RECLAMAÇÃO DE CRÉDITOS
NULIDADE DE SENTENÇA
TÍTULO EXECUTIVO
Sumário


No âmbito da acção de verificação e graduação de créditos, o título executivo é um pressuposto de carácter formal (art. 788º/2 do CPC), cuja falta ou insuficiência determina a improcedência da reclamação de créditos.

Texto Integral


Acordam na Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães

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1 RELATÓRIO

Nos presentes autos de reclamação de créditos, apensos aos autos de execução comum nº 6329/16.9T8VNF (1), que BANCO ... S.A. intentou contra F. L. e outros, vieram:

- o Banco ..., S.A., reclamar o crédito no valor de € 6.311,43 (seis mil trezentos e onze euros e quarenta e três cêntimos). Fundamenta a sua pretensão no facto de terem celebrado com os executados contratos de mútuo, constituindo, para garantia dos mesmos, hipotecas sobre o prédio penhorado nos autos.
- o Banco de Investimento Imobiliário X ..., S.A., reclamar o crédito no valor de € 28.082,84 (vinte e oito mil e oitenta e dois euros e oitenta e quatro cêntimos). Fundamenta a sua pretensão no facto de terem celebrado com os executados contratos de mútuo, constituindo, para garantia dos mesmos, hipotecas sobre o prédio penhorado nos autos.
- B. L., reclamar o crédito no valor de € 63.341,66 (sessenta e três mil, trezentos e quarenta e um euros e sessenta e seis cêntimos). Fundamenta a sua pretensão alegando que por escritura pública, lavrada no Cartório Notarial da Dra. M. C., no dia 17 de Dezembro de 2014, foi celebrado contrato de mútuo com hipoteca, que teve como outorgantes o ora exequente e o executado marido F. L. e mulher A. P.. Tal hipoteca foi apresentada a registo.
Em 17-12-2014, o executado marido e mulher confessaram-se devedores para com o credor ora reclamante da quantia de € 55.000,00, que do credor receberam a titulo de empréstimo, obrigando-se o executado e mulher a restituir tal montante, que para garantia destas importâncias, o executado e mulher constituíram a favor do credor uma hipoteca sobre a fracção autónoma penhorada nestes autos.
Como o executado marido e mulher não procediam ao pagamento de tais valores o reclamante deu entrada da acção executiva, que foi distribuída ao Tribunal Judicial da Comarca de Braga, V.N.Famalicão – Juízo Execução – Juiz 1, autuada sob o n.º 7484/16.3T8VNF, na qual foi penhorada a fracção autónoma hipotecada pelo valor de € 64.159,56 – cfr. Ap. n.º 1878 de 2017/04/12, tendo a execução sido sustada por acordo e a penhora convertida em hipoteca legal, como resulta da Ap. n.º 2289 de 2018/09/11. – cfr. doc. 2
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Notificados a exequente e os executados para efeitos do disposto no nº 2 do art. 789º do CPC, veio a exequente oferecer impugnação quanto ao crédito reclamado por B. L., alegando, em suma que analisada a escritura pública junta aos autos com a reclamação de créditos, de imediato resulta do simples título que antes se trata de escritura de hipoteca unilateral e não contrato de mútuo com hipoteca.
Por outro lado, o Credor reclamante B. L. não é outorgante na referida escritura, sendo apenas outorgantes, o executado F. L. e mulher, A. P..
O Credor reclamante limitou-se a invocar a existência do mútuo por simples referência ao mesmo na escritura de constituição de hipoteca, não juntando aos autos qualquer outro documento que suporte tal contrato, nomeadamente e considerando os valores reclamados, cuja validade depende da forma tal como estabelece o disposto no artigo 1143º do CC.
Resulta assim evidente que o Credor Reclamante não faz prova da qual resulte a efectiva existência dos créditos reclamados, já que da escritura pública não resulta a constituição do contrato de mútuo.

Com interesse para a decisão a proferir, na execução a que os presentes autos estão apensos, encontra-se presentemente penhorado o seguinte bem: Fracção autónoma designada pela letra “L” – destinada a Habitação, no primeiro andar esquerdo, Bloco 1, com garagem e arrumos, nrº 6, na cave , que faz parte do prédio urbano em regime de propriedade horizontal, sito no lugar ..., freguesia de ..., deste concelho, descrita na Conservatória do Registo Predial de … sob o n.º ... – L /... e inscrita na matriz predial urbana da sob o artigo ...º fracção “L” da referida freguesia.

Teve lugar a audiência prévia, na qual foi tentada a conciliação das partes sem qualquer sucesso, tendo sido mandada abrir conclusão, a fim de ser proferida decisão.

A sentença proferida que se seguiu, decidiu nos seguintes termos:

Julgo verificado o crédito dos reclamantes e graduo os créditos reclamados e o exequendo para serem pagos pelo produto da venda do imóvel penhorado nos autos executivos, da seguinte forma:---

1º - Custas da acção executiva;---
2º - Crédito do reclamante Banco de Investimento Imobiliário X ..., S.A., garantido pela hipoteca;---
3º - Crédito do reclamante Banco ..., S.A., garantido pela hipoteca;---
4º - Crédito do reclamante B. L., garantido pela hipoteca, mas apenas até ao montante máximo assegurado fixado em sessenta e um mil euros;
5º - Crédito exequendo, garantido pela penhora.---
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Custas pelos Executados/Reclamados – art. 528º do Cód. Proc. Civil.---
Notifique e registe.---
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Inconformado com a sentença, veio o exequente e impugnante BANCO ... S.A. interpor recurso de apelação contra a mesma, cujas alegações finalizou com a apresentação das seguintes conclusões:

