COMPRA E VENDA
BEM IMÓVEL
SIMULAÇÃO DE CONTRATO
NULIDADE
HIPOTECA
INSTITUIÇÃO DE CRÉDITO
ÂMBITO DO RECURSO
RESTRIÇÃO DO OBJETO DO RECURSO
LITISCONSÓRCIO NECESSÁRIO
EX-CÔNJUGE
CONHECIMENTO OFICIOSO
CERTIDÃO
REGISTO PREDIAL
PODERES DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA
Sumário


I. Em função das questões que sejam suscitadas, o âmbito objetivo do recurso pode ser reduzido no requerimento de interposição, nas alegações ou nas conclusões respetivas (art. 635º, nº 2, do CPC).
II. Tendo sido declarada na sentença de 1ª instância a nulidade, por simulação, de 3 contratos de compra e venda de um imóvel sequencialmente outorgados e tendo sido determinado ainda o cancelamento do registo da hipoteca que foi constituída ao abrigo do terceiro contrato de compra e venda, a reversão dos efeitos emanados da sentença implicava que no subsequente recurso de apelação interposto pelos RR. fosse pedida a sua revogação relativamente a cada um dos referidos segmentos decisórios.
III. A instituição financeira credora a favor da qual foi constituída a hipoteca por parte do comprador que interveio no 3º contrato de compra e venda mas que, no recurso de apelação que interpôs, se limitou a pedir a revogação da sentença na parte em que foi declarada a nulidade do 1º contrato de compra e venda, nada referindo a respeito do segmento referente à nulidade do 3º contrato de compra e venda e do cancelamento do registo da hipoteca operou a restrição do objeto do recurso prevista no art. 635º, nº 2, do CPC, e retirou-lhe o interesse processual relativamente à impugnação da sentença na parte em que foi declarada a nulidade do 1º contrato.
IV. A preterição de litisconsórcio necessário é de conhecimento oficioso desde que o tribunal disponha de elementos de facto que para o efeito se mostrem relevantes.
V. Não tendo sido discutida nos articulados a falta de demanda do ex-cônjuge da Ré que, na qualidade de vendedora, outorgou no 1º contrato de compra e venda, para sustentar na apreciação do recurso de apelação a preterição do litisconsórcio necessário passivo com tal fundamento é insuficiente para a Relação a existência no processo de uma certidão de registo predial demonstrativa de que a fração foi adquirida na pendência do casamento ou da certidão da escritura pública respeitante ao 1º contrato de compra e venda.
VI. A apreciação de tal exceção no âmbito do recurso de revista é ainda mais difícil para o Supremo Tribunal de justiça quando se verifica que a Relação julgou improcedente a alteração da decisão da matéria de facto pretendida pela apelante e que a intervenção do Supremo em relação a questões de facto está limitada aos casos previstos no art. 674º, nº 3, do CPC.

Texto Integral

I - KODAK POLYCHROME GRAPHICS - SUCURSAL em PORTUGAL de KODAK POLYCHROME GRAPHICS NETHERLANDS, B. V.,

instaurou ação com processo ordinário contra

1 - AA,

2 - MESTAM - CONSTRUÇÕES UNIPESSOAL, Ldª,

3 - COVILAMA - CONSTRUÇÕES UNIPESSOAL, Ldª,

4 - BB

e

5 - BANCO BPI, S.A.,

pedindo que seja:

a) Decretada a nulidade da compra e venda da fração autónoma identificada pela letra S, descrita na ... CRP da ... sob o nº ....86, freguesia da ..., realizada pela 1ª R. à 2ª R. em 23-9-04;

b) Consequentemente, seja decretada a nulidade da posterior compra e venda da mesma fração autónoma, realizada pelo 2ª R. à 3ª R. em 30-12-04;

c) E decretada a nulidade da compra e venda da mesma fração autónoma, realizada pelo 3ª R. ao 4º R. em 10-8-06.

d) Sendo decretada nula a compra e venda anterior, o imóvel deixa de responder pela dívida contraída pelo 4° R., pelo que, atento o disposto no art. 291º, nº 2, do CC, pediu que seja levantada e declarada sem efeito a hipoteca constituída a favor do 5º R., com o consequente cancelamento do registo.

Consequentemente, a A. requereu também que seja decretado o cancelamento de todos os registos de aquisição e o registo de hipoteca que incidem sobre a fração autónoma, efetuados a partir de 12-10-04, inclusive, nomeadamente:

a) Da apresentação ...;

b) Da apresentação ...;

c) Da apresentação ... de 2006/07/04;

d) Da apresentação ... de 2006/07/04;

e) Da apresentação ... de 2006/09/08;

f) Da apresentação ... de 2006/09/08.

Com o que a fração autónoma em apreço permanece na esfera jurídica da 1ª R., de onde efetivamente nunca saiu, sendo passível de penhora e, no presente caso, de conversão do arresto em penhora e posterior venda.

Subsidiariamente, pediu:

Que se considerem reunidos os requisitos da impugnação pauliana e, em consequência, seja decretada a ineficácia das sucessivas compras e vendas efetuadas pela 1ª R. à 2ª R., da 2ª R. à 3ª R. e da 3ª R. ao 4º R., devendo ainda ser ordenado ao 4º R. a restituição do referido bem, de modo que a A. se possa pagar à custa desse imóvel.

Contestaram o R. BB e a R. Mestam-Construções, Unipessoal, Ldª.

O Banco BPI também contestou e deduziu reconvenção pedindo que o A. e demais RR. sejam solidariamente condenados a substituir a garantia hipotecaria por outra de igual ou maior valia e, não sendo tal possível, a depositarem nos autos o montante de € 85.725,83, para lhe ser entregue.

A R. AA também contestou e deduziu o incidente de a intervenção provocada de CC e de DD.

Replicou a A.

Contestaram as Intervenientes, arguindo a sua ilegitimidade, exceção que foi julgada improcedente no despacho saneador.

Realizado o julgamento, foi proferida sentença que declarou:

- A nulidade da compra e venda da fração autónoma identificada pela letra S, descrita na ... CRP da ... sob o nº ....86, freguesia da ..., realizada pela 1ª R. à 2ª R. em 23-9-04,

- A nulidade da posterior compra e venda da mesma fração autónoma, realizada pela 2ª R. à 3ª R. em 30-12-04,

- E a nulidade da compra e venda da mesma fração autónoma realizada pela 3ª R. ao 4° R. em 10-8-06.

- Mais declarou levantada e sem efeito a hipoteca constituída a favor do 5° R., com o consequente cancelamento de todos os registos de aquisição e o registo de hipoteca que incidem sobre a fração autónoma, efetuados a partir de 12-10-04, inclusive, nomeadamente:

a) Da apresentação ...;

b) Da apresentação ...;

c) Da apresentação ... de 2006/07/04;

d) Da apresentação ... de 2006/07/04;

e) Da apresentação ... de 2006/09/08;

f) Da apresentação ... de 2006/09/08.

- Julgou ainda procedente a reconvenção deduzida pelo R. BPI, SA, e condenou BB a restituir-lhe o montante do crédito garantido por hipoteca de € 85.725,83.

Desta sentença interpuseram recurso de apelação a 1ª R. AA e o 5º R. Banco BPI.

No recurso de apelação a 1ª R. AA suscitou as seguintes questões:

Primeira Questão:

Preterição de litisconsórcio necessário passivo, no que respeita à R. AA, a qual é parte ilegítima nesta ação por estar desacompanhada do seu ex-marido, EE.

Segunda Questão:

A Mª Juíza a quo, na apreciação da prova documental existente nos autos, ignorou o teor dos docs. juntos aos autos pela A. à p.i. sob a designação de doc. nº 17 (certidão emitida pela ... CRP da ..., da fração autónoma) e do doc. nº 28 (escritura pública de compra e venda da referida fração autónoma, realizada no dia 23-9-04).

Por sua vez, o 5º R. Banco BPI deixou expresso nas alegações do recurso de apelação o seguinte:

“O Banco ora recorrente restringe o âmbito do recurso a três questões:

a) Da inexistência de aval por parte da 1ª R., AA;

b) Da nulidade da sentença quanto à declaração de nulidade por simulação da compra e venda celebrada por escritura de 23-9-04 no Cart. Not. de ..., relativamente à fração autónoma designada pela letra S, do prédio urbano em regime de propriedade horizontal descrito na ... CRP da ... sob o nº ...07, da freguesia da ...;

c) Do ordenado cancelamento desse registo na CRP respetiva (de aquisição a favor da sociedade Mestam-Construções Unipessoal, Ldª”.

Foi proferido pela Relação acórdão que decidiu julgar improcedente a apelação interposta pela R. AA, confirmando a sentença e assumindo que a R. AA era parte legítima, apesar de o seu ex-cônjuge EE não ter sido demandado, o qual transitou em julgado na parte respeitante à R. AA, uma vez que o recurso de revista que a mesma interpôs não foi admitido.

