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PERÍODO NORMAL DE TRABALHO
REDUÇÃO
RETRIBUIÇÃO
Sumário
A lei proíbe que as partes acordem o aumento, mas não a diminuição dos limites do período normal de trabalho e o mesmo se passa com o CCT aplicável, logo que daí não resulte uma diminuição desproporcionada da retribuição para a trabalhadora, como de resto tem sido sustentado, tanto pela doutrina como pela jurisprudência (art.º 203.º, n.os 1 e 4 do CT).
(Sumário elaborado pelo Relator)
Texto Parcial
Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação de Lisboa
I–Relatório.
AAA, intentou a presente acção declarativa com, processo comum, contra BBB, pedindo que a ré fosse condenada a pagar-lhe a quantia de € 5.524,66, acrescida de juros de mora calculados à taxa supletiva legal, de 4%, desde a citação até integral pagamento, alegando, em síntese, que:
• trabalhou sob as ordens, direcção, autoridade e fiscalização da Ré, como Professora do Ensino Básico, desde 5 de Setembro de 2011 até 14 de Abril de 2019.
• nos termos do Contrato Colectivo de Trabalho aplicável à relação laboral entre as partes, o horário de trabalho dos docentes é de 35 horas semanais, dividido em componente lectiva e não lectiva, a primeira de 25 horas semanais e a segunda do restante, sendo que a componente não lectiva abrange a realização de trabalho a nível individual e a prestação de trabalho a nível de estabelecimento de ensino, não podendo o trabalho a nível individual ser inferior a 50% da componente não lectiva, de onde resulta que a componente não lectiva integra 10 horas de trabalho semanal, sendo 5 não lectivas de estabelecimento e 5 de componente individual.
• com efeitos a partir de Novembro de 2015, inclusive, foi assinado um aditamento ao contrato de trabalho, nos termos do qual Autora e Ré acordaram reduzir o período normal de trabalho da Autora em 2 horas e 30 minutos na componente não lectiva de estabelecimento, passado, em consequência, a Autora a cumprir um horário semanal de 32 horas e 30 minutos, o que se verificou até ao terminus da relação laboral.
• o referido aditamento é nulo, por violar as normas, imperativas, constantes do instrumento de regulamentação colectiva de trabalho aplicável, relativas aos horários de trabalho.
• até Outubro de 2015 auferiu a quantia de € 1.104,00 e após essa data passou a auferir € 1.025,00, valor que se manteve até Maio de 2017, tendo a partir de Junho de 2017 auferido a quantia de € 1.195,02, quando deveria ter passado a auferir o valor de € 1.286,90.
• em Junho de 2018 sofreu um acidente de trabalho que lhe determinou incapacidade absoluta para o trabalho até 31 de Dezembro de 2018, após o que ficou de baixa médica até ao termo da relação laboral com a Ré.
• sendo nulo o aditamento ao contrato de trabalho, é credora da Ré no valor correspondente às diferenças entre o que recebeu e o que deveria ter recebido € 2,2591,48 e, ainda, € 378,49 referente a formação profissional não prestada [de 35 horas em 2017 e 14,5 horas em 2018 considerando o acidente de trabalho que sofreu em Junho desse ano], bem como € 273,33 referente a subsídio de férias do ano da admissão, que não recebeu, e do valor referente às férias e subsídio de férias que se venceram a 1 de Janeiro de 2019 (cujo concreto montante não indicou).
Citada a ré, foi convocada e realizada audiência de partes, na qual as mesmas não quiseram acordar sobre o litígio que as divide.
Para tal notificada, a ré contestou, alegando, em resumo, que:
• é válido o acordo de redução do período normal de trabalho com diminuição da retribuição na mesma proporção, que passou, efectivamente, a trabalhar menos 2,5 horas por semana desde Novembro de 2015, não podendo a Autora exigir que lhe pago trabalho que não prestou.
• a formação das professoras e educadoras BBB é, em regra, ministrada nas instalações do Externato, on the job, nos locais e ambientes de trabalho através da intervenção semanal de aula pela psicóloga educacional, sendo ainda facultados aos trabalhadores da Ré workshops, sessões de formação e jornadas de reflexão, que identifica quanto aos anos de 2012, 2014, 2015, 2017 e 2018, pelo que a formação prestada, em cada um dos anos, ultrapassou as 35 horas legalmente exigíveis de formação, nenhuma quantia sendo devida a esse título.
