade civil da Ordem dos Advogados) e Companhia de Seguros E…, SA (seguro de responsabilidade civil de advogado complementar), por ter transferido para as duas seguradoras a responsabilidade pelo pagamento dos danos alegadamente sofridos pelo autor.
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O Autor deduziu oposição ao pedido de condenação como litigante de má-fé.
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Admitida a Intervenção principal provocada das duas seguradoras acima identificadas, pelas mesmas veio a ser contestada a pretensão do Autor, alegando, a Interveniente F…, SA a ineptidão da PI por ininteligibilidade da causa de pedir e do pedido, a falta de legitimidade passiva face à inaplicabilidade das apólices de seguro contratadas com ela, a exclusão da cobertura da apólice por ter sido a reclamação ou participação do sinistro apresentada fora do prazo estipulado na apólice, que o autor não invocou quaisquer prejuízos passíveis de ser indemnizados, nem a existência de nexo de causalidade, enquanto que a seguradora D…, SA alegou a questão da concorrência de seguros, bem como as exclusões previstas nos arts. 3º e 8º da condição especial de responsabilidade civil profissional, impugnando que se verifiquem os pressupostos da responsabilidade profissional do Réu, bem como que o autor nem sequer alegou qualquer facto que permita determinar quaisquer danos morais.
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Exercido o princípio do contraditório, manteve o Réu o alegado na PI.
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Foi proferido despacho a convidar o Autor a aperfeiçoar a PI nos termos que melhor constam do despacho de fls. 1104, tendo o Autor apresentado PI aperfeiçoada a fls. 1106v a 1110v, no âmbito da qual alterou o valor do pedido para a importância de €113.304,54 acrescida de juros legais até efectivo e integral pagamento.
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O Réu exerceu o contraditório relativamente à nova petição inicial, concluindo nos mesmos termos da contestação já apresentada.
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Foi realizada audiência prévia, tendo sido proferido despacho saneador, com conhecimento da excepção de ineptidão da petição inicial, concluindo-se pela mesma quanto aos danos não patrimoniais, tendo sido proferida decisão de absolvição do Réu relativamente à indemnização de € 5.000,00, tendo sido proferido despacho de fixação do objecto do litígio, factos assentes e temas de prova, que não sofreram reclamação.
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Procedeu-se a julgamento com observância do formalismo legal.
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A final foi proferida decisão que julgou a ação improcedente e absolveu o Réu e as Intervenientes dos pedidos contra si formulados.
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Não se conformando com o assim decidido veio o Autor interpor o presente recurso rematando com as seguintes conclusões:
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Devidamente notificadas contra-alegaram as intervenientes tendo ainda a F…, S.A. solicitado a ampliação do âmbito do recurso nos termos exarados no artigo 636.º do CPCivil.
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Corridos os vistos legais cumpre decidir.
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II- FUNDAMENTOS
O objecto da reclamação é delimitado pelas conclusões da alegação do recorrente, não podendo este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso-cfr. artigos 635.º, nº 3, e 639.º, nºs 1 e 2, do C.P.Civil.
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No seguimento desta orientação são as seguintes as questões que importa apreciar e decidir:
a)- saber se o tribunal recorrido cometeu erro na apreciação da prova e assim na decisão da matéria de facto;
b)- saber se, independentemente da alteração do acervo factual que o tribunal recorrido deu como provado, a sua subsunção jurídica se encontra, ou não, correcta.
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A)- FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO
É o seguinte o acervo factual que vem dado pelo tribunal recorrido:
1. O Réu é advogado inscrito na Ordem dos Advogados (OA), desde 30-11-1994, sendo portador da Cédula profissional nº …..;
2. O Réu enquanto advogado do Autor instaurou acção que correu seus termos como Proc. nº 1336/13.8TTVNG, no 2º Juízo do Tribunal de Trabalho de Vila Nova de Gaia;
3. A Interveniente E…, ora denominada F…, SA, celebrou com a Ordem dos Advogados (tomador do seguro), um seguro de responsabilidade civil profissional, através da apólice nº ………., o risco decorrente de acção ou omissão, dos actos e omissões praticados pelos Advogados com inscrição em vigor na Ordem dos Advogados, no exercício da sua profissão, nos termos das condições particulares, gerais e especiais juntas a fls. 1043 a 1067v cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais;
4. A apólice em causa vigorou pelo período de 24 meses, com data de início de 1 de Janeiro de 2012 às 00:00h e vencimento às 00:00 h de 1 de Janeiro de 2014;
5. Entre a Interveniente D…, SA e a Ordem dos Advogados foi celebrado um contrato de seguro de grupo, temporário, anual, do ramo de responsabilidade civil, titulado pela apólice nº …………., nos termos das condições particulares, gerais e especiais juntas a fls. 1087 a 1097 cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais;
6. A apólice em causa vigorou pelo período de 12 meses, com data de início às 00:00h de 1 de Janeiro de 2014 e termo às 00:00 h de 1 de Janeiro de 2015;
7. As referidas apólices de seguro tinham limite de €150.000,00 por sinistro e franquia de €5000,00 por sinistro;
8. O Réu contratou junto da Interveniente D…, SA apólice de reforço nº …………., através da qual garantiu a eliminação da franquia contratada através da apólice acima mencionada, entre as datas de 21/4/2014 e 21/4/2018;
9. O Réu Dr. C… teve conhecimento que o direito do Autor foi julgado prescrito no mês de Março de 2014;
10. O Autor como motorista profissional de pesados e no exercício dessas funções trabalhou sob a autoridade, direcção e fiscalização da sociedade comercial G…, Lda., sociedade por quotas, NIPC ……… com sede no …, Zona Industrial …, Rua …, Lote ., … ….-… Vila Nova de Gaia;
11. Com data de 8 de Agosto de 2011 o Autor recebeu a comunicação da intenção de despedimento colectivo;
12. O Réu aceitou representar o Autor no Processo de Despedimento Colectivo, tendo-o feito em Agosto de 2011, como consta da Acta da Reunião, datada de 31 de Agosto de 2011;
13. Nessa reunião, esteve presente o Réu, bem como o Representante da Direcção Geral do Emprego e das Relações de Trabalho, o Representante Legal da Empresa, um Representante da Comissão de Trabalhadores e as Advogadas da Empresa;
14. Nessa reunião de trabalho, foram adiantados valores dos créditos laborais que os trabalhadores reclamavam estarem em dívida, designadamente e no que ao Autor diz respeito, no montante de €90.701,04 (noventa mil setecentos e um euro e quatro cêntimos), fruto da soma de diversas rubricas, a saber:
- € 11.288,00 - Cláusula 74;
- € 34.676,00 - Sáb., Dom. e Feriados;
- € 43.992,00 - Folgas; e,
- € 745,04 – Formação;
15. Os valores relativos aos créditos laborais referidos nessa reunião foram cálculos efectuados por um trabalhador com base num alegado apuramento que tinha feito;
16. O Réu não foi o autor dos referidos cálculos, uma vez que à data não tinha acesso aos elementos necessários para os fazer;
17. E não tendo havido acordo no Processo de Despedimento Colectivo, o Autor recebeu a comunicação do seu despedimento no dia 22 de Novembro de 2011, data em que cessou o seu contrato de trabalho;
18. Após o referido despedimento, o Réu foi incumbido pelo Autor de reclamar os créditos laborais em dívida, mediante a instauração da competente acção laboral, já que a entidade patronal os recusou pagar;
19. A respectiva acção laboral, a qual correu os seus termos como Proc.º n.º 1336/13.8TTVNG, do 2º Juízo do Tribunal do Trabalho de Vila Nova de Gaia foi intentada, pelo Réu, no dia 15 de Novembro de 2013, tendo sido requerida a citação urgente da entidade patronal do autor;
20. E a entidade patronal foi citada no dia 21.11.2013;
21. Nessa acção era reclamada a quantia de € 112.467,82, montante actualizado, a título de diferenças salariais relativas aos anos de 1996 a 2011, inclusive, acrescida de juros contados desde a citação até efectivo e integral pagamento, que fosse declarado nulo e de nenhum efeito o n.º 8 da cláusula 74.ª do CCT celebrado entre a ANTRAM e a FESTRU e outros, publicado no BTE, 1ª Série, nº9, de 8 de Março de 1980 com a revisão publicada no BTE, 1ª série, nº 16, de 29 de Abril de 1982 e, que a entidade patronal fosse ainda condenada a pagar-lhe a quantia que se viesse a liquidar em execução de sentença, relativa a todo o trabalho extraordinário efectuado no período compreendido entre Maio de 2001 e Julho de 2011;
22. Essa acção foi contestada, argumentando a entidade patronal, entre outros fundamentos, a prescrição dos créditos laborais, por, no seu entender, a notificação judicial avulsa não ter sido correctamente feita, por não especificar a natureza e o montante dos créditos laborais;
23. Na sua resposta à contestação, o aqui autor alegou que o douto Acórdão do STJ em que a entidade patronal alicerçava a sua tese tinha sido proferido numa situação totalmente distinta daquela que ali se encontrava em causa; referiu igualmente que a questão dos créditos laborais em falta havia sido suscitada na reunião de 26 de Agosto de 2011, em que também esteve presente a DGERT, constando a proposta dos trabalhadores da acta da reunião de 31 de Agosto de 2011, nela figurando o, também aqui, autor como credor de um montante de € 75.893,04 (setenta e cinco mil oitocentos e noventa e três euros e quatro cêntimos);
24. Com a resposta à contestação foram juntas as cópias das actas das referidas reuniões, que nunca foram objecto de qualquer tipo de impugnação por parte da entidade patronal do autor;
25. Por sentença com data de 27 de Março de 2014 é afirmado que quando a acção foi proposta “já há muito estavam prescritos os direitos dos Autores enquanto trabalhadores que foram da Ré.”
Concluindo por “julgar procedente a excepção de prescrição suscitada pela Ré G…, Lda., absolvendo-se a mesma dos pedidos formulados pelo Autor B… na acção principal e pelo Autor H… na acção apensa;
26. Não concordando com esta decisão o Réu recorreu para o Tribunal da Relação, que manteve a decisão;
27. E para o Supremo Tribunal de Justiça, que não admitiu o recurso de revista;
28. O que igualmente sucedeu com o recurso que o Réu interpôs para o Tribunal Constitucional que por meio de decisão datada de 1 de Junho de 2016 também decidiu não conhecer do objecto do recurso;
29. No dia 13 de junho de 2016, o réu recebeu um e-mail do H…, em seu nome e no do autor, no qual instavam o réu a participar ao seguro o sinistro;
30. Na sequência de tal comunicação, e ao abrigo da apólice nº ………….- Ordem dos Advogados e apólice …………./., ambas da D…, o réu, notificou a mesma, por express mail, da participação do sinistro relativo aos alegados signatários do e-mail supra e também de um terceiro trabalhador em idênticas circunstâncias;
31. Também nesse mesmo dia, 20 de Junho de 2016, ao abrigo das apólices nºs ……….–Ordem dos Advogados e apólice adicional nº ………., o réu notificou a Companhia de Seguros E…, S.A., por express mail da participação do sinistro relativo aos alegados signatários do e-mail supra e também de um terceiro trabalhador em idênticas circunstâncias;
32. Do mesmo modo, quando o réu foi interpelado pelo Ilustre Mandatário do autor a dar-lhe conhecimento de que este o responsabilizava pelo alegado dano, deu conhecimento desse facto, Companhia de Seguros D… e à Companhia de Seguros E…, S.A.;
33. O réu forneceu às duas companhias de seguros todos os elementos que as mesmas solicitaram, tendo-lhes também dado conhecimento da existência da presente acção;
34. O autor era colega de trabalho de outros clientes do réu, em particular da testemunha H… cuja mulher era funcionária de uma familiar do réu, tendo sido um grupo de 5 trabalhadores representados pelo aqui réu, que foram todos despedidos pela mesma entidade patronal–G…;
35. Depois de ter sido contactado pela sua familiar para prestar serviços ao autor, que o réu, à data–Agosto de 2011-não conhecia, este último acompanhou todas as negociações relacionadas com o despedimento colectivo, tendo estado presente em todas as reuniões com a entidade patronal, a DGERT e os representantes indicados pelos trabalhadores;
36. Nessas reuniões foram referidas as pretensões salariais dos trabalhadores, nomeadamente em matéria de créditos alegadamente vencidos e não pagos, tendo também sido claro para todos que tais créditos não estavam ainda devidamente contabilizados pelos trabalhadores, facto que ficou a constar das actas de negociação;
37. A razão da não contabilização dos créditos prende-se com o facto de o apuramento dos mesmos implicar que cada um dos trabalhadores compilasse toda a informação das respectivas agendas de motoristas e das cópias dos discos de condução–quando tal lhes fosse possível–por forma a poder-se saber todos os elementos necessários à contabilização dos créditos, a saber:
a) Dias efectivamente trabalhados em cada um dos meses dos anos que durou o vínculo laboral;
b) Local da prestação do trabalho (Portugal ou estrangeiro);
c) Dias da semana em que estiveram no estrangeiro, fins-de-semana, e feriados locais e/ou nacionais;
d) Horas trabalhadas em cada um dos dias (só possível apurar por quem tivesse acesso a todos os discos de conduçã );
e) Recibos de todos os salários durante a vigência do contrato de trabalho;
f) Cópia de todas as comunicações da entidade empregadora, nomeadamente em matéria de valores pecuniários;
g) Indicação dos períodos de formação profissional em falta;
