FURTO EM SUPERMERCADO
ALTERAÇÃO FACTOS PROVADOS E NÃO PROVADOS
NÃO OPÇÃO PELA PENA DE MULTA
NÃO SUBSTITUIÇÃO PRISÃO POR TRABALHO COMUNITÁRIO
SUSPENSÃO EXECUÇÃO PENA PRISÃO DOMICILIÁRIA
REGIME DE PROVA
REGRAS DE CONDUTA E OBRIGAÇÕES
Sumário

I– No que respeita ao crime de furto simples, previsto e punido pelo artigo 203.º, n.º 1, do Código Penal, a alternativa entre pena privativa ou não da liberdade coloca-se, porquanto a norma estabelece a opção entre prisão até 3 anos ou multa. In casu as exigências de prevenção especial revelam-se elevadas porquanto o arguido apresenta antecedentes criminais, todos por delitos contra o património (furto e roubo), tendo iniciado o seu percurso criminoso no ano de 1983, perdurando o mesmo até à 2018, sem que a condenação em sanções crescentemente gravosas, que incluíram penas privativas da liberdade, tenha constituído contra motivação apta a evitar o cometimento do delito sub judice. A decisão condenatória mais recente data de Junho de 2014, reportando-se a mesma a ilícito de furto. As finalidades da punição não ficam suficientemente realizadas com a aplicação, no caso concreto, de uma pena de multa, optando-se pela aplicação de sanção privativa da liberdade. Assim, não lançando mão da opção preferencial a que alude o art. 70.º do Código Penal.

II–Tendo o arguido 64 anos de idade, acrescendo ser ex-toxicodependente e doente crónico (tem vários problemas de saúde, mormente DPOC) e sofrer de uma incapacidade física permanente global de 90% para a sua vida, nomeadamente para trabalhar, estando, por isso já reformado, afigura-se não ser adequado sujeitá-lo a prestação de trabalho a favor da comunidade, ainda por cima quando tal pena teria de ter a duração de 150 (cento e cinquenta) horas, visto o disposto no art. 58.º, n.º 3, do Código Penal.

III– Contudo, manter, confirmando, que a pena de 5 (cinco) meses de prisão em que foi condenado seria para cumprir em regime de permanência na habitação, com recurso a fiscalização por meios técnicos de controlo à distância, também não se afigura adequado, em parte pelas mesmas razões com que afastámos a de prestação de trabalho a favor da comunidade, a que acresce a circunstância de não vislumbrarmos como é que seria justo e exequível ficar em casa sozinho (como provado, é divorciado, não tem companheira e reside sozinho), sem ninguém por perto para dele cuidar, por cinco meses, com a suas mencionadas limitações físicas e também económicas, pois contando apenas de rendimento com uma pensão mensal de €284,10 não vislumbramos como seria possível contratar alguém para o auxiliar no seu quotidiano durante esse período de clausura domiciliária.

IV– O arguido regista vários antecedentes criminais, tendo sido já condenado em duas penas de prisão efectivas e em duas penas multa, sempre por crimes contra o património. Todavia, contando presentemente 64 anos de idade, nessas suas únicas quatro condenações, os roubos foram praticados há três e quatro décadas (1983 e 1990) e os furtos simples perpetrados há uma década (2010 e 2012), sendo que sobre o furto dos autos (cometido a 17 de janeiro de 2018) já decorreram quase 4 (quatro) anos) sem que lhe seja conhecida a prática de quaisquer crimes, daquela ou de outra natureza, o que deve ser tido, positivamente, em consideração. Por outro lado, atendendo ao requisito referente às circunstâncias da prática do crime, este, recorde-se, tratou-se de um furto, no Supermercado FF, de fruta, presunto e bebidas no valor total de €152,40, ou seja, “… o valor dos bens retirados não é excessivamente elevado”, conforme reconheceu o Tribunal a quo na sentença revidenda, pelo que certamente não gerará na comunidade qualquer sentimento de grande alarme ou impunidade ser a pena de 5 meses de prisão suspensa na sua execução, pelo período máximo (5 anos), com regime de prova e sujeição a diversas adequadas regras de conduta e obrigações.

V– É certo que o arguido, tendo exercido o direito ao silêncio sobre os factos constantes da acusação, não tendo prestado declarações na audiência de discussão e julgamento, não confessou os factos. No entanto, tal confissão era in casu irrelevante perante a prova testemunhal e documental produzida, mormente perante as imagens gravadas pelas câmaras instaladas no Supermercado e que foram visionadas na referida audiência. Confissão que, no entanto, a ter existido, mesmo que não acompanhada de expresso arrependimento, sempre denotaria e demonstraria ter interiorizado o desvalor da sua censurável conduta. Porém, vislumbramos essa interiorização, ao vir agora, por escrito (embora de forma intermediada pela pena do seu defensor) reconhecer sem margem para dúvidas ter praticado os factos pelos quais foi acusado e condenado, pois podia continuar a manter silêncio sobre aqueles ou vir até impugnar a matéria de facto a eles atinente, o que não fez, apenas questionando alguns dos factos que Tribunal a quo deu como não provados mas que não se reportavam à prática do furto mas às suas condições pessoais, e a que, em parte, até demos razão ao recorrente.

Texto Integral

Acordam, em conferência, na 9a Secção (Criminal) do Tribunal da Relação de Lisboa:

I–Relatório

1.–No âmbito do processo comum n.º 810/18.2T9MFR, do Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa Oeste - Juízo Local Criminal de Mafra, foi submetido a julgamento, com intervenção de Tribunal Singular, o arguido MM, filho de AA e de BB, natural da freguesia de CC, Concelho de Lisboa, nascido a xx de xxx de 1957, residente xxx Lisboa, vindo a ser condenado, por sentença proferida em 20 de maio de 2021, pela prática, em autoria material e na forma consumada, de um crime de furto simples, previsto e punido pelo artigo 203.º, n.º 1, do Código Penal, numa pena de 5 (cinco) meses de prisão, a cumprir em regime de permanência na habitação com recurso a fiscalização por meios técnicos de controlo à distância.

2.–O arguido MM, inconformado com a mencionada decisão, interpôs recurso extraindo da sua motivação as seguintes conclusões:
"A.–O Ministério Público deduziu acusação, em processo comum e com intervenção do tribunal singular contra o Arguido, ora Recorrente, imputando-lhe a prática, em autoria material e de forma consumada, de um crime de furto simples, previsto e punido pelo artigo 203.º, n.º 1 do Código Penal.

B.–O Tribunal a quo deu como não provados os seguintes factos:
1.-Que o arguido tome 10 comprimidos diários para manter equilibrada a sua situação de saúde.
2.-Que o arguido padeça, há vários anos, de toxicodependência e alcoolismo.
3.-Que o arguido dependa da ajuda financeira da mãe, que aufere uma pensão de reforma de €549.