A. Reconheceu a mui douta sentença proferida a fls. … como verificado e graduou, entre os demais, os créditos reclamados pelo Credor B. L..
B. O aqui Recorrente impugnou o crédito com base na inexistência de título executivo por parte do credor reclamante, B. L., que fundamentasse a apresentação da reclamação de créditos, não se bastando suficiente a escritura de constituição de hipoteca outorgada pelo Executado F. L. e Mulher, A. P. a favor do credor reclamante.
C. Entendeu a Mm.ª Juiz a quo assistir razão ao Credor reclamante, B. L., considerando que “…tendo sido impugnada pelo exequente a admissibilidade da reclamação, não questionou, em bom rigor, nem a existência do crédito nem a garantia real constituída pela penhora posterior que, de resto, se mostram comprovados nos autos, pelo que o crédito da reclamante há-de ser havido como reconhecido.”
D. Entendimento este que, na sentença recorrida, se fundamenta no facto de, omitindo a pronúncia quanto ao fundamento principal da impugnação apresentada pelo Recorrente, reconhece ao credor reclamante o crédito reclamado gozando da garantia real que decorre da hipoteca legal que decorre da Ap. 2289 de 2018/09/11, uma vez que entende que o Recorrente não impugnou, nem o crédito, nem a garantia real que decorrem dessa mesma hipoteca legal.
E. Mas a verdade é que o Tribunal “a quo” não se pronunciou sobre o fundamento da impugnação – a inexistência de título executivo e, por outro lado, não poderá ser cabalmente considerado que a hipoteca legal não foi impugnada.
F. Consta expressamente do Relatório da Douta Sentença que:
“Notificados a exequente e os executados para efeitos do disposto no nº 2 do art. 789º do Cód. Proc. Civil, veio a exequente oferecer impugnação quanto ao crédito reclamado por B. L., alegando, em suma que analisada a escritura pública junta aos autos com a reclamação de créditos, de imediato resulta do simples título que antes se trata de escritura de hipoteca unilateral e não contrato de mútuo com hipoteca.
Por outro lado, o Credor reclamante B. L. não é outorgante na referida escritura, sendo apenas outorgantes, o executado F. L. e mulher, A. P..
O Credor reclamante limitou-se a invocar a existência do mútuo por simples referência ao mesmo na escritura de constituição de hipoteca, não juntando aos autos qualquer outro documento que suporte tal contrato, nomeadamente e considerando os valores reclamados, cuja validade depende da forma tal como estabelece o disposto no artigo 1143º do CC.
Resulta assim evidente que o Credor Reclamante não faz prova da qual resulte a efectiva existência dos créditos reclamados, já que da escritura pública não resulta a constituição do contrato de mútuo.”
G. Sucede que, durante toda a fundamentação da sentença, seja em que parte da mesma se trate, nem mesmo na análise da “Verificação dos créditos:---”, não se vislumbra qualquer análise ao principal fundamento da impugnação apresentada, a inexistência de título executivo por parte do Credor reclamante, B. L..
H. Aliás, a única alusão revela-se contraditória até, porque da Douta sentença consta que: “Nos termos do disposto no artigo 788.º, n.ºs 1 e 8, do Código de Processo Civil, o credor titular de título exequível que goze de garantia real sobre os bens penhorados pode reclamar, por apenso à execução na qual tenha sido efectuada a penhora, o pagamento do seu crédito.”
I. Quando, na verdade, é o nº2 do art. 788º do CPC que prevê a necessidade de apresentação de um título exequível como prova do crédito reclamado, justamente a previsão legal que a Douta sentença não considera na sua fundamentação, mas por outro lado, menciona a necessidade do credor se apresentar munido de título executivo.
J. Em momento algum a douta sentença efectua qualquer referência expressa ou sequer implícita à existência do título exequível, no qual se deverá basear a apresentação da reclamação de créditos.
K. Por conseguinte, salvo melhor entendimento, sendo propósito do Tribunal a quo verificar e graduar os créditos reclamados e o crédito exequendo, com fundamento na alegada falta de impugnação do alegado crédito que decorre da penhora convertida em hipoteca registada pela Ap. 2289 de 2018/09/11, sempre deveria ter analisado a questão colocada pelo Recorrente na sua impugnação, em bom rigor, mais extensa do que a súmula constante no relatório da Douta Sentença, dando como não provado a invocada inexistência de título e, mais importante ainda, na parte na verificação do crédito, indicar de forma expressa qual o documento legal que lhe serve de prova.
L. Isto porque, a omissão de pronúncia verifica-se, independentemente da decisão proferida e ainda que assim não fosse o do alegado crédito que decorre da penhora convertida em hipoteca registada pela Ap. 2289 de 2018/09/11 é exactamente o mesmo que alegadamente decorre da hipoteca registada pela Ap. ... de 2014/12/18.
M. Em bom rigor, se não existe título para uma das garantias, de igual forma não existirá para a outra, já que o Credor reclamante, B. L., não invocou, nem outro crédito, nem tão pouco apresentou outro título executivo, simplesmente porque não dispõe de nenhum.
N. Se existe apenas e só um crédito, apenas e só esse poderia ser impugnado, independentemente de quantas garantias dispõe o Credor reclamante para garantir o mesmo, pois não podemos confundir o conceito de garantia com o conceito de crédito.
O. Termos em que, perante a omissão de pronúncia da Sentença recorrida quanto à invocada inexistência de título executivo, sob a égide do disposto na al. d) do n.º 1 do artigo 615.º do CPC, vem o Recorrente arguir a nulidade da Sentença, devendo a mesma ser revogada.
P. Acresce que, considerou a Mm.ª Juiz a quo que “…tendo sido impugnada pelo exequente a admissibilidade da reclamação, não questionou, em bom rigor, nem a existência do crédito nem a garantia real constituída pela penhora posterior que, de resto, se mostram comprovados nos autos, pelo que o crédito da reclamante há-de ser havido como reconhecido.”
Q. Em primeiro lugar, cumpre evidenciar que a impugnação da admissibilidade da reclamação não é apresentada nos autos sem mais, mas antes com o fundamento legal de inexistência de título executivo que prove a existência do crédito reclamado.
R. Em segundo lugar, cumpre discordar da menção efectuada à não impugnação do crédito e garantia real constituídos pela penhora posterior quando, na verdade, apenas e só um crédito foi reclamado pelo Credor reclamante para o qual apresentou apenas e só um documento, a escritura de constituição de hipoteca que tanto está na origem do registo da Ap. ... de 2014/12/18 como, tal como consta da reclamação de créditos apresentada, terá sido título executivo na acção executiva intentada pelo Credor reclamante, B. L. contra o Executado F. L. e Mulher, A. P..
S. Ora, tratando-se exactamente do mesmo crédito com a mesma origem, não se pode admitir a alegação de que o crédito não foi impugnado, porquanto na impugnação apresentada se refere à reclamação de créditos como um todo, não individualizando, como ocorre na douta sentença, o crédito de uma garantia ou de outra porque simplesmente existe, apenas e só, um único crédito.
T. Citado nos termos do disposto do art. 786º, nº1, b) do CPC veio o Credor Reclamante, B. L., apresentar a sua reclamação de créditos alegando que celebrou um contrato de mútuo com hipoteca sobre o imóvel objecto de penhora, com o Executado F. L. e mulher, A. P..
U. Desde logo, incorre em erro o Credor quando afirma que “…, foi celebrado contrato de mútuo com hipoteca, que teve como outorgantes o ora exequente e o executado marido F. L. e mulher A. P..”
V. Isto porque, analisada a escritura pública junta aos autos com a reclamação de créditos, de imediato resulta do simples título que antes se trata de escritura de hipoteca unilateral e não contrato de mútuo com hipoteca.
W. Por outro lado, o Credor reclamante B. L. não é outorgante na referida escritura, sendo apenas outorgantes, o executado F. L. e mulher, A. P., motivo pelo qual a supracitada escritura não configura qualquer contrato de mútuo, mas tão só a constituição de hipoteca unilateral.
X. No caso dos presentes autos, o Credor reclamante limitou-se a invocar a existência do mútuo por simples referência ao mesmo na escritura de constituição de hipoteca, não juntando aos autos qualquer outro documento que suporte tal contrato, nomeadamente e considerando os valores reclamados, cuja validade depende da forma tal como estabelece o disposto no artigo 1143º do Código Civil.
Y. Dispõem os arts. 788º, nº 1, 2 e 7 do Código de Processo Civil, em suma, que só podem reclamar créditos os credores que gozem de garantia real sobre os bens penhorados; disponham de um título exequível e sejam detentores de créditos certos e líquidos, ainda que não vencidos; se a obrigação for incerta ou ilíquida terá de a tornar certa ou líquida pelos meios de que dispõe o exequente.
Z. Pelo que, é imprescindível que o Credor goze de garantia real sobre os bens penhorados e disponha de título executivo pelo qual prove o seu direito de crédito, tal como prevê o art. 788º, n.ºs 1 e 2 do CPC.
AA. Não basta a simples existência de garantia real sobre os bens penhorados, necessário se torna dispor de título exequível, exigindo-se, portanto, que o credor se apresente munido de título executivo, cujo elenco de documentos aos quais é conferida a natureza de títulos executivos se encontra prevista no art. 703º do CPC de forma taxativa.
BB. A escritura apresentada pelo Credor não importa a constituição, nem o reconhecimento de qualquer obrigação pecuniária pelos Outorgantes, mas apenas e tão só a constituição de uma garantia, pelo que, não se pode reconhecer a mesma como título executivo tal como definido no art. 703º do CPC.
CC. Os Outorgantes, F. L. e mulher, A. P., não assumiram na escritura pública qualquer obrigação de pagamento de quantia pecuniária perante o alegado Credor, não reconheceram a existência de qualquer obrigação dessa natureza e não assumiram o compromisso de satisfazer qualquer obrigação dessa natureza, apenas constituíram a hipoteca.
DD. Cabendo o ónus da prova ao Credor, conclui-se, que este não logrou demonstrar a existência do contrato, respectivo incumprimento e montante em dívida e consequentemente a existência do seu crédito.
EE. Sem prescindir, ainda que se considere que a escritura de constituição de hipoteca contém o alegado reconhecimento do montante em dívida por parte do Executado F. L. e Mulher, A. P. ao Credor reclamante, o que só por mera hipótese se admite, tal reconhecimento será, apenas e só, eficaz entre as Partes, o credor (B. L.) e o devedor (F. L. e Mulher).
FF. Assim dispõe o art. 458º do Código Civil que estabelece a inversão do ónus da prova legalmente previsto, cabendo a prova ao Devedor e não ao Credor que beneficia da presunção de existência do crédito, mas tal presunção legal só existe na relação entre o Credor e o Devedor.
GG. Portanto, tendo sido impugnado o alegado crédito pelo aqui Recorrente, é sobre o Credor reclamante que compete o ónus de provar que emprestou aos Executados a referida quantia e que estes têm a obrigação de lhe pagar.
HH. Termos em que, em virtude do supra exposto, não pode o Recorrente conformar-se com a Sentença recorrida, na medida em que, reconhece o crédito reclamado apenas e só pela garantia real registada sob o imóvel penhorado, quando, conforme se logrou demonstrar, não existe título executivo válido que constitui fundamento legal para que o crédito seja verificado e graduado, pelo que deve a Sentença recorrida ser revogada e, consequentemente, não reconhecido o crédito reclamado, por falta de fundamento legal.