38. Para se poder proceder ao apuramento de todos os valores devidos pela entidade patronal, era preciso que os elementos supra referidos fossem todos disponibilizados, nomeadamente pelo autor ao réu;
39. Desde logo, se constatou a impossibilidade de se obter alguma da informação–v.g. todos os discos de condução;
40. No 1º trimestre do ano de 2012, o colega do Autor, H…, levou todos os seus elementos e os do Autor ao gabinete do réu, onde se constatou que, na leitura das agendas, era difícil perceber o significado dos caracteres apostos naquelas;
41. Para além do autor, o Réu representava outros clientes que estavam na mesma situação do mesmo;
42. Tendo em conta o grande volume de informação que era preciso trabalhar, e também o facto de tal não ser possível sem a informação das agendas estar acessível ao réu, ficou acordado que o colega do Autor, H…, prepararia a informação constante das respectivas agendas e a faria chegar ao réu, a fim de este poder, então, iniciar os cálculos relativos aos valores que porventura estivessem em dívida;
43. Quem ficou incumbido de tratar do esquema que iria ser utilizado na disponibilização da informação foi H…, conjuntamente com o réu;
44. Só no dia 13 de Novembro de 2012, H… enviou o primeiro esboço do referido esquema ao réu;
45. Tendo o mesmo enviado no dia 15 de Novembro de 2012 unicamente o seu esquema completo, composto por mais de 200 páginas, mas, ainda assim, sem a informação das agendas ali inserida;
46. A informação completa, com os elementos das agendas, apenas veio a ser entregue pelo autor, e pelo colega H…, representados pelo réu, em data posterior a 15 de Novembro de 2012, em dossiers preenchidos à mão pelos mesmos, em função das informações das agendas de cada um;
47. Sem a informação contida no documento junto sob o nº39, não era possível ao réu saber os valores que poderiam ser peticionados na acção que iria intentar contra a entidade patronal do autor;
48. Sabendo o autor que o prazo para a reclamação dos créditos era de um ano;
49. Para tentar evitar o decurso do prazo prescricional, o réu requereu então a notificação judicial avulsa da entidade patronal do autor – foram feitas três, uma em nome do autor e as outras duas em nome de cada uma das testemunhas arroladas pelo mesmo;
50. Tendo a referida notificação judicial avulsa o seguinte teor:
“EXMº. SENHOR
DOUTOR JUIZ DE DIREITO DO TRIBUNAL
JUDICIAL DA COMARCA DE VILA NOVA DE GAIA
Muito Urgente: Interrupção da Prescrição que termina a 23/11/12
B…, casado, residente na Rua …, nº.., …, ….-… …, Cantanhade, contribuinte nº………, vem a V.Exª., muito respeitosamente, requerer a
NOTIFICAÇÃO JUDICIAL AVULSA de,
G…, LDª., pessoa colectiva nº………, com sede no …, Rua …, Lote ., ….-… …, Vila Nova de Gaia, que poderá ser feita na pessoa do seu responsável e Director, Sr. I…,
PORQUANTO:
1º O requerente foi trabalhador da requerida, durante mais de 13 anos,
2º tendo o contrato de trabalho existente entre requerente e requerida cessado em 22 de Novembro de 2011,
3º por virtude de a requerida ter levado a cabo um despedimento colectivo,
4º no qual o requerente foi um dos trabalhadores abrangidos.
5º No momento em que cessou o contrato de trabalho, o requerente era, e ainda é, credor de diversos créditos laborais,
6º todos eles relacionados com o contrato de trabalho que cessou em 22 de Novembro de 2011.
7º Tais créditos venceram-se todos na pendência do contrato de trabalho,
8º mas, apesar de legalmente devidos pela requerida,
9º não foram pagos pela mesma.
10º Os créditos em causa atingem várias dezenas de milhares de euros,
11º não tendo ainda sido possível ao requerente apurar com exactidão os mesmos,
12º o que se encontra a fazer neste momento.
13º Dado que o requerente pretende receber da requerida todos os montantes a que legalmente tem direito por força da cessação do contrato de trabalho que vigorou entre ambos,
14º e não tem a certeza de conseguir o apuramento total de tais créditos até ao dia 18 de Novembro,
15º o mesmo, ao abrigo do disposto nos artº.323º, nºs.1 e 2, do Código Civil, viu-se obrigado a recorrer ao presente meio judicial para interromper o prazo de prescrição previsto no artº.337º do Código do Trabalho,
16º o qual termina no próximo dia 23 de Novembro de 2012–cfr., entre o outros, AC. Da R.L. de 30/03/2011, in CJ, Ano XXXVI, Tomo II, pág. 146 -.
Termos em que, requer seja ordenada a notificação da requerida, no sentido de lhe dar conhecimento de que o requerente se considera credor de todos os créditos laborais vencidos até 22 de Novembro de 2011 e que não foram pagos no momento da cessação do contrato de trabalho, que atingem várias dezenas de milhares de euros, mas cujo apuramento ainda não se encontra concluído na íntegra.
Mais requer, seja dado conhecimento à requerida que o requerente pretende recorrer à via judicial para cobrança de todos os aludidos créditos laborais.
Por fim, requer ainda que seja dado conhecimento à requerida que a presente notificação é feita nos termos e para os efeitos do disposto no artº.323º. nºs.1 e 2 do Cód. Civil e que de destina a interromper a prescrição prevista no artº.337º do Código do Trabalho, tudo com as legais consequências.
P.E.D.
JUNTA: Procuração e duplicados legais.
REQUER: Que a notificação seja feita por funcionário judicial.
O ADVOGADO”;
51. A notificação judicial avulsa deu entrada em tribunal no dia 16 de Novembro de 2012, dia imediatamente a seguir àquele em que o réu recebeu do autor a informação relativa ao esquema que iria ser utilizado para apuramento dos valores alegadamente devidos pela entidade patronal ao autor e aos colegas do mesmo representados pelo réu;
52. O autor acompanhou todo este processo, e teve conhecimento inclusivamente da data da entrada em juízo da petição inicial, cuja taxa de justiça foi paga pelo mesmo;
53. A petição inicial teve 1390 (mil trezentos e noventa) artigos, sendo referenciadas no CITIUS 269 (duzentas e sessenta e nove) páginas;
54. No processo em que foi autor J…, foi feita uma notificação judicial avulsa totalmente idêntica à do aqui Autor;
55. A qual deu entrada em juízo no dia 21 de Junho de 2013 para interromper uma prescrição que iria ocorrer a 27 desse mesmo mês, tendo a notificação sido efectuada no dia 25 de Junho de 2013;
56. A acção intentada por J… contra a sua entidade patronal–a mesma do aqui autor–deu entrada em juízo no dia 19-06-2014, tendo a entidade patronal daquele apresentado uma contestação em que suscitou a questão da prescrição de forma igual à suscitada na acção intentada pelo aqui autor;
57. Tendo o referido J…, na sua resposta à contestação, respondido à excepção da prescrição e juntado aos autos cópia dos mesmos documentos que haviam sido juntos pelo aqui autor também com a sua resposta à contestação;
58. Tendo o Meritíssimo Juiz do Tribunal da Comarca de Aveiro, Instância Central, 1ª Secção de Trabalho, J1, decidido a questão da seguinte forma:
“O que está em causa é saber se a notificação judicial avulsa efectuada em 20/06/2013 constitui ou não, nos concretos termos em que foi feita, um facto interruptivo da prescrição, nos termos previstos no art. 323º n.ºs 1 e 4 do Cód. Civil.