No mesmo acórdão a Relação não apreciou o recurso de apelação interposto pelo R. BPI, por falta de conclusões, mas no recurso de revista que foi interposto tal acórdão foi revogado nessa parte, sendo determinada a prolação de despacho de convite ao aperfeiçoamento.

Na sequência da formulação do convite, o R. BPI enunciou as seguintes “conclusões”:

Sobre a 1ª questão objeto deste recurso, na sua contestação, veio a R. AA questionar o “invocado” aval que a A. afirma, na p.i., ter sido por ela prestado, ao cheque em branco que constituiu o Anexo II ao contrato de revenda, celebrado entre a A. e Valentim Martins, Ldª, em 31-1-03.

Sobre a matéria invocada pela R. nesses artigos, nomeadamente a falta de esclarecimento ou informação sobre o seu conteúdo e a firme convicção que se tratava de um mero contrato comercial entre a sociedade da qual era gerente e a A., e de que nunca foi esclarecida ou informada de que estaria a assumir uma qualquer garantia pessoal, aval ou outra, foram elaborados 3 quesitos na base instrutória, com os nºs 49º a 51º.

Todos os 3 quesitos foram considerados como não provados pelo tribunal “a quo”, com os fundamentos constantes da p. 44 e da p. 38, in fine, da sentença recorrida, supra reproduzidos nas alegações.

Na p. 60 da sentença, e sobre a questão da garantia prestada, refere o M. Juiz “a quo”:

“Por outro lado, a garantia prestada pelas RR. é válida e consubstancia a forma legal, porquanto consta de folha anexa (art. 26º da LUCh) No caso concreto, estamos em presença de uma declaração expressa de fiança dizendo-se aval a fiança quando prestada, em forma própria, na letra, livrança ou cheque.”

O ora recorrente entende que a declaração assinada pela R. AA como Anexo III ao contrato de revenda não pode ser juridicamente enquadrada como sendo um aval.

A assinatura da R. AA, na qualidade de avalista, não é aposta no cheque, mas numa folha que tem por título “Anexo III – Acordo de Preenchimento e Aval de Cheque”.

Nessa folha, a R. AA não escreve a expressão “bom para aval”, como consta da LU – art. 26º, nem indica a quem é prestado o aval.

Ora, conforme vem consagrado, nomeadamente, na RLJ, 70º/35, a fiança prestada por documento separado ou por carta a favor de uma obrigação cambiária, depois da vigência da LU, não vale como aval, mas como fiança nos termos gerais. Ao contrário do que refere a sentença, a fls. 60.

O entendimento do recorrente é de que a assinatura aposta pela R. AA naquele documento não a qualifica como avalista de um cheque em branco, de um cheque dado em garantia de um contrato de revenda, mas sim como uma declaração de fiança que é prestada àquele contrato.

E não sendo o aval aposto no próprio título – o cheque – a declaração assinada pela R., onde nem sequer consta a expressão “Bom para aval ao sacador”, não pode se qualificada como de aval, contrariamente ao afirmado na sentença.

Nesta ação foi proferida sentença que decretou a nulidade da compra e venda celebrada pela R. AA, por alegada simulação, a favor da sociedade Mestam-Construções Unipessoal, Ldª, por escritura de 23-9-04.

Foi considerada a simulação desse negócio, pelo facto de a R. AA ser “avalista” do cheque em branco emitido a favor da A., que garantia o Contrato de Revenda com a sociedade Valentim Martins, Ldª, resolvido por incumprimento.

Não é feita prova de que a “avalista” AA, ou qualquer das outras duas foi previamente interpelada para o pagamento da dívida e para o preenchimento do cheque, com a correta identificação do montante em dívida e do montante pelo qual seria preenchido o cheque, revestindo tal interpelação uma importância grande, na medida em que se tratava de um cheque em branco.

Entendendo o recorrente que, efetivamente, a R. AA não é avalista do cheque, face ao disposto no art. 26º da LUCh.

Pelo que deverá tal questão ser apreciada pelo tribunal “ad quem”.


Sobre a segunda questão em recurso, dão-se aqui por integralmente reproduzidas as doutas alegações de recurso de apelação já apresentadas em tribunal pela R. AA.

Na verdade, constam dos autos os docs. nºs 17 e 28 da petição inicial, juntos pela A., que imporiam uma decisão diversa daquela que foi proferida na sentença, documentos a que o tribunal teve acesso, mas que não considerou na sua plenitude.

Os proprietários da fração cuja venda foi declarada nula por simulação e que constam da escritura como vendedores eram AA, divorciada, e EE, divorciado.

Ambos venderam a fração autónoma, que possuíam em compropriedade, à R. Mestam, Ldª, e não conforme consta do ponto 63º da matéria de facto, pelo que deverá a Relação apreciar, em sede de matéria de facto, tal resposta, eliminando-a dos factos provados.

Em nenhuma parte do articulado da A. – petição inicial – é mencionada a existência deste comproprietário, nem o mesmo foi demandado, como R. ou Interveniente, na presente ação, onde não pode exercer os seus direitos de defesa.

Por outro lado, também em lado nenhum da p.i. é invocada a existência de qualquer dívida por parte dele, em relação à A.

Ele não foi parte em qualquer negociação com a A., nem assinou qualquer documento onde se vinculasse perante a A.

Pelo que, em relação a ela, ele é terceiro de boa fé.

Assim sendo, nunca poderia ser decretada a nulidade, por simulação, da compra e venda celebrada por escritura de 23-9-04, pois em relação a um dos vendedores, comproprietários - o EE - tal simulação não se verifica.

Perante os dois docs. nºs 17 e 28, os factos dados como provados nos pontos 41º, 62º e 63º, constantes da sentença, não correspondem à verdade, devem ser reapreciados pelo Tribunal “ad quem” e eliminados ou reformulados.

A sentença deve ser revogada, quanto a esta declarada nulidade, por simulação.


Sobre a terceira questão em recurso prende-se diretamente com a segunda. Ao decretar a nulidade, por simulação, da compra e venda celebrada em 23-9-04, o tribunal ordenou, igualmente, o cancelamento do respetivo registo.

O efeito pretendido pela A. é o de cancelar todos os registos de venda a partir de 22-9-04, para que a fração volte a ficar registada em nome da AA, para, naturalmente, converter o seu arresto em penhora, e prosseguir com a sua execução contra a AA, porque, como a própria A. afirma, na ação, é a única que tem bens.

Ora, se a fração retornar aos seus proprietários de 2004, retorna à propriedade da AA e do EE, comproprietários, e não só da AA.

Sendo que o direito que o EE detém, relativamente a essa fração, não é, nem pode ser atingido pelas nulidades agora decretadas quando a sentença transitar em julgado.

E o arresto, ao ser convertido em penhora, apenas poderá atingir a parte da AA, caso se confirme que esta é avalista do cheque.

O arresto incide sobre a totalidade da fração, quando apenas deveria incidir sobre o direito da AA a metade indivisa da fração, pelo que o registo está incorreto e distorce a realidade registral.

Caso a decisão não venha agora a ser corrigida, quanto ao cancelamento deste registo, ordenado pela sentença, também verá a A. convertido em penhora o seu arresto, sobre a totalidade da fração, o que não é admissível, tendo em conta os direitos do outro comproprietário, totalmente alheio a este processo, bem como ao processo executivo, onde foi decretado o arresto e onde ele não é executado.

Pelo que deverá o Tribunal ad quem evitar tal situação, corrigindo a situação de facto criada com a sentença ora em recurso, e revogando-a, também nesta parte.

Nestes termos, deve ser dado provimento ao recurso, revogando-se a douta sentença recorrida.

Também este recurso de apelação interposto pelo R. BPI foi julgado improcedente pela Relação num segundo acórdão do qual foi interposto o presente recurso de revista, no qual veio novamente pôr em destaque que:

“O Banco ora Recorrente, no seu recurso de apelação, restringiu o âmbito do recurso a três questões:

a) Da inexistência de aval por parte da aqui 1ª R. AA;

b) Da nulidade da sentença quanto à declaração de nulidade por simulação da compra e venda celebrada por escritura de 23-9-04 no Cart. Not. de ..., relativamente à fração autónoma designada pela letra S, do prédio urbano em regime de propriedade horizontal, descrito na ... CRP da ... sob o nº ...07, da freguesia da ...;

c) Do ordenado cancelamento desse registo na CRP respetiva (de aquisição a favor da sociedade Mestam, Ldª).

E em sede de conclusões do recurso de revista expôs o seguinte:

A sentença recorrida considerou que “a garantia prestada pelas RR. e designadamente pela AA é válida e consubstancia a forma legal, porquanto consta de folha anexa (art. 26º da LUC). No caso concreto, estamos em presença de uma declaração expressa de fiança dizendo-se aval a fiança quando prestada, em forma própria, na letra, livrança ou cheque.

