EMBARGOS DE EXECUTADO
INEXEQUIBILIDADE DO TÍTULO
TRÂNSITO EM JULGADO
EXEQUIBILIDADE SUPERVENIENTE
Sumário


I - De acordo com o art. 704º, n.º 1, 1ª parte, do Cód. Proc. Civil., a exequibilidade da sentença condenatória depende, em regra, do seu trânsito em julgado.
II - Esta regra comporta a exceção enunciada na 2ª parte do citado normativo, posto que podem ser executadas sentenças ainda não definitivas, contanto que contra elas esteja pendente recurso com efeito meramente devolutivo.
III - A exequente deveria ter aguardado pelo termo do prazo para a interposição do recurso e, findo esse prazo e uma vez verificado o trânsito da sentença por dela não ter sido interposto recurso, poderia então instaurar a execução.
IV - É atendível a exequibilidade superveniente da sentença condenatória se, sendo posterior à apresentação do requerimento executivo, ainda não se efetivou sequer a entrega judicial.

Texto Integral


Acordam na 2ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães

I. Relatório

J. A., executado nos autos principais de execução para entrega de coisa certa movidos por T. G., deduziu oposição à execução, mediante embargos de executado, requerendo, entre o mais, que seja procedente a excepção de falta de título executivo invocada, com todas as consequências legais.
Para tanto alegou, em síntese, que a apresentação da execução de sentença sem que, à data, esteja já pendente recurso e/ou tenha transitado em julgado, carece de título executivo, o que viola o preceituado no art. 704º do CPC.

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Por despacho de 1/09/2021, os embargos de executado foram liminarmente indeferidos, por manifesta falta de fundamento legal (ref.ª 174727093).

O referido despacho, na parte que ora releva, tem o seguinte teor:
“Indeferimento liminar dos embargos:
O título executivo determina os fins e limites da execução, ou seja, o tipo de ação, o seu objeto, bem como, a legitimidade ativa e passiva e por isso, constitui um pressuposto específico do processo de execução – artigo 703.º, C.P.C..
A este respeito refere Abrantes Geraldes que:“ O título executivo não é em si o facto jurídico gerador do direito à prestação exequenda, na medida em que “ facto e documento são conceitos que não podem nem devem confundir-se. Tendo em conta a necessária revelação da obrigação exequenda através de um documento, este não passa, apesar disso, de um meio probatório da relação jurídica que constitui a génese do vínculo obrigacional que liga o exequente e o executado. “ ( A Reforma da Acção Executiva “, pág. 36 )
A enumeração dos títulos executivos é taxativa, conforme resulta da previsão do artigo 703.º, C.P.C., sendo que a sentença condenatória faz parte dessa enumeração.
Baseando-se a execução a que os presentes embargos correm por apenso, em sentença condenatória, os embargos à execução apenas poderão ser sustentados nas situações previstas nas alíneas do artigo 729.º, do C.P.C., as quais são taxativas.
Dispõe, assim, o artigo 729.º, do Código de Processo Civil, que «[fundando-se a execução em sentença, a oposição só pode ter algum dos fundamentos seguintes: a) Inexistência ou inexequibilidade do título; b) Falsidade do processo ou do traslado ou infidelidade deste, quando uma ou outra influa nos termos da execução; c) Falta de qualquer pressuposto processual de que dependa a regularidade da instância executiva, sem prejuízo do seu suprimento; d) Falta ou nulidade da citação para a ação declarativa quando o réu não tenha intervindo no processo; e) Incerteza, inexigibilidade ou iliquidez da obrigação exequenda, não supridas na fase introdutória da execução; f) Caso julgado anterior à sentença que se executa; g) Qualquer facto extintivo ou modificativo da obrigação, desde que seja posterior ao encerramento da discussão no processo de declaração e se prove por documento; a prescrição do direito ou da obrigação pode ser provada por qualquer meio; h) Contra crédito sobre o exequente, com vista a obter a compensação de créditos; i) Tratando-se de sentença homologatória de confissão ou transação, qualquer causa de nulidade ou anulabilidade desses atos.»
Note-se que o normativo supra citado não referência faz qualquer alusão ao trânsito ou não em julgado da sentença condenatória.
Com efeito, relativamente às sentenças condenatórias (ainda) não transitadas em julgado, o tribunal apenas terá de ter em atenção ao disposto no artigo 704.º, n.ºs 2 a 6, do C.P.C..- cfr. neste sentido douto Ac. do V.T.R.G, disponível in http://www.dgsi.pt/jtrg.nsf/86c25a698e4e7cb7802579ec004d3832/99ddd37b18beb2838025 8425002d455e?OpenDocument.
Assim, neste contexto, duma leitura da petição de embargos, facilmente verificamos que nenhum argumento foi apresentado pelo embargante que possa ser subsumível a qualquer uma das alíneas supra identificadas.
Por essa razão, temos como incontestável que, não versando os embargos em qualquer um dos fundamentos supra expostos, os mesmos carecem de absoluto fundamento. Assim, em face do exposto, não admito os presentes embargos à execução por manifesta falta de fundamento legal.
(…)”.
*
Inconformado com esta decisão, dela interpôs recurso o embargante/executado (ref.ª 40043648), e, a terminar as respetivas alegações, formulou as seguintes conclusões (que se transcrevem):