• o contrato de trabalho esteve suspenso entre Junho de 2018 e 14 de Abril de 2019, data em que cessou por denúncia da Autora, nos termos do artigo 237.º, n.º 1 do Código do Trabalho, não se venceu no dia 1 de Junho de 2019 o direito a férias, nem ao respectivo subsídio, pelo que não tem a Autora direito a qualquer quantia referente a férias e subsídio de férias respeitantes ao ano da cessação do contrato.
Proferido despacho saneador, foi julgada a instância válida e regular, dispensada a fixação do objecto do processo e os temas de prova, admitidas as provas arroladas pelas partes e designada a data para realização da audiência de julgamento.
Realizada a audiência de julgamento, a Mm.ª Juíza preferiu a sentença, na qual julgou a acção parcialmente procedente e, em consequência: 1.–condenou a Ré a pagar à Autora: a.-a quantia de € 1.505,75, acrescida de juros de mora vencidos e vincendos, calculados à taxa supletiva legal, actualmente de 4%, desde 4 de Julho de 2020 até integral e efectivo pagamento; b.-a quantia a liquidar correspondente a 14,5 horas, deduzidas do número de horas, que se vier a apurar, de duração da formação certificada referida em c. de 17. dos factos provados, tendo por referência o valor/hora de € 8,48 (oito euros e quarenta e oito cêntimos), até ao limite máximo de € 114,24; 2.–no mais, absolveu a Ré do pedido.
Inconformada, a autora recorreu, pedindo que se conclua que tem direito a receber o diferencial resultante da redução que foi feita no seu horário de trabalho e consequente remuneração no montante de € 2.591,48, culminando a alegação com as seguintes conclusões:
(…)
Contra-alegou a ré, pedindo a improcedência do recurso e a manutenção da sentença recorrida.
Tendo tido vista, o Exm.º Sr. Procurador-Geral Adjunto foi de parecer que o recurso da autora não merece provimento, devendo a sentença ser mantida, para o que se louvou na seguinte ordem de razões.
"Sustenta a autora que, por força do artigo 11.º do CCT aplicável, o horário de trabalho dos docentes é de 35 horas semanais e que a sua repartição se faz nos termos previstos no mesmo CCT.
Ora, o que decorre do CCT é que o período normal de trabalho (PNT) semanal tem a duração máxima de 35 horas, mas não que o PNT semanal tenha de ser forçosamente igual a 35h.
Ou seja, o trabalho a tempo integral não pode ter uma duração horária semanal superior a 35h, mas nada impede que o trabalho seja prestado com um PNT semanal inferior, dado que nem todas as relações de trabalho de docentes se executam necessariamente a tempo inteiro.
Assim, poderá ser prestado trabalho a tempo parcial de docência, por acordo entre o trabalhador e a entidade empregadora, nos termos previstos nos artigos 150.º e seguintes do Código do Trabalho (CT).
Os Instrumentos de regulamentação Colectiva de Trabalho não podem impedir que seja acordada a prestação de trabalho a tempo parcial, como resulta do art.º 151.º do CT.
No decurso de uma relação de trabalho em que o trabalho era a tempo inteiro, podem as partes convencionar que o mesmo passará a ser a tempo parcial, modificando o contrato temporária ou definitivamente, devendo esse acordo ser reduzido a escrito, como prevê o n.º 1 do art.º 155.º do CT.
O trabalhador a tempo parcial tem direito à retribuição na proporção do respectivo período normal de trabalho semanal, conforme se impõe na al. a) do n.º 3 do art.º 154.º do CT.
No caso em apreço nestes autos, foi o que sucedeu. As partes acordaram por escrito que o trabalho semanal teria a duração de menos 2,5h do que as 35h correspondentes ao tempo integral e que a retribuição da trabalhadora era reduzida na respectiva medida da diminuição do tempo de trabalho.
Afigura-se, por isso, que a alteração do contrato de trabalho, reduzindo o tempo de trabalho e a retribuição de forma correspondente, é lícita, pelo que não foi violado nenhum direito da trabalhadora e não tem a mesma direito a diferenças remuneratórias".
Ambas as partes responderam ao parecer do Ministério Público, a apelada para concordar com o mesmo e a apelante para afirmar que aquilo "que se defende no presente processo é uma situação completamente diferente, é o caso de alguém, ou seja como a ora recorrente que apesar de continuar a mesma carga horária diária e semanal para que foi contratada, isto é, um horário de trabalho a tempo completo, na medida em que continua a cumprir exactamente as mesmas funções, que tinha antes da alegada alteração de horário de trabalho para tempo parcial ver a sua diminuição retribuída".
