CONTRATO DE MEDIAÇÃO IMOBILIÁRIA
REMUNERAÇÃO
CLÁUSULA DE EXCLUSIVIDADE
Sumário

I - A actividade de mediação, para além de consistir na procura, de destinatários para a realização de negócios que visem a constituição ou aquisição de direitos, desdobra-se em múltiplos actos destinados a satisfazer o interesse da contraparte, o que implica a referida angariação de interessados e o acompanhamento de todo o processo de negociação até à concretização do negócio.
II - Assim, o facto de os interessados terem inicialmente tomado conhecimento do negócio através da proprietária do imóvel, mas tendo reaparecido após ter sido celebrado contrato de mediação, com cláusula de exclusividade, razão pela qual foram acompanhados no processo de negociação pela mediadora imobiliária, o que conduziu à celebração do contrato de compra e venda, tem esta direito a receber a remuneração acordada com a vendedora.

Texto Integral

Processo n.º 67670/19.1T8YIPRT.P1

Relatora : Anabela Tenreiro
Adjunta : Lina Castro Baptista
Adjunta : Alexandra Pelayo

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Sumário
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Acordam no Tribunal da Relação do Porto

I—RELATÓRIO
“B…-Sociedade de Mediação Imobiliário, Ldª.”, com sede social na Rua …, nº .., …, em Lisboa, veio instaurar acção especial para cumprimento de obrigação pecuniária emergente de transacção comercial contra C…, com residência na Rua …. …, nº. .., .. …, ….-… Paredes, pedindo que seja condenada no pagamento da quantia de €5.968,86 acrescida de juros de mora vencidos até integral pagamento pelo não cumprimento do contrato de prestação de serviços de mediação celerado entre as partes em 29.09.2018, referente à angariação e venda do imóvel de que a requerida era titular.
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A requerida deduziu oposição, excepcionando, para além da incompetência territorial, erro na forma do processo e a nulidade da cláusula de exclusividade constante da cláusula 4.ª do contrato de mediação imobiliária.
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Proferiu-se sentença que julgou totalmente procedente a presente acção, e em consequência, condenou a requerida a pagar a quantia peticionada de €5.968,86 (cinco mil novecentos e sessenta e oito euros e oitenta e seis cêntimos), incluindo o valor de IVA à respectiva taxa legal, a título de remuneração devida, acrescido dos juros de mora vencidos, calculados à taxa legal e acrescido peticionados e dos juros vincendos desde a data da citação até efectivo e integral pagamento.
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Inconformada com a sentença, a requerida interpôs recurso formulando as seguintes
Conclusões
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Colhidos os Vistos, cumpre decidir.

II—Delimitação do Objecto do Recurso

As questões decidendas, para além das nulidades invocadas, cingem-se à alteração da decisão sobre a matéria de facto e à (in)existência de nexo causal que justifique a obrigação de pagamento da comissão devida pelo contrato de mediação imobiliária celebrado entre as partes.
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Das Nulidades
A Recorrente invocou a nulidade da sentença por não se ter pronunciado sobre questões (erro na forma de processo e falta de procuração) e ainda por não terem sido motivados os factos dados como não provados.
É nula a sentença quando, além do mais, o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar-cfr. art. 615.º, n.º 1, al. d), 1.ª parte do C.P.Civil.
Como corolário do princípio do dispositivo, o juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação e não pode ocupar-se senão das questões suscitadas pelas partes, salvo se a lei lhe permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras—v. art. 660.º, n.º 2 do C.P.Civil.
A questão para efeito de julgamento alicerça-se na causa de pedir (factos concretos que sustentam o pedido) e/ou nas excepções invocadas pelo réu.[1]
Relativamente à questão do erro na forma de processo cumpre recordar que a Recorrente baseou-se, para esse efeito, na rescisão unilateral, com justa causa, do contrato de mediação imobiliária celebrado com a Recorrida (cfr. arts. 5.º a 11.º da oposição).
Na sentença foram julgadas improcedentes as excepções, incluindo a que se referia ao erro na forma de processo, uma vez que, no que tange a esta questão, considerou-se que foi produzida prova da celebração de um contrato de mediação imobiliária que não foi extinto pela rescisão da Recorrente.
