ADMISSIBILIDADE DE RECURSO
RECURSO DE APELAÇÃO
RECURSO DE REVISTA
TRIBUNAL DA RELAÇÃO
RECLAMAÇÃO PARA A CONFERÊNCIA
Sumário


I. Da decisão de não admissão do recurso de apelação proferida no Tribunal de 1.ª instância cabe reclamação para o Tribunal da Relação, ao abrigo do artigo 643.º do CPC, e, depois, da decisão sobre esta reclamação cabe reclamação para a conferência, ao abrigo do artigo 652.º, n.º 3, do CPC.
II. Do Acórdão proferido pela conferência que confirma a decisão de não admissão do recurso de apelação não cabe, porém, nem reclamação nem recurso para o Supremo Tribunal de Justiça, excepto nos casos em que o recurso é sempre admissível.
III. Quando o reclamante se limita a pedir que sobre a matéria recaia um acórdão e a conferência adere in totum à decisão singular é suficiente confirmar esta decisão e remeter para a respectiva fundamentação.

Texto Integral

ACORDAM NO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA



I. RELATÓRIO


1. No presente requerimento dirigido ao Supremo Tribunal de Justiça, qualificado para efeito da distribuição como Reclamação – artº 643 CPC”, vem a Massa Insolvente de AA apresentar recurso de revista, ao abrigo dos artigos 652.º, n.º 5, al. b), 671.º. n.º 3, última parte, e 672.º, n.º 1, al. a), do CPC.

O recurso vem interposto do Acórdão de Conferência do Tribunal da Relação ..... de 21.06.2021, que confirmou a decisão singular de não admissão da apelação, proferida pela Exma. Desembargadora, em 12.05.2021, no âmbito da reclamação apresentada ao abrigo do artigo 643.º, n.º 1, do CPC.


2. O requerido BB apresentou resposta ao requerimento, pugnando pela inadmissibilidade do recurso de revista e, subsidiariamente, pela sua improcedência.


3. Em 6.10.2021 a Exma. Desembargadora do Tribunal da Relação ... ordenou a subida dos autos a este Supremo Tribunal para os fins previstos no artigo 672.º, n.º 3, do CPC.

4. Apreciando o requerimento endereçado a este Supremo Tribunal, proferiu a ora Relatora, em 20.10.2020, uma decisão singular com o seguinte teor:

De acordo com o artigo 643.º, n.º 1, do CPC, existindo um despacho de rejeição do recurso, pode o recorrente apresentar reclamação para o tribunal que seria competente para conhecer do recurso.

A reclamação é, pois, o meio processual adequado para os casos em que ocorre uma de duas situações: o tribunal de primeira instância não admite o recurso de apelação, caso em que a reclamação deve ser endereçada ao Tribunal da Relação competente para conhecer da apelação, ou o Tribunal da Relação não admite o recurso de revista, caso em que a reclamação deve ser endereçada ao Supremo Tribunal de Justiça.

A hipótese em apreço é, sem dúvida, a primeira: a requerente interpôs recurso de apelação do despacho proferido nos autos pelo Tribunal de 1.ª instância em 24.11.2020 e este recurso foi rejeitado por este mesmo Tribunal em 16.02.2021.

Na sequência disto, a ora requerente reclamou, como era seu direito, ao abrigo do artigo 643.º do CPC, para o Tribunal da Relação ....

 A Exma. Desembargadora indeferiu esta reclamação por decisão singular de 12.05.2021.

Perante isto, a ora requerente reclamou para a Conferência, como ainda lhe assistia, nos termos do artigo 652.º, n.º 3, do CPC, e, em 21.06.2021.

 Os Exmos. Juízes, reunidos em Conferência, proferiram, então, o Acórdão que vem agora posto em crise.

Tudo visto, verifica-se que aquilo que está (tem estado em causa) é sempre a (mesma) decisão – a decisão de rejeição do recurso de apelação.