Colhidos os vistos,[1] cumpre agora apreciar o mérito do recurso, cujo objecto, como pacificamente se considera, é delimitado pelas conclusões formuladas pelo recorrente, sem prejuízo embora de se dever atender às questões que o tribunal conhece ex officio.[2]
Assim, porque em qualquer caso nenhuma destas nele se coloca, importa saber se:
• é nulo o acordo das partes em reduzir o número de horas de trabalho de um professor do ensino básico e consequências daí decorrentes.
II–Fundamentos
1.- Factos julgados provados:
"1.–A Autora trabalhou sob as ordens, direcção, autoridade e fiscalização da Ré, no período de 5 de Setembro de 2011 a 14 de Abril de 2019, data em que a relação laboral entre as partes cessou por denúncia, com aviso prévio, da Autora; 2.–A Autora foi contratada para exercer as funções de Professora do Ensino Básico; 3.–A Ré é uma sociedade comercial que detém a instituição de ensino particular e cooperativo designada BBB, na Parede; 4.–A Autora é sindicalizada no Sindicato dos Professores da Grande Lisboa – SPGL, que pertence à Fenprof; 5.–Por escrito datado de 31 de Outubro de 2014, denominado 'Declaração de adesão a instrumento de regulamentação colectiva de trabalho aplicável ao sector de ensino particular e cooperativo', cuja cópia se encontra junta aos autos a fls. 23 verso, que aqui se dá por integralmente reproduzido, a Autora, 'trabalhador no BBB, com a categoria profissional de Professora de 1.º Ciclo' declarou 'nos termos do n.º 1, do artigo 497.º do Código do Trabalho, escolher como instrumento de regulamentação colectiva que me é aplicável a partir de 20 de Agosto de 2014, (…) o Contrato Colectivo de Trabalho celebrado entre a Associação de Estabelecimentos de Ensino Particular e Cooperativo (AEEP) e a Federação Nacional dos Professores (FENPROF) e outros, publicado no Boletim de Trabalho e Emprego n.º 30, de 15 de Agosto de 2011'; 6.–Uma vez que grande parte das instituições de ensino particular e cooperativo, incluindo a Ré, atravessavam sérias dificuldades financeiras nesse período, uma das soluções encontradas e adoptadas pela Ré para não se ver obrigada a diminuir o número de trabalhadores ao seu serviço, foi celebrar em 2015 acordos de redução do tempo de trabalho com alguns dos seus trabalhadores; 7.–Tal procedimento foi adoptado pela Ré relativamente a toda a equipa docente (sete Educadoras e quatro Professoras, incluindo a Autora), membros da Direcção (três trabalhadores) e Psicóloga do Externato; 8.–Esta medida de redução de custos e salvaguarda de postos de trabalho foi sugerida a diversas instituições de ensino particular e cooperativo, incluindo à Ré, pela AEEP – Associação dos Estabelecimentos de Ensino Particular e Cooperativo, tendo esta sugerido e enviado às suas associadas uma minuta desse mesmo acordo; 9.–Nas circunstâncias referidas em 6. a 8., Autora e Ré celebraram entre si o acordo, datado de 30 de Outubro de 2015, denominado de 'Aditamento a contrato de trabalho', cuja cópia se encontra junta ao suporte físico dos autos a fls. 24 a 25 verso, que aqui se dá por integralmente reproduzido; 10.–Até Outubro de 2015, inclusive, a Autora auferiu a remuneração ilíquida de € 1.104,00; 11.–A partir de Novembro de 2015, inclusive, na sequência do acordo referido em 9., a Autora passou a auferir a quantia ilíquida de € 1.025,14; 12.–A partir de Junho de 2017, a Autora passou a auferir a quantia de € 1.195,02; 13.–A Autora sofreu um acidente de trabalho em Junho de 2018, que lhe determinou uma incapacidade temporária absoluta para o trabalho até ao dia 31 de Dezembro de 2018, após o que ficou de baixa médica até ao terminus da relação laboral; 14.–A formação das professoras e educadoras do BBB é, em regra, ministrada nas instalações do Externato; 15.–A psicóloga educacional (…) intervinha semanalmente em sala de aula, designadamente, dando estratégias para que a Autora desenvolvesse a sua actividade com um aluno da turma que lhe estava atribuída que padecia de autismo; 16.–Em 2017 foi ministrada à Autora, pela Ré, formação no âmbito do workshop 'Números, fracções e operações no 1.º Ciclo – Método de Singapura';
17.–Em 2018 a Ré assegurou à Autora as seguintes formações: a.-Formação sobre o Decreto-Lei 54/2018, novo regime da educação inclusiva, ministrado pelas Dras. (…) e (…); b.-Oficinas de música:
i.- 'Concepções de educação musical decorrentes das metodologias Kodaly, Orff e Martenot', ministrada pelo Prof. (…);
ii.- 'Teoria de Edwin Gordon', ministrada pelos Profs. (…) e (…); c.-Seminário 'Os desafios da criança com perturbação de Hiperactividade/Défice de atenção', que se realizou, em 31 de Janeiro de 2018, no Agrupamento de Escolas de (…), certificado como acção de curta duração; d.-Oficina de formação sobre 'Prática pedagógica com conteúdos multiculturais', ministrada pelos Profs. (…) e (…).