Nestes termos e nos mais de Direito que V. Exas. muito doutamente suprirão,
Deve ser concedido provimento ao presente recurso e, em consequência, ser revogada a decisão recorrida e substituída por, aliás douto, Acórdão que, contemplando as conclusões aqui elaboradas, faça
INTEIRA JUSTIÇA!
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Não consta dos autos terem sido apresentadas contra alegações.
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A Exmª Juiz a quo proferiu despacho a admitir o interposto recurso, providenciando pela subida dos autos. Igualmente proferiu despacho a pronunciar-se sobre a arguida nulidade.
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Facultados os vistos aos Exmºs Adjuntos e nada obstando ao conhecimento do objecto do recurso, cumpre apreciar e decidir.
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2QUESTÕES A DECIDIR

Como resulta do disposto no art. 608º/2, ex vi dos arts. 663º/2, 635º/4, 639º/1 a 3 e 641º/2, b), todos do CPC, sem prejuízo do conhecimento das questões de que deva conhecer-se ex officio, este Tribunal só poderá conhecer das que constem nas conclusões que, assim, definem e delimitam o objecto do recurso.

Consideradas as conclusões formuladas pelo apelante, este deseja que:
I) - se declare nula a decisão recorrida, por omissão de pronúncia (conclusões A. a O. das alegações);
II) - se reaprecie a decisão de mérito da acção (conclusões P. a HH. das alegações).
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3OS FACTOS

Factos provados:

Encontra-se provado, por força dos documentos juntos e por acordo das partes, que:
1. Na execução para pagamento de quantia certa, da qual os presentes autos constituem apenso, foi penhorada, em 28-05-2019, a fracção autónoma designada pela letra "L", correspondente ao andar esquerdo, do bloco um, com garagem e arrumo numero seis na cave, integrada no prédio urbano sito no lugar ..., da freguesia do ..., do concelho de Vila Nova de Famalicão, descrito na Conservatória de Registo Predial de ... sob o n.º 00...-... e inscrito na matriz predial no artigo ... urbano.
2. A aquisição do direito de propriedade sobre o imóvel id. em 1. a favor do Executado/Reclamado, F. L. casado com A. P. no regime de comunhão de adquiridos, encontra-se registada sob a Ap73, de 1994-09-24.
3. Através da Ap. 2183, de 2019/05/16, foi registada a penhora a favor dos presentes autos.
4. Sobre o imóvel referido em 1 incide a inscrição: - Ap. 74, correspondente a um registo de hipoteca voluntária a favor do Banco de Investimento Imobiliário X ..., S.A., para garantia de empréstimo no montante máximo de 72.612,00 euros; - Ap. 75, correspondente a um registo de hipoteca voluntária a favor do Banco de Investimento Imobiliário X ..., S.A., para garantia de empréstimo no montante máximo de 30.509,07 euros; - Ap. 86, correspondente a um registo de hipoteca voluntária a favor do Banco ..., S.A., para garantia de empréstimo no montante máximo de 16.417,60 euros; - Ap. ..., correspondente a um registo de hipoteca voluntária a favor de B. L. casado com M. H. no regime de comunhão de adquiridos, para garantia de empréstimo no montante máximo de 61.600,00 euros; - Ap. 1878, correspondente a um registo de penhora a favor de B. L., para garantia da quantia exequenda de 64.159,56 euros, tendo sido esta penhora convertida em hipoteca pela Ap. 2289.
5. Por escritura pública, lavrada no Cartório Notarial da Dra. M. C., no dia 17 de Dezembro de 2014, foi celebrado escrito denominado de Hipoteca Unilateral, que teve como outorgantes o executado marido F. L. e mulher A. P.. conforme teor da cópia da escritura pública cuja fotocópia foi junta à reclamação e que aqui se dá por integralmente por reproduzida.
6. Em tal escritura os referidos outorgantes disseram que a favor de B. L. e para garantia da importância de cinquenta mil euros, respectivos juros à taxa de quatro por cento, a título de mora, proveniente de vários empréstimos particulares efectuados por aquele aos outorgantes, hipotecam o imóvel penhorado nos autos. O montante máximo assegurado foi fixado em sessenta e um mil euros.
7. Tal hipoteca foi registada na CRP de Vila Nova de Famalicão sob a AP. ..., de 2014/12/18.
8. Em 01-12-2016 B. L. intentou contra o executado neste Tribunal e Juízo de Execução, autuada sob o n.º 7484/16.3T8VNF, execução para pagamento da quantia de 63 341,66 € (Sessenta e Três Mil Trezentos e Quarenta e Um Euros e Sessenta e Seis Cêntimos).
9. Na qual foi penhorada a fracção autonoma hipotecada pelo valor de € 64.159,56 – cfr. Ap. n.º 1878 de 2017/04/12.
10. Tendo a execução sido extinta por acordo,
11. E a penhora convertida em hipoteca legal, como resulta da Ap. n.º 2289 de 2018/09/11.
12. O ora reclamante, na qualidade de credor hipotecário foi citado para reclamar o seu crédito.
13. Por escritura pública, celebrada em 23 de JUNHO de 1999, denominada “Compra e Venda e Mútuo com Hipoteca,” lavrada a fls 102 a fls.103 verso do livro de notas número ... do então 2º Cartório Notarial de Vila Nova de Famalicão, o executado F. L. e mulher A. P., constituíram hipoteca a favor do BANCO DE INVESTIMENTO IMOBILIÁRIO X ..., S.A., sobre o imóvel penhorado nos autos.
14. A aludida hipoteca foi constituída para garantir ao Banco Reclamante o pontual pagamento: a) De todas as responsabilidades emergentes do empréstimo no montante de Esc. 11.000.000$00 contravalor em Euros 54.867,77 € (cinquenta e quatro mil oitocentos e sessenta e sete euros e setenta e sete cêntimos), que os executado ora reclamado F. L. e mulher A. P., receberam do Banco Reclamante e do qual se confessaram solidariamente devedores; b) Bem como dos respetivos juros à taxa anual de 5,58%, acrescida em caso de mora da sobretaxa de 4% ao ano, a titulo de cláusula penal; e c) Das despesas extrajudiciais fixadas, para efeitos de registo predial, no valor de Esc. 396.000$00 contravalor em Euros 1.975,24. - Cfr.Doc.1 e 2 ora juntos.
15. Tal hipoteca encontra-se válida e em vigor e devidamente registada na Conservatória de Registo Predial de ... pela Ap… de 2000/01/24, e garante o montante máximo assegurado de Esc. 14.557.400$00 / Euros 72.612,01.
16. O Banco ora reclamante concedeu ao executado/reclamado F. L. e mulher A. P., um empréstimo no montante de € 54.867,77 € (cinquenta e quatro mil oitocentos e sessenta e sete euros e setenta e sete cêntimos), quantia esta que efetivamente entregou aos mutuários e de que estes se confessam solidariamente devedores ao Banco ora reclamante, destinada à aquisição do imóvel nessa escritura adquirido pelos mutuários e hipotecado ao Banco.
17. Nos termos de tal escritura e contrato de mútuo, o empréstimo foi concedido pelo prazo de trinta anos a contar do dia 23.06.1999, obrigando-se os mutuários a amortizar o empréstimo em 360 prestações mensais e sucessivas, de capital e juros, a primeira com vencimento no dia 23.07.1999 e as restantes em igual dia dos meses subsequentes – vide clausula 4.ª do documento complementar que faz parte integrante da escritura junta aos autos.
18. Em conformidade com o estipulado no documento complementar que faz parte integrante da escritura, o empréstimo em causa, com a referencia interna MLS 11764123, vence juros sobre o capital em dívida, calculados dia a dia e cobrados postecipadamente ao mês, á taxa resultante da Euribor a noventa dias que vigore no segundo dia útil anterior ao inicio do período de contagem de juros, acrescida do spread de 2,5 pontos percentuais, com arredondamento para o quarto ponto percentual imediatamente superior - clausula 3.ª do documento complementar.