Ora, relativamente a esta decisão, já foram usados pela requerente todos os meios legalmente à sua disposição, não havendo forma de provocar a pronúncia do Supremo Tribunal de Justiça, nem por via excepcional.

Primeiro, já foi utilizado o instrumento da reclamação para o Tribunal da Relação prevista artigo 643.º e já foi utilizado o instrumento da reclamação para a Conferência da decisão singular previsto no artigo 652.º, n.º 3, do CPC.

Depois, quanto ao recurso de revista, esse está vedado neste caso pois, ao contrário do que se prevê no artigo 671.º, n.º 1, do CPC, não está em causa um acórdão “que conheça do mérito da causa ou que ponha termo ao processo, absolvendo da instância o réu ou algum dos réus quanto a pedido ou reconvenção deduzidas”.

Confirmando esta conclusão afirma Abrantes Geraldes, a propósito do alcance do artigo 671.º, n.º 1, do CPC: “Apenas deve ser feita uma restrição relativamente aos casos despoletados a partir da reclamação contra o despacho de não admissão do recurso de apelação proferido pelo relator na Relação, pois este mecanismo processual, além de já assegurar o segundo grau de jurisdição, nunca integrou historicamente a possibilidade de, a partir dele, se projetar a interposição de recurso de revista, como defendo na anot. ao art. 643.º”[1]. E, comentando, o artigo 643.º, é ainda mais categórico: “(…) não é de admitir recurso de revista do acórdão da Relação que confirme a decisão da 1.ª instância de rejeição do recurso de apelação”[2].

Na jurisprudência, pode ler-se no mesmo sentido o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 19.02.2015, Proc. n.º 3175/07.4TBVCT-B.G1-A.S1: “Não cabe recurso de revista de um acórdão da Relação que, por sua vez, indeferiu uma reclamação apresentada contra um despacho de não admissão do recurso de apelação (n.º 1 do art. 671.º do NCPC (2013)”[3].

Tudo visto, é possível esclarecer e sintetizar os fundamentos relevantes para a presente decisão num conjunto de três regras:

1) Nos termos do artigo 643.º do CPC, da decisão de não admissão do recurso de apelação proferida na 1.ª instância (só) cabe reclamação para a Relação.

2) Nos termos do artigo 671.º, n.º 1, do CPC, do acórdão proferido em conferência na Relação que confirme a decisão de não admissão do recurso de apelação não cabe recurso de revista.

3) Não sendo admissível o recurso de revista por falta de algum dos pressupostos do artigo 671.º do CPC, não pode ele ser admitido por via excepcional, ao abrigo do artigo 672.º do CPC, pois esta via serve exclusivamente para superar o obstáculo da dupla conforme.

Concluindo: nem a reclamação para o Supremo Tribunal de Justiça ao abrigo do artigo 643.º do CPC (como é qualificado o presente requerimento para efeitos da distribuição) nem o recurso de revista (como é qualificado pelo apresentante) ao abrigo do artigo 671.º ou 672.º do CPC são meios processuais próprios ou adequados para reagir contra a decisão que causa o inconformismo da requerente nos presentes autos.

Face ao exposto, não se toma conhecimento do requerimento”.


5. Vem agora a requerente apresentar novo requerimento em que afirma o seguinte:

(…) não se conformando com o teor da “Decisão Singular” proferida pela Exma. Senhora Juiz, por no seu modesto entender, os fundamentos invocados no recurso e que aqui, por economia processual se dão por reproduzidos, merecerem decisão diferente da proferida, Vem, respeitosamente, ao abrigo do disposto no art.º 652º nº 1 c) e nº 3 ex vi do art.º 656º do C.P.C., requerer que a reclamação e a decisão sejam submetidos a conferência”.

  


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II. FUNDAMENTAÇÃO

OS FACTOS

Os factos relevantes para a presente decisão são os apresentados no Relatório que antecede e que se dão aqui por reproduzidos.