C.–Mais entendeu o Tribunal a quo que “Não resultaram provados outros factos com relevância para a causa, sendo certo que não foi considerada matéria conclusiva, de direito ou sem qualquer relevância para a boa decisão da causa.”
D.–A este propósito, esclarece o douto Tribunal a quo que “… o arguido não mencionou a factualidade descrita em 1) a 3), e do documento de fls. 117 verso não resulta o facto descrito em 2), pelo que tal factualidade não resultou provada.”
E.–Salvo o devido respeito, da análise ponderada e atenta de todos os elementos de prova produzidos no âmbito dos presentes autos, parte dos factos dados como não provados pelo Tribunal a quo deveriam ter sido considerados demonstrados, conforme se passará a demonstrar.
F.–O douto Tribunal a quo deveria ter dado como provado que o arguido toma 10 comprimidos diários para manter equilibrada a sua situação de saúde face ao teor dos documentos 6 a 9 juntos com a Contestação, especialmente os documentos 7 e 9.
G.–Os documentos 6 e 8 consistem em duas listas de medicamentos e os documentos 7 e 9 consistem em duas guias de tratamento para o utente (“receitas de medicamentos”) prescritas pela Dra. DD, médica do Hospital de Santa Marta, sendo que, dos documentos 7 e 9 resulta que o Arguido, ora Recorrente, toma entre 9 e 11 comprimidos por dia, de acordo com o que foi alegado pelo mesmo no artigo 9.º da Contestação.
H.–O artigo 9.º da Contestação deveria ter sido dado como provado com base nos documentos 6 a 9 juntos com a Contestação.
I.–O Tribunal a quo deu, igualmente, como não provado que “o Arguido padece, há vários anos, de toxicodependência e alcoolismo.”
J.–Apesar de o douto Tribunal a quo não referir os motivos concretos que teve em consideração para dar o facto n.º 2 como não provado, a verdade é que a situação de ex-toxicodependência do Arguido, ora Recorrente resulta da declaração do DICAD (Divisão de Intervenção nos Comportamentos Aditivos e nas Dependências) - CRI – Lisboa xxx – E.T. de Xxx, junta como Doc. 11 da Contestação.
K.–O facto de o Arguido, ora Recorrente ter estado integrado num programa de substituição de metadona apenas pode ser explicado pelo facto de ser ex-toxicodependente.
L.–A situação de ex-toxicodependência do Arguido, ora Recorrente, é expressamente referida no Relatório de Consulta, de 31/01/2020, elaborado pela Dra. EE, cuja cópia se juntou como Doc. 4 da Contestação, no qual se lê: “Ex-UDEV sob metadona (15 mL)” ou seja, ex-utilizador de drogas endovenosas.
M.–A Nota de Alta, de 06/02/2020, do Serviço de HSM – Pneumologia xxx, refere a propósito das comorbilidades: “ex-toxicodependente sob metadona”, conforme Doc. 5 da Contestação.
N.–O Tribunal a quo ter dado como provado que o Arguido, ora Recorrente, luta há vários anos com problemas de toxicodependência incluindo no ano da prática dos factos, tendo iniciado e mantido um tratamento no CRI – Lisboa xxx – E.T. de Xxx de Lisboa no período compreendido entre 04 de Julho de 2014 a 13 de Abril de 2020 com medicação para a abstinência (programa de substituição de metadona), conforme alegado parcialmente no artigo 11.º da Contestação e devidamente demonstrado pelos Documentos 4, 5 e 11 da Contestação.
O.–O Tribunal a quo não se pronunciou sobre o facto alegado no artigo 5.º da Contestação, na parte em que o Arguido, ora Recorrente refere que não dispõe de bens imóveis próprios nem tem capacidade para suportar sozinho uma renda de uma casa.
P.–Os referidos factos resultam provados do requerimento de proteção jurídica entregue pelo Arguido, ora Recorrente, à Segurança Social, em 07/07/2020, o qual foi entregue com a Contestação e no qual o Arguido declarou que se encontra desempregado, não tem bens imóveis próprios e que os rendimentos do seu agregado familiar correspondem a €10.966,68, tendo o mesmo sido deferido, na modalidade de dispensa de taxa de justiça e demais encargos com o processo e pagamento da compensação ao defensor oficioso, conforme requerimento de protecção jurídica entregue com a Contestação e ofício de deferimento do Instituto da Segurança Social, I.P. – Centro Distrital de Lisboa, de 22/01/21.
Q.–Após o falecimento da sua mãe, durante a pendência do processo, o Arguido, ora Recorrente passou a suportar a renda da casa sozinho, apenas tendo sido capaz de o fazer porque o valor da renda é significativamente reduzido face aos valores de mercado habitualmente praticados: €49,00 – conforme Doc. 3 junto com a Contestação.
R.–O Tribunal a quo deveria ter dado como provado que Arguido, ora Recorrente refere que não dispõe de bens imóveis próprios nem tem capacidade para suportar sozinho uma renda de uma casa, conforme decorre do requerimento de protecção jurídica e do Doc. 3 junto com a Contestação.
S.–O Tribunal a quo não se pronunciou sobre o facto alegado pelo Arguido, ora Recorrente, no artigo 8.º da Contestação, na parte em que o mesmo alega que “tem uma situação de saúde muito fragilizada, com graves complicações após um transplante pulmonar, das quais resultaram danos permanentes para a sua saúde”, conforme relatório de consulta e nota de alta juntos como Docs. 4 e 5 da Contestação.
T.–Resulta da Nota de Alta Médica de 06/02/20 – Doc. 5 da Contestação – que o Arguido, ora Recorrente, foi “submetido a transplante pulmonar bilateral sequencial por DPOC a 08/08/2019 e que apenas teve alta a 09/12/2019 (alta protelada por dificuldade na gestão terapêutica – acompanhado em Psiquiatria e gestão de terapêutica com apoio de enfermagem”.
U.–Mais resulta do referido documento que o Arguido, ora Recorrente, teve complicações no pós-operatório devido a: i) choque séptico sem isolamento do agente; ii) pneumonia a Klebsiella pneumoniae; iii) estenose/placas na anastomose direita, submetida a intervenção no IPO a 04/12/2019; iv) estenose da artéria pulmonar direita – sem indicação para intervenção; e v) descoaptação do corpo esternal – sem indicação para intervenção.
V.–Tendo sido realizadas várias intervenções para tentativa de correcção da estenose da entrada do brônquio intermediário sem sucesso, motivo pelo qual, o Arguido, ora Recorrente mantem, até à presente data, sequelas das complicações pós-cirúrgicas sofridas, nomeadamente, a diminuição da capacidade respiratória.
W.–Pelo que deveria o douto Tribunal a quo ter dado como provado que o Arguido, ora Recorrente, “tem uma situação de saúde muito fragilizada, com graves complicações após um transplante pulmonar, das quais resultaram danos permanentes para a sua saúde.”, conforme resulta dos documentos 4 e 5 da Contestação.
X.–O Tribunal a quo também não se pronunciou sobre os factos alegados no artigo 17.º da Contestação.
Y.–Ora, resulta do certificado de registo criminal do Arguido, ora Recorrente, que a última condenação do mesmo resulta de factos praticados em 28/08/2012, tendo a respectiva sentença transitado em julgado em 09/09/2014.
Z.–Sendo que, desde essa data e com excepção do presente processo, o Arguido, ora Recorrente não voltou a sofrer nenhuma condenação pela prática de qualquer facto ilícito nem praticou nenhum facto ilícito.
AA.–Nos últimos anos o estado de saúde do Arguido, ora Recorrente, tem lutado com graves problemas de saúde, incluindo um transplante pulmonar bilateral com um pós operatório complicado e com graves sequelas para a sua saúde, conforme já demonstrado no ponto D supra.
BB.–Acresce que o transplante pulmonar implicou um internamento longo e múltiplas reaprendizagens, tendo este processo sido agravado pelas complicações sofrida no pós-operatório.
CC.–Ao mesmo tempo, o estado de saúde da mãe do Arguido, ora Recorrente, agravou-se pelo que o Arguido focou-se também em prestar assistência à sua mãe que tinha uma idade bastante avançada (81 anos), acamada e com necessidade de acompanhamento e assistência da parte do Arguido, ora Recorrente.
DD.–Pelo que entendemos que o Tribunal deveria dar como provado o artigo 17.º da Contestação.
EE.–Assim e face aos elementos de prova juntos com a Contestação deveria o Tribunal a quo ter dado como provados os factos números 1 e 2 enunciados na sentença, bem como ter-se pronunciado e dado como provados os factos alegados nos artigos 5.º, 8.º e 17.º da Contestação, pelos motivos e com os fundamentos expostos nos pontos A a E supra.
FF.–Conforme demonstrado supra tais factos decorrem da prova documental junta aos autos – em concreto dos documentos 3, 4, 5, 6 a 9 e 11 e do requerimento de protecção jurídica juntos com a Contestação.
GG.–No caso concreto, entendeu o douto Tribunal a quo que “as exigências de prevenção geral são elevadíssimas porquanto este tipo de ilícito é recorrentemente cometido particularmente em estabelecimentos comerciais, e com elevadas taxas de reiteração da sua prática por parte do mesmo agente. Justifica-se, por isso, a afirmação da norma jurídica infringida.”
HH.–No que concerne às exigências de prevenção especial “…revelam-se elevadas porquanto o arguido apresenta inúmeros antecedentes criminais, todos por delitos contra o património (furto e roubo).”
II.–São estes os únicos fundamentos alegados pelo douto Tribunal a quo para concluir pela não substituição da pena de prisão por prestação de trabalho a favor da comunidade, nos termos previstos no artigo 58.º do Código Penal, bem como pela não suspensão da execução da pena de prisão, nos termos do artigo 50.º, n.º 1 do Código Penal.
JJ.–Resulta do certificado de registo criminal do Arguido, ora Recorrente que o mesmo foi condenado pela prática de dois crimes de roubo praticados, respectivamente, em 21/05/1983 e em 06/06/1990 e, posteriormente, em três crimes de furto simples praticados em 12/03/2010 e pela prática de um crime de furto simples em supermercado, em 28/08/2012.
KK.–Entre o primeiro crime praticado (21/05/1983) e o segundo (10/10/1991) decorreram 8 anos.
LL.–E entre o crime de roubo praticado em 06/06/1990 e os 3 crimes de furto simples praticados em 12/03/2010 passaram 20 anos, tendo o Arguido, ora Recorrente 33 anos à data da prática dos factos a que se reporta a condenação de 1991 e 53 anos à data dos factos praticados em 12/03/2010.
MM.–É verdade que, passado cerca de dois anos, o Arguido voltou a cometer novo furto simples de bebidas alcoólicas em supermercado, no âmbito do qual voltou a ser condenado numa pena de multa.
NN.–Mas, desde essa data, o Arguido, ora Recorrente apenas voltou a praticar os factos que deram origem aos presentes autos e que distam cerca de 6 anos desde a prática dos factos da última condenação.
OO.–Assim, a verdade é que, apesar das condenações sofridas pelo Arguido nos termos supra descritos, as mesmas não são reveladoras de um “percurso criminoso”.
PP.–O Arguido esteve cerca de 20 anos sem praticar qualquer ilícito criminal, sendo que os últimos furtos cometidos (12/03/2010) ocorreram há cerca de 6 anos relativamente à data da prática dos factos objecto dos presentes autos (17/01/2018), tendo o Arguido, actualmente, 64 anos de idade.
QQ.–Pelo que, salvo o devido respeito, o douto Tribunal a quo deveria ter dado maior relevância a diversos factos que foram devidamente demonstrados nos presentes autos e que deveriam ter sido devidamente ponderados e valorados na determinação da medida da pena concreta aplicada ao Arguido, ora Recorrente.
RR.– De facto, no que se refere ao grau de ilicitude do facto, ao modo de execução deste e à gravidade das suas consequências, bem como ao grau de violação dos deveres impostos ao agente resulta dos factos provados que o modo de execução dos factos praticados pelo Arguido, ora Recorrente não revela uma especial complexidade, sofisticação nem gravidade, tendo o mesmo agido sozinho, sem que da sua conduta se possa concluir que tenha havido qualquer premeditação e sendo a gravidade dos factos praticados pelo Arguido, ora Recorrente diminuta na medida em que “… o valor dos bens retirados não é excessivamente elevado” – conforme reconhece o douto Tribunal a quo na sentença.
SS.–Acresce que o Arguido não provocou estragos no estabelecimento comercial nem foi violento ou agressivo com as pessoas com o interpelaram após ter furtados os bens, nomeadamente os vigilantes do estabelecimento FF e os militares da GNR que procederam à sua identificação.
TT.–Quanto aos fins e aos motivos que determinaram o cometimento do crime, à data da prática dos factos, a mãe do Arguido, pessoa já bastante idosa e doente, encontrava -internada numa instituição de prestação de cuidados de saúde em Mafra, pelo que o Arguido deslocava-se, diariamente, de Lisboa a Mafra, para a ir visitar.
UU.–Embora não se desconheça que este tipo de crimes (furtos a estabelecimento comerciais) provoca agitação social, insegurança e intranquilidade pública, a verdade é que, relativamente ao recorrente, as exigências da pena se mostram atenuadas.
VV.–Pelo diminuto valor dos bens retirados, pelo modo de execução dos factos, pelas falta de gravidade das suas consequências, pela idade do agente, pelas suas circunstâncias pessoais, nomeadamente o seu estado de saúde e pela existência de antecedentes criminais com largos intervalos entre si e que não poderão ser considerados como um “percurso criminoso”.
WW.–Por tudo isto, uma pena de multa não põe em causa os limiares mínimos das expectativas comunitárias e satisfaz as exigências de prevenção especial do caso concreto.
XX.–Mesmo que assim não se entendesse deveria o Tribunal a quo ter substituído a pena de prisão por trabalho prestado a favor da comunidade, nos termos do artigo 58.º, n.º 1 do Código Penal, sendo que os fundamentos invocados pelo Tribunal a quo para afastar a aplicação desta possibilidade não merecem acolhimento uma vez que, pelos motivos já demonstrados, o Arguido não tem “um percurso criminoso” que faça supor que a mesma não satisfaz as exigências de prevenção geral e especial do caso concreto.
YY.–Finalmente, a aplicar uma pena de prisão sempre seria de se suspender a execução da mesma em obediência ao princípio do artigo 50.º, n.º 1 do Código Penal, atento o valor diminuto dos bens retirados, a ausência de consequências, a idade do mesmo e o seu estado de saúde.
ZZ.–A este propósito, não se pode esquecer que a pena de 5 (cinco) meses de prisão, a cumprir em regime de permanência na habitação com recurso a fiscalização por meios técnicos de controlo à distância aplicada ao Arguido, ora Recorrente, para além de não ser proporcional aos factos praticados pelo mesmo, implicará um agravamento do estado psicológico do Arguido devido ao seu isolamento forçado em casa e ausência de contactos sociais.
Termos em que deverá o Recorrente ser:
a)-a pena de prisão aplicada ser substituída por pena de multa, nos termos do artigo 70.º do Código Penal ou, caso assim não se entenda,
b)-por pena de prisão substituída por prestação de trabalho a favor da comunidade, nos termos do artigo 58.º do Código Penal; ou caso assim não se entenda;
c)-ser a pena de prisão suspensa na sua execução, ao abrigo do artigo 50.º do Código Penal.
Assim se fazendo justiça!" (fim de transcrição).

3.–Foi proferido despacho judicial admitindo o recurso, como se alcança na referência Citius n.º 131557723.

4.–Respondeu o Ministério Público em primeira instância extraindo da sua motivação as seguintes conclusões:
"1.-A determinação da medida da pena, nos termos dos artigos 40.º, e 71.º, n.º1, do Código Penal, é feita atendendo, em primeira linha, à culpa do agente, nunca a ultrapassando e tendo em vista as finalidades de prevenção. A prevenção geral na sua vertente positiva implica a tutela dos bens jurídicos, no sentido de integração e reforço da consciência jurídica comunitária e do seu sentimento de segurança face à violação da norma jurídica, ao mesmo tempo que se assegura a credibilidade do sistema penal perante a comunidade. A prevenção especial está centrada no arguido. Com efeito, pretende-se a ressocialização do arguido para que esteja inserido na sociedade, respeitando as regras de funcionamento da mesma, num esforço que se centra em evitar o futuro cometimento de crimes por aquele indivíduo.
2.-De acordo com o artigo 71º, nº 2 do Código Penal, como forma de atingir estas finalidades, há que atender a todos os critérios que deponham a favor ou contra o agente, como sejam o grau de ilicitude, o modo de execução do facto e a gravidade das suas consequências, a intensidade do dolo, os sentimentos manifestados no cometimento do crime e os fins ou motivos que o determinaram, as condições pessoais do agente e situação económica e a conduta anterior e posterior ao facto.
3.-Da análise da sentença aqui em causa, resulta que, na determinação da pena aplicável, o Tribunal a quo considerou todos os factores exigidos por lei, ponderando aqueles que depunham em benefício e em desfavor do arguido, nomeadamente, o grau de ilicitude, ao modo de execução dos factos e a gravidade das consequências, bem como o seu percurso de vida e os seus antecedentes criminais.
4.-Nos termos do artigo 50º, nº 1 do Código Penal, o tribunal suspende a execução da pena de prisão aplicada em medida não superior a 5 anos se, atendendo à personalidade do agente, às suas condições de vida, à sua conduta anterior e posterior ao crime e às circunstâncias deste, concluir que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.
5.-Como se lê na sentença há que considerar que o arguido possui um percurso de vida contrário aos ditames legais, tendo sofrido condenações anteriores pela prática de crimes contra o património. Percurso de vida esse que perdura desde 1983.
6.-Com o seu comportamento, o arguido demonstra um desrespeito pela ordem jurídica, que põe em causa as expectativas dos restantes cidadãos na validade das normas penais, bem como demonstra que as anteriores condenações não foram suficientes para evitar que cometesse novos crimes, tendo sido totalmente ineficazes a nível da prevenção especial.
7.-A condenação em sanções crescentemente gravosas, onde se inclui pena de prisão efectiva, não impediram que o arguido continuasse a praticar factos contrários à lei, pelo que não é possível realizar um juízo de prognose favorável relativamente ao não cometimento futuro de ilícitos por parte do arguido, pelo que, como bem conclui a Mma. Juiz a quo, não pode haver lugar à aplicação do regime da suspensão da pena de prisão.
8.-Nem se diga que o Tribunal não teve em consideração as condições pessoais e de vida do arguido, pois resulta dos factos dados como provados que o mesmo se encontra reformado por invalidez, foi sujeito a transplante pulmonar, bem como que os factos referentes à última condenação sofrida foram praticados em 2012.
9.-Foram essas condições pessoais que levou a que o Tribunal a quo tenha decidido condenar o arguido em 5 meses de prisão, a cumprir em regime de permanência na habitação, com recurso a fiscalização por meios técnicos de controlo à distância.
10.-Assim, afigura-se-nos que o Tribunal a quo ponderou correctamente todos os factores necessários à determinação da medida da pena, não merecendo tal decisão qualquer reparo e afastou correctamente o instituto da suspensão da pena de prisão na sua execução.
Por todo o exposto, entendemos dever ser negado provimento ao recurso e, consequentemente, manter-se a decisão recorrida nos seus precisos termos, com o que V. Exas. farão a costumada Justiça!" (fim de transcrição).