«A. Sendo, pois, assim, como é, entende o Executado/Recorrente que a sentença só poderia ser executada após o trânsito em julgado.
B. O Tribunal a quo ao subsumir erradamente o Direito aos factos, violou, entre outros, o disposto nos art.º10º nº5, 628º, 704º, 729º, 859º todos do CPC, bem como o artigo 20º da CRP razão pela qual, se impõe a revogação da sentença proferida e substituindo-a por outra que julgue a inexequibilidade do título executivo.
com o que se fará INTEIRA, SÃ e MERECIDA
JUSTIÇA!».
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A embargada/exequente contra-alegou (ref.ª 40369260) e concluiu deste modo:

«1ª - A questão sub judice encontra-se clara, douta e proficientemente tratada na decisão sob censura, pelo que a mesma deve ser mantida.
2ª - A possibilidade de ser atribuído efeito suspensivo a qualquer decisão para a qual a lei não o preveja expressamente está condicionada pela verificação de fatores de ordem formal e material previstos no n.º4 do citado artigo 647º do CPC e o recorrente se ofereça para prestar caução, ficando a atribuição desse efeito condicionada à efetiva prestação da caução no prazo fixado pelo tribunal.
3ª - O recorrente limita-se a alegar a sua idade e os rendimentos que, passando a redundância, alegadamente aufere.
4ª - Não estão reunidos os elementos para que seja atribuído ao recurso o efeito suspensivo reclamado pelo Recorrente.
5ª - Na oposição à execução que tenha como título uma sentença judicial, os factos e fundamentos admissíveis são apenas os previstos no art 729º do CPC.
6ª - O embargante invoca, totalmente a despropósito, a exceção prevista na alínea a) da disposição legal referida.
7ª - A regra é só ser exequível a sentença condenatória transitada em jugado.
8ª - Esta regra conhece uma exceção: a sentença condenatória pendente de recurso com efeito meramente devolutivo.
9ª O recorrente não apresentou qualquer recurso.
10ª A sentença dada à execução transitou a 17 de junho de 2021.
11ª - Na data da prolação do douto despacho que não admitiu os embargos –1.09.2021 - já a sentença dada à execução tinha transitado em julgado.
12ª Não há, pois, qualquer motivo para não atender à exequibilidade superveniente da sentença condenatória.
Face ao exposto, deve o douto Tribunal ad quem confirmar a sentença recorrida, assim se fazendo
JUSTIÇA»
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O recurso foi admitido como de apelação, a subir imediatamente, nos próprios autos e com efeito devolutivo (ref.ª 176030286).
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Foram colhidos os vistos legais.
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II. Delimitação do objeto do recurso

Sendo o âmbito dos recursos delimitado pelas conclusões das alegações do recorrente – arts. 635.º, n.º 4 e 639.º, n.ºs 1 e 2 do Código de Processo Civil (doravante, abreviadamente, designado por CPC), aprovado pela Lei n.º 41/2013, de 26 de Junho –, ressalvadas as questões do conhecimento oficioso que ainda não tenham sido conhecidas com trânsito em julgado, a única questão que se coloca à apreciação deste Tribunal consiste em saber da (in)exequibilidade da sentença condenatória dada como título executivo.
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III. Fundamentos