Em ordem a tal apreciação e procurando acautelar todas as soluções plausíveis de direito, parece-nos que poderá ter interesse saber se, como alega o A., quando foi informado pela R. da extinção do seu posto de trabalho, manifestou logo perante esta a intenção de receber créditos salariais a que entendia ter direito, “(…) relacionados com a cláusula 74, trabalho aos Sábados, Domingos e Feriados e Folgas, e também com o incorrecto pagamento do prémio TIR” – cfr. art. 1566º, conjugado com o art. 1562º, ambos da p.i..
Trata-se de factualidade ainda controvertida, face à posição assumida pela R. nos arts. 18º e 20º da contestação.
Pelo que se entende por bem relegar para sentença o conhecimento da excepção.”;
59. O pedido formulado na acção pelo trabalhador J… foi de € 97.307,60 (noventa e sete mil, trezentos e sete euros e sessenta cêntimos), a título de diferenças salariais relativas aos anos de 1996 a 2012, inclusive, acrescido de juros contados desde a citação até efectivo e integral pagamento, tendo também sido peticionada a condenação da entidade patronal no pagamento da quantia que se viesse a liquidar em sede de execução de sentença, relativa a todo o trabalho extraordinário efectuado pelo autor no período compreendido entre Maio de 2001 e Junho de 2012;
60. Foi decidido pelo trabalhador J… aceitar receber, por acordo, um valor bruto de € 24.000,00 (vinte e quatro mil euros);
61. Todos os elementos documentais entregues ao réu pelo autor, sem a informação constante das inúmeras agendas do mesmo, não permitiam, por si só, fazer o cálculo de créditos porventura vencidos e não pagos;
62. Tendo em conta que as agendas estavam todas manuscritas e que o teor das mesmas era imperceptível para o réu, tendo em conta o modo como estava organizada a informação, não era sequer possível ao réu fundamentar qualquer eventual valor com referência a items salariais vencidos e não pagos;
63. A notificação judicial avulsa feita pelo autor à sua entidade patronal foi de facto efectuada, foi objecto de um despacho prévio de um Juiz, sendo que a ré, apesar de notificada não atacou o despacho que a ordenou;
64. Na contestação apresentada pela entidade patronal do A. na ação judicial subjacente aos presentes autos, esta não reconhecia a existência dos créditos laborais que este reclamava, tendo sido impugnados especificamente todos os créditos;
65. O Autor não forneceu ao Réu a indicação concreta das horas efectivamente trabalhadas.
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Factos não provados
Não se provou que:
1. A quantia de € 90.701,04 referente a créditos laborais em dívida foi apurada pelo Réu ainda na constância do Processo de Despedimento Colectivo, em 22 de Novembro de 2011;
2. A esmagadora maioria dos seus colegas despedidos obtiveram ganho de causa nas acções que intentaram contra a entidade patronal;
3. A informação completa, com os elementos das agendas, apenas veio a ser entregue pelo autor, em data muito posterior a 23 de Novembro de 2012, em dossier preenchido à mão pelo mesmo, em função das informações das suas agendas;
4.Tendo o dossier do autor sido preenchido e entregue ao réu pelo próprio, ou por alguém a seu pedido, em data posterior a Dezembro de 2012;
5. As acções deram entrada todas no mesmo dia face ao volume de informação que era necessário trabalhar, tendo em conta o número de acções e também a vontade manifestada pelos três clientes iniciais do réu, entre os quais se encontrava o autor;
6. Na audiência de partes a entidade patronal do autor apresentou uma proposta de pagamento de 10% (dez por cento) do valor do pedido, o que foi recusado por este;
7. O montante pago ao trabalhador J… foi o pagamento mais elevado feito pela entidade patronal do aqui autor na sequência dos despedimentos colectivos que efectuou, sendo que este, e os restantes colegas representados pelo réu, tiveram conhecimento do desenrolar do processo do J…;
8. Em 16 de Novembro de 2013 o réu ainda não tinha na sua posse todos os elementos necessários à contabilização dos valores que deveria peticionar na acção;
9. A entidade patronal do autor reconheceu que o direito invocado pelo autor existia e que o prazo para o exercício do mesmo se interrompeu com a notificação.
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III. O DIREITO
Como acima se referiu a primeira questão que no recurso vem colocada prende-se com:
a)- saber se o tribunal recorrido cometeu erro na apreciação da prova e assim na decisão da matéria de facto.
O recorrente impugna, no presente recurso, a decisão sobre matéria de facto proferida pelo tribunal recorrido alegando que, ponderados os depoimentos prestados em audiência e a sua análise cuidada obrigaria a outro entendimento, nomeadamente, à alteração dos factos dados como provados n.ºs 15, 38, 46, 48, 51, 52, 54, 55, 56, 57, 58, 64 e 65 da fundamentação factual.
Vejamos, então se deve ou não ser conhecido este segmento recursório.
Estabelece o artigo o artigo 640.º do Novo Código de Processo Civil, sob a epígrafe “Ónus a cargo do recorrente que impugne a decisão de facto” que:
1- Quando seja impugnada a decisão proferida sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:
a) Os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados;
b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida.
c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.
2- No caso previsto na al. b) do número anterior observa-se o seguinte:
a) Quando os meios probatórios invocados como fundamento de erro na apreciação das provas tenham sido gravados incumbe ao recorrente sob pena de imediata rejeição do recurso na respectiva parte, indicar com exactidão as passagens da gravação em que se funda, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes.
Esta norma impõe rigor e precisão, onerando o recorrente com o dever de especificar os factos e os meios probatórios que, em concreto, questiona bem como o sentido decisório que devem ter as questões de facto impugnadas.
Portanto, neste novo regime, o legislador concretiza a forma como se processa a impugnação da decisão, reforçando o ónus de alegação imposto ao recorrente, prevendo que deixe expresso a solução alternativa que, em seu entender, deve ser proferida pela Relação em sede de reapreciação dos meios de prova.[1]
Sob pena de se desvirtuar a letra da norma, que vincula o intérprete nos termos do artigo 9.º do C. Civil, e a sua ratio, considerando a evolução legislativa no sentido da alteração do regime do recurso da matéria de facto, (D. Lei 39/95 de 15 de Fevereiro, D. Lei 183/200 de 10 de Agosto e o D. Lei 303/2007 de 24 de Agosto) e Lei 41/2013 de 26/06, este regime, ainda que convertendo em maior facilidade o ónus de todos os intervenientes, impõe a sua observação estrita, compatível com a sanção prescrita em função da enunciada omissão-a rejeição do recurso, no que a esta impugnação respeita.
Por outro lado, também o legislador no seguimento da orientação dos anteriores diplomas, que estatuíam sobre esta matéria, continua a não prever o prévio aperfeiçoamento das conclusões de recurso, quando o apelante não respeita o ónus que a lei impõe.