5.–Subidos os autos, o Exmo. Procurador-Geral Adjunto apôs o seu “Visto” e emitiu o seguinte parecer:
"O arguido e ora recorrente MM, condenado pela prática de um crime de furto simples na pena de 5 meses de prisão a cumprir em regime de permanência na habitação, com recurso a fiscalização por meios técnicos de controlo à distância, está em tempo e nada obsta ao conhecimento do objecto do recurso, doutamente redigido pela sua Exma. Advogada (cf. fls.210/ 218v.), mas cremos que não tem fundamento a sua pretensão em ver aplicada pena substitutiva de multa, ou pena de prisão substituída por prestação de trabalho a favor da comunidade, ou em último termo ver suspensa a execução da pena imposta nos termos do artigo 50.° do C. Penal.
A nosso ver a Exma. Magistrada do Ministério Público (Procuradora da República) sustenta de forma douta, proficiente e fundamentada a decisão sob recurso (cf. fls.225/ 227v.) concluindo sobre a inaplicabilidade, por manifestamente desapropriado, das recções penais alternativas propostas pela Defesa.
Realmente, falha no caso sub juditio o pressuposto substantivo da aplicação de qualquer regime atenuativo/suspensivo. Trata-se do juízo de prognose positivo sobre o comportamento do Arguido que tem que ressaltar com robustez do processo, enquanto conditio sitie qua non. Cura-se de aquilatar sobretudo com base no critério da experiência (que geralmente é considerado o melhor para aferir da bondade da opção por dado caminho) se a simples ameaça da pena cumpre eficazmente os fins das penas, mormente o evitar que novas violações da lei penal ocorram por parte do Visado.
Manifestamente no caso temos um quadro que nada postula a aplicação daquele regime. Com efeito dados os antecedentes criminais do Arguido, dos quais resulta a propensão deste para a adopção reiterada de condutas desconformes ao direito, a comunidade não entenderia que o Tribunal optasse pela aplicação de uma pena não detentiva da liberdade, tendo sofrido condenações em penas suspensa, nunca tendo ele interiorizado o desvalor da sua conduta.
Como enfatizou o Tribunal que considerou no caso as exigências de prevenção geral como “elevadíssimas” o arguido iniciou o seu percurso criminoso no ano de 1983, perdurando o mesmo até à actualidade, sem que a condenação em sanções crescentemente gravosas, que incluíram penas privativas da liberdade, tenha constituído contra motivação apta a evitar o cometimento do delito sub judice".
Assim, reforçando o teor argumentativo da decisão ora sob recurso em favor da necessidade de privação da liberdade para o caso, atemo-nos na ideia impeditiva de formação de um juízo de prognose positivo, dado o extenso rol de condenações anteriores que não obstante terem tido reacções punitivas alternativas à prisão, e até já a prisão efectiva, têm revelado incapacidade regenerativa por parte do visado, de tal modo que achamos ser de concluir que não estão preenchidas as condições de aplicação de medida alternativa menos gravosa, bem assim entendemos não estar preenchido aquele pressuposto material da suspensão da execução da pena imposta de 5 meses de prisão, tal como exige o artigo 50.° do C. Penal.
De resto o cumprimento da pena em regime de permanência na habitação mostra que o Tribunal, com sensibilidade, já teve em consideração as específicas condições de vida do Arguido - com problemas de saúde e há muito tomando substâncias   criadoras de dependência -, pois que se trata de regime com potencialidade regenerativa, assim o ora arguido e condenado MM tome consciência que é decisivo o seu contributo!
Assim, pelo exposto vai o nosso parecer no sentido de que devem V. Exas. manter a douta da sentença condenatória nos seus exactos termos." (fim de transcrição).

6.–Foi cumprido o preceituado no art. 417.º, n.º 2, do Código de Processo Penal (doravante CPP), não tendo havido resposta

7.–Efetuado o exame preliminar foi considerado não haver razões para a rejeição do recurso.

8.–Colhidos os vistos legais, cumpre agora apreciar e decidir.


II–Fundamentação

1.Conforme entendimento pacífico dos Tribunais Superiores, são as conclusões extraídas pelo recorrente, a partir da respetiva motivação, que operam a fixação e delimitação do objeto dos recursos que àqueles são submetidos, sem prejuízo da tomada de posição sobre todas e quaisquer questões que, face à lei, sejam de conhecimento oficioso e de que ainda seja possível conhecer [cfr., entre outros, os Acs. do Supremo Tribunal de Justiça (doravante STJ) de 16.11.1995, de 31.01.1996 e de 24.03.1999, respetivamente, nos BMJ 451.° - pág. 279 e 453.° - pág. 338, e na Col (Acs. do STJ), Ano VII, Tomo 1, pág. 247, e cfr. ainda, arts. 403.° e 412.°, n.° 1, do CPP].
Na realidade é uniforme a jurisprudência, indo no mesmo sentido a doutrina, de que o âmbito do recurso, ou seja, as questões que o recorrente quer ver discutidas no tribunal superior, é dado pelas conclusões extraídas pelo recorrente da respectiva motivação (vejam-se Acórdão do STJ de 13.03.1991, Proc. 41.694/3ª, citado em anotação ao art. 412.° no Código de Processo Penal Anotado de Maia Gonçalves; e Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, III, Editorial Verbo, 2000, p. 335, onde se pode ler: «São só as questões suscitadas pelo recorrente e sumariadas nas conclusões que o tribunal tem de apreciar»).
São, portanto, as conclusões formuladas na motivação do recurso que em exclusivo definem e delimitam em definitivo o respectivo objecto, sendo que, conforme vem sendo também entendimento repetidamente afirmado no STJ, não retomando o recorrente nas conclusões as questões que suscitou na motivação o tribunal superior só conhecerá das questões resumidas nas conclusões uma vez que, nos termos do disposto no art. 684.°, n.° 3, do CPC (ex vi art. 4.° do CPP), nas conclusões da alegação, pode o recorrente restringir, expressa ou tacitamente, o objecto inicial do recurso.
Por outro lado, “visando os recursos modificar as decisões impugnadas e não criar decisões sobre matéria nova, não é lícito na motivação ou nas alegações invocar questões que não tenham sido objecto das decisões recorridas, isto é, questões novas” - cf. Manuel Simas Santos e Manuel Leal-Henriques, in “Recursos Penais”, 8.ª edição, Rei dos Livros, pg. 87.
 “O recurso constitui um meio processual destinado a reapreciar o julgamento de questão decidida na decisão recorrida e não para decidir questões novas, ou questões que não foram suscitadas no recurso decidido pelo acórdão recorrido” – cf. Acórdão do STJ de 21.02.2012, do qual foi relator António Henriques Gaspar (processo n.º 3471/08, da 3ª Secção).

As questões suscitadas pelo recorrente, que deverão ser apreciadas por este Tribunal Superior, são, em síntese, as seguintes:
- impugnando a matéria de facto, defende que os factos dados como não provados sob n.ºs 1) e 2) deviam ter sido dados como provados, atentos os documentos que juntou com a sua contestação, e que não foram objecto de apreciação por parte do tribunal a quo, bem como ter-se a sentença pronunciado e dado como provados os factos alegados nos artigos 5.º, 8.º, 9.º, 11.º e 17.º da contestação, pois tais factos decorrem da prova documental junta aos autos, em concreto dos documentos 3, 4, 5, 6 a 9 e 11 e do requerimento de protecção jurídica juntos com a Contestação, e sobre os quais o tribunal a quo não se pronunciou;
- dever-se-ia ter optado pela pena de multa em vez da de prisão;
- a pena de 5 (cinco) meses de prisão, a cumprir em regime de permanência na habitação com recurso a fiscalização por meios técnicos de controlo à distância, aplicada ao arguido, para além de não ser proporcional aos factos praticados pelo mesmo, implicará um agravamento do estado psicológico, devido ao seu isolamento forçado em casa e ausência de contactos sociais, devendo ser substituída por pena de multa, nos termos do artigo 70.º do Código Penal ou, caso assim não se entenda, por prestação de trabalho a favor da comunidade, nos termos do artigo 58.º do Código Penal; ou caso assim não se entenda, ser suspensa na sua execução, ao abrigo do artigo 50.º do Código Penal.

2.Passemos, pois, ao conhecimento das questões alegadas. Para tanto, vejamos, antes de mais, o conteúdo da decisão recorrida, no que concerne a matéria de facto assente pelo Tribunal a quo [factos declarados provados, não provados e respectiva motivação] (transcrição):

"1.– Factos Provados     
Da prova produzida em audiência de discussão e julgamento e com relevância para a decisão da causa, julgam-se provados os seguintes factos:
A)-No dia 17/01/2018, pelas 17H30, o arguido dirigiu-se ao estabelecimento comercial FF, sito na Rua da xxx, xxx, explorado pela GG-Supermercados, Lda..  
B)-Uma vez no seu interior o arguido retirou das prateleiras onde se encontravam em exposição para venda, os seguintes artigos, que ocultou na parte interior dos casacos que trajava: manga avião no valor de €2,09; manga avião no valor de €1,90; garrafa de aguardente xxx no valor de €27,99; garrafa de Gin de marca xxx no valor de €31,59; garrafa de gin da marca xxx no valor de €32,99; garrafa de aguardente velha da marca xxx, no valor de €39,99; e uma embalagem de presunto de marca xxx, no valor de €14,85. Tudo no valor total de €152,40. 
C)-De seguida, o arguido abandonou o interior da loja, sem proceder ao pagamento dos produtos que ocultava, levando consigo aqueles objectos, logrando fazê-los seus e integrando-os no seu património. 
D)-O arguido tinha perfeito conhecimento do sistema de funcionamento do estabelecimento, bem sabendo que teria de pagar os produtos que levava nas caixas ali existentes para o efeito. 
E)-Ao actuar da forma descrita, o arguido agiu com o propósito de se apoderar e fazer seus aqueles produtos, que sabia não lhe pertencerem, bem sabendo que actuava contra a vontade do seu legítimo proprietário, objectivo que logrou alcançar. 
F)-O arguido agiu sempre livre, voluntária e conscientemente, bem sabendo que a sua conduta é proibida e punida por lei. 
G)-O arguido é reformado sofrendo de uma incapacidade permanente global de 90%, auferindo, mensalmente, a título de pensão de reforma, a quantia de €284,10.
H)-O arguido foi sujeito a um transplante pulmonar.
I)-O arguido é divorciado e não tem companheira.
J)-O arguido tem dois filhos, com 34 e 37 anos de idades, os quais são financeiramente independentes.
K)-O arguido reside sozinho em habitação arrendada, suportando, mensalmente, a título de renda, a quantia de €49,50.
L)-O arguido frequentou o sistema de ensino até ao 12.º ano de escolaridade.
M)-O arguido foi condenado, em 23/02/1987, pela prática, em 21/05/1983, de crime de roubo, previsto e punido pelos artigos 306.º, n.º3, alíneas a) e b), e n.º5, 297.º, n.º2, alíneas c) e h), 27.º, n.º1 e n.º2, 74.º, n.º1, alínea b), todos do Código Penal, numa pena de 6 anos de prisão, tendo sido perdoados dois anos de prisão.
N)-O arguido foi condenado, em 10/10/1991, pela prática, em 06/06/1990, de um crime de roubo, previsto e punido pelo artigo 210.º, do Código Penal, numa pena de 6 anos de prisão.
O)-O arguido foi condenado, em 23/11/2011, pela prática, em 12/03/2010, de três crimes de furto simples, previstos e punidos pelo artigo 203.º, do Código Penal, numa pena única de 250 dias de multa.
P)-O arguido foi condenado, em 24/06/2014, pela prática, em 28/08/2012, de um crime de furto simples em supermercado, previsto e punido pelo artigo 203.º, n.º1, do Código Penal, numa pena de 80 dias de multa.
***

2.–FACTOS NÃO PROVADOS  
1)-Que o arguido tome 10 comprimidos diários para manter equilibrada a sua situação de saúde.
2)-Que o arguido padeça, há vários anos, de toxicodependência e alcoolismo.
3)-Que o arguido dependa da ajuda financeira da mãe, que aufere uma pensão de reforma de €549.
Não resultaram provados outros factos com relevância para a causa, sendo certo que não foi considerada matéria conclusiva, de direito ou sem qualquer relevância para a boa decisão da causa.
***

3.– MOTIVAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO  
O tribunal estribou a sua convicção, no que concerne aos factos pelos quais o arguido vinha acusado, na prova documental constante dos autos e nas declarações produzidas pelas testemunhas HH (vigilante no FF de xxx há sete ou oito anos) e JJ (militar da Guarda Nacional Republicana) em audiência de discussão e julgamento. O arguido exerceu o direito ao silêncio sobre os factos constantes da acusação. A prova da data, hora e local dos factos e da factualidade descrita em A) a F) resultou do cotejo do teor do talão de fls. 5 e 28, da certidão permanente de fls. 13, do relatório de serviço de fls. 27, do auto de visionamento de imagens de fls. 29 e do CD remetido aos autos com as declarações produzidas por HH e JJ em audiência de discussão e julgamento. Com efeito, HH relatou ao tribunal, fazendo-o com espontaneidade e firmeza, que verificou, pelas câmaras de cctv instaladas na superfície comercial FF onde desempenha funções de vigilante, que, na data, hora e local constantes da acusação, o arguido actuou conforme descrito no libelo acusatório, o que é compatível com as imagens constantes do CD junto aos autos e o auto de visionamento de fls. 29. Referiu que ultrapassadas as linhas de caixa sem proceder ao pagamento dos artigos, abordou o arguido que entregou os produtos que trazia consigo acondicionados nos bolsos do casaco e preso nas calças. Usando de determinação, referiu recordar-se que o arguido trazia um equipamento respiratório, o que é condizente com as imagens recolhidas no local. Com firmeza, o vigilante mencionou ter pedido à colega da Caixa Central que emitisse o talão de fls. 28, o que a colega fez diante de si. Contactada a Guarda Nacional Republicana, compareceu na superfície comercial uma patrulha da Guarda Nacional Republicana, tendo HH confirmado ter visto o militar da Guarda Nacional Republicana a identificar o arguido. JJ, prestando um depoimento espontâneo e firme, confirmou que elaborou o relatório de serviço de fls. 27, precisando não se recordar, neste momento, destes factos, embora tenha confirmado a elaboração do relatório e que protagonizou os factos nele descritos. Mais referiu que, tendo feito constar do documento que procedeu à identificação da pessoa, é porque não teve dúvidas que a mesma correspondia ao documento de identificação que lhe foi exibido. Do cotejo da prova produzida, ficou o tribunal convencido da demonstração da factualidade elencada e da respectiva autoria. No que concerne às condições sócio-económicas do arguido, o tribunal teve em consideração as declarações produzidas pelo mesmo, as quais se revelaram verosímeis atendendo à forma espontânea e clara com que foram produzidas. Atendeu, igualmente, ao teor de fls. 110 a 117. Refira-se que o arguido não mencionou a factualidade descrita em 1) a 3), e do documento de fls. 117 verso não resulta o facto descrito em 2), pelo que tal factualidade não resultou provada. Relativamente aos antecedentes criminais do arguido, o tribunal valorou o certificado do registo criminal junto aos autos." (fim de transcrição).