A declaração assinada pela R. AA no Anexo III ao contrato de revenda não pode ser juridicamente enquadrada como sendo um aval, porque dispõe o art. 26º da LUC, que o aval é dado sobre o cheque ou sobre a folha anexa; exprime-se pelas palavras “bom para aval” ou por qualquer outra forma equivalente, e considera-se como resultado da simples aposição da assinatura do avalista na face do cheque.

No caso dos autos, a assinatura da R. AA, na qualidade de avalista, não é aposta no cheque, mas num documento que tem por título “Anexo III – Acordo de Preenchimento e aval do Cheque”.

Nesse documento a R. AA não escreve a expressão “bom para aval”, como consta da Lei Uniforme – art. 26º - nem indica a quem é prestado.

De acordo com a doutrina e jurisprudência vigentes, “a fiança prestada por documento separado ou por carta a favor de uma obrigação cambiária, depois da vigência da Lei Uniforme, não vale como aval, mas como fiança nos termos gerais”.

Nesta ação, foi proferida sentença que decretou a nulidade da compra e venda celebrada pela R. AA, por alegada simulação, a favor da sociedade Mestam, Ldª, por escritura de 23-9-04.

Foi considerada a simulação desse negócio, pelo facto de a R. AA ser avalista do cheque em branco emitido a favor da A., que garantia o contrato de revenda celebrado com Valentim Martins, Ldª.

O documento onde, alegadamente, o aval foi prestado não tem, quanto ao ora recorrente, a natureza de aval, mas sim de fiança.

A R. AA veio invocar esta questão na sua contestação, mas não foi aceite, invocando a sentença o art. 26º da LUC, e que a “declaração expressa de fiança se chama aval, porque é prestada em forma própria, na letra, livrança ou cheque”.

O recorrente entende que a R. AA não é avalista do cheque, e que a douta sentença proferida violou o art. 26º da LUC.

Também o acórdão recorrido, ao considerar que a R. AA e as outras assinaram o cheque como avalistas, tendo aposto a sua assinatura na face do cheque, quando tal assinatura em concreto, foi feita, indubitavelmente, enquanto gerentes da sociedade sacadora do cheque, e apenas nessa qualidade, incorre em erro de julgamento, tanto mais que a simples análise do doc. nº 26, junto com a p.i., aponta em sentido contrário.

Nos termos do art. 674º, nº 3, do CPC, o erro na apreciação das provas e na fixação dos factos materiais da causa não pode ser objeto de recurso de revista, salvo havendo ofensa de uma disposição expressa de lei que exija certa espécie de prova para a existência do facto ou que fixe a força de determinado meio de prova.

Ora, a violação do disposto no art. 26º da LUC integra a possibilidade prevista neste art. 674º, nº 3, do CPC – devendo tal questão ser submetida a apreciação em sede deste recurso.


Quanto à verificação da exceção dilatória de ilegitimidade da R. AA, desacompanhada nos presentes autos do seu ex-marido, por preterição de litisconsórcio necessário passivo, os docs. nºs 17 e 28 da p.i., impõem uma decisão diversa daquela que foi proferida - documentos a que o tribunal teve acesso, mas que não considerou na sua plenitude, tendo simplesmente decretado a nulidade da compra e venda celebrada por escritura de 23-9-04, por alegada simulação.

Entendeu o acórdão em recurso que “estamos perante uma ação de impugnação pauliana, que visa fazer regressar ao património comum do ex-casal, constituído pela apelante e por seu ex-marido, para aí ser convertido o arresto em penhora e vendida a parte da apelante para pagamento de dívida só a esta respeitante. E que se tem vindo a entender que, em casos como o sub judice, em que se tenta fazer regressar um bem ao património dos cônjuges ou ex-cônjuges, que não é necessário que sejam ambos demandados.

Porém, a Rel. de Lisboa entendeu o contrário, em acórdão proferido em 11-11-14, proc. 775/12.4TCFUN.L1, www.dgsi.pt.

Acresce que, no caso dos autos, e conforme resulta dos factos provados, e do doc. nº 30 junto aos autos, a fração encontra-se arrestada, na sua totalidade, e não apenas na parte correspondente ao direito de propriedade da R. AA.

Caso ocorra o trânsito em julgado da sentença proferida nos presentes autos, terá como consequência a conversão do arresto em penhora, abrangendo a totalidade da fração e não apenas a parte correspondente ao direito de propriedade da R. AA.

O art. 28º do antigo CPC - atualmente, art. 33º - estipula o litisconsórcio necessário – ativo ou passivo – quando pela própria natureza da relação jurídica, ela seja necessária para que a decisão a obter produza o seu efeito útil normal.

Ora, impunha-se, para que a decisão produzisse o seu efeito útil normal, a intervenção de EE nestes autos, uma vez que era comproprietário da referida fração, e que a vendeu.

Não era, contudo, devedor à A., sendo, em relação a esta, terceiro de boa-fé.

Não tendo o mesmo sido demandado, nem tendo sido chamado a intervir nestes autos, correndo a ação à sua total revelia, a sentença proferida não o vincula nem é eficaz relativamente a ele, não podendo produzir o seu efeito útil normal.

Houve, assim, preterição de litisconsórcio necessário passivo, com a consequente ilegitimidade da 1ª R. AA, porque desacompanhada do seu ex-marido, EE. A exceção de ilegitimidade pode ser conhecida oficiosamente, em qualquer fase do processo, inclusive pelo Supremo Tribunal de Justiça.

Deve ser dado provimento ao presente recurso, e revogado o acórdão recorrido, quanto à declaração de nulidade, por simulação, da compra e venda da fração, celebrada por escritura de 23-9-04 e das vendas subsequentes, uma vez que os pressupostos para a simulação não se verificam relativamente ao comproprietário EE, nem foram invocados pela A., quanto a ele.

Ao decretar a nulidade, por simulação, da compra e venda celebrada em 23-9-04, o tribunal ordenou, igualmente, o cancelamento do respetivo registo.

Ora, entende o recorrente que a venda realizada pelo ex-marido da recorrente AA não está ferida de nulidade, por simulação, pelo que, quanto a essa parte, a venda deve manter-se.

Não devendo ser ordenado o cancelamento do respetivo registo quanto a essa parte, contrariamente ao decidido na sentença recorrida, e confirmado pelo acórdão da Relação.


Também não se mostram verificados os pressupostos exigidos pelo art. 240º, nº 1, do CC, quanto ao R. BB, nomeadamente a intenção de prejudicar terceiros, com a aquisição por si efetuada.

Aquisição que foi financiada pelo Banco BPI, com a entrega de 2 cheques, um para a vendedora – 3ª R. – e outro para o credor hipotecário CGD.

Nestes termos, deve ser dado provimento ao presente recurso, revogando-se o acórdão recorrido, quanto à declarada nulidade, por simulação, da venda da fração, celebrada por escritura de 23-9-04, e necessariamente, das subsequentes vendas, bem como do cancelamento dos registos de aquisição a favor da 2ª, 3ª e 4º RR. e, naturalmente, do ordenado cancelamento do registo de hipoteca sobre a fração, a favor do ora recorrente.

Deve, igualmente, ser verificada a inexistência de aval por parte da R. AA no cheque em branco entregue à A., o que leva à sua absolvição, e consequente improcedência da ação.

A A. suscitou nas contra-alegações as seguintes objeções quanto à admissibilidade do recurso de revista:

1) O acórdão recorrido, ao manter a declaração de nulidade das compras e vendas celebradas em 30-12-04 e 10-8-06 e o levantamento da hipoteca, cancelando os respetivos registos, transitou em julgado, não constituindo objeto do presente recurso;

2) O fundamento da decisão quanto às três compras e vendas anuladas – a simulação – não é posta em causa pelo recorrente.

3) A questão levantada pela recorrente R. Banco BPI sobre o aval é irrelevante porquanto nenhuma das decisões das instâncias se pronuncia sobre a existência, validade ou eficácia do aval;

4) O objeto do presente recurso restringe-se à declaração de nulidade da compra e venda celebrada em 23-9-04.

O R. BPI foi notificado para se pronunciar sobre as objeções expostas nas contra-alegações da A. e sobre os aspetos que condicionavam a admissibilidade ou a extensão do recurso de revista na sequência de um despacho do ora relator com o seguinte teor:

“Nas contra-alegações a A. suscita questões que contendem com a admissibilidade do recurso de revista que foi interposto exclusivamente pelo R. Banco BPI.