Concretamente, esclareceu-se na sentença que “quanto a este último aspecto que sustentou o pedido de rescisão unilateral da requerida importa realçar que a tese desenvolvida por esta não abalou a minimamente a prova produzida pela requerente. Porquanto, não pode o Tribunal da prova produzida deixar de desconsiderar a “cadeia dos factos” que integraram toda a actividade de mediação imobiliária desenvolvida pela requerente, nomeadamente, as diligências posteriores à indicação da requerida efectuada à consultora da requerente do contacto dos futuros adquirentes do imóvel, em concreto, o anúncio publicitário de venda colocado no imóvel; as visitas; a negociação do preço de venda; a celebração do contrato promessa e, por último, do contrato definitivo (…)”
Por conseguinte, não há dúvida que o erro na forma de processo fundamentado pela Recorrente na inexistência de uma fonte contratual (cfr. art. 11.º da oposição) foi apreciado e decidido.
Relativamente à falta de ratificação do processado pela Recorrida, para além de não ter sido suscitada perante o tribunal, cumpre notar que inexiste o vício apontado pela Recorrente.
Com o requerimento de injunção, apresentado em 08/07/2019, basta a menção da existência do mandato, não sendo necessária a junção, nessa fase, de procuração (cfr. art.º 10.º, n.º 3 do Dec.-Lei n.º 269/98 de 01.09).
Após a oposição, a Recorrida juntou procuração forense datada de 21 de Fevereiro de 2017, ou seja, com data anterior à apresentação do procedimento de injunção (cfr. fls. 27 verso).
Nos termos do artigo 48.º, n.º 2 do C.P.Civil a ratificação do processado só é exigida na hipótese da procuração ter sido conferida posteriormente à data de entrada da acção em juízo, o que não é o caso.
Perante a referida situação, Castro Mendes esclarece que a ratificação deve ser efectuada pela parte ou pelo mandatário com poderes especiais para esse efeito.[2]
Assim sendo, no caso concreto, a invocada insuficiência do mandato não se verifica.
Por último, a Recorrente entende que a falta de motivação dos factos não provados consubstancia uma nulidade por falta de fundamentação.
A sentença, após identificar as partes, o objecto do litígio e enunciar as questões que cumpre solucionar, expõe os fundamentos, ou seja, discrimina os factos que considera provados e não provados, analisando criticamente as provas, indicando as ilações tiradas dos factos instrumentais e especificando os demais fundamentos que foram decisivos para a sua convicção; o juiz toma ainda em consideração os factos que estão admitidos por acordo, provados por documentos ou por confissão reduzida a escrito, compatibilizando toda a matéria de facto adquirida e extraindo dos factos apurados as presunções impostas por lei ou por regras da experiência (cfr. n.ºs 2 a 4 do art. 607.º do C.P.Civil).
Como se sabe, a fundamentação da decisão permite aos destinatários a compreensão do sentido da decisão e a reapreciação da causa, em caso de recurso.[3]
É nula a sentença quando nomeadamente não especifique os fundamentos de facto e de direito que justifiquem a decisão—cfr. artigo 615.º, n.º 1, al.b) do C.P.Civil.
Tem sido entendido, de forma reiterada e unânime pela doutrina e jurisprudência, que este vício (falta de fundamentação) só existe no caso de se verificar uma absoluta e total falta de fundamentação, quer ao nível do quadro factual apurado quer no que respeita ao respectivo enquadramento legal.
Assim, a sentença que contenha uma deficiente, incompleta ou não convincente fundamentação[4] não enferma deste vício.
Trata-se, portanto, de um vício de natureza meramente formal (omissão total da discriminação dos factos e/ou das normas jurídicas aplicáveis) e não substancial
O tribunal enumerou os factos dados como não provados e justificou essa decisão esclarecendo que se tratava de alegações de direito, conclusivas ou simplesmente por ter resultado provado o seu contrário.