Por seu turno, quanto à escolha e medida da pena, expendeu-se na decisão revidenda:
"DOSIMETRIA DA PENA  
O crime de furto simples é punido com pena de prisão até 3 anos ou com pena de multa. Sendo este tipo de crime punível com pena de multa em alternativa à pena de prisão, importa optar por uma das sanções, tendo sempre presente o critério orientador fixado no artigo 70.º, do Código Penal. Segundo este normativo, sempre que os fins das penas possam ser alcançados por vias alternativas à pena privativa da liberdade deve dar-se-lhes prevalência, desde que as mesmas realizem de forma adequada e suficiente as finalidades da punição. A aplicação de penas visa a protecção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade- cfr. artigo 40.º, do Código Penal.
Assim, por referência ao citado artigo 70.º, a opção por uma pena de multa em detrimento de uma pena de prisão deve ser realizada em função das exigências de prevenção geral (positiva ou de integração e negativa ou de intimidação) e especial (positiva e negativa) que a situação concreta oferece. No caso dos autos, as exigências de prevenção geral são elevadíssimas porquanto este tipo de ilícito é recorrentemente cometido particularmente em estabelecimentos comerciais, e com elevadas taxas de reiteração da sua prática por parte do mesmo agente. Justifica-se, por isso, a afirmação da norma jurídica infringida. As exigências de prevenção especial revelam-se elevadas porquanto o arguido apresenta inúmeros antecedentes criminais, todos por delitos contra o património (furto e roubo). O arguido iniciou o seu percurso criminoso no ano de 1983, perdurando o mesmo até à actualidade, sem que a condenação em sanções crescentemente gravosas, que incluíram penas privativas da liberdade, tenha constituído contra motivação apta a evitar o cometimento do delito sub judice. A decisão condenatória mais recente data de Junho de 2014, reportando-se a mesma a ilícito de furto. Considerando os factores supra mencionados, considera o tribunal que as finalidades da punição não ficam suficientemente realizadas com a aplicação, in casu, de uma pena de multa, optando-se pela aplicação de sanção privativa da liberdade. A moldura da pena de prisão tem por limite mínimo um mês (artigo 41.º, n.º1, do Código Penal) e máximo 3 anos. Nos termos do disposto no artigo 71.º, n.º 1, do Código Penal, a medida da pena é determinada em função da culpa do agente - que constitui o limite máximo daquela (artigo 40.º, n.º 2, do Código Penal) - e das exigências de prevenção. As exigências de prevenção geral e especial são as supra mencionadas pelo que damos, nesta sede, por integralmente reproduzidos os argumentos aí expendidos. O grau de culpa do arguido é elevado considerando que actuou dolosamente. Não se olvida que o valor dos bens retirados não é excessivamente elevado.
Entende, por isso, o tribunal, que se mostra adequada a aplicação de uma pena de 5 (cinco) meses de prisão.  

DA NÃO SUBSTITUIÇÃO DA PENA DE PRISÃO POR PRESTAÇÃO DE TRABALHO A FAVOR DA COMUNIDADE 
De acordo com o disposto no artigo 58.º, do Código Penal, “1 - Se ao agente dever ser aplicada pena de prisão não superior a dois anos, o tribunal substitui-a por prestação de trabalho a favor da comunidade sempre que concluir, nomeadamente em razão da idade do condenado, que se realizam, por este meio, de forma adequada e suficiente, as finalidades da punição.”. Nos presentes autos, foi decidida a aplicação ao arguido de uma pena de 5 (cinco) meses de prisão. Os pressupostos para a substituição da pena de prisão por prestação de trabalho a favor da comunidade são i) o consentimento do arguido (artigo 58.º, n.º5, do Código Penal) e ii) que o tribunal conclua que a referida substituição satisfaz as necessidades de prevenção geral e especial que no caso se impõem. 
Sem prejuízo da ausência, até ao momento, do consentimento do arguido para o efeito, sempre importa averiguar da verificação, in casu, do pressuposto elencado em ii). 
As exigências de prevenção geral são elevadas atendendo à recorrência com que o crime é praticado e ao bem jurídico tutelado. Acresce que o arguido apresenta inúmeros antecedentes criminais, todos por crimes contra o património, sem que a condenação em sanções crescentemente gravosas tenha obviado ao cometimento dos factos em causa nos presentes autos. Entende pois o tribunal que a substituição da pena de prisão por prestação de trabalho a favor da comunidade já não satisfaz as exigências de prevenção geral e especial que a situação concreta reclama.
 
DA NÃO SUSPENSÃO DA EXECUÇÃO DA PENA DE PRISÃO
Determina o artigo 50.º, n.º1, do Código Penal que “ - O tribunal suspende a execução da pena de prisão aplicada em medida não superior a cinco anos se, atendendo à personalidade do agente, às condições da sua vida, à sua conduta anterior e posterior ao crime e às circunstâncias deste, concluir que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.”. No caso dos autos foi decidida a aplicação, em concreto, de uma pena de prisão pelo período de 5 (cinco) meses. A suspensão da execução da pena de prisão tem subjacente um juízo de prognose favorável relativamente ao comportamento do agente, considerando a sua personalidade e as circunstâncias do facto. No presente caso, o arguido apresenta diversos antecedentes criminais, todos por crimes de furto e roubo, sendo inúmeras as condenações reportadas a este tipo de crime, sem que a condenação em sanções crescentemente gravosas tenha obviado ao cometimento dos factos em causa nos presentes autos. Não se mostra, pois, adequada a suspensão de execução da pena de prisão.
 
DO REGIME DE PERMANÊNCIA NA HABITAÇÃO
Estatui o artigo 43.º, n.º1, do Código Penal, que
1–Sempre que o tribunal concluir que por este meio se realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da execução da pena de prisão e o condenado nisso consentir, são executadas em regime de permanência na habitação, com fiscalização por meios técnicos de controlo à distância:
a)-A pena de prisão efetiva não superior a dois anos;
b)-A pena de prisão efetiva não superior a dois anos resultante do desconto previsto nos artigos 80.º a 82.º;
c)-A pena de prisão não superior a dois anos, em caso de revogação de pena não privativa da liberdade ou de não pagamento da multa previsto no n.º 2 do artigo 45.º
2–O regime de permanência na habitação consiste na obrigação de o condenado permanecer na habitação, com fiscalização por meios técnicos de controlo à distância, pelo tempo de duração da pena de prisão, sem prejuízo das ausências autorizadas.
3–O tribunal pode autorizar as ausências necessárias para a frequência de programas de ressocialização ou para atividade profissional, formação profissional ou estudos do condenado.

4–O tribunal pode subordinar o regime de permanência na habitação ao cumprimento de regras de conduta, suscetíveis de fiscalização pelos serviços de reinserção social e destinadas a promover a reintegração do condenado na sociedade, desde que representem obrigações cujo cumprimento seja razoavelmente de exigir, nomeadamente:
a)-Frequentar certos programas ou atividades;
b)-Cumprir determinadas obrigações;
c)-Sujeitar-se a tratamento médico ou a cura em instituição adequada, obtido o consentimento prévio do condenado;
d)-Não exercer determinadas profissões;
e)-Não contactar, receber ou alojar determinadas pessoas;
f)-Não ter em seu poder objetos especialmente aptos à prática de crimes.

5–Não se aplica a liberdade condicional quando a pena de prisão seja executada em regime de permanência na habitação.”.
Constituem requisitos formais para a aplicação do regime de cumprimento na habitação i) a verificação de qualquer uma das situações previstas nas alíneas do n.º1 do artigo 43.º, do Código Penal e ii) o consentimento do arguido. São requisitos materiais a adequação da pena às finalidades da punição, isto é, só exigências de prevenção geral e especial podem justificar a opção pelo regime de permanência na habitação. Nos presentes autos o tribunal optou pela aplicação de uma pena de 5 (cinco) meses de prisão e o arguido consentiu em cumprir tal pena na habitação com vigilância electrónica. In casu considerando as exigências de prevenção geral e especial supra mencionadas e cujos fundamentos damos por integralmente reproduzidos, e ponderando que o último antecedente criminal praticado pelo arguido data de 2012, encontrando-se o mesmo com uma incapacidade e inserido em termos sociais e familiares, entende o tribunal que o cumprimento da pena de prisão em regime de permanência na habitação realiza de forma adequada as finalidades da punição que a situação concreta reclama, devendo ser fiscalizada por meios técnicos de controlo à distância.
Pelo exposto, mostrando-se preenchidos os requisitos legais, deve o arguido cumprir a pena de 5 (cinco) meses de prisão em regime de permanência na habitação, com recurso a fiscalização por meios técnicos de controlo à distância." (fim de transcrição).

3.– Apreciemos, então, se assiste razão ao recorrente.

3.1.-Como acima dissemos o arguido e ora recorrente MM impugnando a matéria de facto, defende que os factos dados como não provados sob n.ºs 1) e 2) deviam ter sido dados como provados, atentos os documentos que juntou com a sua contestação, e que segundo a defesa não foram objecto de apreciação por parte do tribunal a quo, bem como pugna que devia a sentença ter-se pronunciado e dado como provados os factos alegados nos artigos 5.º, 8.º, 9.º, 11.º e 17.º da contestação, pois tais factos decorrem da prova documental junta aos autos, em concreto dos documentos 3, 4, 5, 6 a 9 e 11 e do requerimento de protecção jurídica juntos com a Contestação, e sobre os quais o tribunal a quo não se pronunciou.
Vejamos.
Em sede de relatório a sentença recorrida mencionou: “O arguido apresentou contestação, não tendo arrolado testemunhas.” e, posteriormente, na sua fundamentação quanto à matéria de facto assente pelo Tribunal a quo [factos declarados provados e não provados], a decisão recorrida, no que concerne a tal motivação refere a dado passo:
No que concerne às condições sócio-económicas do arguido, o tribunal teve em consideração as declarações produzidas pelo mesmo, as quais se revelaram verosímeis atendendo à forma espontânea e clara com que foram produzidas. Atendeu, igualmente, ao teor de fls. 110 a 117. Refira-se que o arguido não mencionou a factualidade descrita em 1) a 3), e do documento de fls. 117 verso não resulta o facto descrito em 2), pelo que tal factualidade não resultou provada.”

Ou seja, pesa embora possa não parecer, os 11 (onze) documentos juntos pelo arguido na sua contestação e o que nela alegou, não deixaram de ser considerados na sentença ora recorrida, se bem que o exame crítico que sobre os mesmos se impunha ter sido explicitado, é algo parco, o que fácil é constatar a este tribunal ad quem ter acontecido.
Ainda assim, afigura-se-nos que a sentença recorrida não padece das nulidades de falta de fundamentação da matéria de facto assente, com indicação e exame crítico das provas, e de omissão de pronúncia, previstas, respectivamente, nas alíneas a) e c), do n.º 1, do art. 379.º, do CPP, que, aliás, não vêm invocadas pelo recorrente, mas sempre seriam de conhecimento oficioso por parte deste tribunal superior.
Antes de avançarmos, impõe-se aqui referir que entendemos que o tribunal de primeira instância está obrigado a resolver as questões concretas suscitadas seja pela acusação (pública e/ou particular do assistente) seja pela defesa na contestação, seja ainda em pedido(s) de indemnização cível deduzido(s) nos autos, caso tenham sido apresentados, mas, no que ora releva, não tem de esgrimir todos os argumentos utilizados pelo arguido naquela peça processual, nem tem de apreciar aquelas questões cujo conhecimento fique prejudicado pela solução dada a outra(s) que as antecedam.
Nesta linha refira-se que o Supremo Tribunal de Justiça tem considerado que tal vício de omissão só ocorre se o tribunal a quo não se tivesse pronunciado de todo sobre as questões, que fazendo parte do thema decidendum, houvessem sido suscitadas pelo arguido MM na sua contestação. A falta de pronúncia sobre um concreto aspecto, motivo ou argumento, em que alegadamente se traduziria a nulidade da sentença de primeira instância, já não respeita ao vício em si. É isso que resulta, por exemplo, do acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 25 de janeiro de 2007, relatado pelo Exmº Senhor Conselheiro Santos Carvalho, no proc.º n.º 3943/06, segundo o qual a ausência de qualquer menção quanto a um argumento não constitui uma omissão de pronúncia, pois a omissão respeita a questão que o tribunal deva conhecer e não a fundamentos. Quanto a estes o tribunal está dispensado de os abordar a todos.

Por sua vez, o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 15 de dezembro de 2011, relatado pelo Exmº Senhor Conselheiro Raúl Borges, no processo n.º 17/09.0TELSB.L1.S1, na esteira do que este Preclaro Juiz, já havia decidido em 20 de outubro de 2010 no processo n.º 845/096.JDLSB, ambos disponíveis em www.dgsi.pt, refere: "V - Como uniformemente tem sido entendido no STJ, a omissão de pronúncia só se verifica quando o juiz deixa de se pronunciar sobre questões que lhe foram submetidas pelas partes e que como tal tem de abordar e resolver, ou de que deve conhecer oficiosamente, entendendo-se por questões os dissídios ou problemas concretos a decidir e não as razões, no sentido de simples argumentos, opiniões, motivos, ou doutrinas expendidos pelos interessados na apresentação das respectivas posições, na defesa das teses em presença. VI - A pronúncia cuja omissão determina a consequência prevista no art. 379.º, n.º 1, al. c), do CPP – a nulidade da sentença – deve incidir sobre problemas, os concretos problemas, as questões específicas sobre que é chamado a pronunciar-se o tribunal (o thema decidendum), e não sobre motivos ou argumentos; é referida ao concreto objecto que é submetido à cognição do tribunal e não aos motivos ou razões alegadas." (cfr. a abundante resenha jurisprudencial feita neste acórdão; posição reiterada posteriormente noutros arestos daquela mais alta instância, designadamente, nos processos nºs 131/11.1YFLSB e 2965/06.0TBLLE, em, respetivamente, 9 de fevereiro e 24 de outubro de 2012, tendo por relatores os Exmºs Senhores Conselheiros Oliveira Mendes e Santos Cabral, acórdãos igualmente consultáveis em www.dgsi.pt).