IV. Fundamentação de facto.

As incidências fáctico-processuais relevantes para a decisão do presente recurso são as que decorrem do relatório supra (que, por brevidade, aqui se dão por integralmente reproduzidos), a que acrescem os seguintes factos:

1) Foi dada à execução para entrega de coisa certa a sentença de 6.01.2021, proferida no âmbito do processo n.º 4505/20.9T8BRG, que correu termos no Juízo Central Cível de Braga - Juiz 1 -, do Tribunal Judicial da Comarca de Braga, na qual foi a ali autora/aqui embargada reconhecida como titular (única) do direito de usufruto sobre o prédio urbano, destinado a habitação, composto de rés-do-chão com 2 divisões, cozinha, quarto de banho, vestíbulo e marquise; 1º andar com 4 divisões, quarto de banho, sótão com 2 divisões e quarto de banho; com logradouro, sito no Lugar …, União das Freguesias de … e …, concelho de Braga, inscrito na matriz predial urbana da referida união das freguesias sob o artigo … (anterior … de …), descrito na Conservatória do Registo Predial de Braga sob o número ….
2) Foi, ainda, o ali réu/ora embargante condenado a entregar à autora/embargada o referido prédio, livre de pessoas e bens.
3) O ali réu/ora embargante não apresentou recurso da aludida sentença.
4) A sentença dada à execução transitou em julgado a 17 de junho de 2021.
5) O requerimento executivo que deu início aos autos principais de execução deu entrada em juízo em 27 de abril de 2021.
6) Os embargos de executado foram deduzidos a 14 de julho de 2021.
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V. Fundamentação de direito

1. – Da inexequibilidade do título executivo por (à data da sua apresentação) não ter (ainda) transitado em julgado.

Na apelação interposta entende o embargante/executado que o trânsito em julgado da decisão é um requisito da exequibilidade do título, pelo que a sua não verificação poderá ser invocada em sede de embargos de executado.
Mais defende que o art. 704º do CPC estabelece a regra que só é exequível a sentença condenatória transitada em julgado, regra esta que conhece uma excepção e que corresponde à sentença condenatória pendente de recurso com efeito meramente devolutivo.
Ora - prosseguindo na sua argumentação -, no caso o título executivo dado à execução (sentença condenatória de entrega de coisa certa) é inexequível, porquanto a ação executiva foi instaurada antes do termo do prazo de interposição de recurso e antes, portanto, do trânsito em julgado da aludida sentença, pelo que deveria aguardar por aqueles termos ou pelo despacho de admissão de recurso, onde é fixado o respetivo efeito.
Vejamos se lhe assiste razão.
A decisão sob recurso versa sobre uma oposição à execução para entrega de coisa certa, tendo esta por título executivo uma sentença condenatória proferida na ação com forma de processo comum que a aqui embargada instaurou contra o embargante e na qual este foi condenada nos termos que constam do ponto 2 da matéria.
Como é sabido, a oposição à execução mediante embargos de executado é o modo de que o executado dispõe para se libertar (total ou parcialmente) da execução contra si instaurada, seja com base em razões de natureza processual, seja aduzindo argumentos materiais (que contendam com a existência ou a subsistência da obrigação) (1), seja pela verificação de um vício de natureza formal que obsta ao prosseguimento da execução (2).
Constitui um incidente de natureza declarativa, enxertado e na dependência do processo executivo, fisicamente correndo por apenso.
Embora os embargos constituam um procedimento estruturalmente autónomo, estão funcionalmente ligados ao processo executivo (fala-se em função instrumental da oposição (3), até porque sem execução não há oposição à execução), visando a pronúncia que neles é feita, quer sobre o mérito, quer sobre matéria processual, servir exclusivamente as finalidades e os fins da execução (4).
Este carácter incidental ou instrumental dos embargos, funcionalmente vinculados ao processo executivo em que se enxertam, resulta claramente do disposto nos n.ºs 4 e 5 do art. 732.º do CPC, nos termos dos quais a procedência dos embargos extingue a execução, no todo ou em parte, além de que a decisão de mérito proferida nos embargos à execução constitui, nos termos gerais, caso julgado quanto à existência, validade e exigibilidade da obrigação exequenda.
Pois bem, malgrado na petição de embargos o embargante/executado tenha alegado, entre o mais, a excepção da falta de título executivo, depreende-se claramente, até pela exposição fáctica aduzida e menção ao disposto no art. 704º do CPC, que, em rigor, pretendia invocar a inexequibilidade do título executivo.