19. Em caso de mora, os juros são contados dia a dia e calculados à taxa que estiver em vigor, acrescida da sobretaxa de quatro por cento ao ano na mora – clausula décima terceira das condições gerais documento complementar que faz parte integrante da escritura de mútuo com hipoteca.
20. Deste empréstimo foi paga a prestação vencida em 23.09.2019 e as antecedentes.
21. Por outra escritura pública, celebrada em 23 de JUNHO de 1999, denominada “Mútuo com Hipoteca,” lavrada a fls 104 a fls.105 do livro de notas número ... do então 2º Cartório Notarial de Vila Nova de Famalicão, o executado F. L. e mulher A. P., constituíram segunda hipoteca a favor do Banco Reclamante sobre o imóvel melhor identificado.
22. A aludida hipoteca foi constituída para garantir ao Banco Reclamante o pontual pagamento:
23. a) De todas as responsabilidades emergentes do empréstimo no montante de Esc. 4.600.000$00 contravalor em Euros 22.944,70 € (vinte e dois mil novecentos e quarenta e quatro euros e setenta cêntimos), que os executado ora reclamado F. L. e mulher A. P., receberam do Banco Reclamante e do qual se confessaram solidariamente devedores; b) Bem como dos respetivos juros à taxa anual de 5,54%, acrescida em caso de mora da sobretaxa de 4% ao ano, a titulo de cláusula penal; e c) Das despesas extrajudiciais fixadas, para efeitos de registo predial, no valor de Esc. 200.000$00 contravalor em Euros 997,60.
24. Tal hipoteca encontra-se válida e em vigor e devidamente registada na Conservatória de Registo Predial de ... pela Ap…. de 2000/01/24, e garante o montante máximo assegurado de Esc. 6.116.520$00 / Euros 30.509,07.
25. O Banco ora reclamante concedeu ao executado/reclamado F. L. e mulher A. P., um empréstimo no montante de € 22.944,70 (vinte e dois mil novecentos e quarenta e quatro euros e setenta cêntimos), quantia esta que efetivamente entregou aos mutuários e de que estes se confessam solidariamente devedores ao Banco ora reclamante.
26. Nos termos de tal escritura e contrato de mútuo, o empréstimo foi concedido pelo prazo inicial de dez anos a contar do dia 23.06.1999, tendo posteriormente tal prazo sido ampliado por acordo entre as partes, para 300 meses a contar da sua outorga, obrigando-se os mutuários a amortizar o empréstimo em 300 prestações mensais e sucessivas, de capital e juros, vencendo-se as prestações no dia 02 de cada mês – vide clausula 4.ª do documento complementar que faz parte integrante da escritura.
27. Em conformidade com o estipulado no documento complementar que faz parte integrante da escritura, o empréstimo em causa, com a referencia interna MLS ……93, vence juros sobre o capital em dívida, calculados dia a dia e cobrados postecipadamente ao mês, á taxa resultante da Euribor a noventa dias que vigore no segundo dia útil anterior ao inicio do período de contagem de juros, acrescida do spread de 2,5 pontos percentuais, com arredondamento para o quarto ponto percentual imediatamente superior - clausula 2.ª do documento complementar.
28. Em caso de mora, os juros são contados dia a dia e calculados à taxa que estiver em vigor, acrescida da sobretaxa de quatro por cento ao ano na mora – clausula nona das condições gerais documento complementar que faz parte integrante da escritura de mútuo com hipoteca.
29. Deste empréstimo foi paga a prestação vencida em 02.10.2019 e as antecedentes.
30. Por escritura pública, celebrada em 10 de Janeiro de 2005, denominada “Mútuo com Hipoteca,” lavrada a fls 81 a fls.82 do livro de notas número …. do então 2º Cartório Notarial de Vila Nova de Famalicão, o executado F. L. e mulher A. P., constituíram hipoteca a favor do BANCO …, SA, sobre o imóvel melhor identificado nos autos.
31. A aludida hipoteca foi constituída para garantir ao Banco Reclamante o pontual pagamento: a) De todas as responsabilidades emergentes do empréstimo no montante de Euros 12.000,00€ (doze mil euros), que os executado ora reclamado F. L. e mulher A. P., receberam do Banco Reclamante e do qual se confessaram solidariamente devedores; b) Bem como dos respetivos juros à taxa anual de 5,5%, acrescida em caso de mora da sobretaxa de 4% ao ano, a titulo de cláusula penal; e c) Das despesas extrajudiciais fixadas, para efeitos de registo predial, no valor de Euros 997,60.
32. Tal hipoteca encontra-se válida e em vigor e devidamente registada na Conservatória de Registo Predial de ... pela Ap.86 de 2005/02/15, e garante o montante máximo assegurado de Euros 16.417,60.
33. Conforme resulta da escritura junta, o Banco ora reclamante concedeu ao executado/reclamado F. L. e mulher A. P., um empréstimo no montante de € 12.000,00 (doze mil euros), quantia esta que efetivamente entregou aos mutuários e de que estes se confessam solidariamente devedores ao Banco ora reclamante.
34. Nos termos de tal escritura e contrato de mútuo, o empréstimo foi concedido pelo prazo de trezentos meses a contar do dia 25.01.2005, obrigando-se os mutuários a amortizar o empréstimo em 300 prestações mensais e sucessivas, de capital e juros, a primeira com vencimento no dia 25.02.2005 e as restantes em igual dia dos meses subsequentes – vide clausula 2.ª do documento complementar.
35. Em conformidade com o estipulado no documento complementar que faz parte integrante da escritura, o empréstimo em causa, com a referencia interna MLS …..63, vence juros sobre o capital em dívida, calculados dia a dia e cobrados postecipadamente ao mês, á taxa resultante da Euribor a noventa dias que vigore no segundo dia útil anterior ao inicio do período de contagem de juros, acrescida do spread de 2,6 pontos percentuais, com arredondamento para o quarto ponto percentual imediatamente superior - clausula 3.ª do documento complementar.
36. Em caso de mora, os juros são contados dia a dia e calculados à taxa que estiver em vigor, acrescida da sobretaxa de quatro por cento ao ano na mora – clausula décima terceira do documento complementar que faz parte integrante da escritura de mútuo com hipoteca.
37. Deste empréstimo foi paga a prestação vencida em 25.09.2019 e as antecedentes.