O recorrente alega, como vimos, que a sentença recorrida não se debruçou, nomeadamente, sobre a matéria factual vertida nos artigos 5.º, 8.º, 9.º, 11.º e 17.º da contestação e sobre o constante nos documentos 3, 4, 5, 6 a 9 e 11 e do requerimento de protecção jurídica juntos com a Contestação.

Contudo, não tem razão o recorrente, embora a tenha quanto a deverem ser dados como provados parte dos factos que não o foram, bem como outros por si alegados na sua Contestação.
Mas para que fique claro o que dizemos – e para o que mais adiante importa ser apreciado –, este tribunal superior passa a transcrever na íntegra o articulado da contestação, que, constante na referência Citius n.º 17078874, é do seguinte teor:
“CONTESTAÇÃO
O que faz nos seguintes termos:
1º-
O Arguido vem acusado da prática, em autoria material e na forma consumada, de um crime de furto simples, p. e p. pelo artigo 203.º, n.º 1 do Código Penal.
2º-
O Arguido oferece o mérito das suas declarações em sede de audiência de julgamento.
3º-
O Arguido invoca tudo o que for provado em sede de audiência de julgamento que lhe for favorável.
4º-
Quanto às suas circunstâncias pessoais o Arguido recebe uma pensão mensal de €273,39, conforme cheques que se juntam como Docs. 1 e 2.
5º-
Vive com a sua mãe, numa casa arrendada pela sua mãe uma vez que o Arguido não dispõe de bens imóveis próprios nem tem capacidade financeira para suportar sozinho a renda de uma casa, sendo o valor da renda suportado integralmente pela sua mãe, conforme recibo de renda que se junta como Doc. 3.

A sua mãe é uma pessoa de idade avançada com 81 anos, acamada, que tem necessidade de acompanhamento e assistência do Arguido.

O Arguido não se consegue sustentar sozinho com a pensão mensal que recebe pelo que depende da ajuda financeira da sua mãe que recebe uma pensão de aproximadamente €549,00.

O Arguido tem uma situação de saúde muito fragilizada, sendo doente crónico pulmonar e tendo sido sujeito a um transplante pulmonar recentemente, com graves complicações pós-cirúrgicas, das quais resultaram danos permanentes para a sua saúde, conforme relatório de consulta e nota de alta que se juntam como Docs. 4 e 5.

De facto, o Arguido toma actualmente, mais de 10 comprimidos por dia para conseguir ter a sua débil situação de saúde minimamente equilibrada, conforme lista de medicamentos e receitas que se juntam como Doc. 6 a 9.
10º
O Arguido tem um grau de incapacidade definitiva de 90% desde 12/12/2018 - conforme atestado médico de incapacidade multiuso que se junta como Doc. 10.
11º
Acresce que o Arguido luta há vários anos com problemas de toxicodependência e de alcoolismo, incluindo no ano da prática dos factos, tendo iniciado e mantido um tratamento no CRI – Lisboa xxx – E.T. de xxx de Lisboa no período compreendido entre 04 de Julho de 2014 a 13 de Abril de 2020 com medicação para a abstinência (programa de substituição de metadona) que ainda não terminou por ter sido forçado a interromper em virtude do transplante pulmonar a que foi sujeito,– conforme declaração da referida entidade que se junta como Doc. 11.
12º
Actualmente, o Arguido continua a fazer a terapêutica de substituição de metadona, por indicação dos técnicos da referida instituição.
13º
À data da prática dos factos de que vem acusado o Arguido ainda consumia álcool com regularidade e em doses excessivas há vários anos e sofria de uma grave dependência alcoólica.
14º
Sendo que muitas vezes praticava actos sob a influência de álcool e com o único intuito de satisfazer a sua dependência alcoólica.
15º
Quando pratica tais actos sob influência do álcool o Arguido actuava com uma capacidade reduzida de avaliar e compreender os factos por si praticados.
16º
No entanto, o Arguido tem procurado manter uma conduta de abstinência do consumo de álcool e tem seguido todas as indicações que a equipa do CRI – Lisboa xxx – E.T. de Xxx de Lisboa lhe tem dado durante o período em que teve de suspender o tratamento devido ao transplante pulmonar e às complicações de saúde que sofreu após o mesmo.
17º
Desde a data da prática dos factos o Arguido não voltou a praticar quaisquer factos relacionados com o tipo de ilícito objecto dos presentes autos e tem procurado manter uma postura responsável e essencialmente focada na recuperação da sua saúde e da sua dependência.
PROVA:
Documental:
i-Toda a prova documental constante dos autos;
ii-11 (onze) documentos.
iii-Comprovativo da entrega do requerimento de protecção jurídica na modalidade de dispensa de pagamento de taxa de justiça e demais encargos com o processo e de pagamento de compensação de defensor oficioso.
P.E.D.
A Defensora Oficiosa” (fim de transcrição).

Atentemos então sobre se a decisão recorrida não se pronunciou sobre o articulado em 5.º, 8.º, 9.º, 11.º e 17.º da contestação.
Em 5.º da contestação do arguido, recordemo-lo, este articulou: “Vive com a sua mãe, numa casa arrendada pela sua mãe uma vez que o Arguido não dispõe de bens imóveis próprios nem tem capacidade financeira para suportar sozinho a renda de uma casa, sendo o valor da renda suportado integralmente pela sua mãe, conforme recibo de renda que se junta como Doc. 3”.

De tal documento, referente à renda de janeiro/fevereiro de 2020 e emitido em nome de BB (mãe do arguido), retira-se apenas que esta importava em quarenta e nove euros mensais.

E o tribunal a quo, na sentença proferida em 20 de maio de 2021, deu por assente sob alínea K) que “O arguido reside sozinho em habitação arrendada, suportando, mensalmente, a título de renda, a quantia de €49,50.” [depois de também ter dado como provado que “I) O arguido é divorciado e não tem companheira. J)- O arguido tem dois filhos, com 34 e 37 anos de idades, os quais são financeiramente independentes.”] e mais não podia dar por provado, pois como o próprio recorrente afirma na sua conclusão Q do recurso: “Após o falecimento da sua mãe, durante a pendência do processo, o Arguido, ora Recorrente passou a suportar a renda da casa sozinho, apenas tendo sido capaz de o fazer porque o valor da renda é significativamente reduzido face aos valores de mercado habitualmente praticados”, logo, perante o decesso da progenitora, a sentença nunca poderia dar por assente que o arguido “Vive com a sua mãe”.

Destarte, não deixou a decisão revidenda de se pronunciar, e em termos que não nos merecem reparo, sob o articulado em 5.º da contestação ao arguido.

Em 8.º da contestação do arguido, recordemo-lo, este articulou: “O Arguido tem uma situação de saúde muito fragilizada, sendo doente crónico pulmonar e tendo sido sujeito a um transplante pulmonar recentemente, com graves complicações pós-cirúrgicas, das quais resultaram danos permanentes para a sua saúde, conforme relatório de consulta e nota de alta que se juntam comoDocs. 4 e 5.”.
De tais documentos, bem como do “atestado médico de incapacidade multiuso”, junto como Doc. 10 com a contestação, retira-se o que efectivamente o tribunal a quo, na sentença proferida em 20 de maio de 2021, deu por assente, sob alínea H), que “O arguido foi sujeito a um transplante pulmonar.”, e sob alínea G), “O arguido é reformado sofrendo de uma incapacidade permanente global de 90%, auferindo, mensalmente, a título de pensão de reforma, a quantia de €284,10.”
Destarte, não deixou a decisão revidenda de se pronunciar, e em termos que não nos merecem reparo, sob o articulado em 8.º da contestação ao arguido.

Em 9.º da contestação do arguido, recordemo-lo, este articulou: “De facto, o Arguido toma actualmente, mais de 10 comprimidos por dia para conseguir ter a sua débil situação de saúde minimamente equilibrada, conforme lista de medicamentos e receitas que se juntam como Doc. 6 a 9.”.
De tais documentos e respectivas datas de emissão (duas Guias de tratamento das prescrições emitidas, por médica do CH.L.C.H.STA MARTA-CEXT, sendo uma datada de 29 de março de 2020 e a outra de 18 de junho de 2020, e duas folhas, impressas e de origem desconhecida, em que figuram as datas de “08-05-2020” e “18-06-2020”, com os medicamentos e dose diárias a serem tomados pelo arguido) retira-se apenas que assim sucedia na primeira metade do ano de 2020 (não 10 comprimidos, mas mais concretamente 10 tomas de medicamentos diária, já que alguns medicamentos tinham mais do que uma toma diária e outros não se apresentavam sob a forma de comprimidos), sendo que a sentença é lavrada em 20 de maio de 2021, não tendo o tribunal a quo como aferir se tal medicação se mantinha no momento em que a proferiu, pelo deu como não provado sob ponto 1) que “Que o arguido tome 10 comprimidos diários para manter equilibrada a sua situação de saúde.”, o que não nos merece reparo, sendo de manter.

Em 11.º da contestação do arguido, recordemo-lo, este articulou: “Acresce que o Arguido luta há vários anos com problemas de toxicodependência e de alcoolismo, incluindo no ano da prática dos factos, tendo iniciado e mantido um tratamento no CRI – Lisboa xxx – E.T. de xxx de Lisboa no período compreendido entre 04 de Julho de 2014 a 13 de Abril de 2020 com medicação para a abstinência (programa de substituição de metadona) que ainda não terminou por ter sido forçado a interromper em virtude do transplante pulmonar a que foi sujeito – conforme declaração da referida entidade que se junta como Doc. 11.”.
E que “consumia álcool com regularidade e em doses excessivas há vários anos e sofria de uma grave dependência alcoólica” é algo que volta a aludir a artigos 13.º, 14.º, 15.º e 16.º, da contestação do arguido, como resulta da transcrição daquela peça processual que acima deixámos feita.
Em tal documento n.º 11, datado de 3 de julho de 2020 e emitido pelo CRI – Lisboa xxx – E.T. de xxx de Lisboa, consta “Informação médica Declaro, a pedido do utente que o Sr. MM, portador do CC 0......4 esteve integrado em Programa de Substituição de Metadona nesta Instituição de 4/Julho 2014 a 13 Abril 2020”.
Nesse documento, tal como em nenhum outro oferecido pelo arguido na contestação, constam ou ressaltam qualquer problema de alcoolismo, passado ou presente.
No entanto, quer nesse documento quer noutros é patente a sua pretérita e já ultrapassada toxicodependência a estupefacientes, só assim se compreendendo ter estado integrado num Programa de Substituição de Metadona durante seis anos.
Com efeito, consta também no documento n.º 4 oferecido com contestação, tratando-se de “Nota de alta” do Serviço de HSM-Pneumologia xxx do Centro Hospitalar Universitário Lisboa Central, EPE, que o arguido foi ali internado a 4 de fevereiro de 2020, para realização de “broncoscopia rígida a 05/02”, tendo a alta administrativa e alta médica a 6 de fevereiro de 2020, que MM foi “Submetido a transplante pulmonar”, bem como que ficou “Agendada nova intervenção para 14/02” e ainda: “Comorbilidades: ex-toxicodependente sob metadona”.
Igualmente consta no documento n.º 5 também oferecido com contestação, tratando-se do “Relatório de Consulta”, de 31/01/2020, da médica de Família do Centro de Saúde de xxx do Centro Hospitalar Universitário Lisboa Central, para além da sua problemática pulmonar que é “-Ex-UDEV sob metadona (15 mL) – Sindrome ansioso”, sendo que “UDEV” significa inequivocamente utilizador de drogas endovenosas.
O tribunal a quo, na sentença proferida em 20 de maio de 2021, deu como não provado, sob ponto 2), “Que o arguido padeça, há vários anos, de toxicodependência e alcoolismo.”
Quanto ao alcoolismo bem, mas já quanto há toxicodependência melhor teria sido que se tivesse dado como provado, com base naqueles três documentos, que “O arguido é ex-toxicodependente de drogas endovenosas, tendo estado integrado de 4 de julho 2014 a 13 Abril 2020 em Programa de Substituição de Metadona no CRI – Lisboa xxx – E.T. de xxx de Lisboa.”.
Pelo exposto, decide este tribunal ad quem, aditar tal facto aos factos provados, passando a sê-lo sob alínea Q), e alterar a redacção do facto não provado sob n.º 2, que passa a ser a seguinte: “Que o arguido padeça, há vários anos, de alcoolismo.”

Em 17.º da contestação do arguido, recordemo-lo, este articulou: “Desde a data da prática dos factos o Arguido não voltou a praticar quaisquer factos relacionados com o tipo de ilícito objecto dos presentes autos e tem procurado manter uma postura responsável e essencialmente focada na recuperação da sua saúde e da sua dependência.”.