E na realidade não pode ignorar-se que o mesmo R. Banco BPI já no anterior recurso de apelação circunscreveu o objeto da sua impugnação às seguintes questões:

a) Da inexistência de aval por parte da aqui 1ª R. AA;

b) Da nulidade da sentença quanto à declaração de nulidade por simulação da compra e venda celebrada por escritura de 23-9-04 no Cart. Not. de ..., relativamente à fração autónoma designada pela letra S, do prédio urbano em regime de propriedade horizontal, descrito na ... CRP da ... sob o nº ...07, da freguesia da ...;

c) Do ordenado cancelamento desse registo na CRP respetiva (de aquisição a favor da sociedade Mestam, Ldª).

Por outro lado, outras questões que haviam sido suscitadas pela 1ª R. AA foram objeto de acórdão da Relação que confirmou a sentença e desse acórdão a mesma R. não interpôs recurso de revista.

Entre tais questões contava-se a alegada preterição de litisconsórcio necessário passivo, por falta de intervenção do ex-cônjuge, matéria que, além disso, apenas interessava à 1ª R. e que, por via do primeiro acórdão da Relação que sobre a mesma incidiu e que não foi objeto de impugnação por parte dessa R. se deve ter por consolidada.

Acresce ainda que o R. BPI apenas questiona o que as instâncias decidiram sobre a nulidade do contrato de compra e venda que foi outorgado em 23-9-04, entre a 1ª R. e a 2ª R., nada dizendo acerca dos posteriores contratos de compra e venda e designadamente do contrato de compra e venda que foi outorgado entre a 3ª R. e o 4º R. e cujo financiamento por parte do BPI determinou a constituição da hipoteca que as instâncias consideraram sem efeito por força da declaração de nulidades desse contrato de compra e venda.

Neste contexto, a amplitude do objeto do recurso de revista confronta-se com diversos obstáculos, determinando que sejam previamente circunscrito às questões que ainda se mostram pertinentes em face das anteriores vicissitudes.

Nestas circunstâncias, ouvir-se-á previamente o R. Banco BPI acerca do que foi alegado nas contra-alegações da A. e do que anteriormente se referiu”.

O R. Banco BPI veio então responder, alegando sinteticamente que:

- A questão da preterição de litisconsórcio necessário passivo também lhe interessa, na medida em que pretende reverter a declaração de nulidade do 1º contrato de compra e venda, já que procedendo essa pretensão, manter-se-ão os subsequentes negócios jurídicos;

- Tem interesse em demonstrar que a nulidade do 1º contrato de compra e venda não deveria ter sido declarada, tendo em conta que o ex-marido da R. AA também era proprietário da fração, não havendo elementos para concluir pela existência de simulação da sua parte;

- Não tinha de pedir a revogação da declaração de nulidade dos 2º e 3º contratos de compra e venda, uma vez que esse será o efeito da revogação da declaração de nulidade do 1º contrato de compra e venda. Ademais, a declaração de nulidade dos 2º e 3º contratos de compra e venda foi decorrência da declaração de nulidade do 1º contrato;

- Assim o acórdão da Relação não transitou em julgado quanto à declaração de nulidade do 2º e 3º contrato de compra e venda;

- Não tendo sido demandado o ex-marido da R. AA a sentença que declarou a nulidade do 1º contrato de compra e venda não o vincula, assim se revelando a preterição de litisconsórcio necessário passivo, exceção que pode ser oficiosamente conhecida pelo Supremo;

- A prova documental constante dos autos apontava para a existência de um outro comproprietário da fração.


Decidindo.


 III – As instâncias fixaram os seguintes factos agora reorganizados:

1. No exercício da sua atividade comercial a A. celebrou com Valentim Martins, Ldª, um acordo que designou de contrato de revenda que se encontra junto aos autos.

2. Ao longo dos anos que duraram as relações comerciais entre A. e Valentim Martins, Ldª, à parte um ou outro atraso esporádico, a conta-corrente desta empresa era saldada com certa regularidade mediante a entrega de cheques pré-datados que eram apresentados a pagamento nas datas acordadas pelas partes.

3. No âmbito do acordo referido em 1., a A. vendeu a Valentim Martins, Ldª, mercadoria num total de € 183.393,45, referente aos meses de abril a setembro de 2004 que esta não pagou na data de vencimento das faturas, nem posteriormente.

4. Na data da certidão junta aos autos com a petição inicial como doc. nº 2 a quantia em dívida correspondia ao montante de € 189.481,09; em agosto de 2004 estavam em dívida cerca de € 170.000,00.

5. No mês de agosto de 2004, através de um contacto telefónico efetuado pela 1ª R. à responsável pelo crédito a clientes da A., foi solicitado que 3 cheques que deveriam ser apresentados a pagamento em 30-8-04 e 31-8-04, só fossem apresentados a partir do dia 17-9-04, justificando que a empresa tinha um problema passageiro de tesouraria provocado pelo atraso dos pagamentos dos seus clientes e que, a partir da data solicitada estariam integralmente solucionados; a 1ª R. pediu à A., no mês de agosto de 2004, o adiamento do pagamento de 3 cheques cujas cópias são os docs. 5 a 7 juntos com a petição inicial.

6. Pedido este acedido pela A., considerando a antiguidade das relações comerciais com Valentim Martins, Ldª, e a certa assiduidade nos seus pagamentos que não justificavam a recusa do pedido apresentado.

7. Não obstante, apresentados a pagamento na data solicitada, os cheques foram devolvidos pela instituição bancária por falta de provisão, conforme cópias juntas com a petição inicial como docs. n.ºs 5 a 7.

8. A A. acionou a garantia prestada como segunda garantia, preenchendo e apresentando a pagamento o cheque entregue pelas sócias de Valentim Martins, Ldª, e garantido pelas mesmas, nos termos expostos no pacto de preenchimento anexo ao contrato de revenda, doc. nº 1 constante de fls. 7 e 8.

9. Não obstante, também este cheque veio devolvido por falta de provisão, constituindo, assim, as “avalistas” na obrigação de pagar a dívida de Valentim Martins, Ldª, até ao limite de € 150.000,00, acrescidos de juros, comissões, encargos, despesas e outras obrigações.

10. Em 27-9-04, a A. enviou uma carta a todos os devedores conhecidos de Valentim Martins, Ldª, nos termos que constam da carta junta com a petição inicial como doc. nº 14.

11. Entre 13 e 17-9-04, surpreendentemente, a A. foi informada por clientes de Valentim Martins, Ldª, que a empresa havia encerrado e esvaziado as suas instalações durante o fim de semana de 11 e 12-9-04.

12. Na manhã de segunda-feira, 13-9-04, os funcionários da empresa que se apresentaram ao serviço como normalmente, contra qualquer suspeita, foram dispensados.

13. As carrinhas que faziam a distribuição da mercadoria desta empresa, também ao contrário do habitual, não se encontravam estacionadas em frente das instalações, tendo desaparecido para parte incerta.

14. Segundo informação obtida no local, durante o fim de semana referido em 11., a movimentação foi muito grande, tendo as sócias retirado do local toda a mercadoria e outros bens.

15. Tendo duas das três sócias-gerentes (faltou a 1ª R.), comparecido nas instalações da A. e assumido as graves dificuldades financeiras, culpabilizando a 1ª R. pela situação da empresa, atendendo a que esta era, à data, a responsável financeira.

16. O património de Valentim Martins, Ldª, nesta data já em parte incerta, era insuficiente para garantir o pagamento da dívida.

17. Estavam as respetivas instalações em regime de locação financeira, pelo que não poderiam garantir o pagamento de qualquer dívida de Valentim Martins, Ldª, conforme cópia da certidão de registo predial junta com a petição inicial como doc. nº 12.

18. A A. instou uma vez mais Valentim Martins, Ldª, a pagar a sua dívida, sob pena de acionar as garantias legais, concedendo prazo de resposta até ao dia 24-9-04 (sexta-feira), conforme cópia da carta junta com a petição inicial como doc. nº 13)

19. Na falta de resposta e respeitando o prazo concedido a A. acionou a primeira garantia legal de cumprimento das suas obrigações acordada com as sócias de empresa, sendo esta a cessão de todos os créditos que detivessem sobre clientes de Valentim Martins, Ldª, nos termos do disposto na cláus. 13ª, nº 1, do contrato de revenda.

20. Estando a execução comum para pagamento coercivo da dívida em curso, Valentim Martins, Ldª, foi declarada insolvente por sentença proferida, em 24-6-05, pelo ...º Juízo do Trib. de Comércio de ..., no âmbito do proc. nº 1288/04...., conforme cópia da publicação oficial em DR, junta com a petição inicial como doc. nº 3.

21. Atento o teor da cláus. 13ª do acordo referido em 1., a A. assumiu a posição jurídica de 4ª executada, conforme doc. nº 2 junto com a petição inicial.

22. A 1ª R. AA, à data da constituição da dívida para com a A. era sócia-gerente da sociedade Valentim Martins, Ldª, conforme cópia da certidão de registo comercial junta com a petição inicial como doc. nº 4.