Tal oposição assume, pois, especial relevância jurídica, especificando o art. 729º “ex vi” do art. 860º, n.º 1, ambos do CPC, que:
Fundando-se a execução em sentença, a oposição só pode ter algum dos fundamentos seguintes:
a) Inexistência ou inexequibilidade do título.
(…)»;
Nesta conformidade, como resulta do citado normativo, verifica-se que o fundamento alegado (inexequibilidade do título) faz parte do elenco (taxativo (5)) dos fundamentos de oposição à execução para entrega de coisa certa baseada em sentença, pelo que é de concluir – discordando-se, nessa parte, da decisão recorrida –, que o mesmo pode e deve ser atendido.
Vejamos, agora, o mérito do fundamento da oposição aduzido.
Nos termos do n.º 5 do art. 10º do CPC, “[t]oda a execução tem por base um título, pelo qual se determinam o fim e os limites da ação executiva”.
Podem servir de base à execução, entre outros títulos, as sentenças condenatórias (art. 703º, n.º 1, al. a) do CPC).
No que concerne aos requisitos da exequibilidade da sentença, prescreve o art. 704º, n.º 1, do CPC que a “sentença só constitui título executivo depois do trânsito em julgado, salvo se o recurso contra ela interposto tiver efeito meramente devolutivo”, sendo que a decisão considera-se transitada em julgado logo que não seja passível de recurso ordinário ou de reclamação (art. 628º daquele mesmo diploma processual), ou seja, quando insuscetível de substituição, alteração ou de modificação por qualquer tribunal, incluindo o tribunal que a tenha proferido.
Quer isto dizer que a exequibilidade da sentença depende, em regra, do seu trânsito em julgado, isto é, da sua inalterabilidade no processo onde foi produzida, ou seja, do caso julgado formal (6).
Contudo, a regra de que a sentença só constitui título executivo depois de transitada em julgado comporta a exceção enunciada na 2ª parte do n.º 1 do art. 704º do CPC, posto que podem ser executadas sentenças ainda não definitivas, contanto que contra elas esteja pendente, na Relação ou no Supremo Tribunal de Justiça, recurso com efeito meramente devolutivo (7) (8), isto é, não suspensivo dos efeitos da sentença, nomeadamente a sua exequibilidade.
Por conseguinte, a sentença constitui título executivo e é exequível quando contendo uma condenação e estando pendente de recurso o recurso tem efeito (meramente) devolutivo (9).
O valor da exequibilidade é, assim, alcançado mesmo antes do valor do caso julgado (10) (11).
Neste caso, ainda que a decisão não possua o valor de caso julgado por ser passível de impugnação através de recurso ordinário ou de reclamação, e mesmo existindo o risco de a mesma vir a ser modificada ou revogada (n.º 2 do art. 704º do CPC), o legislador permite ao credor executar provisoriamente essa decisão, privilegiando, por isso, os interesses do credor (12) (que não tem de aguardar pelo trânsito em julgado da decisão para promover a execução), além de que pretende evitar a interposição de um recurso pelo demandado com a única finalidade de obviar à execução da decisão que o condenou a cumprir uma obrigação (13). Nas elucidativas palavras de Alberto dos Reis (14), o “interesse da rapidez prevalece sobre o interesse da justiça da execução. A lei consente o risco da execução injusta para assegurar ao credor a vantagem da execução pronta”.
Este regime de exequibilidade provisória decorrente do efeito devolutivo do recurso, vale, por maioria ou, pelo menos, por identidade de razão, para a execução de sentença que nem sequer admita recurso e esteja aguardando o esgotamento do prazo de 10 dias para se reclamar ou requerer reforma (15) (arts. 149º, n.º 1, 615º, n.ºs 1 e 4 e 616º, n.ºs 1 e 2, todos do CPC). Portanto, o efeito da reclamação da decisão sobre a sua exequibilidade deve coincidir com o recurso ordinário que dela é ou seria admissível (16).
No caso em análise, a situação de exequibilidade da sentença já se verificava quando foram deduzidos os embargos de executado, visto que, contendo uma condenação, a mesma havia já transitado em julgado por dela não ter sido interposto recurso, nem reclamação.
A questão que o recorrente/embargante suscita é, porém, a de que o título dado à execução não era, à data da instauração da execução, exequível, uma vez que a sentença transitou já depois da entrada do requerimento executivo, além de que não estava pendente de recurso com efeito meramente devolutivo, pressuposto este indispensável para lhe conferir exequibilidade provisória na falta do caso julgado.
A questão não tem obtido uma resposta unívoca, quer na doutrina, quer na jurisprudência.
- Uma posição (17), erigindo como condição necessária da exequibilidade (provisória) da sentença ainda não transitada em julgado que contra ela haja sido interposto recurso e o efeito atribuído a este tenha sido meramente devolutivo (art. 647º, n.º 1, do CPC) (18), defende que durante o prazo de recurso a sentença não tem força executiva. Esta afirmação justifica-se porque durante aquele prazo ainda não é conhecida a posição da parte vencida, de modo que não é possível aferir quais os efeitos do julgado que se tornam definitivos e aqueles que, por terem sido impugnados por via do recurso, permanecem provisórios; só depois da parte vencida ter identificado os fundamentos do recurso é possível a ponderação entre o direito da parte vencedora à satisfação coativa da sua pretensão (art. 817º do Código Civil) e o direito de defesa da parte vencida por via do recurso.
Assim, durante o prazo do recurso, e na hipótese de a parte vencedora ter dado à execução a sentença, o agente de execução não pode dar início a qualquer das diligências executivas (pesquisa de bens, penhora, entrega de coisa certa), sobretudo quando estas diligências de acordo com a forma de processo aplicável, devam anteceder a citação do executado.
Em termos parcialmente similares, no Ac. da RL de 23/10/2019 (relatora Filomena Manso), in www.dgsi.pt., foi decidido que, “tendo sido interposto pela ré/Embargante recurso da sentença, com pedido de atribuição de efeito suspensivo, cabia ao autor/Embargado aguardar pela prolação desse despacho. Apenas no caso de ao ser admitido o recurso vir a ser indeferido o pedido de atribuição de efeito suspensivo, cabendo ao recurso efeito meramente devolutivo, sem necessidade de declaração – podia o autor instaurar acção executiva por possuir título exequível nos termos do art. 704º, nº1 do CPC” (19).