Desta forma, o efeito de rejeição não é precedido de despacho de aperfeiçoamento, o que se explica pelo facto da possibilidade de impugnação da decisão de facto resultar de uma alteração reclamada no domínio do processo civil e estar em causa a impugnação de decisão de matéria de facto que resultou de um julgamento em relação ao qual o tribunal “ad quem” não teve intervenção e por isso, só a parte interessada estará em condições de poder impugnar essa decisão.[2]
Ora, no caso concreto, realizou-se o julgamento com gravação dos depoimentos prestados em audiência e o apelante vem impugnar a decisão da matéria de facto, com indicação dos pontos de facto impugnados- pontos n.ºs 15, 38, 46, 48, 51, 52, 54, 55, 56, 57, 58, 64 e 65 da fundamentação factual.
Todavia, o apelante não cumpriu o ónus que resulta da lei não indicando qual a decisão que tais factos deviam merecer, tendo-se limitado a dizer que ponderados os depoimentos prestados em audiência e a sua análise cuidada obrigaria a outro entendimento, nomeadamente, à alteração dos factos dados como provados nos referidos números.
Mas que resposta deviam ter os mencionados pontos factuais?
O apelante não o diz.
Importa enfatizar que, entre o provado e o não provado pode sempre haver toda uma variedade de pronunciamentos intermédios.
Nas conclusões da sua apelação (lugar onde, a par da indicação dos factos que entendia estarem mal julgados, havia de especificar a decisão que, no seu entender, deveria ser proferida sobre esses factos, por isso que estamos aqui perante matéria interligada) nada exarou o apelante que indique claramente a decisão que, no seu entender, deveria ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.
Para além disso o recorrente não concretizou, por referência a cada facto impugnado, quais os meios probatórios que, no seu entender, imporiam decisão diversa daquela que foi dada pelo Tribunal de 1.ª Instância, antes se limitando a proceder a uma indicação genérica e em bloco, para aquele conjunto de factos.
É certo que no corpo alegatório o recorrente faz a transcrição de excertos de depoimentos prestados por testemunhas ouvidas em sede de audiência final, porém, sem que faça corresponder tais depoimentos a determinados pontos factuais que considerasse incorrectamente julgados e, concretamente, aos que refere na sua conclusão 5ª, ou seja, são transcrições depoimentos na decorrência de alegação que nada tem que ver com a impugnação da matéria de facto, mas sim para demonstrar, já em termos de subsunção jurídica, o incumprimento por parte do Réu do contrato de mandato.
Como assim, incumprindo o Autor/apelante tal ónus está, pois, este Tribunal da Relação impedido de sindicar o julgamento da matéria de facto, não podendo, por decorrência, apreciar o recurso, na vertente da impugnação da matéria de facto, nos termos do artigo 662, nº1, do CPCivil0
Consequentemente, em obediência ao preceituado no artigo 640.º, nº 2 al. a) do NCPCivil, impõe-se rejeitar o recurso, no que à matéria de facto respeita.[3]
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Permanecendo inalterada a fundamentação factual que o tribunal recorrido deu como assente a segunda questão que importa decidir consiste em:
b)- saber se a sua subsunção jurídica se encontra, ou não, elabora de forma correcta.
Como deflui da matéria factual supra descrita, o Recorrido foi contratado pelo Recorrente, desde logo para o representar, na sua qualidade de advogado, na fase do despedimento colectivo, em reuniões perante a entidade patronal, em Agosto de 2011, representando os seus interesses nas várias reuniões que se efectuaram entre o representante da DGERT, o legal representante da empresa para a qual o Recorrente trabalhara e o representante da Comissão de Trabalhadores.
Posteriormente, comunicado o seu efectivo despedimento, em 22 de Novembro de 2011, para reclamar judicialmente os créditos salariais de que o Recorrente se arrogava titular, contra a ex-entidade patronal, dado não ter havido acordo nesse processo de despedimento colectivo, após o que o Recorrido foi incumbido de reclamar os créditos laborais em dívida, mediante a instauração da respectiva acção laboral.
Acção laboral que foi intentada pelo Recorrido no dia 15 de Novembro de 2013, na qual foi requerida a citação urgente da ex-entidade patronal do Recorrente e tendo corrido os seus termos como Proc.º n.º 1336/13.8TTVNG nela veio a ser proferida sentença de absolvição da entidade patronal após ter sido julgada procedente a excepção da prescrição dos créditos laborais, o que seria confirmada pelos Tribunais Superiores.
O contrato genérico de mandato encontra-se definido no artigo 1157.º do CCivil como aquele pelo qual uma das partes se obriga a praticar um ou mais actos jurídicos por conta de outra. A especificidade do mandato forense é a de que os actos a praticar são actos judiciais, a terem lugar no âmbito de processos judiciais (artigo 44.º nº 1, do CPCivil). Tal mandato é representativo, como resulta desta norma, à semelhança daquele que é constituído por procuração, no termos do artigo 262.º, nº 1, do Código Civil.
Cabe ao mandatário a prática dos actos compreendidos no mandato, segundo as instruções do mandante, nos termos do artigo 1161.º, alínea a), do Código Civil.
No entanto, no caso do mandato forense, a definição dos procedimentos e do conteúdo e forma dos actos a praticar na sua execução insere-se já numa esfera de autonomia profissional e independência técnica e estratégica, impostas pela especificidade da matéria, que deve reconhecer-se ao mandatário. É, de resto, essa tecnicidade e especificidade, em conexão com a relevância axiológica ou económica das situações jurídicas, que justifica a necessidade, por vezes incontornável, da assistência de um mandatário forense na prática de determinados actos judiciais.
É também incontroverso que a prestação devida pelo mandatário é uma prestação de meios e não uma obrigação de resultado: o que ao advogado compete é atender os interesses do mandante, seu cliente, e utilizar os meios possíveis e ajustados para a sua realização, mas não se obriga ao sucesso da demanda.
Aquilo que pode oferecer ao mandante são os seus conhecimentos, o seu trabalho, esforço, prudência, sagacidade e apego na satisfação da pretensão. Logo, não se pode imputar ao patrono nenhuma responsabilidade pelo insucesso da causa, se o mesmo agiu correctamente no patrocínio da mesma.
Assim, não se compreendendo na obrigação de um mandatário forense a obtenção de um determinado resultado na causa em que representa o mandante, impõe-se-lhe já o cumprimento pontual e escrupuloso dos deveres consignados no respectivo estatuto, bem como todos aqueles que a lei lhe impõe, designadamente, para com os clientes (artigo 92.º do Estatuto da Ordem).
Impõe-se-lhe o estudo e o tratamento zeloso da situação jurídica em que representa o mandante, devendo usar todos os recursos da sua experiência, saber e actividade [artigo 95.º, nº 1, alíneas a), e b) do EO). Impõe-se-lhe, assim, que exerça o mandato com a diligência de um bom pai de família, na consideração da diligência do homem médio, mas também em função das especificidades inerentes ao tipo de mandato e às circunstâncias em que é executado.
Será em sede desse vínculo contratual que se situará uma eventual responsabilidade do mandatário, no caso de incumprimento da respectiva obrigação, do que resultem danos para o mandante. Estaremos, por isso, perante uma hipótese de responsabilidade contratual.