Tratam-se de meros juízos conclusivos, que só na primeira parte se pode retirar ser verdade, perante o teor do seu certificado de registo criminal.
Ora, que o arguido MM não voltou a praticar quaisquer factos relacionados com o tipo de ilícito objecto dos presentes autos e tem procurado manter uma postura responsável é o que resulta do que se deu como provado em matéria dos seus antecedentes criminais sob alíneas M), N), O) e P). E mais não podia ser dado como provado, se bem que em sede de fundamentação, depois se tivesse consignado, e bem, perante vária da factualidade provada, “encontrando-se o mesmo com uma incapacidade e inserido em termos sociais e familiares”.
Destarte, não deixou a decisão revidenda de se pronunciar, e em termos que não nos merecem reparo, sob o articulado em 17.º da contestação ao arguido.
Quanto ao mais alegado, salvo melhor opinião, é matéria irrelevante e excrescente, que nem releva nem deve ser considerada matéria do thema probandum, por não ser determinante para a apreciação das concretas circunstâncias fácticas, nem para a fixação da pena.
Procede, assim, parcialmente o recurso neste seu segmento.

3.2.Vejamos agora se, como defende o recorrente MM, dever-se-ia ter optado pela pena de multa em vez da de prisão e se é justa a pena fixada.
Segundo o n.º 1 do art. 71.º do Código Penal (doravante CP), «a determinação da medida da pena, dentro dos limites definidos na lei, é feita em função da culpa do agente e das exigências de prevenção». Por sua vez, dispõem os nºs 1 e 2 do art. 40.º do CP que «a aplicação de penas visa a proteção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade; em caso algum a pena pode ultrapassar a medida da culpa» - já que o processo de determinação da pena é (e só pode ser) um puro derivado da posição tomada pelo ordenamento jurídico-penal em matéria de sentido, limites e finalidades da aplicação das penas. Na determinação da medida da pena, o requisito legal de que sejam levadas em conta as exigências de prevenção satisfaz a necessidade comunitária de punir o crime e, consequentemente, de realizar as finalidades da pena; o requisito legal de que seja considerada a culpa do agente satisfaz a exigência de que a vertente pessoal do crime, decorrente do respeito pela dignidade da pessoa do agente da prática do crime, limite as exigências de prevenção.
Os fins das penas têm sido equacionados a partir de um objetivo essencial: a redução ou prevenção da criminalidade. Na concretização deste objetivo identificamos a prevenção geral e a prevenção especial. A primeira na perspetiva da intimidação coletiva, a segunda na perspetiva da intimidação individual, isto é, de prevenção da reincidência.
Com a determinação que sejam tomadas em consideração as exigências de prevenção geral procura dar-se satisfação à necessidade comunitária de punição do caso concreto, tendo-se em conta, de igual modo, a premência da tutela dos respetivos bens jurídicos. E com o recurso à vertente da prevenção especial almeja-se satisfazer as exigências da socialização do agente, com vista à sua reintegração na comunidade (Ac. do S.T.J. de 4-7-1996, Col. de Jur.- Acs. do S.T.J., ano IV, tomo 2, pág. 225).
A defesa da ordem jurídico-penal, tal como é interiorizada pela consciência coletiva (prevenção geral positiva ou de integração), é a finalidade primeira, que se prossegue, no quadro da moldura penal abstrata, entre o mínimo em concreto imprescindível à estabilização das expectativas comunitárias na validade da norma violada e o máximo que a culpa do agente consente: entre esses limites, satisfazem-se, quanto possível, as necessidades da prevenção especial positiva ou de socialização (Ac. do S.T.J. de 15-10-1997, Proc.º n.º 589/97, 3ª secção). É também esta, em síntese, a lição do Prof. Figueiredo Dias quer em “O Código Penal Português de 1982 e a sua reforma”, in Revista Portuguesa de Ciência Criminal, Ano 3, Fasc. 2-4, Dezembro de 1993, págs. 186-187, quer em Direito Penal Português, pág. 198, bem como de Robalo Cordeiro em Escolha e Medida da Pena, em Jornadas de Direito Criminal, pag. 269 e ainda de Manso Preto, em Moldura Penal Abstracta, Pena Concreta, Escolha da Pena, pág. 162.
"A pena deve ser medida basicamente de acordo com a necessidade de tutela de bens jurídicos que se exprime no caso concreto...alcançando-se mediante a estabilização das expectativas comunitárias na validade da norma jurídica violada... É, pois, o próprio conceito de prevenção geral de que se parte que justifica que se fale aqui de uma «moldura» de pena. Esta terá certamente um limite definido pela medida de pena que a comunidade entende necessária à tutela das suas expectativas na validade das normas jurídicas: o limite máximo da pena. Que constituirá, do mesmo passo, o ponto óptimo de realização das necessidades preventivas da comunidade. Mas, abaixo desta medida de pena, outras haverá que a comunidade entende que são ainda suficientes para proteger as suas expectativas na validade das normas - até ao que considere que é o limite do necessário para assegurar a protecção dessas expectativas. Aqui residirá o limite mínimo da pena que visa assegurar a finalidade de prevenção geral; definido, pois, em concreto, pelo absolutamente imprescindível para se realizar essa finalidade de prevenção geral e que pode entender-se sob a forma de defesa da ordem jurídica" (Anabela Miranda Rodrigues, in "A Determinação da Medida da Pena Privativa de Liberdade", Coimbra Editora, pág. 570-571)
Modernamente, da prevenção especial decorre ainda aquilo que se pode designar de reforma e que consiste na ressocialização do delinquente.
Este fim de ressocialização do delinquente vai para além da prevenção da reincidência, tal como esta tem sido classicamente entendida. Pretende-se que o delinquente não reincida não por recear sofrer numa reação criminal, mas porque não tem necessidade de cometer o crime, uma vez que pode levar uma vida ética e socialmente não reprovável. E é deste quid que emerge o conceito de reinserção social (Relatório do Provedor de Justiça apresentado à Assembleia da República, 2007, pág. 20).
Com efeito, tendo em vista o assinalável desajustamento que se verificava entre as finalidades político-criminais subjacentes ao Código Penal de 1982 e a experiência resultante da sua aplicação prática, o legislador, com a revisão operada em 1995 quis afirmar, expressamente, no artigo 40.º, então introduzido, como proposições basilares do programa político-criminal: que o direito penal é um direito vinculado à tutela de bens jurídicos; que a culpa é tão-só limite da pena; que a intervenção penal tem como finalidade a "proteção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade".
Foi reafirmado, igualmente, o princípio da ultima ratio da pena de prisão, valorizando-se o papel da multa como pena principal e alargando-se o âmbito de aplicação das penas de substituição.
Na exposição de motivos da proposta de Lei 98/X (que está na origem da revisão de 2007) podemos ler que a revisão procura "fortalecer a defesa dos bens jurídicos, sem nunca esquecer que o direito penal constitui a ultima ratio da política criminal do Estado", indicando-se, entre as principais orientações da revisão, "a diversificação das sanções não privativas da liberdade, para adequar as penas aos crimes, promover a reintegração social dos condenados e evitar a reincidência".

Versando sobre este tema, Adelino Robalo Cordeiro disse nas Jornadas de Direito Criminal, (Centro de Estudos Judiciários, Lisboa, 1998, pág. 48):
O critério geral que preside à escolha da pena (artigo 70.º) e bem assim os critérios particulares a que obedece a aplicação (escolha) das penas de substituição, assentam no pressuposto comum, clara e repetidamente explicitado na redacção introduzida pela Revisão, de que a pena escolhida há-de realizar de forma adequada e suficiente as finalidades da punição, tal como agora definidas no artigo 40.º, n.º 1: a protecção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade, vale dizer, as exigências de prevenção geral positiva e de prevenção especial de socialização.
São, portanto, puras razões ou exigências de prevenção que dominam a operação de escolha da pena, portanto a aplicação das penas de substituição: a culpa esgotou as suas virtualidades na determinação da pena principal.”.

Dentro dos limites estabelecidos no tipo legal, a determinação da medida da pena faz-se em função da culpa do arguido e as exigências de prevenção (art. 71.º, n.º 1, e 40.º, n.ºs 1 e 2, ambos do CP), havendo que atender a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, depuserem a favor ou contra o arguido considerando, nomeadamente, os fatores de determinação da pena a que se referem as várias alíneas do n.º 2 do art. 71.º do CP.

A determinação da medida concreta da pena há-de efectuar-se em função da culpa do agente (relevando o ilícito típico, através desta) e das exigências de prevenção, quer a prevenção geral positiva ou de integração (proteção de bens jurídicos), quer a prevenção especial (reintegração do agente na sociedade) - art. 40.º, n.º 1, do CP -, funcionando a culpa como limite máximo que aquela pena não pode ultrapassar (n.º 2 deste art. 40.º). As circunstâncias referidas no n.º 2 do art. 71.º do CP constituem os itens a que deve atender-se para a fixação concreta da pena e atuam dentro dos limites da moldura penal abstrata, sem se partir de qualquer ponto determinado dessa moldura. São essas circunstâncias e outras que tenham igual relevância do ponto de vista da culpa e da prevenção, porque a enumeração legal é exemplificativa, que vão determinar a medida concreta da pena, a qual há-de satisfazer as necessidades de tutela jurídica do bem jurídico violado e as exigências de reinserção social do agente. A medida da tutela dos bens jurídicos, correspondente à finalidade de prevenção geral positiva ou de integração, é referenciada por um ponto ótimo, consentido pela culpa, e por um ponto mínimo que ainda seja suportável pela necessidade comunitária de afirmar a validade da norma ou a valência dos bens jurídicos violados com a prática do crime, entre esses limites se devendo satisfazer, quanto possível, as necessidades de prevenção especial positiva ou de socialização, às quais cabe, em última análise, a função de determinação da medida da pena dentro dos limites assinalados - cf. Figueiredo Dias, Direito Penal Português, As Consequências Jurídicas do Crime, p. 227 e ss.

Lembre-se ainda que, como se expendeu no Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, de 15 de janeiro de 2014, proferido no processo 24/13 e consultável na JusNet, "A multa, como autêntica pena criminal que é, não pode deixar de realizar plenamente as finalidades da punição, em particular a finalidade de prevenção geral positiva. Por isso, sempre com respeito pelo limite imposto pela medida da culpa, não podem ser aplicadas multas leves, quase insignificantes (e frequentemente pagas em suaves prestações) ou que, verdadeiramente, não representem um sacrifício para o condenado, pois de contrário serão vistas como uma absolvição disfarçada ou uma dispensa de pena.
Uma pena de multa que seja meramente simbólica é, irremediavelmente, afectada na sua eficácia preventiva, não atingindo sequer o nível mínimo da verdadeira advertência penal. Dizendo de outro modo, a pena de multa, para ter eficácia dissuasora, tem de pesar e constituir um verdadeiro sacrifício para quem a sofre."

Ou seja, se é certo que com a aplicação da pena de multa não se visa um qualquer confisco que coloque o arguido na dificuldade de fazer face às despesas de subsistência (ex. alimentação, vestuário, saúde, etc.), é igualmente certo que a multa não deve ser tão branda que não envolva um phatos, um efectivo sofrimento provocado pela pena. Neste sentido, veja-se o expendido no Acórdão da Relação de Évora de 20 de janeiro de 2004, publicado em www.dgsi.pt: "a multa deve, pois, traduzir-se num encargo sensível não podendo converter-se num negócio cómodo para o condenado".

No que respeita ao crime de furto simples, previsto e punido pelo artigo 203.º, n.º 1, do Código Penal, a alternativa entre pena privativa ou não da liberdade coloca-se, porquanto a norma estabelece a opção entre prisão até 3 anos ou multa.

Tal como o tribunal a quo também considera este tribunal ad quem que in casu as exigências de prevenção especial revelam-se elevadas porquanto o arguido apresenta antecedentes criminais, todos por delitos contra o património (furto e roubo), tendo iniciado o seu percurso criminoso no ano de 1983, perdurando o mesmo até à 2018, sem que a condenação em sanções crescentemente gravosas, que incluíram penas privativas da liberdade, tenha constituído contra motivação apta a evitar o cometimento do delito sub judice. A decisão condenatória mais recente data de Junho de 2014, reportando-se a mesma a ilícito de furto. Pelo que, considerando os factores supra mencionados, considerou, e bem, o tribunal de primeira instância que as finalidades da punição não ficam suficientemente realizadas com a aplicação, no caso concreto, de uma pena de multa, optando-se pela aplicação de sanção privativa da liberdade. Assim, não lançando mão da opção preferencial a que alude o art. 70.º do Código Penal.

Na realidade, recorde-se que, como se deu por provado sob alíneas M), N), O) e P), em matéria dos seus antecedentes criminais, o arguido foi condenado, em 23/02/1987, pela prática, em 21/05/1983, de crime de roubo, previsto e punido pelos artigos 306.º, n.º3, alíneas a) e b), e n.º5, 297.º, n.º2, alíneas c) e h), 27.º, n.º1 e n.º2, 74.º, n.º1, alínea b), todos do Código Penal, numa pena de 6 anos de prisão, tendo sido perdoados dois anos de prisão. Bem como, arguido foi condenado, em 10/10/1991, pela prática, em 06/06/1990, de um crime de roubo, previsto e punido pelo artigo 210.º, do Código Penal, numa pena de 6 anos de prisão. Tendo sido também foi condenado, em 23/11/2011, pela prática, em 12/03/2010, de três crimes de furto simples, previstos e punidos pelo artigo 203.º, do Código Penal, numa pena única de 250 dias de multa. E ainda condenado, em 24/06/2014, pela prática, em 28/08/2012, de um crime de furto simples em supermercado, previsto e punido pelo artigo 203.º, n.º1, do Código Penal, numa pena de 80 dias de multa.