23. Foi nomeado gerente, não-sócio, FF, conforme cópia da publicação em DR junta com a petição inicial como doc. nº 23; FF foi apresentado como futuro representante da empresa; consta do doc. nº 23 junto aos autos com a petição a seguinte menção: (…) Gerente designado: FF, divorciado, R. ...., ... (…)”; o gerente da Valentim Martins, Ldª indicou como sua morada pessoal a R. ...., conforme doc. nº 23.

24. A R. AA e FF conhecem-se, entre si, atendendo a que estavam ambos presentes na manhã em que dispensaram os empregados da Valentim Martins, Ldª.

25. A R. AA e GG conhecem-se pessoalmente pelo menos desde agosto de 2004.

26. O FF (Valentim Martins, Ldª) e o GG (Triunfo-Alimentos Compostos, SA) conhecem-se e acordaram no objetivo de evitar que a A. seja ressarcida do seu crédito.

27. As sócias da sociedade Valentim Martins, Ldª, sabiam que a A. não acionaria a cessão de créditos antes do dia 27-9-04.

28. Valentim Martins, Ldª, enviou uma comunicação aos seus devedores para pagarem todas as faturas em dívida a outra empresa denominada Triunfo-Alimentos Compostos, SA., baseando as instruções que deu aos seus devedores em 24-9-04 num suposto acordo alcançado em tribunal arbitral em 10-8-04, acordo este em que Valentim Martins, Ldª, cedeu todos os créditos existentes nessa data à outra suposta credora, apesar de ter cedido anteriormente esses mesmos créditos à A.

29. Esta cessão de créditos teve unicamente o intuito de não permitir os pagamentos à A., quando esta, previsivelmente, acionasse a cessão de créditos que havia sido previamente acordada a seu favor e que, na prática, se materializou em pagamentos efetuados à própria Valentim Martins, Ldª.

30. A Triunfo, SA, exigiu o pagamento dos créditos junto dos clientes de Valentim Martins, Ldª, conforme teor das cartas enviadas a todos os devedores de Valentim Martins, Ldª, juntas com a petição como docs. nºs 19 e 20, tendo apurado que estava sediada em ... e que o Presidente do Conselho de Administração era GG, conforme certidão de registo comercial junta com a petição inicial como doc. nº 21.

31. Na carta enviada por Valentim Martins, Ldª, apresentada como doc. nº 15, a morada indicada para, alegadamente, pagar todos os créditos à Triunfo, SA, é a R. ....., em ..., morada esta reiterada pelas cartas enviadas pela própria Triunfo, SA, aos devedores de Valentim Martins, Ldª, assinadas pelo próprio GG, na qualidade de Presidente do Conselho de Administração.

32. A A. tentou entrar em contacto com a Triunfo, SA, na morada indicada, não tendo tido qualquer sucesso, uma vez que não constava qualquer registo telefónico em nome da empresa; na morada indicada constava uma empresa de construção civil denominada G... Unipessoal, Ldª, conforme cópia da publicação em DR junta com a petição inicial como doc. nº 22, sendo esta a única empresa com contacto telefónico registado nesta morada.

33. Contactada esta empresa, afirmou desconhecer a Triunfo, SA, e assegurou que não se encontrava a laborar na morada indicada.

34. Em 10-9-94, as sócias da sociedade Valentim Martins, Ldª, cederam as suas quotas a HH, sócia esta que nunca foi possível contactar ou localizar, pelo que se gorou igualmente o arresto das quotas.

35. Foram feitos alguns pagamentos à Triunfo, SA, tendo esta devolvido recibos de quitação assinados por Valentim Martins, Ldª, conf. consta do doc. nº 24; os pagamentos foram recebidos por Valentim Martins, Ldª.

36. No que respeita às duas avalistas, DD e CC, a A. não logrou localizar bens imóveis em seu nome nem bens móveis passíveis de penhora.

37. No que respeita à 1ª R. AA, foi localizado um imóvel em seu nome, o qual foi arrestado.

38. A A. instaurou, em 20-10-04, um procedimento cautelar de arresto no Trib. Jud. da Comarca de ..., pedindo o arresto:

e) Das contas e saldos bancários das quatro requeridas;

f) Dos créditos que Valentim Martins, Ldª, detivesse sobre os seus clientes à data do arresto;

g) Das quotas detidas pelas 3 sócias numa outra sociedade por quotas, H..., Ldª;

h) Da fração autónoma identificada pela letra S, descrita na ... CRP da ... sob o nº ....86, freguesia da ..., propriedade da 1ª R., conforme doc. nº 17 junto com a petição inicial.

39. Arresto este que foi decretado totalmente procedente, tendo a A. registado o arresto da fração numa altura em que no registo predial constava que a fração se encontrava em nome da 1ª R., facto este confirmado pela certidão de teor emitida pela Rep. de Finanças em 25-1-05, junta com a petição inicial como doc. nº 18.

40. A A. recebeu o despacho da conservadora da CRP da ... em resposta ao pedido de registo do arresto, tendo sido informada que o mesmo ficou provisório por natureza, nos termos do disposto no art. 92º, nº 2, a), do Cód. R. Predial, uma vez que a fração autónoma em apreço havia sido, entretanto, registada em nome de Mestam, Ldª, empresa esta sediada na ... e com um sócio único, L..., Ltd.

41. A A. apurou que a 1ª R. era apenas proprietária da fração descrita na certidão junta com a petição inicial como doc. nº 17 e simultaneamente tentou apurar quem era a outra credora de Valentim Martins, Ldª, a T..., SA

42. A A. solicitou cópia da escritura de compra e venda, tendo então apurado que a 1ª R. vendeu, em 23-9-04, a sua fração a Mestam, Ldª, representada por GG, conforme certidão junta com a petição inicial como doc. nº 28 (ponto que foi corrigido, considerando o teor do documento).

43. Na data do acordo realizado da venda entre a 1ª R. e a 2ª R. a 1ª R. não possuía saldos ou contas bancárias em seu nome.

44. A 2ª R. Mestam Ldª, e a 3ª R. Covilama, Ldª, acordaram vender e comprar respetivamente em 30-12-04 a fração autónoma identificada no doc. nº 1 junto com a réplica.

45. Covilama, Ldª, é do mesmo e único sócio L..., Ltd, com pacto social idêntico, mesma sede social, mesmo objeto social conforme publicações em DR juntas com a petição inicial como doc. nº 29.

46. A 3ª R. Covilama, Ldª, vendeu a fração em causa, em 10-8-06, ao 4º R., BB, conforme cópia da certidão de registo predial junta com a petição inicial como doc. nº 30; em 10-8-06, a 3ª R., vendeu ao 4º R., BB, pelo preço de € 81.200,00, a fração acima identificada, registada em nome da vendedora (3ª R.) pela inscrição …, de … de 2005/03/28.

47. O Banco BPI que financiou a aquisição, conforme decorre do mesmo contrato – emitiu, a pedido do comprador 4º R., dois cheques que totalizam a importância correspondente ao capital mutuado, no montante de € 67.000,00, sendo um dos cheques emitidos à ordem da vendedora no montante de € 53.292,45 e o outro emitido à ordem da CGD no valor de € 13.707,22.

48.  Até à data de 22-11-06 não foi feito o cancelamento da hipoteca constituída pela 1ª R. a favor da CGD em 1986, aquando do empréstimo contraído para aquisição desta fração autónoma (Ap. .... de 1986/12/17 conf. doc. nº 30 junto aos autos com a petição inicial).

49. O referido na matéria assente aconteceu porque nunca se chegou a verificar o pagamento efetivo da fração autónoma à 1ª R.


V – Decidindo:

1. Em primeiro lugar, há que corrigir um aspeto que foi assinalado no precedente despacho do ora relator, na parte em que nele se referiu que a R. AA não interpôs recurso de revista do acórdão da Relação.

O que efetivamente ocorreu é que o recurso de revista que foi interposto por essa R. não foi admitido por despacho de 15-6-15. Embora seja idêntico o efeito decorrente da falta de interposição de um recurso ou o da rejeição de um recurso interposto, corrige-se o que a tal respeito consta do despacho do ora relator.

Já não se aceita a alegação do R. BPI de que a causa da rejeição do recurso foi a verificação de uma situação de dupla conformidade.

Na realidade, para além de esta figura limitadora da interposição do recurso de revista nos termos gerais não ser aplicável na presente ação instaurada antes de 1-1-2008, o motivo da não admissão do recurso de revista foi a falta de integração na previsão abstrata do nº 1 do art. 671º do CPC, considerando que a Relação se limitara a julgar improcedente a exceção dilatória de preterição de litisconsórcio necessário passivo que a R. AA invocara.


2. O extenso relatório inicial teve por objetivo deixar claras as vicissitudes do processo que terão de ser consideradas por este Supremo Tribunal.