A preterição desses seus deveres pode fazê-lo incorrer em responsabilidade civil (artigo 92.º, nº 1, final, do EOA) sendo, segundo cremos, corrente jurisprudencial maioritária, no sentido de que a responsabilidade do advogado pelos danos causados ao seu cliente, no âmbito e exercício do mandato forense, tem natureza contratual, uma vez que decorre da violação de deveres jurídicos emergentes do contrato com ele firmado.
Nesse particular, o facto ilícito constituir-se-á do comportamento consistente na preterição de vínculos decorrente do contrato firmado (artigo 798.º do Código Civil); o juízo de censura presumir-se-á (artigo 799.º, nº 1, do Código Civil); e o prejuízo, consistente na quebra que se faça sentir na esfera do lesado, há-de ter sido adequadamente gerado por aquele comportamento (artigo 563.º do mesmo diploma legal).
Postos estes breves considerandos, o Autor/recorrente pretende que o Réu o indemnize, no seu entendimento, por via do cumprimento defeituoso do referido contrato de mandato forense estribado, essencialmente, na circunstância de que o Réu não logrou provar que esteve impedido de propor a acção laboral para reclamação dos seus créditos, nem que usou da notificação judicial avulsa com a diligência, as cautelas e o zelo que lhe era exigível.
Na decisão recorrida propendeu-se para o entendimento de que, efectivamente, o Réu não agiu com a máxima prudência que lhe era exigível, nem empregou todos os esforços possíveis para instaurar a acção laboral dentro do prazo legal, impedindo a verificação da prescrição, tendo omitido os deveres de diligência que lhe estavam cometidos por força do mandato e, sendo o seu comportamento merecedor de um juízo de censura, porque podia e devia ter actuado de forma a evitar a prescrição do direito do Autor, devia ter tratado com zelo a questão de que estava incumbido, utilizando para o efeito, todos os recursos da sua experiência, saber e actividade.
Mais aí se exarou que face aos factos dados como provados, tinha de se concluir que, a falta de instauração atempada, dentro do prazo legal para o efeito (1 ano após o despedimento) da acção para reclamação de créditos salariais para que foi contratado pelo Autor, que levou à extinção da mesma por prescrição, consubstancia inexecução ilícita da obrigação de assistência técnica por parte do Réu ao Autor e foi causa necessária para que o Autor tivesse visto precludido, em definitivo, o direito de apreciação jurídica da pretensão deduzida naquela acção, consubstanciando uma inexecução dos deveres enquanto seu mandatário.
Isto posto, dúvidas não existem de que, tal como se refere e bem na decisão recorrida, o Réu ao ter omitido aquele acto processual, contra o que era exigível que fizesse, actuou de forma ilícita e culposa, culpa essa que se presume por estarmos no âmbito de responsabilidade contratual e, que o Réu também não logrou ilidir, pois que nenhum facto logrou provar (conforme lhe competia) que o tivesse impedido de instaurar a acção no prazo de 1 ano a contar do despedimento do Autor, tendo violado a relação de confiança que havia criado no autor ao constituí-lo como seu mandatário, pois que não diligenciou, como podia e devia ter feito, na defesa dos interesses do seu constituinte.
Evidentemente que, face ao aludido incumprimento do mandato pelo Réu e, presumindo-se a sua culpa, torna-se este responsável pelos prejuízos sofridos pelo Autor em consequência do referido incumprimento, incumbindo ao Autor provar o dano.
E, para além da prova de um dano efectivo, para que um advogado seja responsabilizado pelos danos resultantes da omissão de um determinado acto processual, torna-se ainda necessário a prova do nexo de causalidade entre a conduta omissiva e os invocados danos.
Ora, foi este dano efectivo e o nexo causal que o tribunal recorrido conclui não se verificar no caso concreto.
É pois contra este entendimento que se insurge o recorrente, mas, respeitando-se diferente opinião, sem qualquer razão.
Como é consabido a teoria da “perda de chance” surge como uma terceira via que visa superar a tradicional dicotomia entre a responsabilidade contratual versus responsabilidade extracontratual ou delitual, prevendo ainda a situação em que a responsabilidade civil deve ter uma função tuteladora das expectativas dos cidadãos.
Sendo os pressupostos da responsabilidade clássica a conduta; o dano ou prejuízo e o nexo de causalidade, a teoria da “perda de chance” aparece para permitir o dever de indemnizar pela perda da oportunidade de conquistar determinada vantagem ou evitar certo prejuízo, apesar de a situação ser meramente hipotética e não real.
No sentido jurídico, a perda de uma chance é a probabilidade real de alguém obter um lucro ou evitar um prejuízo, ou seja, relaciona-se com a circunstância de alguém ser afectado num seu direito de conseguir uma vantagem futura ou de impedir um dano, por facto de terceiro.
Traduz a situação em que, em virtude da conduta de outrem, desaparece a probabilidade de um evento que possibilitaria um benefício futura para a vítima, como deixar de recorrer de uma sentença desfavorável pela falha do advogado.
A doutrina da perda de chance propugna, em tese geral, a concessão de uma indemnização, quando fique demonstrado, não o nexo causal entre o facto e o dano final, mas simplesmente que as probabilidades de obtenção de uma vantagem, ou de evitamento de um prejuízo, foram reais, sérias, consideráveis. Sustenta-se que, para efeitos de verificação do nexo de causalidade, se deve colocar o acento tónico não no resultado final, mas nas possibilidades de ele ser atingido (é necessário que o acto ilícito e culposo seja a causa jurídica da perda da chance).
Acontece que a aplicação desta teoria no nosso regime não é uma questão pacífica nem na doutrina nem na jurisprudência, não obstante ter vindo a ser reconhecida a existência da responsabilidade civil em decorrência da perda de uma oportunidade, em pretensões de naturezas distintas.
Na doutrina admitem a aplicação desta teoria Nuno Santos Rocha[4] e Carneiro da Frada.[5]
Defendendo a perda de chance como dano autónomo, diz Nuno Santos Rocha[6], que, “para determinar o valor da indemnização terá de se proceder a três operações distintas: [a]valiar, primeiro, qual o valor económico do resultado em expectativa e, de seguida, a probabilidade que existiria de o alcançar, não fora a ocorrência do facto antijurídico. Este segundo valor, calculado numa percentagem-traduzindo a consistência e seriedade das chances-, terá que ser por fim aplicado ao primeiro, para que se possa finalmente obter o valor pecuniário da perda de chance”.
Paulo Mota Pinto[7] considera que não há no nosso ordenamento jurídico base legal para a admissibilidade desta figura.
Para outros autores como Rute Teixeira[8] e Menezes Leitão[9] entre outros, a perda de chance é tida como um dano emergente, considerando-se que a oportunidade corresponderia a um beneficio já adquirido pelo lesado de que este vem a ser privado, cuja indemnização deve ser calculada tendo em conta o grau de probabilidade de realização dessa oportunidade.