De considerar, ainda (das normas alegadas nos articulados), que nos termos do Contrato Colectivo de Trabalho, aplicável à relação laboral entre a Autora e a Ré (Contrato Colectivo de Trabalho identificado em 5.º da petição inicial, cuja versão revisão global se encontra publicada no BTE n.º 11, de 22 de Março de 2007): '(…) Artigo 11.º
Período normal de trabalho para os trabalhadores com funções docentes 1-O período normal de trabalho dos docentes é de trinta e cinco horas semanais sem prejuízo das reuniões trimestrais com os encarregados de educação. 2-O período normal de trabalho dos docentes integra uma componente lectiva e uma componente não lectiva, onde se incluem as reuniões de avaliação e o serviço de exames, nos termos dos artigos seguintes. (…) Artigo 11.º-A
Componente lectiva 1-Para os trabalhadores com funções docentes, a componente lectiva do período normal de trabalho semanal é a seguinte:
(…) b)-Professor do 1.º ciclo do ensino básico — vinte e cinco horas de trabalho lectivo;
(…) Artigo 11.º-B
Organização da componente não lectiva 1-A componente não lectiva corresponde à diferença entre as trinta e cinco horas semanais e a duração da componente lectiva. 2-A componente não lectiva abrange a realização de trabalho a nível individual e a prestação de trabalho a nível do estabelecimento de ensino.
3–O trabalho a nível individual compreende: a)-Preparação de aulas; b)-Avaliação do processo ensino-aprendizagem; c)-Elaboração de estudos e de trabalhos de investigação de natureza pedagógica ou científico-pedagógica de interesse para o estabelecimento de ensino, com o acordo da direcção pedagógica.
4–O trabalho a nível de estabelecimento de ensino pode incluir a realização de quaisquer trabalhos ou actividades indicados pelo estabelecimento com o objectivo de contribuir para a concretização do seu projecto educativo, tais como: a)-Actividades de apoio educativo; b)-Actividades de complemento e enriquecimento do currículo; c)-Actividades de reforço das aprendizagens; d)-Actividades de acompanhamento de alunos motivado pela ausência do respectivo docente; e)-Actividades de informação e orientação educacional dos alunos; f) Reuniões com encarregados de educação; g)-Reuniões, colóquios ou conferências que tenham a aprovação do estabelecimento de ensino; h)-Acções de formação aprovadas pela direcção do estabelecimento de ensino. 5–O trabalho a nível de estabelecimento é prestado neste sempre que existam condições físicas adequadas. 6–A organização e estruturação da componente não lectiva, salvo o trabalho a nível individual, são da responsabilidade da direcção pedagógica, tendo em conta a realização do projecto educativo do estabelecimento de ensino. 7–O trabalho a nível individual não pode ser inferior a 50% da componente não lectiva'".
2.–O direito
Vejamos então se o acordo estabelecido entre as partes no sentido de reduzir o horário de trabalho inicialmente contratado para a apelante prestar à apelada era nulo, como aquela pretexta.