- uma outra posição (20), partindo da análise da evolução legislativa (21), preconiza que o sentido dessas mudanças foi consagrar, como regra, no então novo n.º 1 do art. 692º (atual art. 647º, n.º 1), o que antes era exclusivo do art. 792º: a interposição de apelação tem efeito meramente devolutivo (22). Consequentemente, defende que podem ser de imediato executadas as sentenças condenatórias, após a sua notificação ou conhecimento pelas partes (23).
Em sentido similar, por referência ao pretérito regime processual (anterior art. 47º, n.º 1, 2ª parte), Miguel Teixeira de Sousa (24) referia que, “se o recurso que pode ser ou que foi efetivamente interposto de uma sentença tiver efeito meramente devolutivo, a sentença recorrida é imediatamente exequível” (sublinhado nosso). “Esta exequibilidade provisória decorre automaticamente do efeito devolutivo desse recurso, pelo que não necessita de ser declarada pelo tribunal ou por qualquer autoridade. A opção legislativa é tomada, não propriamente quanto à exequibilidade, mas apenas quanto ao efeito do recurso que a condiciona”.
Ora, conforme resulta da matéria de facto provada, o requerimento executivo foi apresentado a 27 de abril de 2021, ou seja, quando ainda estava a correr o prazo para a interposição do recurso e, portanto, quando a sentença condenatória ainda não era exequível.
A sentença condenatória tornou-se exequível a 17 de junho de 2021.
Logo, a exequente deveria ter aguardado pelo termo do prazo para a interposição do recurso e, findo esse prazo e uma vez verificado o trânsito da sentença condenatória por dela não ter sido interposto recurso, poderia então instaurar a execução.
Contudo, da pesquisa feita nos autos de execução principais não consta ter sido já feita a entrega do imóvel à exequente.
E, na data da apresentação dos embargos de executado, já a sentença condenatória era exequível, sendo certo que, ao ter sido citado no âmbito da execução, o executado teve a oportunidade de deduzir toda a defesa que tinha como oportuna com vista a paralisar a obrigação exequenda.
Não há, pois, motivo para não atender à exequibilidade superveniente da sentença condenatória (25)
Acresce que, na situação sub júdice, embora seja certo que a execução foi instaurada num momento em que estava ainda em curso o prazo para o réu interpor recurso da sentença condenatória, que não chegou a ser interposto, pelo que aquela viria, entretanto, a transitar em julgado, também é certo que as situações jurídicas geradoras de direitos, de títulos jurídicos, constituem-se em regra no âmbito de um processo de formação progressiva, onde existe um início, etapas subsequentes e um termo.
Assim, e como se decidiu no Ac. da RC de 7/09/2021 (relator Alberto Ruço), in www.dgsi.pt., “este processo de formação sucessiva pode ter (ou não) etapas pré-determinadas na lei e quando tal ocorre, como no caso dos autos, tal situação permite, em regra, uma previsão razoável acerca do momento temporal em que se constituirá, por fim, o direito ou o título.
Enquanto o direito não se forma definitivamente, o beneficiário goza já de expectativas”.
Nas palavras de Mota Pinto, «Por expectativa jurídica entendemos a situação activa, juridicamente tutelada, correspondente a um estádio dum processo complexo de formação sucessiva de um direito. É uma situação em que se verifica a possibilidade, juridicamente tutelada, de aquisição futura de um direito, estando já parcialmente verificada a situação jurídica (o facto jurídico) complexa, constitutiva desse direito» - Teoria Geral do Direito Civil, 3.ª Edição, Coimbra editora, p. 180.
«No caso dos autos ocorre um processo de formação sucessiva de um direito de acionar o devedor, conferido pelo esperado título executivo-sentença.
Com efeito, proferida sentença favorável ao demandante credor, que imponha uma obrigação ao réu devedor, inicia-se o prazo para o recurso e caso o recurso tenha efeito devolutivo, a sentença adquire força de título executivo.
Sendo assim, se o exequente instaura ação executiva num momento em que a sentença ainda não é título executivo, porque não transitou ainda em julgado, mas há a expetativa fundada de vir a ser título executivo em breve, o tribunal não deve indeferir liminarmente a execução, mas aguardar que o processo relativo à eventual formação do título executivo se complete.
Esta postura do tribunal justifica-se não só pela tutela da mencionada expetativa, como também pela desproporcionalidade que constituiria o indeferimento face à precipitação do exequente e ainda pelo princípio da economia processual, o qual, nas palavras de Manuel de Andrade, «É uma aplicação do princípio de menor esforço ou de economia de meios. Deve procurar-se o máximo resultado processual com o mínimo emprego de actividade; o máximo rendimento com o mínimo custo. Nesta conformidade deve cada processo resolver o máximo possível de litígios (economia de processos); e deve por outro lado comportar só os actos e formalidades indispensáveis ou úteis (economia de actos e economia de formalidades)» – Noções Elementares de Processo Civil, Coimbra Editora/1979, pág. 388..
Com efeito, sendo indeferida a pretensão, seguir-se-ia dentro em breve nova pretensão com o mesmo conteúdo».
Nesta conformidade, embora com fundamentação distinta (posto não ser por o fundamento dos embargos não se ajustar ao disposto no art. 729º “ex vi” do art. 860º, n.º 1, ambos do CPC, mas sim dada a sua manifesta improcedência), forçoso será concluir pela confirmação da decisão recorrida que indeferiu liminarmente os embargos de executado, improcedendo as conclusões do apelante.
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As custas do recurso, mercê do princípio da causalidade, são integralmente da responsabilidade do recorrente, atento o seu integral decaimento (art. 527º do CPC).
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Síntese conclusiva:

I - De acordo com o art. 704º, n.º 1, 1ª parte, do Cód. Proc. Civil., a exequibilidade da sentença condenatória depende, em regra, do seu trânsito em julgado.
II - Esta regra comporta a exceção enunciada na 2ª parte do citado normativo, posto que podem ser executadas sentenças ainda não definitivas, contanto que contra elas esteja pendente recurso com efeito meramente devolutivo.
III - A exequente deveria ter aguardado pelo termo do prazo para a interposição do recurso e, findo esse prazo e uma vez verificado o trânsito da sentença por dela não ter sido interposto recurso, poderia então instaurar a execução.
IV - É atendível a exequibilidade superveniente da sentença condenatória se, sendo posterior à apresentação do requerimento executivo, ainda não se efetivou sequer a entrega judicial.
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VII. DECISÃO

Perante o exposto, acordam os Juízes deste Tribunal da Relação em julgar improcedente a apelação, confirmando (embora que com fundamentação distinta) a decisão recorrida.
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Custas da apelação a cargo do apelante/embargante (art. 527.º do CPC), sem prejuízo do benefício de apoio judiciário de que o mesmo goza.
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Guimarães, 16 de dezembro de 2021

Alcides Rodrigues (relator)
Joaquim Boavida (1º adjunto)
Paulo Reis (2º adjunto)