Conclui-se, por isso, que não existe a nulidade apontada pela Recorrente pois a decisão está justificada minimamente, não se mostrando necessário maiores desenvolvimentos uma vez que, relativamente aos factos propriamente ditos em causa, resultou o contrário da prova produzida.
Em suma, a sentença não padece de vícios formais nomeadamente aqueles que foram indicados pela Recorrente.
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Erro na forma de processo
A Recorrente sustenta que ocorreu erro na forma de processo quer se considere que a sua responsabilidade advém da celebração do contrato de mediação em causa quer se defenda a sua tese no sentido de que existe responsabilidade civil por ter sido por si rescindido.
Na década de 90, os tribunais, particularmente os de Lisboa e Porto, registaram um volume processual muito elevado de acções (sumaríssimas) para cobrança de dívidas de empresas, o que implicava um dispêndio de tempo, trabalho, meios e dinheiro a todos aqueles que nelas intervinham, quer do lado do utente quer do sistema judiciário.
Nesse contexto, e à semelhança da experiência implementada noutros países, surgiu o primeiro diploma que consagrou o procedimento de injunção (Dec.-Lei n.º 404/93 de 10.12) substituído pelo Dec.-Lei n.º 269/98 de 1 de Setembro, cujo preâmbulo revelou o referido problema dos tribunais terem sido “erigidos em órgãos de reconhecimento e cobrança de dívidas” e a necessidade de se “encararem vias de desjudicialização consensual de certos tipos de litígios”.
O diploma destinou-se a realizar os objectivos de celeridade e de simplificação porquanto foi constatado que um grande número de processos judiciais, para obter a satisfação de obrigações pecuniárias, terminava sem oposição do réu.
Assim, nos termos do art.º 1.º do Dec-Lei n.º 269/98 de 1 de Setembro, o cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de contratos, de valor não superior a €15.000,00, poderá seguir o regime dos procedimentos previsto neste diploma e no respectivo anexo.
Nos artigos 1.º a 5.º e 7.º a 20.º do mencionado anexo, o legislador distinguiu respectivamente a acção declarativa de condenação com processo especial (AECOP) e o procedimento de injunção.
Relativamente à injunção, o art.º 7.º define-a como a providência que tem por fim conferir força executiva a requerimento destinado a exigir o cumprimento das obrigações a que se refere o artigo 1.º do diploma preambular ou das obrigações emergentes de transacções comerciais abrangidas pelo Dec.-Lei n.º 32/2003 de 17.02 (revogado pelo Dec.-Lei n.º 62/2013 de 10.05).
No que concerne especificamente a contratos que consubstanciam transacções comerciais, em que ocorra atraso no pagamento, é admissível o procedimento de injunção, sem limite de valor máximo (cfr. art.º 10.º, n.º 1).
Transação comercial é definida como uma transacção entre empresas ou entre empresas e entidades públicas destinada ao fornecimento de bens ou à prestação de serviços contra remuneração (cfr. art.º 3.º, al.b)).
O contrato de mediação imobiliária implica a realização de serviços destinados a angariar interessados na compra de um imóvel.
Por conseguinte, o credor pode recorrer a um destes mecanismos processuais simplificados (acção declarativa de condenação com processo especial ou procedimento de injunção) se ocorrer o (in)cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes desses contratos, de valor não superior a €15.000,00 ou, sem limite de valor, quando estão em causa transacções comerciais.
Numa fase inicial, se o requerido não deduzir oposição, apesar de se encontrar devidamente notificado, o secretário apõe no requerimento de injunção a fórmula de índole executiva (cfr. art.º 14.º, n.º 1).
Os objectivos de simplificação e celeridade estão claramente presentes nesta fase inicial do procedimento com vista à obtenção de um título com força executiva.
Deduzida oposição, como sucedeu no presente caso, a injunção passa a seguir o processo especial ou comum, consoante o valor da mesma.
O contrato de mediação imobiliária implica, em resumo, a realização de serviços destinados a angariar interessados na compra de um imóvel.
No caso concreto, o pedido fundamenta-se numa obrigação pecuniária no valor de €5.968,86 por ter sido celebrado entre as partes um contrato de mediação imobiliária, ou seja, pode seguir o procedimento de injunção, inexistindo erro na forma de processo.