Tendo presente todo o circunstancialismo dado como provado na decisão recorrida, o elevado grau de culpa do arguido MM, que atuou com a forma de dolo mais intenso (directo), a também não despicienda ilicitude, enquanto desvalor da acção, aferida pelo tipo de conduta apurada, a ausência de confissão da prática dos factos relativos a este crime (“em audiência de discussão e julgamento. O arguido exerceu o direito ao silêncio sobre os factos constantes da acusação.”), em consequência do que não mostrou arrependimento, a sua demais apurada personalidade, as elevadas necessidades de prevenção geral, a necessidade de prevenção especial que é in casu muito alta, atentos os seus registados antecedentes criminais, militando apenas a seu favor ser reformado, ser pessoa doente, sofrendo de uma incapacidade permanente global de 90%, e estar inserido em termos sociais e familiares, sendo que conta presentemente 64 anos de idade (nasceu em 18 de abril de 1957), e, finalmente, face à moldura abstrata prevista (pena a fixar até 3 anos de prisão), tudo circunstâncias devidamente considerados na decisão recorrida, parece-nos como perfeitamente adequada, por justa e proporcional, a medida da pena fixada ao arguido em 5 (cinco) meses de prisão, pena essa que, moldada segundo o rigor de compreensão dos factores de ponderação, está inteiramente ajustada, não violando o princípio da proporcionalidade (proibição de excesso), consagrado no n.º 2 do artigo 18.º da CRP, nem os subprincípios, em que aquele se desdobra, da necessidade (ou exigibilidade), da adequação e da racionalidade (ou da justa medida), sendo, por isso, de manter.

3.3.Vejamos, finalmente, se a pena de 5 (cinco) meses de prisão, a cumprir em regime de permanência na habitação com recurso a fiscalização, deve ser substituída por prestação de trabalho a favor da comunidade, nos termos do artigo 58.º do Código Penal, ou caso assim não se entenda, ser suspensa na sua execução, ao abrigo do artigo 50.º do Código Penal.
Como se sabe, de acordo com a lei – artigo 58.º, n.º 1, do Código Penal – a pena de prisão de medida não superior a 2 anos pode [e deve] ser substituída por prestação de trabalho a favor da comunidade "sempre que [o tribunal] concluir, nomeadamente em razão da idade do condenado, que se realizam, por este meio, de forma adequada e suficiente, as finalidades da punição.”
Trata-se de um poder-dever que vincula o tribunal a apreciar a aplicação desta medida sempre que se mostrem preenchidos os pressupostos legais da sua admissão - vd. acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 21 de Junho de 2007 [Relator: Cons. Rodrigues da Costa] (JusNet 4585/2007), Colectânea de Jurisprudência - Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça, tomo II, p. 228.

Considerada como uma das mais importante medidas de político-criminal dos últimos decénios no domínio sancionatório [como realçou Maia Gonçalves na revisão do Código Penal de 95, in Cód. Penal Anotado, 15ª ed., p. 215, em anotação ao artigo 58.º: "A comissão revisora propôs um expressivo alargamento dos pressupostos da medida de prestação de trabalho a favor da comunidade, atendendo à ideia de que se trata porventura da mais importante descoberta político-criminal dos últimos decénios no domínio sancionatório e que esta pena é a única das penas que não tem carácter estritamente pessoal-negativo mas assume cariz social-positivo"] e recomendada pelas mais altas instâncias [v.g. as recomendações e resoluções do Conselho da Europa e Regras Mínimas das Nações Unidas para a Elaboração de Medidas não Privativas de Liberdade (Regras de Tóquio) adotadas pela Assembleia Geral das Nações Unidas na sua resolução 45/110, de 14 de Dezembro de 1990 - com menção expressa à imposição de prestação de serviços à comunidade no ponto 8.2.i)], a prestação de trabalho a favor da comunidade concita elevadas expectativas na progressiva afirmação das medidas não institucionais como fórmulas punitivas indispensáveis à eficácia do sistema penal.

A prestação de trabalho a favor da comunidade evita a execução de penas de prisão de curta duração [mesmo que em regime de dias livres] e promove a assimilação da censura do ato ilícito mediante a construção de um trabalho socialmente positivo, a favor da comunidade, assente na adesão do próprio arguido. Ao mesmo tempo que apela a um forte sentido de coresponsabilização social e de reparação simbólica.

O nosso ordenamento jurídico-penal prevê outras penas de substituição e cada pena de substituição tem o seu próprio conteúdo político-criminal e o seu próprio campo de aplicação.
A ideia e a filosofia de aplicação de penas de substituição pelas de prisão, sobretudo de penas curtas de prisão, é largamente defendida e fundamentada pelo Prof. Figueiredo Dias in Direito Penal Português - As Consequências Jurídicas do Crime, Editorial Notícias, Lisboa, 1993.

Não pretendemos transportar ou transferir para este acórdão a riquíssima obra deste autor, mas a mesma contém passagens que, de tão relevantes e oportunas para o caso, não deixaremos de aqui as assinalar:
Fls. 50: "Como matrizes comuns a todo este movimento devem, entre outras, salientar-se as seguintes: restrição do âmbito e da frequência de aplicação das penas privativas da liberdade; luta decidida contra as penas de prisão de curta duração, conducente à sua substituição, na generalidade ou mesmo na totalidade dos casos, por penas não detentivas ou não institucionais; enriquecimento da panóplia e aumento sensível do campo e da frequência da aplicação das penas não detentivas, em particular da pena de multa; tentativa de limitar, por todos os meios, o efeito estigmatizante - e consequentemente criminógeno -, das reacções criminais, sem por isso frustrar as expectativas sociais que subjazem às normas violadas";
Fls. 51: "O movimento de reforma do direito penal português, que culminou com a entrada em vigor do novo Código Penal em 1 de Janeiro de 1983, participou a justo título e desde a primeira hora...das características mais marcantes do movimento de reforma internacional que acabámos de caracterizar".

Fls. 74/75, a propósito dos princípios de política criminal europeia comum, princípio da preferência pelas reações penais não detentivas: "Deste princípio - entre nós posto, desde há muito, em particular relevo por Eduardo Correia -, resulta, por um lado, a exigência de preterição da aplicação da pena de prisão em favor de penas não detentivas, sempre que estas se revelem suficientes, in casu, para realização das finalidades da punição. Deriva, por outro lado, a obrigação para o legislador de enriquecer, até ao limite possível, a panóplia das alternativas à prisão postas à disposição do julgador; e na verdade, de alternativas que não se esgotem, do lado de quem as cumpre, num sofrimento passivo da pena, mas possam representar uma prestação activa em favor da comunidade".

Fls. 378, já a propósito dos pressupostos de aplicação da nossa lei positiva: "Pressuposto material de aplicação da pena de prestação de trabalho a favor da comunidade é, uma vez mais, que ela se revele adequada e suficiente à realização das finalidades da punição; que ela se revele, já o sabemos, susceptível de, no caso, facilitar - e, no limite, alcançar - a socialização do condenado, sem se mostrar incompatível com as exigências mínimas de prevenção de integração, sob a forma de tutela do ordenamento jurídico".

Com efeito, para além do papel activo do condenado, chama também a comunidade, ao fornecer o trabalho, a participar no restabelecimento da paz jurídica, vendo ainda aliviado o erário público dos encargos inerentes ao cumprimento da pena de prisão.
Postos todos estes considerandos de ordem geral, doutrinal e jurisprudencial sobre as penas de substituição e concretamente sobre a pena de prestação de trabalho a favor da comunidade, cumpre apreciar se in casu é adequada a sua aplicação ao recorrente arguido.

Nos termos do art. 58.º, do Código Penal, são pressupostos de aplicação desta pena, do ponto de vista formal, que a pena de prisão não seja superior a dois anos e, do ponto de vista material, que realize de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.

Ambos os pressupostos se verificam in casu uma vez que, por um lado, o recorrente MM foi condenado a cinco meses de prisão, e, por outro lado, se com as duas anteriores condenações por furto o recorrente pagou as multas e nada mais sentiu, para além do esforço de as pagar, e noutras duas anteriores condenações, por crimes de roubo, sofreu penas de prisão efectivas, tendo voltado a delinquir, com a prestação de trabalho a favor da comunidade o recorrente poderia vir sentir de perto, o carácter punitivo desta pena: o recorrente sentiria a perda, durante o período de duração da pena, do seu tempo livre, em que poderia ou lhe apeteceria fazer outra atividade, mas tudo acontecendo sem privar o recorrente da liberdade de se manter integrado no seu meio social.
Neste mesmo sentido, vejam-se, entre outros, os acórdãos do Tribunal da Relação do Porto, de 14 de Julho de 2008, processo 0842309 Porto, e de 14 de Março de 2007, processo 0616227, ambos consultáveis em JusNet.
Contudo, o art. 58.º, do Código Penal, também coloca como factor a ponderar na substituição da pena de prisão de medida não superior a 2 anos por prestação de trabalho a favor da comunidade a idade do condenado, pois recorde-se que o preceito consagra: "sempre que [o tribunal] concluir, nomeadamente em razão da idade do condenado, que se realizam, por este meio, de forma adequada e suficiente, as finalidades da punição.” (transcrição com negrito e sublinhado nosso).

Ora, tendo MM 64 anos de idade, acrescendo ser doente crónico (tem vários problemas de saúde, mormente DPOC) e sofrer de uma incapacidade física permanente global de 90% para a sua vida, nomeadamente para trabalhar, estando, por isso já reformado, afigura-se a este tribunal ad quem não ser adequado sujeitar o ora condenado a prestação de trabalho a favor da comunidade, ainda por cima quando tal pena teria de ter a duração de 150 (cento e cinquenta) horas, visto o disposto no art. 58.º, n.º 3, do Código Penal.
Contudo, manter, confirmando, que a pena de 5 (cinco) meses de prisão em que foi condenado o arguido MM, seria para cumprir em regime de permanência na habitação, com recurso a fiscalização por meios técnicos de controlo à distância, também não se nos afigura adequado, em parte pelas mesmas razões com que afastámos a de prestação de trabalho a favor da comunidade, a que acresce a circunstância de não vislumbrarmos como é que seria justo e exequível ficar em casa sozinho (como provado, é divorciado, não tem companheira e reside sozinho), sem ninguém por perto para dele cuidar, por cinco meses, com a suas mencionadas limitações físicas e também económicas, pois contando apenas de rendimento com uma pensão mensal de €284,10 não vislumbramos como seria possível contratar alguém para o auxiliar no seu quotidiano durante esse período de clausura domiciliária. Tal cumprimento da pena de prisão em regime de permanência na habitação, com o devido respeito e salva melhor opinião, não faz grande sentido para este colectivo de desembargadores.

Resta-nos, assim, apreciar da, também solicitada, em alternativa, possibilidade de ser suspensa na sua execução, ao abrigo do artigo 50.º do Código Penal, a pena de 5 (cinco) meses de prisão em que foi condenado o arguido MM.

Dispõe o art. 50.° do Cód. Penal que "O tribunal suspende a execução da pena de prisão aplicada em medida não superior a cinco anos se, atendendo à personalidade do agente, às condições da sua vida, à sua conduta anterior e posterior ao crime e às circunstâncias deste, concluir que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.".

Assim, o pressuposto material do instituto é que o tribunal, atendendo à personalidade do agente e às circunstâncias do facto, conclua por um prognóstico favorável relativamente ao comportamento do arguido, sendo que este prognóstico terá como ponto de partida, não a data da prática do crime, mas antes o momento da decisão.
Em conjugação com o que se deixa exposto, dever-se-á ainda dizer que o instituto da suspensão da execução da pena de prisão previsto no citado art. 50.º do Cód. Penal está dependente da verificação de um pressuposto formal, qual seja a aplicação de uma pena previamente determinada não superior a cinco anos, e de um pressuposto material, consistente numa avaliação da personalidade do agente e das circunstâncias do facto que permita concluir por um prognóstico favorável relativamente ao comportamento do delinquente, de tal modo que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizem de forma adequada e suficiente as finalidades de punição.

Como ensina Jorge de Figueiredo Dias “o Tribunal atenderá especialmente às condições de vida do agente e à sua conduta anterior e posterior ao facto. (…) A finalidade político-criminal que a lei visa com o instituto da suspensão é clara e determinante: o afastamento do delinquente, no futuro, da prática de novos crimes e não qualquer «correcção», «melhora» ou – ainda menos – «metomania» das concepções daquele sobre a vida e o mundo. É em suma, como se exprime ZIPF, uma questão de «legalidade» e não de «moralidade» que aqui está em causa. Ou, como porventura será preferível dizer, decisivo é aqui o «conteúdo mínimo» da ideia de socialização, traduzida na «prevenção da reincidência»” (in "Direito Penal Português - As Consequências Jurídicas do Crime", Editorial Notícias, ed. 1993, págs. 343 e 344).

Com efeito, deve dizer-se que a suspensão da execução da pena de prisão não superior a 5 anos é imposta por aquele preceito, a menos que esteja contra indicada em face das exigências de prevenção especial e geral em defesa da ordem jurídica, mas já não da culpa.

Sendo que a prevalência não pode deixar de ser atribuída a considerações de prevenção especial de socialização, por serem sobretudo elas que justificam, em perspetiva político-criminal, todo o movimento de luta contra a pena de prisão.

Quanto à prevenção geral, surge aqui unicamente sob a forma de conteúdo mínimo de prevenção de integração indispensável à defesa do ordenamento jurídico.