O DIREITO

Não tendo a requerente apresentado, no presente requerimento, quaisquer (novos) argumentos e tendo os argumentos anteriormente expostos sido já cabalmente respondidos / contraditados na decisão singular, à qual se adere, resta confirmar esta decisão singular e remeter para a respectiva fundamentação.

Apenas para ilustrar que esta decisão está em sintonia com a posição que vem sendo expressamente sustentada neste Supremo Tribunal de Justiça, inclusivamente, nesta 2.ª Secção, refiram-se o Acórdão de 19 de Fevereiro de 2015. Proc. 3175/07.4TBVCT-B.G1-A.S1, o Acórdão de 21 de Fevereiro de 2019, Proc. 27417/16.6T8LSB-A.L1.S2; o Acórdão de 10 de Dezembro de 2019, Proc. 4154/15.3T8LSB-C.L1.S2; o Acórdão de 25 de Fevereiro de 2021, Proc. 12884/19.4T8PRT-B.P1-A.S1; e o Acórdão de 28 de Outubro de 2021, Proc. 2743/17.0T8GMR-D.G1.S1. Em todos eles se afirma, com ligeiras variações, que, excepto nos casos em que o recurso é sempre admissível, do Acórdão proferido pela conferência que confirma a decisão de não admissão do recurso de apelação não cabe do não cabe recurso de revista, porém, nem reclamação nem recurso para o Supremo Tribunal de Justiça.


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III. DECISÃO

Pelo exposto, confirma-se o despacho reclamado e mantém-se a decisão de inadmissibilidade da revista.


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Custas pela requerente, fixando-se a taxa de justiça em 3 UC.

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Lisboa, 9 de Dezembro de 2019



Catarina Serra (relatora)

Rijo Ferreira (vota vencido) - (junto declaração de voto)

Cura Mariano


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DECLARAÇÃO DE VOTO


Processo 2290/09.4TJPRT-B.P1.S1

O nº 4 do art.º 643º do CPC remete para o regime do nº 3 do art.º 652º do mesmo código, sem estabelecer qualquer regra de recorribilidade especial para os acórdãos proferidos na conferência na sequência de reclamação da decisão do relator sobre a reclamação contra a não admissão do recurso; devem, pois, seguir-se as regras gerais de admissibilidade da revista.

Entendo que o acórdão proferido durante a pendência do processo na Relação relativamente à (in)admissibilidade do recurso de apelação, independentemente do circunstancialismo que deu azo à sua prolação (na sequência de reclamação nos termos do art.º 643º do CPC ou ‘motu proprio’), é susceptível de recurso de revista nos termos do art.º 673º do CPC.

No caso de não admissibilidade do recurso de apelação, em recurso autónomo nos termos da al. a) daquele artigo uma vez que a inexistência de decisão de mérito ou absolvição da instância torna absolutamente inútil a imposição da impugnação conjunta com a impugnação da decisão final, constituindo ao acórdão recorrido a decisão final (o que sempre nos reconduziria ao corpo do artigo).

Rijo Ferreira

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[1] Cfr. Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, Coimbra, Almedina, 2018, p. 353 (nota 507).
[2] Cfr. Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, cit., p. 195.
[3] E pode ler-se ainda, entre outros, o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 21.02.2019, Proc. 27417/16.6T8LSB-A.L1.S2: “I – Um acórdão da Relação que conheceu, indeferindo, uma reclamação contra decisão singular que apreciara, confirmando, um despacho proferido em 1ª instância que não admitira um recurso de apelação, não é, em princípio, passível de recurso de revista. II - Isto porque a situação se mostra regulada nas disposições combinadas dos arts. 643º, nº 4 e 652º, nº 3 do CPC e a decisão singular proferida pelo tribunal da Relação é sindicada pela via da impugnação para a conferência e não através de recurso para o STJ”.