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Da Modificabilidade da Decisão sobre a matéria de facto
Nos termos do artº. 662º. do Código de Processo Civil, a Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa.
A possibilidade que o legislador conferiu ao Tribunal da Relação de alterar a matéria de facto não é absoluta pois tal só é admissível quando os meios de prova revisitados não deixem outra alternativa, ou seja, em situações que, manifestamente, apontam em sentido contrário ao decidido pelo tribunal a quo.
Se a decisão do julgador está devidamente fundamentada, segundo as regras da experiência e da lógica, não pode ser modificada, sob pena de inobservância do princípio da livre convicção.[5]
A Recorrente discorda da resposta dada à primeira parte do número 5) sobre o pagamento de 10% em 20 de dezembro de 2018 do valor da remuneração acordada, por entender que respeita a 10% do sinal retido pela Recorrida aquando do recebimento do sinal devido pela celebração do contrato-promessa de compra e venda.
Para tanto, fundamenta-se nas suas declarações e no documento n.º 4, junto aos autos.
As partes estabeleceram, no contrato de mediação, que incumbia à Recorrente, no que respeita à remuneração, o pagamento da quantia de cinco mil euros, sendo devido 10 % desse valor após a celebração do contrato-promessa de compra e venda e o remanescente na celebração da escritura.
A Recorrente enviou, em 17 de Dezembro de 2017, um e-mail para a Recorrida informando sobre os seus dados bancários a fim de ser transferido o valor do sinal, acrescentando que esta podia reter 10% do valor que se encontra convencionado.(doc. de fls. 45)
Em 20 de Dezembro a Recorrida comunicou-lhe que efectuaram nesse dia a transferência do sinal, deduzido dos 10% dos honorários, remetendo em anexo comprovativos da factura €600=€500 da comissão de venda + 115€ de IVA) e da transferência do sinal (€9385) (docs. de fls. 20 verso, 21 e 22).
Ou seja, a Recorrida, devidamente autorizada pela Recorrente, reteve a quantia de €500,00 correspondente ao pagamento de 10% do valor convencionado no contrato de mediação em consequência da celebração do contrato-promessa de compra e venda.
Portanto, a retenção de parte do sinal pela Recorrida teve como fundamento justamente o pagamento que era devido pela Recorrente, razão pela qual a resposta a essa matéria está absolutamente correcta.
A segunda parte relativa à interpelação para pagamento do restante não tem qualquer relevância porquanto estamos perante uma obrigação com prazo certo (cfr. arts. 805.º, n.º 2, al. a) e 806.º, n.º 1 do CC).
No que concerne à procuradoria também não merece relevância porque se trata de um valor que deverá ser atendido como custas de parte.
Defende ainda erro de julgamento por entender que existe contradição entre o número 7 dos Factos Provados e o número 9) do articulado da Oposição pois foi dado como provado o envio do e-mail de 23 de Abril de 2019 por parte da Recorrida e, por outro lado, dado como não provado o número 9) da Oposição referente à mencionada comunicação.
No artigo 8.º da Oposição a Recorrente alega que a cláusula de exclusividade não a impedia de rescindir o contrato, como aliás fez, já que tinha motivo justificado.
Na sequência desta alegação, no artigo 9.º alegou que “Aliás, a própria mandatária da requerente em email datado de 23 de Abril de 2019, referiu “…nada ter a opor quanto ao explicitado por V. Exa na exposição…” ou seja refere-se à comunicação escrita enviada por carta registada no dia 3 de janeiro de 2019 e rececionada no dia 8 de janeiro pela Requerente, que diz respeito à Rescisão do contrato de Mediação Imobiliária.”
Ou seja, o conteúdo do artigo 9.º da Oposição, dado como não provado, traduz a interpretação que é dada pela Recorrente ao e-mail enviado pela Recorrida sobre o assentimento desta última à rescisão do contrato.