Neste sentido, Rute Teixeira Pedro[10] afirma que a ressarcibilidade do dano por perda de chance depende de determinados pressupostos:-“terá de existir um determinado resultado positivo–a obtenção de uma vantagem ou a não concretização de uma desvantagem-que pode vir a verificar-se, mas cuja verificação não se apresenta certa”;- “é necessário que, apesar desta incerteza, a pessoa se encontre numa situação de poder vir a alcançar esse resultado”; (…) é indispensável que se verifique um comportamento de terceiro, susceptível de gerar a sua responsabilidade, e que elimine de forma definitiva as (ou algumas das) existentes possibilidades de o resultado se vir a produzir (…) o facto do agente destrói as expectativas existentes e inviabiliza a obtenção do resultado esperado. O desaparecimento do elemento intermédio traz, por arrastamento, o desaparecimento do resultado final que eventualmente se viria a verificar”.
Enquanto estes autores põem a tónica num novo conceito de dano, outros, como Júlio Gomes[11] consideram haver uma ruptura em relação à concepção clássica da causalidade. Para este autor a perda de oportunidade não terá entre nós virtualidades para fundamentar uma pretensão indemnizatória, mas ainda assim admite a sua aplicação, residual nos casos em que a oportunidade está de tal forma consolidada que constitua um bem a merecer tutela no património do lesado.
Por sua vez, Rui Cardona Ferreira[12] aproxima-se dos autores que entendem não estar em causa, na perda de chance, um dano patrimonial autónomo, tratando-se antes de uma hipótese de lucros cessantes, e propondo uma “revisão” da teoria da causalidade adequada.
Para efeitos de cálculo da indemnização, entende que se deve ter em conta “o grau de aleatoriedade, ou incerteza, relativa à possibilidade de concretização da chance, não fora a prática do acto ilícito”.
Para Álvaro Dias[13]: “a perda de chance é um dano tão digno de indemnização como qualquer outro, desde que se consiga fazer prova de todos os requisitos ou pressupostos da obrigação de indemnizar, mormente a certeza do dano e o nexo de causalidade adequada entre o facto e o dano. Se configurarmos a perda de chance como uma lesão do direito à integridade ou incolumidade do património do respectivo titular, facilmente nos damos conta que a mesma se nos depara como um dano certo (salvo quanto ao seu montante) onde acaba por emergir a perda de uma possibilidade actual, e não de um resultado futuro. A possibilidade perdida configura-se assim como um bem patrimonial, uma entidade económica e juridicamente avaliável, cuja perda produz um dano actual e ressarcível”.
Em suma: para alguns autores a perda de chance não tem, entre nós, base jurídico-positiva (a perda de chance não constitui um dano autónomo, nem é indemnizável enquanto tal, admitindo alguns que o dano-final-possa ser indemnizável se se verificar elevada probabilidade de ter sido adequadamente causado pelo facto ilícito, ou seja reduzindo a perda de chance constitui um problema de causalidade); para outros o caminho está na consideração de um dano autónomo (consideram a perda de chance indemnizável enquanto dano intermédio, autónomo do dano final, desde que se verifiquem os demais pressupostos da responsabilidade civil, nomeadamente o facto ilícito e culposo e o nexo causal entre ele e o dano da perda de chance, pelo que a perda de chance não constitui um problema do domínio da causalidade, mas do domínio do dano) e para outros ainda, a aceitação da teoria tem de levar a uma revisão da teoria da causalidade adequada e tratam o assunto como uma hipótese de lucros cessantes (não se estabelecendo o nexo causal com o dano–final-não há lugar a indemnização; a mera perda de chance não constitui um dano).
Diante do exposto, verifica-se que não existe, assim, uma teoria que harmonize os pressupostos e facilite a aplicação da doutrina da perda de chance.
Em jeito de conclusão podemos pois dizer que, o novo paradigma da responsabilidade civil que tem um olhar mais atento sobre a vitima e sobre a reparação do dano qualquer que ele seja, vê na teoria da perda de chance uma tentativa de solucionar as injustiças de que enferma o tradicional modelo do “tudo ou nada”.
Acontece que cada vez mais a jurisprudência portuguesa, principalmente no que diz respeito à negligência médica e ao mandato forense, considera a perda de chance como indemnizável enquanto dano intermédio, autónomo do dano final, desde que se verifiquem os demais pressupostos da responsabilidade civil, nomeadamente o facto ilícito e culposo e o nexo causal entre ele e o dano da perda de chance.[14]
Com efeito, faz sentido a aplicação da teoria em causa ao mandato forense, já que o patrocínio judiciário destina-se a garantir um interesse de ordem pública e, por isso, o mandatário forense tem uma obrigação de meios ou de diligência e não de resultado, ele obriga-se a desenvolver uma actividade com todo o zelo e utilizando os seus conhecimentos técnicos para encontrar a solução jurídico-legal adequada.
Mas o direito a uma indemnização pela perda de chance, no caso dos profissionais forenses, tem de ser feita de acordo com o grau de probabilidade de sucesso no litígio em questão e de forma a que se conclua que essa oportunidade ficou, por via da acção ou omissão do advogado, irremediavelmente perdida.[15]
Como se refere no Ac do STJ de 5-5-2015,[16] “para haver indemnização, o dano da perda de oportunidade de ganhar uma acção não pode ser desligado de uma consistente e séria probabilidade de a vencer: não basta invocar a omissão da obrigação (…); impõe-se, ainda, alegar e provar que, sem essa omissão, os factos fundamento resultariam provados, tendo de ser muito elevada a probabilidade de vencer a acção omitida” (negrito e sublinhados nossos).
Portanto, a indemnização a atribuir com base em perda de chance não dispensa um julgamento dentro do julgamento, ou seja, não basta verificar-se falta grave obstativa por si do desfecho jurídico favorável, importa ainda ponderar a probabilidade elevada de que tal desfecho favorável pudesse ter-se verificado.[17]
No caso dos autos como bem se refere na decisão recorrida, contrariamente ao que lhe era exigível-e para o qual foi convidado pelo tribunal a aperfeiçoar a sua petição inicial-, o Autor nada alegou de concreto relativamente ao provável sucesso da acção proposta pelo Réu enquanto seu advogado, pois que estruturou a sua pretensão no sentido de ser suficiente para exigir uma indemnização do Réu o mero facto de este ter omitido um dever que determinou a extinção da acção que em seu nome fora proposta.
É que não existem nos autos elementos que permitam assegurar que, caso a acção fosse apreciada pelo Tribunal e, se tivesse produzido prova dos fundamentos invocados pelo Autor naquela acção, a mesma procederia, ou era sério, real e muito provável o desfecho favorável da acção para o Autor, apenas que a omissão do Réu determinou a impossibilidade de o autor produzir a prova dos fundamentos que invocava para a sua pretensão.
Dúvidas não existem de que o Réu postergou norma legal que lhe impunha uma obrigação de zelo perante a defesa dos interesses do seu constituinte, violando um vínculo obrigacional pré-constituído que visava precisamente a defesa dos interesses do Autor na acção judicial que por esta foi intentada, mas que por culpa do mandatário acabou por se extinguir sem apreciação judicial dos fundamentos por aquele invocados e, que essa impossibilidade ou perda de apreciação jurisdicional da sua pretensão é um dano em si, autónomo, sendo passível de ressarcimento pecuniário.