Como ensina Hans Heinrich Jescheck “Na base da decisão de suspensão da execução da pena deverá estar uma prognose favorável ao agente, baseada num risco prudencial. A suspensão da pena funciona como um instituto em que se une o juízo de desvalor ético-social contido na sentença com o apelo, fortalecido pela ameaça de executar no futuro a pena, à vontade do condenado em se integrar na sociedade. O tribunal deve estar disposto a assumir um risco prudente, mas se existirem sérias dúvidas sobre a capacidade do condenado para compreender a oportunidade de ressocialização que se oferece, a prognose deve ser negativa.” (in Tratado, Parte Geral, versão espanhola, vol. II, pp. 1152 e 1153)

Enquadrando jurisprudencialmente o instituto da suspensão de execução da pena dir-se-á que sendo a suspensão da execução da pena uma medida pedagógica e reeducativa, sempre que se verificarem os pressupostos formais estipulados no art. 50.° do Cód. Penal deve ser decretada, se se mostrar adequada para afastar o delinquente da criminalidade, ainda que ele, anteriormente, já tenha sido condenado em penas de prisão (vd. acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 30 de setembro de 1999, proc. 578/99-5; SASTI, n.° 33, 95).

Ainda neste sentido, pode ver-se, o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça n.º 8/2012, de 24 de outubro de 2012 (publicado Diário da República n.º 206, Série I, dessa mesma data e consultável online em http://bdjur.almedina.net/item.php?field=item_id&value=1743059), onde se expendeu: “Trata-se de uma medida de conteúdo reeducativo e pedagógico, tendo na sua base uma prognose social favorável ao arguido, a esperança fundada e não uma certeza - assumida sem ausência de risco - de que a socialização em liberdade se consiga realizar, que o condenado sentirá a sua condenação como uma advertência séria e solene e que, em função desta, não sucumbirá, não cometerá outro crime no futuro, que saberá compreender, e aceitará, a oportunidade de ressocialização que lhe é oferecida, pautando a conduta posterior no sentido da fidelização ao direito.
A suspensão da execução da pena insere-se num conjunto de medidas não institucionais que, não determinando a perda da liberdade física, importam sempre uma intromissão mais ou menos profunda na condução da vida dos delinquentes, pelo que, embora funcionem como medidas de substituição, não podem ser vistas como formas de clemência legislativa, pois constituem autênticas medidas de tratamento bem definido, com uma variedade de regimes aptos a dar adequada resposta a problemas específicos - assim, Acórdãos deste Supremo Tribunal de Justiça de 3 de Abril de 2003, processo n.º 865/03-5.ª, CJSTJ 2003, t. 2, p. 157, e de 25 de Outubro de 2007, processo n.º 3247/07-5.ª, CJSTJ 2007, t. 3, pp. 233-236.” (fim de transcrição).

Não são considerações de culpa que interferem na decisão sobre a execução da pena, mas apenas razões ligadas às finalidades preventivas da punição, sejam as de prevenção geral positiva ou de integração, sejam as de prevenção especial de socialização, estas acentuadamente tidas em conta no instituto da suspensão, desde que satisfeitas as exigências de prevenção geral, ligadas à necessidade de correspondência às expectativas da comunidade na manutenção da validade das normas violadas. (ac. STJ de 10 de novembro de 1999, proc. 82.3/99-3ª; SASTJ, 35, 74).

No caso concreto, resulta da factualidade provada que o arguido MM regista vários antecedentes criminais, tendo sido já condenado em duas penas de prisão efectivas e em duas penas multa, sempre por crimes contra o património.

Todavia, contando presentemente 64 anos de idade, nessas suas únicas quatro condenações, os roubos foram praticados há três e quatro décadas (1983 e 1990) e os furtos simples perpetrados há uma década (2010 e 2012), sendo que sobre o furto dos autos (cometido a 17 de janeiro de 2018) já decorreram quase 4 (quatro) anos) sem que lhe seja conhecida a prática de quaisquer crimes, daquela ou de outra natureza, o que deve ser tido, positivamente, em consideração.

Por outro lado, atendendo ao requisito referente às circunstâncias da prática do crime, este, recorde-se, tratou-se de um furto, no Supermercado FF, de fruta, presunto e bebidas no valor total de €152,40 (cento e cinquenta e dois euros e quarenta cêntimos), ou seja, “… o valor dos bens retirados não é excessivamente elevado”, conforme reconheceu o Tribunal a quo na sentença revidenda e o recorrente assinala na sua conclusão RR., pelo que certamente não gerará na comunidade qualquer sentimento de grande alarme ou impunidade ser a pena de 5 (cinco) meses de prisão suspensa na sua execução, ainda por cima, como se decidirá, pelo período máximo, com regime de prova e sujeição a regras de conduta  e obrigações.

É certo que o arguido, tendo exercido o direito ao silêncio sobre os factos constantes da acusação, não tendo prestado declarações na audiência de discussão e julgamento, não confessou os factos. No entanto, tal confissão era in casu irrelevante perante a prova testemunhal e documental produzida, mormente perante as imagens gravadas pelas câmaras de cctv instaladas na superfície comercial FF da xxx e que foram visionadas na referida audiência. Confissão que, no entanto, a ter existido, mesmo que não acompanhada de expresso arrependimento, sempre denotaria e demonstraria ter interiorizado o desvalor da sua censurável conduta. Porém, vislumbramos essa interiorização, ao vir agora, por escrito (embora de forma intermediada pela pena do seu defensor) reconhecer sem margem para dúvidas ter praticado os factos pelos quais foi acusado e condenado, pois podia continuar a manter silêncio sobre aqueles ou vir até impugnar a matéria de facto a eles atinente, o que não fez, apenas questionando alguns dos factos que Tribunal a quo deu como não provados mas que não se reportavam à prática do furto mas às suas condições pessoais, e a que, em parte, até demos razão ao recorrente.

Nesta conformidade, entende este tribunal da relação que, face às especiais necessidades de prevenção especial, ponderando ainda as circunstâncias acima expostas, a ameaça da prisão e a censura do facto ainda tutelam de forma suficiente os bens jurídicos atingidos e permitirão, assim se espera, a reintegração do arguido na sociedade - art. 40.º, n.º1 do Cód. Penal. Apesar dos seus 64 anos de idade, e como dizem os provérbios “Mais vale tarde do que nunca”[1] e “Águas passadas não movem moinhos”[2]

O período de suspensão é fixado entre um e cinco anos (n.º 5 do art. 50.° do Código Penal), considerando esta Relação por adequado e proporcional estabelecer a sua duração no prazo máximo, isto é em 5 (cinco) anos, precisamente por o arguido MM na audiência de discussão e julgamento não ter revelado ter interiorizado o desvalor da sua censurável conduta, o que nos cria algumas reservas a esse juízo de prognose favorável e impõe especiais medidas e cautelas.

Sendo que, como decidiu o Tribunal Constitucional no seu Acórdão 587/2019, proferido, a 21 de outubro de 2019, no processo 23/2019, consultável no respectivo site, bem como na JusNet: “Não é julgado inconstitucional o n.º 5 do artigo 50.º do Código Penal no sentido de que a suspensão da execução da pena aplicada em concreto pode ser fixada em dobro do tempo máximo da pena abstrata prevista na moldura penal do tipo legal de crime objeto da condenação”, sendo que no caso concreto o dobro do tempo máximo da pena abstrata prevista na moldura penal do tipo legal de crime objeto da condenação, isto é do crime de furto simples, previsto e punido pelo artigo 203.º, n.º 1, do Código Penal, dá-nos 6 (seis) anos.

Por o julgar conveniente e adequado à realização das finalidades da punição e a promover a reintegração do condenado na sociedade, mais se subordina a suspensão da execução da pena de prisão à submissão a regime de prova, assente num plano individual de reinserção social, a ser elaborado e posteriormente executado com vigilância e apoio pela D.G.R.S.P. (Direção-Geral de Reinserção e Serviços Prisionais), durante o tempo de duração da suspensão, nos termos do disposto nos artigos 50.º, n.º 2, 53.º, n.ºs 1 e 2, e 54.º, n.º 1, todos do Código Penal, devendo o referido plano ser dirigido ao apoio da consolidação do tratamento da problemática de toxicodependência do arguido, enquanto ex-utilizador de drogas endovenosas, já que mantendo-se afastada esta adição melhor se assegurará a vontade em não delinquir, saindo minorado o risco de que tal possa acontecer.

No mesmo sentido e pelos mesmos motivos, mais se decide agora impor ao arguido, nos termos do disposto nos artigos 52.º, n.º 1, alínea c) e 54.º, n.º 3, ambos do Código Penal, as seguintes obrigações e regras de conduta, que considerarmos interessarem ao plano de readaptação e ao aperfeiçoamento do sentimento de responsabilidade social do condenado:
1ª)-Responder a convocatórias do magistrado responsável pela execução e do técnico de reinserção social;
2ª)-Receber visitas do técnico de reinserção social e comunicar-lhe ou colocar à sua disposição informações e documentos comprovativos dos seus meios de subsistência;
3ª)-Informar o técnico de reinserção social sobre alterações de residência e número de telemóvel, se o tiver, bem como sobre qualquer deslocação superior a oito dias e sobre a data do previsível regresso;
4ª)-Durante a presente pandemia da doença COVID-19 provocada pelo coronavírus SARS-CoV-2 e no quadro quer do actual estado de calamidade, quer em eventuais futuros estados de emergência, situações de calamidade pública ou mera contigência dela decorrentes, cumprir, escrupulosamente, com as medidas restritivas excecionais e temporárias aprovadas em resposta a essa situação epidemiológica e que nesse âmbito sejam legalmente impostas no tocante a uso de máscara, distanciamento social, quarentena, isolamento profilático, recolher obrigatório, confinamento obrigatório e limitação à circulação de pessoas (períodos de tempo e áreas geográficas).
Termos em que, neste particular, o recurso logra procedência.

III–Decisão

Pelo exposto, acordam os Juízes na 9ª Secção Criminal da Relação de Lisboa, em conceder parcial provimento ao recurso interposto pelo arguido MM, decidindo, em conformidade com o supra consignado:
a)- aditar aos factos provados, passando a ser a alínea Q) destes, que: “O arguido é ex-toxicodependente de drogas endovenosas, tendo estado integrado de 4 de julho 2014 a 13 Abril 2020 em Programa de Substituição de Metadona no CRI – Lisboa xxx – E.T. de Xxx de Lisboa.”;
b)- alterar a redacção do facto não provado sob n.º 2, que passa a ser a seguinte: “Que o arguido padeça, há vários anos, de alcoolismo.”;
c)-nos termos do disposto no artigo 50.º do Código Penal, suspender na sua execução a pena de 5 (cinco) meses de prisão em que foi condenado o arguido MM, pelo período de 5 (cinco) anos, com sujeição a regime de prova, assente num plano individual de reinserção social, a ser elaborado e posteriormente executado com vigilância e apoio pela D.G.R.S.P. (Direção-Geral de Reinserção e Serviços Prisionais), durante o tempo de duração da suspensão, nos termos do disposto nos artigos 53.º, n.ºs 1 e 2, e 54.º, n.º 1, ambos do Código Penal, dirigido ao apoio da consolidação do tratamento da problemática de toxicodependência do arguido, enquanto ex-utilizador de drogas endovenosas, já que mantendo-se afastada esta adição melhor se assegurará a vontade em não delinquir, saindo minorado o risco de que tal possa acontecer.
No mesmo sentido e pelos mesmos motivos, mais se decide agora impor ao arguido, nos termos do disposto nos artigos 52.º, n.º 1, alínea c) e 54.º, n.º 3, ambos do Código Penal, as seguintes obrigações e regras de conduta, que considerarmos interessarem ao plano de readaptação e ao aperfeiçoamento do sentimento de responsabilidade social do condenado:
1ª)Responder a convocatórias do magistrado responsável pela execução e do técnico de reinserção social;
2ª)Receber visitas do técnico de reinserção social e comunicar-lhe ou colocar à sua disposição informações e documentos comprovativos dos seus meios de subsistência;
3ª)Informar o técnico de reinserção social sobre alterações de residência e número de telemóvel, se o tiver, bem como sobre qualquer deslocação superior a oito dias e sobre a data do previsível regresso;
4ª)Durante a presente pandemia da doença COVID-19 provocada pelo coronavírus SARS-CoV-2 e no quadro quer do actual estado de calamidade, quer em eventuais futuros estados de emergência, situações de calamidade pública ou mera contigência dela decorrentes, cumprir, escrupulosamente, com as medidas restritivas excecionais e temporárias aprovadas em resposta a essa situação epidemiológica e que nesse âmbito sejam legalmente impostas no tocante a uso de máscara, distanciamento social, quarentena, isolamento profilático, recolher obrigatório, confinamento obrigatório e limitação à circulação de pessoas (períodos de tempo e áreas geográficas);
d)-confirmar no mais a decisão recorrida.
Sem tributação.
Notifique nos termos legais.


(o presente acórdão foi processado em computador pelo relator, seu primeiro signatário, e integralmente revisto por si e pelo Exmº Juiz Desembargador Adjunto – art. 94.º, n.º 2, do CPP)



Lisboa, 9 de dezembro de 2021



(Calheiros da Gama)
(Abrunhosa de Carvalho)



[1]Vd. “«Mais vale tarde que nunca» - O papel do provérbio no contexto persuasivo”, Dissertação de Mestrado em Psicologia de Daniel dos Santos Cabral, apresentada no Instituto Superior de Psicologia Aplicada em 2008, disponível em https://repositorio.ispa.pt/handle/10400.12/4694
[2]Vd. “PROVÉRBIOS E PSICOTERAPIA - Não deixes para amanhã o que podes fazer hoje e o Modelo de Complementaridade Paradigmática”, de Cristina Marreiros da Cunha, 2021, Edição da Associação Internacional de Paremiologia, sendo “Águas passadas não movem moinhos” provérbio dado como exemplo de “Perceber as experiências problemáticas à luz do passado ou presente” em “Construção de novos Significados Reparadores relativos à Experiência e ao Self”