Preliminarmente cumpre referir que a sentença apelada considerou relevante para a solução da questão em discussão sub iudicio o "Contrato Colectivo de Trabalho identificado em 5.º da petição inicial, cuja revisão global se encontra publicada no BTEE n.º 11, de 22 de Março de 2007".[3]
Como é sabido, a lei determina que "a convenção colectiva obriga o empregador que a subscreve ou filiado em associação de empregadores celebrante, bem como os trabalhadores ao seu serviço que sejam membros de associação sindical celebrante";[4] embora também preveja que "a convenção colectiva ou decisão arbitral em vigor pode ser aplicada, no todo ou em parte, por portaria de extensão a empregadores e a trabalhadores integrados no âmbito do sector de actividade e profissional definido naquele instrumento".[5]
O atrás mencionado CCT foi celebrado entre a AEEP — Assoc. dos Estabelecimentos de Ensino Particular e Cooperativo e a e a FENPROF — Feder. Nacional dos Professores e outros (também subscrito, inter alia, pelo Sindicatos dos Professores da Região dos Açores, da Grande Lisboa, da Madeira, do Norte, da Região Centro e da Zona Sul).
Está assente nos autos que a apelante "é sindicalizada no Sindicato dos Professores da Grande Lisboa – SPGL, que pertence à Fenprof",[6] que "por escrito datado de 31 de Outubro de 2014, denominado 'Declaração de adesão a instrumento de regulamentação colectiva de trabalho aplicável ao sector de ensino particular e cooperativo', cuja cópia se encontra junta aos autos a fls. 23 verso, que aqui se dá por integralmente reproduzido, a Autora, 'trabalhador no BBB, com a categoria profissional de Professora de 1.º Ciclo' declarou 'nos termos do n.º 1, do artigo 497.º do Código do Trabalho, escolher como instrumento de regulamentação colectiva que me é aplicável a partir de 20 de Agosto de 2014, (…) o Contrato Colectivo de Trabalho celebrado entre a Associação de Estabelecimentos de Ensino Particular e Cooperativo (AEEP) e a Federação Nacional dos Professores (FENPROF) e outros, publicado no Boletim de Trabalho e Emprego n.º 30, de 15 de Agosto de 2011"[7] e, por fim, que "a Ré é uma sociedade comercial que detém a instituição de ensino particular e cooperativo designada BBB".[8]
Porém, não está provado que a apelada seja associada da AEEP, o que, como vimos atrás, seria o primeiro facto a considerar para a relevância do citado CCT na economia da relação jurídica em causa (o qual, de resto, sofreu uma revisão parcial em 2011, conforme resulta do Boletim do Trabalho e Emprego, n.º 30, de 15-08-2011, com consolidação do texto, o que ora se refere uma vez que o contrato de trabalho foi celebrado já na sua vigência, concretamente no dia 05-09-2011).[9] O que se não alterava pela circunstância da apelante ter emitido e assinado uma declaração a afirmar que optava pelo CCT em causa (facto provado n.º 5) uma vez que é uma declaração unilateral e não consta da restante factualidade provada que a apelada a ela tenha aderido ou relevado (e em boa verdade o destino que a apelante lhe deu).
Todavia, o certo é que o art.º 1.º da Portaria n.º 461/2010, de 1 de Julho determinou que "as condições de trabalho em vigor constantes dos contratos colectivos entre a AEEP — Associação dos Estabelecimentos de Ensino Particular e Cooperativo e (…) a FENPROF — Federação Nacional dos Professores e outros, publicados no Boletim do Trabalho e Emprego, 1.ª série, n.º 11, de 22 de Março de 2007, bem como as correspondentes alterações publicadas, respectivamente, no Boletim do Trabalho e Emprego, n.º 5, de 8 de Fevereiro de 2009, n.º 8, de 28 de Fevereiro de 2009, e n.º 13, de 8 de Abril de 2009, a primeira com rectificação publicada no citado Boletim, n.º 14, de 15 de Abril de 2009, são estendidas, no território do continente, às relações de trabalho entre estabelecimentos de ensino particular e cooperativo não superior não filiados na associação de empregadores outorgante e não abrangidos pela Portaria n.º 1483/2007, de 19 de Novembro, e trabalhadores ao seu serviço das profissões e categorias profissionais neles previstas", o que, afinal, confirma a sentença no que concerne à sua relevância para a apreciação do caso sub iudicio.
Mas ainda assim e uma vez que o contrato de trabalho vigorou até 14-04-2019, convirá desde já lembrar que o dito CCT "cessou a sua vigência no âmbito da AEEP e da FENPROF, por caducidade, em 13 de Maio de 2015, nos termos dos números 3 e 4 do artigo 501.º do Código do Trabalho, na redacção aprovada pela Lei n.º 7/2009, de 12 de Fevereiro".[10]
Posto isto, pode agora com propriedade dizer-se que relevam para a apreciação da questão atrás enunciada as cláusulas do CCT enunciadas na sentença.