Acontece que, não se pode afirmar sem elementos objectivantes que o sustentem que, no caso em apreço, a omissão do Réu fez perder ao Autor a chance de conseguir que a entidade patronal lhe pagasse os créditos salariais que ele alegava serem devidos e estarem em dívida.
Com efeito, não foi produzida qualquer prova de que esses créditos existiam e ainda permaneciam em dívida aquando do despedimento, desconhecendo-se se não foram satisfeitos pela entidade patronal aquando da prestação do trabalho e se o deviam ter sido.
É que importa enfatizar que a entidade patronal nunca reconheceu dever qualquer importância ao Autor durante o tempo que perdurou a relação laboral, sempre se recusou a pagar quaisquer créditos laborais, ainda nas reuniões existentes no âmbito do processo de despedimento colectivo e, na contestação apresentada na acção nº 1336/13.8TTVNG não se limitou a arguir a excepção da prescrição, pois que, de forma exaustiva impugnou especificadamente cada um dos vários créditos reclamados (cfr. ponto 64. da fundamentação factual).
Para além disso, como se refere e bem na decisão recorrida, parte dos créditos reclamados na referida acção laboral dependia da procedência do pedido de nulidade da cláusula 74ª nº 8 do CCT, fundamento que nem sequer foi aqui aflorado (cfr. artigo 56º a 60º da petição inicial).
E contra isso não se argumente, como o faz o recorrente, que pelo menos um trabalhador que exercia funções idênticas às suas ao serviço da mesma entidade patronal, em acção intentada com o mesmo fundamento recebeu, no âmbito de transacção a quantia de € 24.000,00 (cfr. pontos 56. a 60. da fundamentação factual).
Com efeito, como a partir desse exemplo se pode extrapolar que, no caso concreto, a situação era idêntica quando não estando estão alegados e provados os contornos concretos dessa acção?
Aliás, não ficou provado, que a esmagadora maioria dos seus colegas despedidos obtiveram ganho de causa nas acções que intentaram contra a entidade patronal (cfr. ponto 2. da resenha dos factos não provados).
Como também não ficou provado que na audiência de partes a entidade patronal do Autor/recorrente apresentou uma proposta de pagamento de 10% (dez por cento) do valor do pedido, o que foi recusado por este e que a entidade patronal do autor reconheceu que o direito invocado pelo autor existia e que o prazo para o exercício do mesmo se interrompeu com a notificação (cfr. pontos 6. e 9. do elenco dos factos não provados).
Daqui resulta que a avaliação do dano, traduzido na perda de chance tem de ser feita em concreto, não em abstracto, a oportunidade perdida deve ser avaliada o mais possível com referência ao caso concreto.
Não bastando concluir como o fez o recorrente que era obrigação do Recorrido ter instaurada aquela acção atempadamente e, não o tendo feito, lhe ter provocado um prejuízo patrimonial correspondente aos créditos laborais prescritos, no valor de € 90.701,04, acrescidos dos respectivos juros legais.
No caso em apreço não obstante a extinção daquela acção (pela procedência da excepção da prescrição) o recorrente nenhuma prova produziu de que obteria parte ou a totalidade dos créditos salariais que reclamava da sua entidade patronal, sendo que os mesmos não eram devidos de forma automática por mero efeito do despedimento.
E, o ónus de prova de tal probabilidade impende sobre o lesado, como facto constitutivo que é da obrigação de indemnizar (cfr. 342.º, nº 1 do CCivil).[18]
*
Improcedem, desta forma, todas as conclusões formuladas pelo recorrente e, com elas, o respectivo recurso, ficando, dessa forma, prejudicada a apreciação da ampliação do seu âmbito solicitada pela interveniente F…, SA.
*
IV-DECISÃO
Pelos fundamentos acima expostos, acordam os Juízes deste Tribunal da Relação em julgar a apelação improcedente por não provada e, consequentemente confirmar a decisão recorrida.
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Custas pelo reclamante (artigo 527.º nº 1 do C.P.Civil).
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Porto, 22 de Novembro de 2021.
Manuel Domingos Fernandes
Miguel Baldaia de Morais
Pedro Damião e Cunha
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[1] Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, Almedina, Julho de 2013, pág. 126.
[2] Abrantes Geraldes obra citada pág. 128.
[3] Cfr. neste sentido, entre outros, Acs do STJ de 27/10/2016, Processo 10/08.6TTGM.P2.S1, 03.05.2016, Processo 17482/13, de 06/06/2018, Processo nº1474/16.3T8CLD.C1.S1, de 02/02/2019, de 06/11/2019 e de 10/12/2020 todos em www,dgsi.pt.
[4] In “A “Perda de Chance” Como Uma Nova Espécie de Dano”, edições Almedina, 2014, página 96.
[5] In “Direito Civil Responsabilidade Civil – O Método do Caso”, Almedina–Junho 2006, página 63.
[6] Ob. cit., página 44.
[7] In “Interesse Contratual Negativo e Interesse Contratual Positivo”, Volume II, Coimbra Editora, 2008.
[8] In“Responsabilidade Civil do Médico – Reflexões sobre a Noção da Perda de Chance e a Tutela do Doente Lesado”, Coimbra Editora, 2008.
[9] In“Direito das Obrigações”, Volume I, 10.ª edição, Almedina, 2013.
[10] Ob. cit. página 179 e seguintes.
[11] In“Em Torno do Dano da Perda de Chance-Algumas Reflexões”, StudiaIuridica, 91, Estudos em Homenagem ao Professor Doutor António Castanheira Neves, Volume II, Direito Privado, Coimbra Editora, 2008, página 18.
[12] In“Indemnização do Interesse Contratual Positivo e Perda de Chance - Em Especial na Contratação Pública –“, Coimbra, 2011, página 347.
[13] In“Dano Corporal-Quadro Epistemológico e Aspectos Ressarcitórios, Almedina, 2004, páginas 250-255.
[14] A título de exemplo, vejam-se os Acórdãos do STJ de 06/03/2014, proferido no processo n.º 23/05.3TBGRD.C1.S1 e de 05/02/2013, proferido no processo n.º 488/09.4TBESP.P1.S1).
[15] Luís Medina Alcoz in Revista de Responsabilidade Civil e Seguro, (disponível na internet em http://www.asociacionabogadosrcs.org//doctrina/Luis%20Medina.pdf? eb1fd7fe71cf931d588191bc9123527) diz que a avaliação da probabilidade de sucesso no litigio em questão, passa pela realização daquilo a que se tem chamado um juízo dentro de um juízo, “o juiz está nestes casos obrigado a realizar uma representação ideal do que teria sucedido no processo caso não tivesse ocorrido o facto negligente do advogado avaliando o grau de probabilidade de vitória nesse processo”.
[16] Revista 614/06.5TVLSB.L1.S1 in www.dgsi.pt.
[17] Cfr. Ac. STJ de 24/3/2017, Proc nº 389/14.4T8EVR.E1.S1, www.dgsi.pt.
[18] Cfr. neste sentido, entre outros o Ac. do STJ de de 30/5/2019, Proc. Nº 22174/15.6 T8PRT.P1. in www.dgsi.pt.