[transcrição dos autos].
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4 – FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO

Apreciemos as questões suscitadas nas conclusões formuladas pelo apelante.
E fazendo-o, começamos pela questão relativa à nulidade da sentença.

I) Da nulidade da sentença, por omissão de pronúncia – art. 615º/1, d) do Código de Processo Civil

Assim o prescreve o art. 615°/1, d) do CPC, segundo o qual é nula a sentença quando o tribunal deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento.
Um vício que tem a ver com os limites da actividade de conhecimento do tribunal, estabelecidos quer no art. 608º/2 do CPC: «O juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, exceptuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras; não pode ocupar-se senão das questões suscitadas pelas partes, salvo se a lei lhe permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras», quer, com referência à instância recursiva, pelas conclusões da alegação do recorrente, delimitativas do objecto do recurso, conforme resulta dos arts. 635º/4 e 639º/1 e 2 do mesmo diploma legal.
Se o juiz deixa de conhecer questão submetida pelas partes à sua apreciação e que não se mostra prejudicada pela solução dada a outras, peca por omissão; ao invés, se conhece de questão que nenhuma das partes submeteu à sua apreciação nem constitui questão que deva conhecer ex officio, o vício reconduz-se ao excesso de pronúncia.
Vício relativamente ao qual importa definir o exato alcance do termo «questões» por constituir, in se, o punctum saliens da nulidade.
Como é comummente reconhecido, vale a este propósito, ainda hoje, o ensinamento de ALBERTO DOS REIS, na distinção a que procedia: «[…] uma coisa é o tribunal deixar de pronunciar-se sobre questão que devia apreciar, outra invocar razão, boa ou má, procedente ou improcedente, para justificar a sua abstenção.»
«São, na verdade, coisas diferentes: deixar de conhecer a questão de que devia conhecer-se, e deixar de apreciar qualquer consideração, argumento ou razão produzida pela parte. Quando as partes põem ao tribunal determinada questão, socorrem-se, a cada passo, de várias razões ou fundamentos para valer o seu ponto de vista; o que importa é que o tribunal decida a questão posta; não lhe incumbe apreciar todos os fundamentos ou razões em que elas se apoiam para sustentar a sua pretensão.» (2)
O mesmo é dizer, conforme já decidido no Supremo Tribunal de Justiça (3), «O tribunal deve resolver todas e apenas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, mas não está sujeito às alegações das partes no tocante à indagação e aplicação das regras de direito, pelo que os argumentos, motivos ou razões jurídicas não o vinculam», ou dizer ainda, «O juiz não tem que esgotar a análise da argumentação das partes, mas apenas que apreciar todas as questões que devam ser conhecidas, ponderando os argumentos na medida do necessário e suficiente».
Diz, a este mesmo propósito, LEBRE DE FREITAS: «’Resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação’ não significa considerar todos os argumentos que, segundo as várias vias, à partida plausíveis, de solução do pleito, as partes tenham deduzido ou o próprio juiz possa inicialmente ter admitido.
Por um lado, através da prova, foi feita a triagem entre as soluções que deixaram de poder ser consideradas e aquelas a que a discussão jurídica ficou reduzida.
Por outro lado, o juiz não está sujeito às alegações das partes quanto à indagação, interpretação e aplicação das normas jurídicas (art. 5-2) e, uma vez motivadamente tomada determinada orientação, as restantes que as partes hajam defendido, nomeadamente nas suas alegações de direito, não têm de ser separadamente analisadas.» (4)
Numa aparente maior exigência, referia ANSELMO DE CASTRO: «A palavra questões deve ser tomada aqui em sentido amplo: envolverá tudo quanto diga respeito à concludência ou inconcludência das excepções e da causa de pedir (melhor, à fundabilidade ou infundabilidade dumas e doutras) e às controvérsias que as partes sobre elas suscitem. Esta causa de nulidade completa e integra, assim, de certo modo, a da anulabilidade por falta de fundamentação. Não basta à regularidade da sentença a fundamentação própria que contiver; importa que trate e aprecie a fundamentação jurídica dada pelas partes. Quer-se que o contraditório propiciado às partes sob os aspectos jurídicos da causa não deixe de encontrar a devida expressão e resposta na decisão.»
Mas logo o mestre de Coimbra ressalvava: «Seria erro, porém, inferir-se que a sentença haja de examinar toda a matéria controvertida, se o exame de uma só parte impuser necessariamente a decisão da causa, favorável ou desfavorável. Neste sentido haverá que compreender-se a fórmula da lei “exceptuadas aquelas questões cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras”». (5)