Daí decorre muito sinteticamente que pela A. foi pedida, a título principal:

- A declaração de nulidade do contrato de compra e venda celebrado entre a 1ª R. e a 2ª R.;

- A declaração de nulidade da posterior venda da 2ª para a 3ª R.;

- E a declaração de nulidade da posterior venda da 3ª R. para o 4º R.

Tais pedidos foram sustentados na alegação do vício de simulação absoluta de cada um dos contratos de compra e venda, como consta dos arts. 96º a 98º da petição, em consonância com o teor dos arts. 75º, 78º, 81º, 86º, 89º e 90º. Foi a partir da declaração de nulidade do 3º contrato celebrado entre a 3ª R. e o 4º R., também alegadamente ferido de simulação, que foi pedido o cancelamento da hipoteca registada a favor do 5º R.

Todos esses pedidos principais foram julgados procedentes na sentença de 1ª instância (ainda que com manifesta insuficiência de fundamentação, aspeto que, contudo, não cabe aqui apreciar). Mas, ao contrário do que defende o R. BPI, a declaração de nulidade respeitante ao 2º e 3º contrato de compra e venda não foi meramente consequencial da declaração de nulidade do 1º contrato, pois consta da sentença (p. 60) que, “atentos os factos assentes, a A. logrou provar os factos constitutivos do seu direito, ou seja, a A. logrou provar o acordo simulatório, a divergência entre a vontade real e a vontade declarada, bem como o intuito de a prejudicar”, não se fazendo qualquer restrição relativamente ao 1º contrato de compra e venda.

A extensão do vício de simulação a todos os contratos está, aliás, em consonância quer com os factos que haviam sido alegados, quer com os factos que foram considerados provados e que apontavam para a existência de uma atuação concertada de diversos sujeitos com o objetivo de evitar a penhora não apenas de bens de Valentim e Martins, Ldª, como ainda de bens das sócias-gerentes, entre as quais a 1ª R. AA.

Na sentença de 1ª instância os factos reveladores da estratégia de ocultação do património da 1ª R. AA foram integrados na figura da simulação contratual que desembocou, a final, na atribuição da titularidade da fração autónoma ao seu filho, o 4º R. BB, tendo de permeio um 1º contrato com a 2ª R. Mestam, Ldª, e um 2º contrato entre esta sociedade e a 3ª R. Covilama, Ldª.

Revela a matéria de facto apurada, além do mais, que:

26. FF (Valentim Martins, Ldª) e GG (Triunfo, SA) conhecem-se e acordaram no objetivo de evitar que a A. seja ressarcida do seu crédito.

28. Valentim Martins, Ldª, enviou uma comunicação aos seus devedores para pagarem todas as faturas em dívida a outra empresa denominada Triunfo, SA, baseando as instruções que deu aos seus devedores em 24-9-04 num suposto acordo alcançado em tribunal arbitral, em 10-8-04, acordo este em que a empresa Valentim Martins, Ldª, cedeu todos os créditos existentes nessa data à outra suposta credora, apesar de ter cedido anteriormente esses mesmos créditos à A.

29. Esta cessão de créditos teve unicamente o intuito de não permitir os pagamentos à A., quando esta, previsivelmente, acionasse a cessão de créditos que havia sido previamente acordada a seu favor e que na prática se materializou em pagamentos efetuados à própria Valentim Martins, Ldª.

34. Em 10-9-94, as sócias da Valentim Martins, Ldª, cederam as suas quotas a HH, sócia esta que nunca foi possível contactar ou localizar, pelo que se gorou igualmente o arresto das quotas.

41. A A. solicitou cópia da escritura de compra e venda, tendo então apurado que a 1ª R. vendeu, em 23-9-04, a sua fração, a Mestam, Ldª, representada por GG, conforme certidão junta com a petição inicial como doc. nº 28 (ponto que foi corrigido, considerando o teor do documento).

42. A 2ª R. Mestam Ldª, e a 3ª R. Covilama, Ldª, acordaram vender e comprar respetivamente, em 30-12-04, a fração autónoma identificada no doc. nº 1 junto com a réplica.

45. Covilama, Ldª, é do mesmo e único sócio L..., Ltd, com pacto social idêntico, mesma sede social, mesmo objeto social conforme publicações em DR juntas com a petição inicial como doc. nº 29.

46. A 3ª R. vendeu a fração em causa, em 10-8-06, ao 4º R., BB, conforme cópia da certidão de registo predial junta com a petição inicial como doc. nº 30.

49. O referido na matéria assente aconteceu porque nunca se chegou a verificar o pagamento efetivo da fração autónoma à 1ª R.

Foi a partir destes e de outros factos que na sentença se exarou:

“Pelo exposto e nos termos conjugados dos arts. 240º, 289º e 291º, nº 2, do CC (atento o facto de a presente ação ter dado entrada em Tribunal e ter sido registada dentro dos três anos posteriores à conclusão dos negócios) declaro a nulidade da compra e venda da fração autónoma … realizada pela 1ª R. à 2ª R. em 23-9-04, a nulidade da posterior compra e venda … realizada pela 2ª R. à 3ª R. em 30-12-04, e a nulidade da compra e venda da mesma fração autónoma … realizada pela 3ª R. ao 4° R. em 10-8-06”.

E no segmento decisório declarou-se:

“Pelo exposto, declaro a nulidade da compra e venda da fração autónoma identificada pela letra S, descrita na ... CRP da ... sob o nº ...., freguesia da ..., realizada pela 1ª R. à 2ª R. em 23-9-04, a nulidade da posterior compra e venda da mesma fração autónoma … realizada pelo 2º R. à 3ª R. em 30-12-04, e a nulidade da compra e venda da mesma fração autónoma … realizada pela 3ª R. ao 4° R. em 10-9-06. Mais declaro levantada e sem efeito a hipoteca constituída a favor do 5° R. …”.

A declaração de nulidade respeitante ao 3º contrato de compra e venda esteve ainda na base da decisão que julgou procedente o pedido reconvencional deduzido pelo R. BPI e que condenou o 4º R., devedor hipotecário, na restituição ao R. BPI da quantia que por este lhe foi mutuada de € 85.725,23.


3. Na perspetiva do R. BPI, a declaração de nulidade do 2º e do 3º contrato de compra e venda teria sido arrastada pela declaração de nulidade do 1º contrato de compra e venda. E, por isso, tendo enunciado a sua pretensão de revogação da sentença que declarou a nulidade do 1º contrato, tal determinaria também, na sua tese, a revogação da sentença na parte restante.

Trata-se de uma interpretação que não encontra sustentação nos termos da sentença da qual ficou a constar a declaração explícita da nulidade dos 2º e 3º contratos de compra e venda e não apenas do 1º contrato, de modo que para evitar que tais segmentos decisórios se tornassem definitivos pelo trânsito em julgado era necessário que tivessem sido incluídos no objeto do recurso de apelação, nos termos do art. 635º do CPC.

Tal não ocorreu, pois, quer o recurso de apelação interposto pela 1ª R. AA, quer o recurso de apelação interposto pelo 5º R. BPI visaram unicamente a revogação da sentença na parte respeitante à declaração de nulidade do 1º contrato de compra e venda que outorgou com a 2ª R., abstendo-se o R. BPI de pedir ainda a revogação da sentença na parte em que foi declarada a nulidade do 2º e do 3º contrato de compra e venda e na parte em que foi ordenado o cancelamento do registo da hipoteca.

Daqui decorre a inviabilidade de qualquer decisão posterior, quer da Relação, quer, agora, deste Supremo, que se traduzisse na repristinação da validade do 2º e do 3º contrato de compra e venda.


4. Dir-se-á ainda, em reforço, que a maior amplitude do objeto da apelação impor-se-ia mesmo que, porventura, se admitisse, como pretende o R. BPI, que a declaração de nulidade respeitante aos 2º e 3º contratos de compra e venda e o decretamento do cancelamento da hipoteca constantes da sentença seriam mera decorrência da declaração de nulidade do 1º contrato. Mesmo neste caso, constando expressamente da sentença a declaração de nulidade de cada um dos referidos contratos e o cancelamento do registo hipotecário, só mediante a impugnação de todos os segmentos decisórios se poderia alcançar o efeito pretendido.

Assim o demandava o princípio do dispositivo, não bastando apelar, como agora o faz o R. BPI, a um alegado efeito retroativo da revogação sustentado numa determinada interpretação do regime legal.

Como o R. BPI não formulou tal pretensão e, ao invés, circunscreveu, de forma expressa e inequívoca, a sua pretensão à revogação da decisão que declarou a nulidade do 1º contrato de compra e venda, defrontamo-nos com a situação prevista no art. 635º, nº 2, do CPC, mostrando-se definitivo o segmento decisório respeitante à declaração de nulidade do 2º e do 3º contrato de compra e venda.