1. Cfr. Paulo Pimenta, In Acções e Incidentes Declarativos na Pendência da Execução, Revista Themis, Ano V, n.º 9, 2004, p. 73.
2. Cfr. José lebre de Freitas e Armindo Ribeiro Mendes, in Código de Processo Civil Anotado, Vol. 3º, Coimbra Editora, p. 321; José Lebre de Freitas, A Acção Executiva À Luz do Código de Processo Civil de 2013, 7ª ed., Gestlegal, pp. 195/196, J. P. Remédio Marques, Curso de Processo Executivo Comum À Face do Código Revisto, Almedina, pp. 149/150 e Marco Carvalho Gonçalves, Lições de Processo Civil Executivo, 2016, Almedina, p. 195.
3. Cfr. Ac. do STJ de 29/09/2009 (relator Paulo Sá), in www.dgsi.pt.
4. Cfr. Ac. do STJ de 12/11/2009 (relator Lopes do Rego), in www.dgsi.pt.
5. Diversamente do que acontece na oposição à execução baseada em outros títulos, a qual pode fundar-se em qualquer causa que fosse lícito deduzir como defesa no processo de declaração, dado o executado não ter tido ocasião de, em ação declarativa prévia, se defender amplamente da pretensão do exequente/embargado, na oposição deduzida à execução fundada em sentença – como é o caso versado nos presentes autos – os fundamentos passíveis de ser validamente invocados restringir-se-ão aos que se mostram taxativamente previstos no citado art. 729º do CPC. Além de que a “oposição com fundamento em benfeitorias não é admitida quando, baseando-se a execução em sentença condenatória, o executado não haja oportunamente feito valer o seu direito a elas” (n.º 3 do art. 860º do CPC).
6. Cfr. Ac. do STJ de 9/07/2015 (relatora Ana Paula Boularot), in www.dgsi.pt.
7. Todos os recursos têm “efeito devolutivo” entendido enquanto efeito que consiste na faculdade de devolver ou atribuir ao tribunal de recurso a função de reexaminar a questão resolvida pela decisão recorrida. Quando o recurso não impede a instauração da ação executiva ou outra forma de execução, diz-se que o recurso tem efeito meramente devolutivo; nesse caso, ao efeito devolutivo não acresce o efeito suspensivo. Tendo o recurso interposto efeito suspensivo, não só não é possível instaurar uma ação executiva (art. 704º, n.º 1 do CPC), como também não é possível dar execução, em sentido amplo, à sentença recorrida. Assim, o efeito suspensivo da apelação consiste na inexequibilidade da sentença recorrida [cfr. João Castro Mendes, Direito Processual Civil, vol. I, AAFDUL, 1980, p 343, Ribeiro Mendes, Recursos em Processo Civil (Reforma de 2007), Coimbra Editora, p. 87 e Alberto dos Reis, Código de Processo Civil Anotado, Vol. V, Coimbra Editora, 1984, p. 396].
8. Presentemente, quer o recurso de apelação, quer o recurso de revista, têm, por regra, efeito meramente devolutivo (arts. 647º, n.º 1, e 676º, n.º 1, este por interpretação “a contrario” do CPC), pelo que mesmo que o réu interponha recurso da sentença condenatória nada obsta a que o autor promova, ainda que provisoriamente, a execução da sentença ou do acórdão (arts. 704º, n.º 1, 649º e 676º, n.º 3, do CPC).
9. Cfr. Ac. da RC de 7/09/2021 (relator Alberto Ruço), in www.dgsi.pt.
10. Cfr. Rui Pinto, A Acção Executiva, AAFDL Editora, 2018, p. 172.