Tendo presente estas considerações, vejamos, agora, o caso sub judice.
Entende o recorrente que a decisão em causa no recurso é nula, dado não se ter pronunciado sobre o fundamento da impugnação – a inexistência de título executivo.
Ora, tal alegado vício resulta porém de deficiente compreensão da sentença, pois, na fundamentação da sentença recorrida, a propósito da impugnação do ora recorrente, consta o seguinte: No caso vertente, tendo sido impugnada pelo exequente a admissibilidade da reclamação, não questionou, em bom rigor, nem a existência do crédito nem a garantia real constituída pela penhora posterior que, de resto, se mostram comprovados nos autos, pelo que o crédito da reclamante há-de ser havido como reconhecido. Assim, afigura-se-nos, que a questão invocada pelo apelante não se enquadra na apontada causa de nulidade da sentença (omissão de pronúncia), antes se prendendo com uma divergência com a decisão proferida pelo Tribunal, contendendo já com a questão de mérito, que de seguida se analisará, com a qual não se conforma.
Há, assim, que indeferir a invocada nulidade da sentença com fundamento no facto de esta não ter conhecido de questão sobre a qual se devia ter pronunciado.

II) Reapreciação da decisão de mérito da acção

Não se conforma o Recorrente com a Sentença recorrida, na medida em que, reconhece o crédito reclamado apenas e só pela garantia real registada sob o imóvel penhorado, quando (…) não existe título executivo válido que constitui fundamento legal para que o crédito seja verificado e graduado. Pretende, assim, que a Sentença recorrida seja revogada e, consequentemente, não reconhecido o crédito reclamado, por falta de fundamento legal.
Quid iuris?

Refere-se na sentença recorrida, em 2. Verificação dos créditos, que No caso em apreço, conforme resulta da factualidade assente, o ora reclamante, na qualidade de credor hipotecário foi citado para reclamar o seu crédito, conforme então impunha o n.º 3 do art.º 864.º, nada tendo feito. Não obstante, decorridos anos, e com fundamento no incumprimento do mútuo celebrado com os executados, crédito para cuja garantia fora constituída a hipoteca registada sobre a fracção autónoma identificada no ponto 1., instaurou acção executiva identificada 8, vindo a execução a ser extinta por acordo e a penhora convertida em hipoteca legal, como resulta da Ap. n.º 2289 de 2018/09/11.
O ora reclamante, pretendendo fazer valer tal garantia, reclamou agora o seu crédito.
(…)
Nestes termos, tendo o reclamante sido citado para reclamar o seu crédito, o qual se encontrava garantido por hipoteca - garantia real que confere ao credor o direito de ser pago pelo valor de certas coisas imóveis, ou equiparadas, pertencentes ao devedor ou a terceiro com preferência sobre os demais credores que não gozem de privilégio especial ou de prioridade do registo, cf. n.º 1 do art.º 686.º do CC - e caso não o fizesse caducaria aquela garantia.
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Nos termos do disposto no artigo 788.º, n.ºs 1 e 8, do Código de Processo Civil, o credor titular de título exequível que goze de garantia real sobre os bens penhorados pode reclamar, por apenso à execução na qual tenha sido efectuada a penhora, o pagamento do seu crédito.
Resulta do preceituado no n.º 4 do artigo 791.º do mesmo diploma que serão havidos como reconhecidos os créditos e as respectivas garantias reais que não forem impugnados, sem prejuízo das excepções ao efeito cominatório da revelia, vigentes em processo declarativo, ou do conhecimento das questões que deviam ter implicado rejeição liminar da reclamação.
No caso vertente, tendo sido impugnada pelo exequente a admissibilidade da reclamação, não questionou, em bom rigor, nem a existência do crédito nem a garantia real constituída pela penhora posterior que, de resto, se mostram comprovados nos autos, pelo que o crédito da reclamante há-de ser havido como reconhecido.