No e-mail de 23 de Abril de 2019, a Recorrida, através da sua mandatária, declarou nada ter a opor sobre a exposição da Recorrente. No entanto, acrescentou que a Recorrente contratou em regime de exclusividade e que, no âmbito da sua actividade, a Recorrida apresentou-lhe alguns interessados na compra do imóvel, tendo sido celebrado contrato-promessa de compra e venda com a intervenção da Recorrida que culminou com a celebração da escritura na qual os compradores declararam que houve intervenção da mediadora imobiliária. Conclui que a Recorrida interveio como mediadora, tendo conseguido comprador do imóvel.
Por conseguinte, impunha-se uma resposta negativa ao alegado no artigo 9.º da Oposição.
Considera ainda que não se fez prova de ter sido informada e esclarecida sobre o significado e alcance da cláusula de exclusividade constante do contrato de mediação.
Nos termos da referida cláusula 4.ª do contrato de mediação imobiliária sobre o regime da contratação ficou estabelecido “o segundo contraente contrata a mediadora em regime de exclusividade (1); o regime de exclusividade previsto no presente contrato implica que só a mediadora contratada tem o direito de promover o negócio objecto do contrato de mediação imobiliária durante o respectivo período de vigência (2)”.
Estamos perante uma cláusula redigida em termos muito claros no que concerne às implicações do regime de exclusividade na medida em que a contraente, aqui recorrente ficou ciente, através da mera leitura dessa cláusula, que apenas a Recorrida tinha o direito de promover o negócio de compra e venda do imóvel em causa.
Isso mesmo foi confirmado pelas suas declarações em audiência.
Com efeito, a Recorrente, nas suas declarações, afirmou que lhe foi transmitido que essa cláusula significava que apenas a Recorrida podia promover o imóvel, razão pela qual retirou os seus anúncios privados da internet.
Estas declarações foram confirmadas pela testemunha D…, consultora da Recorrida, encarregue de vender o imóvel da Recorrente.
Mais referiu a Recorrente que, em consequência da celebração do contrato de mediação imobiliária, forneceu à Recorrida o contacto de um casal interessado que já anteriormente tinha manifestado interesse na compra do imóvel por dele ter tomado conhecimento através do anúncio privado da Recorrente-cfr. ainda doc. n.º 3- e factos provados do ponto 10).
Pelas declarações da mencionada testemunha D…, apurou-se que, para além de outras visitas que fez com interessados ao imóvel da Recorrente, também acompanhou novamente o mencionado casal ao apartamento, na sequência do que foi celebrado o contrato-promessa de compra e venda e marcada a escritura.
As testemunhas E… e F…, compradores do imóvel, confirmaram também que após terem contactado novamente em Outubro com a Recorrente, esta encaminhou-os para a agência imobiliária que passou a assumir todas as diligências necessárias à futura aquisição.
Em suma, a Recorrente tinha pleno conhecimento e mostrava-se totalmente esclarecida sobre a cláusula de esclarecimento, improcedendo a tese de que não foi devidamente informada.
Tendo em consideração a conjugação das declarações da Recorrente com os depoimentos das testemunhas E… e F… e com o teor do documento de fls. 48 (designado por Proposta de Compra-modelo 2-modelo do proprietário, do qual consta a identificação dos proponentes, condições da compra e venda e datas dos contratos, não impugnado) impõe-se a inclusão de factos instrumentais, que resultaram da instrução da causa, respeitantes aos actos praticados pela Recorrida, por serem relevantes para a decisão, ao abrigo do art.º 5.º, n.º 2, al.a) do CPCivil, e que constam do ponto 10) a- nos termos seguintes :
A requerente, após a celebração do contrato de mediação, colocou placa indicativa de venda no imóvel, e através de representante, acompanhou interessados na visita ao mesmo, incluindo os interessados aludidos em 10), na sequência do que foram estabelecidas as datas para celebração do contrato-promessa de compra e venda e da escritura nos termos constantes do documento de fls. 48 que se dá por reproduzido.
Por último, sobre a requerida produção de novos meios de prova para apurar a quem pertence a assinatura que consta do contrato de mediação imobiliária trata-se de uma questão nova apenas suscitada nesta sede de recurso.
Nas palavras de Abrantes Geraldes[6], os recursos constituem mecanismos destinados a reapreciar decisões proferidas, e não a analisar questões novas; e seguindo a terminologia proposta por Teixeira de Sousa, acrescenta que seguimos um modelo de reponderação, que visa o controlo da decisão recorrida e não um modelo de reexame que permita a repetição da instância de recurso.