A tese da sentença, de resto expressa em abundante clareza e sageza, é, em síntese, a seguinte:
• as partes acordaram a redução do horário de trabalho inicialmente contratado (2,5 horas);
• a vontade de qualquer delas não padece de qualquer vício (nem tal sequer isso foi alegado);
• sendo válido, a apelada pagou a retribuição correspondente e por isso nada deve à apelante;
• admitindo, por mera hipótese, a nulidade do acordo invocada pela apelante, a restituição das partes à situação devida levaria a que não tendo a apelante trabalhado mais do que as horas agora acordadas (sequer alegou que o fez), nada teria a apelada que lhe restituir pois que dela não recebeu o trabalho correspondente à acordada redução de horas; sendo que, por um lado a retribuição que lhe pagou correspondeu ao tempo trabalhado e, por outro, as horas que a apelante não trabalhou por via da redução acordada (e que só então justificariam a retribuição pedida) já não podem por ela ser prestadas pois o contrato entretanto cessou (ou teríamos a hipótese absurda da apelada pagar a retribuição das horas não trabalhadas à apelante e esta devolver o equivalente a essas horas, sendo em todo o caso o saldo nulo).
A perspectiva da apelante só aparentemente é diversa no que concerne à solução preconizada na sentença para a hipótese de nulidade do acordo, pois que, como se vê da resposta que apresentou ao parecer do Exm.º Sr. Procurador-Geral Adjunto, o que ali sustenta baseia-se numa falácia.
Vejamos.
Ali refere a apelante "que (…) defende no presente processo (…) que apesar de continuar a mesma carga horária diária e semanal para que foi contratada, isto é, um horário de trabalho a tempo completo, na medida em que continua a cumprir exactamente as mesmas funções, que tinha antes da alegada alteração de horário de trabalho para tempo parcial ver a sua diminuição retribuída".
Pois bem, no que concerne à alegação de que trabalhou as duas horas objecto do acordo de redução do horário de trabalho ("continua a cumprir exactamente as mesmas funções") o que diremos à apelante é, repetindo Euclides, quod erat demonstrandum! Isto porque a apelante bem sabe que o não pode fazer, desde logo porque as coisas não se passaram assim, como de resto logo reconheceu na petição inicial. Com efeito, veja-se que ali alegou no art.º 14.º que "com efeitos a partir de Novembro de 2015 inclusive a ora Autora assinou um aditamento ao contrato de trabalho (…) no qual (…) as partes acordam em reduzir o período normal de trabalho da trabalhadora em 2 horas e 30 minutos na componente não lectiva de estabelecimento passando em consequência de tal facto a cumprir um horário semanal de 32 horas e 30 minutos", sendo certo que logo esclareceu no art.º 15.º que essa "situação (…) perdurou até ao terminus da relação laboral".
Pelo que tanto bastaria para que se negasse provimento à apelação da autora: mas em todo o caso, sempre se dirá que essa sempre teria que ser a solução da apelação.
O CCT determina que o horário de trabalho dos professores é de 35 horas semanais (cláusula 11.º, n.º 1), das quais 25 horas são lectivas (cláusula 11.º-A, n.º 1) e o remanescente não lectivas (cláusula 11.º-B, n.º 1).
De acordo com o art.º 199.º do Código do Trabalho, "o tempo de trabalho que o trabalhador se obriga a prestar, medido em número de horas por dia e por semana, denomina-se período normal de trabalho".
Por sua vez, o art.º 203.º do Código do Trabalho estabelece no n.º 1 que "o período normal de trabalho não pode exceder oito horas por dia e quarenta horas por semana" e no n.º 4 que "os limites máximos do período normal de trabalho podem ser reduzidos por instrumento de regulamentação colectiva de trabalho, não podendo daí resultar diminuição da retribuição dos trabalhadores".