A questão nuclear do presente recurso é, pois, a da falta de título executivo, tal como suscitado pela exequente - e ora recorrente BANCO ... S.A. - tanto na impugnação quanto ao crédito reclamado por B. L. como nas suas alegações da apelação.
Efectivamente, no âmbito da acção de verificação e graduação de créditos, o título executivo é um efectivo pressuposto de carácter formal (cfr. art. 788º/2 do CPC), cuja falta ou insuficiência determina a improcedência da reclamação de créditos.
Ora, resulta dos autos que B. L. veio reclamar o seu crédito, nos termos do disposto no nº 1 do art. 788º do CPC, tendo alegado que Por escritura pública, lavrada no Cartório Notarial da Dra. M. C., no dia 17 de Dezembro de 2014, foi celebrado contrato de mútuo com hipoteca, que teve como outorgantes o ora exequente e o executado marido F. L. e mulher A. P.. conforme teor da cópia da escritura pública cuja fotocópia se junta e que aqui se dá por integralmente por reproduzida. (doc. 1). Todavia, analisada a escritura pública junta aos autos com a reclamação de créditos, como bem refere o recorrente, de imediato resulta do simples título que antes se trata de escritura de hipoteca unilateral e não contrato de mútuo com hipoteca. Por outro lado, o Credor reclamante B. L. não é outorgante na referida escritura, sendo apenas outorgantes, o executado F. L. e mulher, A. P., motivo pelo qual a supracitada escritura não configura qualquer contrato de mútuo, mas tão só a constituição de hipoteca unilateral. No caso dos presentes autos, o Credor reclamante limitou-se a invocar a existência do mútuo por simples referência ao mesmo na escritura de constituição de hipoteca, não juntando aos autos qualquer outro documento que suporte tal contrato, nomeadamente e considerando os valores reclamados, cuja validade depende da forma tal como estabelece o disposto no artigo 1143º do Código Civil.
Logo, sendo imprescindível que o Credor goze de garantia real sobre os bens penhorados e disponha de título executivo pelo qual prove o seu direito de crédito, tal como já supra referido e prevê o art. 788º/1 e 2 do CPC, não basta a simples existência de garantia real sobre os bens penhorados, necessário se torna dispor de título exequível, exigindo-se, portanto, que o credor se apresente munido de título executivo, cujo elenco de documentos aos quais é conferida a natureza de títulos executivos se encontra prevista no art. 703º do CPC de forma taxativa.
Como assim, como bem refere o recorrente, a escritura apresentada pelo Credor não importa a constituição, nem o reconhecimento de qualquer obrigação pecuniária pelos Outorgantes, mas apenas e tão só a constituição de uma garantia, pelo que, não se pode reconhecer a mesma como título executivo tal como definido no art. 703º do CPC. Os Outorgantes, F. L. e mulher, A. P., não assumiram na escritura pública qualquer obrigação de pagamento de quantia pecuniária perante o alegado Credor, não reconheceram a existência de qualquer obrigação dessa natureza e não assumiram o compromisso de satisfazer qualquer obrigação dessa natureza, apenas constituíram a hipoteca. Cabendo o ónus da prova ao Credor, conclui-se, que este não logrou demonstrar a existência do contrato, respectivo incumprimento e montante em dívida e consequentemente a existência do seu crédito.
Portanto, e em síntese, por força do disposto no art. 788º/1 e 2 do CPC só podendo reclamar créditos os credores que (i) Gozem de garantia real sobre os bens penhorados e (ii) Disponham de um título exequível, no caso dos autos, não oferece dúvidas que o credor reclamante tem uma garantia real sobre o bem penhorado na execução, que lhe advém de hipoteca voluntária, mas não dispõe de um título executivo. O que determina a improcedência da reclamação de créditos ora em causa (6).

Como assim e sem necessidade de outras considerações, por desnecessárias, havendo falta de título executivo na reclamação de créditos efectuada por B. L., impõe-se julgar procedente o recurso, revogando a decisão recorrida na parte relativa ao reconhecimento daquele crédito - o único que foi impugnado - e considerá-lo não reconhecido, que assim deixará de integrar a graduação dos créditos reclamados, mantendo-se o demais.
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5 – SÍNTESE CONCLUSIVA (art. 663º/7 CPC)

No âmbito da acção de verificação e graduação de créditos, o título executivo é um pressuposto de carácter formal (art. 788º/2 do CPC), cuja falta ou insuficiência determina a improcedência da reclamação de créditos.
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6 – DISPOSITIVO

Pelo exposto, acordam os juízes desta secção cível em julgar a apelação procedente, revogando a decisão recorrida na parte relativa ao reconhecimento do crédito reclamado por B. L. - o único que foi impugnado - e considerá-lo não reconhecido, que assim deixará de integrar a graduação dos créditos reclamados, mantendo-se o demais.
Sem custas.
Notifique.

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Guimarães, 16-12-2021
(José Cravo)
(António Figueiredo de Almeida)
(Maria Cristina Cerdeira)


1. Tribunal de origem: Tribunal Judicial da Comarca de Braga, V.N.Famalicão – Juízo Execução – Juiz 1.
2. CPC Anotado, 5º, 143.
3. Ac. STJ de 30.04.2014, Proc. Nº 319/10.2TTGDM, in www,dgsi.pt.
4. JOSÉ LEBRE DE FREITAS, A Acção Declarativa Comum à Luz do Código de Processo Civil de 2013, 3ª Edição, Coimbra Editora, pág. 320.
5. DIREITO PROCESSUAL CIVIL DECLARATÓRIO, VOL. III, Almedina. Coimbra, 1982 – Págs. 142,143.
6. Neste sentido, cfr. Ac. do STJ de 25-03-2021, proferido no Proc. 6528/18.9T8GMR-A.G1.S1 e acessível in www.dgsi.pt.