Dada a inadmissibilidade legal de apreciação da referida questão, decide-se não conhecer da mesma.
Em resumo, improcede o recurso nesta parte.
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III—FUNDAMENTAÇÃO

FACTOS PROVADOS
1). A requerente é uma sociedade que se dedica à mediação imobiliária.
2). Em 26.09.2018, entre a requerente e a requerida foi celebrado um contrato de mediação imobiliária, em regime de exclusividade, a que foi atribuído o ID ………-.. visando que a requerente encontrasse interessados na compra do imóvel da propriedade desta sita na Rua …, número .., .. …, em …, concelho de Paredes.
3). Na cláusula 4 do contrato de mediação imobiliária referido em 2), denominada regime de contratação consigna-se que: “o segundo contraente contrata a mediadora em regime de exclusividade; 2 o regime de exclusividade previsto no presente contrato implica que só a mediadora contratada tem o direito de promover o negócio objecto do contrato de mediação imobiliária durante o respectivo período de vigência”.
4). Em 26.11.2018, foi assinado o competente contrato promessa de compra e venda e o contrato definitivo, em 23.01.2019 referente à aquisição do aludido imóvel pelo casal constituído por E… e F….
5). Quando da celebração do contrato promessa de compra e venda, a requerida pagou 10% do valor da remuneração acordada, em 20 de Dezembro de 2018, não tendo efectuado qualquer outro pagamento, apesar de diversas vezes instada para tal, sem que a requerente tivesse emitido a competente factura correspondente ao montante devido por esse serviço.
6). O contrato acima referido foi objecto de rescisão unilateral, em 3 de Janeiro de 2019, através de comunicação por via postal registada à requerente (resposta positiva ao ponto 6 da oposição).
7). A mandatária da requerente enviou à requerida um e-mail em 23 de Abril de 2019.
8). O casal que veio a adquirir o imóvel já havia anteriormente à celebração do contrato de mediação entrado em contacto com a requerida, em 7 de Agosto de 2018, através de contacto telefónico e por mensagens escritas, conforme resulta do teor do documento nº. 3 cujo teor se dá aqui por integralmente por reproduzido.
9). O casal constituído por F… e F…, nos dias 7 e 8 de Agosto haviam demonstrado interesse na aquisição do identificado imóvel e, por isso, agendaram uma visita ao imóvel a realizar no dia 9 de Agosto, tendo enviado dois familiares e finda a qual demonstraram bastante interesse.
10). A requerida deu conhecimento à requerente que possuía um interessado na aquisição do imóvel, tendo indicado à angariadora imobiliária D… o contacto do supracitado casal, nos termos da cláusula 10 do contrato de mediação imobiliária (resposta conjunta e restritiva aos pontos 52 e 55 da oposição).
10)a-A requerente, após a celebração do contrato de mediação, colocou placa indicativa de venda no imóvel, e através de representante, acompanhou interessados na visita ao mesmo, incluindo os interessados aludidos em 10), na sequência do que foram estabelecidas as datas para celebração do contrato-promessa de compra e venda e da escritura nos termos constantes do documento de fls. 48 que se dá por reproduzido.
11). A requerente, na sequência da celebração do contrato promessa recebeu o sinal de €10.000,00, do qual descontou a quantia de € 615,00.
12). A requerente, em 19 de Dezembro de 2018, enviou um e-mail à requerida comunicando a entrega do valor do sinal de €10.000,00, tendo creditado o remanescente daquele, no montante de €9.285,00, no dia 20 de Dezembro, conforme resulta da factura junta como documento nº. 4 e cujo teor se dá aqui por integralmente por reproduzido.
13). A certidão permanente da requerente cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido e junta aos autos a fls. 64 e seguintes.
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Factos Não Provados:
Todos os demais factos alegados e que não estejam acima elencados como provados por representarem alegações de direito, conclusivas ou simplesmente por ter resultado provado o seu contrário, designadamente:
Requerimento inicial: nenhum.