Assim sendo, também neste aspecto se aceita a conclusão da Mm.ª Juiz a quo de que a lei proíbe que as partes acordem o aumento mas não a diminuição dos limites do período normal de trabalho e o mesmo se passa com o CCT aplicável, logo que, como está bem de ver, daí não resulte uma diminuição desproporcionada da retribuição para a trabalhadora, como de resto tem sido sustentado, tanto pela doutrina[11] como pela jurisprudência.[12]
Isto relativamente ao período compreendido entre os dias 05-11-2011 e 12-05-2015, pois que, como vimos atrás, no dia subsequente a este cessou a vigência do CCT, pelo que, conforme se refere no acórdão da Relação de Évora, de 28-06-2017, no processo n.º 851/16.4T8PTM.E1, publicado em http://www.dgsi.pt, "a partir de então e até à celebração de nova convenção a relação de trabalho passa a reger-se pelo acordado pelas partes"; o que no caso sub iudicio vale por dizer que nada impedia a redução do tempo de trabalho da apelante entretanto vigente entre as partes, quer por força da cláusula 6.ª, n.º 2 do contrato de trabalho que o fixara em 27 horas e 30 minutos,[13] quer posteriormente, no dia 30-10-2015, que o estabeleceu em 32 horas e 30 minutos, como decorre do facto provado n.º 9.[14]
Resta, portanto, concluir em conformidade com o atrás referido, negando-se a apelação e confirmando-se a sentença apelada.
***
III–Decisão.
Termos em que se acorda negar provimento à apelação e confirmar a sentença recorrida.
Custas pela apelante (art.º 527.º, n.os 1 e 2 do Código de Processo Civil e 6.º, n.º 2 do Regulamento das Custas Processuais e Tabela I-B a ele anexa).
*
Lisboa, 15-12-2021.
(António José Alves Duarte) (Maria José Costa Pinto) (Manuela Bento Fialho)
[1]Art.º 657.º, n.º 2 do Código de Processo Civil. [2]Art.º 639.º, n.º 1 do Código de Processo Civil. A este propósito, Abrantes Geraldes, Recursos no Processo do Trabalho, Novo Regime, 2010, Almedina, páginas 64 e seguinte. [3]A forma utilizada para o afirmar é que não terá sido a mais adequada, pois permite o entendimento que as suas normas seriam matéria de facto, contrariamente ao que pacificamente é considerado em face do art.º 1.º do Código do Trabalho (cfr. acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 03-03-2021, no processo n.º 1980/19.8T8PDL.L1.S1, publicado em http://www.dgsi.pt). [4]Art.º 496.º, n.º 1 do Código do Trabalho. [5]Art.º 514.º, n.º 1 do Código do Trabalho. [6]Facto provado n.º 4. [7]Facto provado n.º 5. [8]Facto provado n.º 3. [9]Pese embora a redacção do facto provado n.º 1, tendo em conta o alegado no art.º 1.º da petição inicial e o documento junto aos autos pela apelada com o requerimento do dia 16-09-2002. [10]Aviso publicado no Boletim do Trabalho e Emprego n.º 40, de 29-10-2015. [11]Monteiro Fernandes, Direito do Trabalho, 2017, 18.ª edição, Almedina, Coimbra, página 401. [12]Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça, de 01-03-2007, no processo n.º 06S3542, citado na sentença recorrida e da Relação de Évora, de 07-01-2016, ambos publicados em http://www.dgsi.pt. [13]Com faculdade da empregadora o poder alterar no futuro, ponto em que se poderia duvidar da sua legalidade por poder contender com o estatuído pelo art.º 155.º, n.º 1, é certo, mas que em princípio não afectaria a globalidade do contrato (não afectou, pois que a apelante nada disse acerca disso), nos termos do art.º 121.º, em qualquer dos casos do Código do Trabalho (sobre aquela proposição, vd. o acórdão da Relação do Porto, de 03-11-2014, no processo n.º 349/12.0TTMAI.P1, publicado em http://www.dgsi.pt [14]Em conformidade, diga-se, com os documentos juntos pela apelante com o requerimento de 16-09-2020 e que, como se vê dos art.os 1.º e 14.º da petição inicial, protestara juntar aos autos, sendo certo que a própria ré confessou aqueles factos no art.º 5.º da contestação (e também juntou, com o n.º 2, o documento de alteração do contrato); sobre a legalidade da "reposição da medida quantitativa da prestação do trabalho contratada" em face da cessação da situação que primeiramente determinara a alteração já se pronunciou o Supremo Tribunal de Justiça, no acórdão de 07-03-2006, no processo n.º 06S3751; e reafirmou no acórdão de 05-09-2018, no processo n.º 415/17.5T8LSB.L1.S1, como aquele publicado em http://www.dgsi.pt.