11. Como salienta Miguel Teixeira de Sousa, “o caso julgado e a exequibilidade são dois efeitos distintos de uma decisão jurisdicional. Isto porque nem todo o caso julgado é acompanhado pela exequibilidade (basta pensar que apenas as sentenças condenatórias são título executivo (cf. art. 703.º, n.º 1, al. a), CPC)) e nem toda a exequibilidade é acompanhada pelo caso julgado (lembre-se que a sentença condenatória que é impugnada através de um recurso com efeito meramente devolutivo constitui título executivo (cf. art. 704.º, n.º 1, CPC))”. - cfr. “Caso julgado, exequibilidade e inconstitucionalidade: um apontamento comparativo (e um desafio)”, de 06/01/2016, in https://blogippc.blogspot.com/2016/01/caso-julgado-exequibilidade-e.html.
12. Cfr. Marco Carvalho Gonçalves, obra citada, p. 59.
13. Cfr. Miguel Teixeira de Sousa, Acção Executiva Singular, Lex, 1998, pp. 79/80.
14. Cfr. Processo de Execução, Vol. 1º, 3ª ed. Reimpressão, Coimbra Editora, 1985, p. 130.
15. Cfr. Anselmo de Castro, A Acção Executiva Singular, Comum e Especial, 2ª ed., 1973, Coimbra Editora, pp. 21/22, e Rui Pinto, obra citada, p. 173.
16. Cfr. Miguel Teixeira de Sousa, obra citada, p. 81.
17. Expressa na posição propugnada por J.H. Delgado de Carvalho, Acão Executiva Para Pagamento De Quantia Certa, 2ª ed., Quid Juris, pp. 319/320.
18. Segundo Marco Carvalho Gonçalves, no caso da execução provisória, a exequibilidade da sentença depende da interposição do recurso e que o mesmo seja recebido com efeito meramente devolutivo, não bastando que “da sentença provisória caiba, em abstracto, recurso, sem que o mesmo tenha sido efectivamente interposto, nem que ao dito recurso corresponda, em abstracto, nos termos da lei, efeito meramente devolutivo” [cfr. obra citada, pp. 59/60 e Ac. da RP de 05/05/1998 (relator Rapazote Fernandes), com sumário disponível in www.dgsi.pt.].
19. Mais se concluiu no citado aresto que, quando o Autor instaurou a execução, não dispunha de título executivo para o fazer, por não ter sido proferido o despacho a que alude o art. 641 do CPC, a admitir o recurso e a fixar o seu efeito, sendo que, no caso, essa pronúncia era obrigatória por ter sido requerida a atribuição de efeito suspensivo.
20. Defendida por Rui Pinto, obra citada, pp. 172/173.
21. Até à reforma de 2003, a regra, constante do n.º 1 do art. 692º, era a de que o recurso de apelação interposto em processo ordinário tinha efeito suspensivo; diversamente, no processo declarativo sumário (anterior art. 792º) a interposição da apelação tinha efeito meramente devolutivo, salvo no caso em que fosse decretada a restituição do prédio. Com a reforma da ação executiva (Dec. Lei n.º 38/2003, de 8/03), foi alterado o n.º 4 do art. 47º (atual art. 704º, n.º 5), bem como os arts. 692º, 693º, 694º e 696º, relativos às matérias do efeito da interposição do recurso de apelação a respetivo regime, sendo que o art. 792º foi suprimido. A regra passou a ser a de a apelação ter efeito meramente devolutivo.
22. O que significa que a exequibilidade de qualquer sentença condenatória constitui, hoje, a regra, assumindo-se como excepção os casos em que o respetivo recurso tenha efeito suspensivo [cfr. Ac. da RE de 2/05/2019 (relatora Maria da Graça Araújo), in www.dgsi.pt.]
23. Ficam arredadas da exequibilidade imediata os casos previstos no art. 647º, n.ºs 2 e 3 do CPC (que correspondem, entre outras, às ações sobre o estado das pessoas, às ações referidas no art. 629º, n.º 3, als. a) e b) e às ações que respeitem à posse ou à propriedade de casa de habitação do réu).
24. Cfr. Miguel Teixeira de Sousa, in Acção Executiva Singular, Lex, 1998, p. 80.
25. Cfr., em sentido similar, Ac. da RL de 1/10/2020 (relatora Maria do Céu Silva), in www.dgsi.pt.