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Oposição: parte final do nº. 5, 7 conclusivo, 9, 25, 51, 53 (conclusivo), 54, 55, 58.
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IV-DIREITO

A qualificação do contrato como sendo de mediação imobiliária é aceite pelas partes, aplicando-se o regime decorrente da Lei n.º 15/2013, de 08 de Agosto.
Na definição legal[7] a actividade de mediação imobiliária consiste na procura, por parte das empresas, em nome dos seus clientes, de destinatários para a realização de negócios que visem a constituição ou aquisição de direitos reais sobre bens imóveis, bem como a permuta, o trespasse ou o arrendamento dos mesmos ou a cessão de posições em contratos que tenham por objecto bens imóveis.
O contrato de mediação imobiliária é de natureza onerosa, sendo que uma das vantagens económicas para o mediador, consiste no direito à remuneração.
A remuneração, estabelece o artigo 19.º, n.º 1 do mencionado diploma legal, só é devida com a conclusão e perfeição do negócio visado pelo exercício da mediação.
No entanto, se tiver sido aposta, no contrato de mediação, uma cláusula de exclusividade, fica sujeito ao disposto no artigo 19.º, n.º 2 da Lei n.º 15/2013 de 08.02.
Assim, nos termos daquela disposição legal “É igualmente devida à empresa a remuneração acordada nos casos em que o negócio visado no contrato de mediação tenha sido celebrado em regime de exclusividade e não se concretize por causa imputável ao cliente proprietário ou arrendatário trespassante do bem imóvel.”
Como se esclareceu no Acórdão da Relação de Lisboa, de 14/06/2012[8], com esta norma, o legislador visou tutelar a boa fé do mediador exclusivo que, tendo cumprido a sua prestação contratual, vê frustrado o direito a receber a sua remuneração por causa apenas imputável ao cliente.
No caso de ter sido estipulada uma cláusula de exclusividade num contrato de mediação, Higina Castelo[9] entende que a remuneração da mediadora não depende do evento futuro e incerto constituído pela celebração do contrato visado, quando este não se concretize por causa imputável ao cliente. A remuneração da mediadora depende aqui quase unicamente do cumprimento da sua obrigação e do sucesso desta.”
Com interesse para o caso sub judice, esclarece ainda que a aplicação desta norma implica, mais que a prova do cumprimento da obrigação do mediador-diligências no sentido da obtenção de um interessado-, a prova do sucesso desse cumprimento que satisfaz o interesse do credor-efectiva obtenção de um interessado, genuinamente interessado e pronto a celebrar o contrato nos moldes em que foi concebido no âmbito do contrato de mediação.
No que tange ao ónus probatório refere que, provando a mediadora que efectuou com sucesso a sua prestação, poderá o cliente eximir-se à remuneração mediante prova de que o contrato não se concretizou por causa que não lhe é imputável (porque, por exemplo, recebeu, entretanto e inesperadamente, uma ordem de expropriação, ou porque o terceiro não obteve o crédito necessário à realização do negócio).
Concluindo, na hipótese de ter sido celebrado um contrato de mediação em regime de exclusividade, é devida a remuneração (comissão) acordada, desde que a mediadora tenha logrado cumprir a sua prestação contratual, encontrando interessado que manifeste séria intenção de celebrar o contrato de compra e venda, nas condições propostas pelo cliente.[10]
A desistência ou recusa em concluir o negócio visado pelo contrato de mediação imobiliária, sem a alegação e prova de circunstâncias susceptíveis de afastar a culpa, constitui o devedor na obrigação de proceder ao pagamento da remuneração acordada entre as partes.
A Recorrente sustenta que não está obrigada a pagar a remuneração estabelecida no contrato de mediação pelo facto de o comprador ter tomado inicialmente conhecimento do imóvel através de uma actividade que a própria desenvolveu nesse sentido e não por intermédio da mediadora, argumentando ainda que após a celebração do contrato-promessa de compra e venda resolveu aquele contrato de mediação.
Efectivamente, ficou demonstrado que o casal que adquiriu o imóvel já tinha, anteriormente à celebração do contrato de mediação, entrado em contacto com a Recorrente, em 7 de Agosto de 2018, através de contacto telefónico e por mensagens escritas.