Neste contexto, o caso julgado que já se materializou relativamente à declaração de nulidade do 2º e do 3º contrato de compra e venda retira ao R. BPI qualquer interesse processual no prosseguimento deste recurso de revista que tem apenas em vista a impugnação do acórdão da Relação na parte em que confirmou a declaração de nulidade do 1º contrato de compra e venda.

Na verdade, afastada a possibilidade de se obter nesta revista uma modificação do que já foi definitivamente decidido sobre o 2º e sobre o 3º contrato de compra e venda, eclipsou-se o interesse processual que seria relevante para o prosseguimento dos autos sob a iniciativa do R. BPI tendo em vista unicamente a reversão do que foi decidido pelas instâncias relativamente ao 1º contrato de compra e venda.

E deste modo, nos termos do art. 652º, nº 1, al. h), do CPC, poder-se-ia pura e simplesmente declarar a extinção da instância no presente recurso de revista a respeito da apreciação de cada uma das questões suscitadas.

Ainda assim tais questões não deixarão de ser respondidas.


5. Impugna o recorrente Banco BPI a qualificação jurídica da declaração que foi emitida pela R. AA no âmbito da prestação de garantias pelo cumprimento de obrigações assumidas pela sociedade Valentim Martins, Ldª. Considera que tal declaração não pode valer como aval aposto no cheque em branco que à A. foi entregue pela referida sociedade, tanto mais que dela não consta a indicação de “bom para aval” exigida pelo art. 26º da LUCh.

Antes de mais importa acentuar que a questão suscitada é totalmente irrelevante tendo em conta o teor das decisões judiciais que declararam a nulidade do contrato de compra e venda de uma fração de que a R. AA foi proprietária, com fundamento na simulação.

O apuramento da responsabilidade da R. AA relativamente à A., como avalista da sacadora do cheque, apenas relevaria se o objeto deste recurso estivesse centrado na apreciação do pedido subsidiário de impugnação pauliana da referida venda. Apenas neste caso o exercício do direito potestativo de impugnação ficaria dependente do reconhecimento da existência de uma obrigação (in casu, obrigação pecuniária) da transmitente tendo como contraponto um crédito da impugnante.

Ora, ainda que no acórdão da Relação se faça alusão à impugnação pauliana, tal referência é manifestamente inadequada, na medida em que não era essa a pretensão que estava sob análise no recurso de apelação que fora interposto da sentença, o qual incidiu apenas sobre o pedido principal de declaração de nulidade, deixando de lado o pedido subsidiário de declaração de ineficácia do contrato de compra e venda correspondente à pretensão ajustada ao exercício do direito potestativo de impugnação pauliana.

Por conseguinte, centrados na apreciação do pedido principal de declaração de nulidade da compra e venda por simulação, que constituiu o pedido principal e o único que foi apreciado na 1ª instância, é indiferente para apreciação do respetivo mérito o facto de a R. AA ser ou não devedora da A., por via do aval ou por qualquer outra via. O reconhecimento de tal vício negocial não está dependente da qualidade de devedora, mas apenas da verificação dos requisitos previstos no art. 240º do CC: acordo simulatório, divergência entre a vontade real e a vontade declarada e intuito de enganar terceiros.

Deste modo, não é a presente ação o plano ajustado a discutir se a R. AA tem ou não tem a qualidade de devedora da A., enquanto avalista do cheque subscrito pela sociedade Valentim Martins, Ldª.


6. Todavia, ainda que a R. AA não tivesse a qualidade de avalista, não seria modificado o juízo formulado acerca da simulação determinante da nulidade do 1º contrato de compra e venda.

Consta da cláus. 13ª do contrato de revenda que:

1 - Para garantia do cumprimento das obrigações do "REVENDEDOR", este compromete-se a ceder os créditos que detiver sobre clientes seus à data da falta de pagamento da mercadoria à "KODAK POLYCHROME GRAPHICS" e que sejam suficientes para pagamento da dívida e juros de mora, fornecendo, na data do incumprimento a identificação dos clientes e das faturas do "REVENDEDOR" que estejam a pagamento.

2 - Cumulativamente, para garantia do cumprimento das obrigações do "REVENDEDOR", este entrega à "KODAK POLYCHROME GRAPHICS" um cheque em branco, sobre o Banco Atlântico, dependência de ..., com o nº ..., devidamente assinado e o respetivo pacto de preenchimento e aval, anexados ao presente contrato, respetivamente, como ANEXOS II e III, anexos estes que fazem parte integrante do presente contrato, sendo todas as alterações às condições nele constantes devidamente ratificadas, datadas, assinadas pelos outorgantes e arquivadas juntamente com os respetivos exemplares do contrato.

3 - Em caso de incumprimento de contrato pelo "REVENDEDOR", a "KODAK POLYCHROME GRAPHICS" pode acionar uma ou ambas as garantias referenciadas nos números anteriores.

Do referido Anexo III consta, além do mais, que:

“… as garantes vêm por este meio autorizar a Kodak, legítima portadora de um cheque em branco … por elas devidamente assinado e, através do presente documento, avalizado … a preencher à ordem da KPG Portugal aquele cheque designadamente no que respeita quer à data, quer ao local de emissão, quer ao respetivo montante …”, tendo como limite o valor de € 150.000,00.

No final deste Anexo surgem as assinaturas das três sócias-gerentes da sociedade sacadora do cheque, seguidas das mesmas assinaturas na sua qualidade de “avalistas” da sociedade.

A responsabilidade solidária emergente do aval depende da aposição da assinatura no verso do cheque ou em documento anexo ao mesmo, quando porventura não seja possível a sua aposição naquele local. Neste caso, a assinatura e a declaração de aval ficarão a constar de um “alongue” que fará parte integrante do documento-cheque.

Não foi, porém, o que ocorreu no caso concreto, já que a assinatura e a declaração de aval ficaram a constar do próprio contrato de fornecimento que foi celebrado entre a A. e a sociedade Valentim Martins, Ldª. Notoriamente que em tais circunstâncias não é legítimo considerar que tal contrato constitua um documento “alongue” para efeitos do disposto no art. 26º da LUCh.

No entanto, sendo a declaração aposta nesse documento inequívoca quanto à assunção por parte da R. AA da responsabilidade pelo pagamento de dívidas da sociedade, até ao montante de € 150.000,00, tal declaração não pode deixar de ter o significado de uma fiança, nos termos dos arts. 627º e 628º do CC, como, em casos paralelos, se decidiu nos Acs. do STJ, de 16-6-15, 1909/07, ou de 14-1-03, 03B3841, www.dgsi.pt.

Por conseguinte, também por esta via improcederia a questão suscitada em torno da qualidade de devedora imputada à R. AA.


7. Na tese do recorrente R. BPI a reversão da declaração de nulidade do 1º contrato de compra e venda, com efeitos nos subsequentes contratos e na manutenção do registo da hipoteca, passaria pela verificação da exceção dilatória traduzida na preterição de litisconsórcio necessário passivo relativamente à 1ª R. AA, por falta de demanda do seu ex-cônjuge EE.

Tal exceção foi suscitada pela 1ª R. AA apenas no precedente recurso de apelação (e não na fase dos articulados), tendo sido julgada improcedente pela Relação. Interposto recurso de revista pela R. AA no qual essa questão foi retomada, o mesmo não foi admitido por este Supremo por decisão que transitou em julgado.

Também o R. BPI se absteve de suscitar essa questão na fase dos articulados. A falta de demanda do ex-cônjuge da R. AA apenas foi invocada pelo R. BPI no recurso de apelação que interpôs e, ainda assim, num plano diverso, para justificar a improcedência do pedido de declaração de nulidade do 1º contrato de compra e venda por falta de alegação e de prova de factos respeitantes ao ex-marido da R. AA.

Ou seja, como se não bastassem as insuficiências que as instâncias demonstraram na apreciação do litígio, as dificuldades que este relato evidencia são ainda de imputar aos RR. que não cumpriram o ónus de defesa quando deviam, ou seja, nos articulados.

Acresce que o objeto do recurso de qualquer revista encontra-se necessariamente dependente do âmbito do precedente recurso de apelação, não podendo, em regra, ser suscitadas questões novas.

Desta rigidez exclui-se, é certo, a apreciação de questões que sejam de conhecimento oficioso, como ocorre com as exceções dilatórias ou mais especificamente com a preterição de litisconsórcio necessário passivo (art. 578º do CPC). Mas mesmo neste campo existem condicionalismos que devem ser observados e que não se mostram presentes no caso concreto.

É verdade que, independentemente da qualificação jurídica que foi assumida pelo R. BPI quando invocou – repita-se, apenas no precedente recurso de apelação – a falta de intervenção do ex-cônjuge da R. AA, a apreciação da preterição de litisconsórcio necessário passivo continuaria ao alcance deste Supremo, atento o disposto no art. 5º, nº 3, do CPC.

Contudo, o princípio da oficiosidade na apreciação de questões de direito ou na apreciação de questões de conhecimento oficioso apenas pode ser aplicado pelo Supremo com base na análise dos elementos disponíveis, designadamente dos documentos que, estado juntos aos autos, revelem a ausência de algum interessado cuja demanda se mostre necessária para assegurar a legitimidade. Com efeito, é reduzido o campo de intervenção do Supremo Tribunal de Justiça, atentas as limitações que emergem designadamente dos arts. 674º, nº 3, e 682º do CPC, estando, em geral, limitado a aplicar o direito aos factos que as instâncias apurem.

Ora, não sendo a fase do recurso de revista ajustada a alegar novos factos ou a recolher novos meios de prova, a mera análise dos documentos existentes no processo (os docs. nºs 17 e 28 juntos com a petição inicial, respetivamente, a certidão de registo predial e a certidão da escritura de compra e venda) não permite confirmar que, no caso, fosse legalmente necessária a demanda do ex-marido da R. AA.

Em primeiro lugar, encontrando-se a relação conjugal extinta pelo divórcio, falta base para a aplicação direta do disposto no art. 34º do CPC, preceito que visa unicamente os casos em que se mantém a relação conjugal.

Em segundo lugar, numa outra perspetiva que atente na natureza jurídica do bem, tendo em conta o regime de bens existente no casamento dissolvido pelo divórcio, faltam elementos de facto necessários para qualificar juridicamente o bem em causa na presente ação.

Uma vez que os RR. não suscitaram oportunamente a questão, a mesma não pôde ser discutida nos articulados, nem ser objeto de uma decisão judicial no confronto com os factos que a tal respeito se apurassem. E era efetivamente nos articulados que tal questão deveria ter sido suscitada, a fim de ser objeto de discussão e de apreciação no despacho saneador, pois tratava-se de uma questão de direito cuja resolução dependia do apuramento de matéria de facto relacionada com a natureza jurídica do bem na pendência do casamento (arts. 1722º a 1724º do CC) e, depois do divórcio, com a matéria de facto determinante para qualificar o direito que sobre o concreto imóvel passou a deter a R. AA e o seu ex-marido EE, o que designadamente ficaria dependente da existência ou não de partilha dos eventuais bens comuns do casal (arts. 1689º e 1790º do CC).

Por conseguinte, ainda que, em abstrato, a preterição de litisconsórcio necessário passivo constitua uma exceção dilatória de conhecimento oficioso, os elementos disponíveis não permitem a este Supremo reconhecer, em concreto, a existência de tal exceção.


8. Ainda assim prosseguiremos complementarmente na apreciação dessa exceção que foi sustentada (repita-se, apenas no precedente recurso de apelação) no facto de a R. AA ter sido casada com EE, estando alegadamente em causa uma fração autónoma que integrava o acervo comum do casal.

Alegou a R. AA que, pelo divórcio, a fração passou a ser da contitularidade de ambos os ex-cônjuges, pelo que também o seu ex-marido deveria ter sido demandado. Ainda que a destempo, o recorrente Banco BPI também veio remeter no presente recurso de revista para o teor do doc. nº 17 junto com a petição inicial, o qual constitui uma certidão do registo predial da qual consta, com data de 17-12-1986, que a fração foi adquirida pela R. AA, por compra, no estado de casada no regime de comunhão de adquiridos com EE.

Todavia, a delimitação dos factos provados e não provados é tarefa que, em regra, é exclusiva das instâncias, sendo que, no caso, tendo sido suscitada a mesma questão no recurso de apelação, obteve uma resposta desfavorável da Relação, como o revela o seguinte extrato do acórdão recorrido:

“No que se concerne ao doc. 17 referido pelo apelante mais não é do que o documento da CRP, onde se refere que a fração em questão se encontra com a aquisição registada a favor de AA casada em regime de comunhão de adquiridos com EE e o doc. 28 é a escritura de compra e venda celebrada em 23-9-04, no Cart. Not. de ..., onde a dita AA e o seu ex-marido EE, aqui já na qualidade declarada de divorciados, vendem à firma Mestam, Ldª., representada por GG, a mencionada fração, pelo preço de € 80.000,00.

Não vemos qualquer contradição entre os referidos documentos pois que qualquer cônjuge pode adquirir sozinho qualquer bem, nomeadamente imóvel, para alienar é que é nos imóveis, mesmo que sejam casados em regime de separação de bens é sempre necessária a autorização do outro cônjuge., acabando a Relação por concluir que não havia que proceder à modificação da decisão da matéria de facto a partir da análise dos referidos documentos”.

Como decorre do nº 3 do art. 674º do CPC, a competência deste Supremo Tribunal de Justiça nesse campo é limitada, circunscrevendo-se aos casos em que exista ofensa de alguma disposição legal expressa sobre a força de determinado meio de prova, condicionalismo que não se verifica no caso concreto.

Por isso, atentos os factos que foram enunciados pelas instâncias e que este Supremo Tribunal de Justiça cumpre integrar, nos termos do nº 1 do art. 682º do CPC, não existem elementos seguros que suportem a afirmação de que, na ocasião em que a fração foi vendida, se verificasse uma relação de compropriedade como a que agora é invocada pelo Banco BPI ou mesmo que ainda se mantivesse alguma relação de contitularidade relativamente a tal fração autónoma.

Mas ainda que, porventura, a fração autónoma tivesse integrado, na pendência do casamento, o acervo comum do casal - facto que, como se disse, não foi oportunamente alegado, não foi fixado pelas instâncias, nem decorre de qualquer elemento que se imponha com força probatória plena -, por ter sido comprada na pendência do casamento, o decretamento do divórcio não determinaria que passasse a constituir automaticamente um bem em regime de compropriedade de ambos os cônjuges. Com efeito, partindo desse pressuposto, a contitularidade relativamente a um património de afetação especial, como são os bens que integraram a comunhão conjugal (art. 1689º do CC), não se confunde com a figura da compropriedade que incide sobre bens determinados (art. 1403º do CC).

Seja como for, persistindo (mais) uma indefinição a tal respeito – repita-se, por absoluta ausência de discussão nos articulados e por uma intervenção insuficiente das instâncias nos momentos decisivos -, não existem elementos que permitam a este Supremo reconhecer que a falta de demanda do ex-cônjuge da R. AA na presente ação se reconduza à preterição de litisconsórcio necessário.

Por conseguinte, sempre improcederia a alegada exceção dilatória.


9. Das alegações apresentadas parece decorrer ainda que o R. BPI pretenderá questionar o que foi decidido pelas instâncias relativamente ao contrato de compra e venda outorgado entre a 3ª R. e o 4º R.

Refere o recorrente nas suas conclusões que:

Também não se mostram verificados os pressupostos exigidos pelo art. 240º, nº 1, do CC, quanto ao R. BB, nomeadamente a intenção de prejudicar terceiros, com a aquisição por si efetuada.

Aquisição que foi financiada pelo Banco BPI, com a entrega de 2 cheques, um para a vendedora – 3ª R. – e outro para o credor hipotecário Caixa Geral de Depósitos.

Trata-se de uma pretensão que notoriamente não pode ser acolhida, tendo em conta as precedentes vicissitudes processuais.

Com efeito, como já se disse, no precedente recurso de apelação o R. BPI deixou explícito que:

“O Banco ora recorrente restringe o âmbito do recurso a três questões:

a) Da inexistência de aval por parte da aqui 1ª R., AA;

b) Da nulidade da sentença quanto à declaração de nulidade por simulação da compra e venda celebrada por escritura de 23-9-04 no Cartório Notarial de ..., relativamente à fração autónoma designada pela letra S, do prédio urbano em regime de propriedade horizontal descrito na ... CRP da ... sob o nº ...07, da freguesia da ...;

c) Do ordenado cancelamento desse registo na CRP respetiva (de aquisição a favor da sociedade “Mestam-Construções Unipessoal, Ldª)”.

Como já supra se enunciou, em resultado do disposto no art. 635º, nº 2, do CPC, era lícito ao recorrente restringir o objeto do recurso de apelação, o que, atento o disposto no nº 5, determina que os efeitos do julgado, na parte não recorrida, não podem ser afetados pela decisão do recurso ou sequer pela anulação do processado.

Ora, uma vez que as instâncias declararam a nulidade do contrato de compra e venda outorgado da 3ª R. para o 4º R. e que tal segmento decisório não foi objeto de impugnação por parte do R. BPI no precedente recurso de apelação, fica impedida qualquer discussão a tal respeito no âmbito do presente recurso de revista.


VI – Face ao exposto, ainda que com fundamento não coincidente, acorda-se em julgar improcedente a revista, confirmando-se o acórdão recorrido.

Custas da revista a cargo do R. Banco BPI.

Notifique.


Lisboa, 9-12-21


Abrantes Geraldes (relator)

Tomé Gomes

Maria da Graça Trigo