No entanto, a Recorrente, pese embora ter sido contactada pelos referidos interessados não concretizou qualquer acordo com estes últimos, e posteriormente celebrou com a Recorrida um contrato de mediação imobiliária, com cláusula de exclusividade.
Por esse motivo, quando foi novamente contactada pelos referidos interessados, deu-lhes conhecimento que deveriam estabelecer contactos com a imobiliária, por ter celebrado um contrato de mediação, e informou esta última desse facto.
Na sequência da celebração do contrato-promessa de compra e venda com os mencionados interessados, a Recorrente recebeu o sinal, deduzido da quantia monetária correspondente ao pagamento da comissão devida nessa altura.
A rescisão do contrato de mediação após ter sido celebrado o contrato-promessa de compra e venda não operou quaisquer efeitos extintivos atenta a cláusula de exclusividade e a actividade desenvolvida pela Recorrida em conformidade com o que havia sido acordado entre as partes, ou seja, intervindo e acompanhando os potenciais interessados em todos os actos que conduziram à conclusão do negócio de compra e venda.
O imóvel foi efectivamente vendido, em 23/01/2019, aos referidos compradores, ficando a constar dos dois contratos (promessa e definitivo) declarações destes últimos no sentido de que a venda do imóvel foi mediada pela Recorrida.
Em suma, tendo as partes celebrado um contrato de mediação imobiliária, em regime de exclusividade, e a mediadora logrado provar ter cumprido a sua obrigação, assumindo todos os actos prévios necessários à conclusão do negócio designadamente o acompanhamento de visitas dos interessados ao imóvel, o preenchimento de uma proposta de compra com as datas de celebração dos contratos que, como se refere na sentença, culminaram na celebração do contrato-promessa, e posteriormente, na escritura de compra e venda, dúvidas não restam que a Recorrida exerceu a sua actividade de mediação, pelo que tem direito à remuneração em falta.
A actividade de mediação não se cinge tão-só em angariar interessados na compra do imóvel, pois, para além desse objectivo, que naturalmente implica um conjunto de tarefas com esse desiderato, desdobra-se em múltiplos actos destinados a satisfazer o interesse da contraparte consistente na venda do imóvel, o que foi concretizado plenamente e de forma satisfatória no presente caso.
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V—DECISÃO

Pelo exposto, acordam as Juízas que constituem este Tribunal da Relação do Porto em julgar improcedente o recurso e, consequentemente, confirmam a sentença.

Custas pela Recorrente.
Notifique.

Porto 14/09/2021
Anabela Miranda
Lina Baptista
Alexandra Pelayo
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[1] Neste sentido cfr. Freitas, José Lebre de, A Acção Declarativa Comum, 3.ª edição, Coimbra Editora, pág. 334.
[2] Citação de A. Varela, Miguel Bezerra e Sampaio e Nora, Manual de Processo Civil, pág. 194, nota 1, 2.ª edição, Coimbra Editora.
[3] cfr. Freitas, José Lebre de, A Acção declarativa Comum, 3.ª edição, Coimbra Editora, pág. 332 e Varela, Antunes, ob. cit., pág. 689.
[4] cfr. Reis, Alberto dos, Código de Processo Civil Anotado, vol. V, pág. 140, Varela, Antunes, e outros, Manual de Processo Civil, 2.ª edição, Coimbra Editora, pág. 687.
[5] cfr. neste sentido Ac. Rel. Porto de 24/03/2014 in www.dgsi.pt.
[6] Cfr. Recursos no Novo Código de Processo Civil, 2.ª edição, Almedina, pág. 92.
[7] Cfr. art. 2.º, n.º 1 da Lei n.º 15/2013, de 8.02.
[8] Disponível em www.dgsi.pt.
[9] Regime Jurídico da Atividade da Mediação Imobiliária Anotado, Almedina, 2015, pág. 130 e segs.
[10] Cfr. sobre este aspecto das condições de aceitação, o Ac. desta Rel. do Porto, de 20/06/2016, disponível em www.dgsi.pt