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EXECUÇÃO
CONTRATO DE MÚTUO
RESOLUÇÃO
JUROS DE MORA
JUROS LEGAIS
Sumário
– Em caso de resolução do contrato de mútuo impõe-se aplicar à mora na restituição do capital em dívida o estabelecido no do artigo 806.º, n.º 1 e 2, do Código Civil. – Prevendo a lei uma indemnização específica para o caso da mora nas obrigações pecuniárias, não existindo norma contratual que disponha de modo diverso, a indemnização coincide com os juros legais
Texto Integral
8ª SECÇÃO DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE LISBOA
1.– Relatório.
A… e J… deduziram, por apenso à execução movida por B… S.A., oposição à execução, sendo que a deduzida pelo segundo (apenso C) foi incorporada na oposição deduzida pela primeira (apenso B), com vista à decisão conjunta de ambas as causas, por identidade parcial de fundamentos, como se extrai do despacho de 24.04.2020.
A executada/opoente A… sustenta a sua oposição nos seguintes fundamentos: a).Os valores que a exequente peticiona não devidos na totalidade, uma vez que as prestações do mútuo incluíam juros remuneratórios e estes não podem ser exigidos se a exequente optou pelo vencimento imediato de todas as prestações em falta; b).Os juros que a exequente poderá reclamar, devidos desde a data da entrada da injunção que é o título executivo nos presentes autos, deverão ser calculados à taxa legal, e já não à taxa prevista no contrato que serviu de fundamento/causa de pedir da injunção.
Pugna, a final, pela redução da quantia exequenda.
O executado/opoente J… invoca a exceção dilatória da “preterição de mediação arbitral”, bem como a exceção perentória da prescrição (de capital e juros).
Impugna a liquidação da obrigação exequenda no que respeita à percentagem dos juros, que considera abusiva, e deduz oposição à penhora do imóvel que constitui a casa de morada de família com fundamento na violação do princípio da proporcionalidade.
Pugna, a final, pela procedência das exceções e extinção da execução, bem como, subsidiariamente, pela suspensão da execução sem prestação de caução e bem assim no sentido de que a venda do imóvel penhorado aguarde a decisão, em primeira instância, dos presentes embargos.
O exequente apresentou contestação a cada uma das oposições, pronunciando-se sobre as exceções invocadas no sentido das respetivas improcedências, ressalvando a que respeita à contabilização dos juros remuneratórios.
Conclui, assim, no sentido de que devem julgar-se parcialmente procedentes os embargos deduzidos - apenas no que respeita à inexigibilidade dos juros remuneratórios compreendidos nas prestações cujo vencimento foi antecipado em função da falta de pagamento das prestações do contrato de mútuo dos autos e, consequentemente, reduzir-se a quantia exequenda, com referência à data da instauração da execução apensa, 16.09.2014, a um total de € 7.467,47, a que acrescem os juros que, à taxa de 27,00%, se vencerem sobre € 3.402,51, desde 17.09.2014, até efetivo e integral pagamento e imposto de selo à taxa de 4% sobre esses juros.
Saneado o processo e feito o julgamento, foi proferida sentença onde foram julgadas improcedentes a exceção da preterição de mediação arbitral e da prescrição do capital e juros, a oposição à penhora e julgada parcialmente procedentes as oposições à execução deduzida pelos executados/opoentes na parte relativa à liquidação da obrigação exequenda, tendo o tribunal recorrido decidido:
“… após a resolução do contrato de mútuo as quantias a restituir vencem juros. Estes juros podem estar previstos antecipadamente no contrato.
Não estando, são os legais.
Por conseguinte, os juros de mora a considerar são os juros de mora comerciais que estão estabelecidos no artigo 102.º do Código Comercial. “
Inconformada com esta decisão dela recorre a Exequente/Embargada, pedindo que se julgue procedente e provado o presente recurso, tendo, para o efeito e após alegações, apresentado a seguinte conclusão:
- O despacho recorrido fez errada interpretação e aplicação da lei, violando expressamente o disposto nos artigos 559º, nº 2, 806º, nº1 e nº 2, parte final, e no artigo 820º-A, nº 4, do Código Civil.
Não foi apresentada resposta ao recurso.
Recebido o recurso e preparada a deliberação, importa apreciar e decidir.
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II– Mérito do recurso
1.- Objeto do recurso
Este objeto, como é sabido, é, em regra e ressalvadas as questões de conhecimento oficioso, delimitado pelas conclusões das alegações do Recorrente [artigos 608.º, n.º 2, “in fine”, 635.º, n.º 4, e 639.º, n.º 1, do Código de Processo Civil (CPC)].
Assim, observando este critério no caso presente o objeto do recurso é saber se foi violado o disposto nos artigos 559º, nº 2, 806º, nº 1 e nº 2, parte final, e no artigo 820º-A, nº 4, do Código Civil.
***
2.–Fundamentação de facto.
Na decisão recorrida julgaram-se provados os seguintes factos: 1.–A exequente intentou a execução de que dependem estes autos, em 16.09.2014, contra os executados com base em requerimento de injunção ao qual foi aposta força executiva por secretário de justiça em 07.01.2011, alegando o seguinte: “O requerente, no exercício da sua atividade comercial e através do contrato supra referido [contrato de mútuo datado de 03.08.2009] concedeu aos requeridos crédito direto, tendo assim emprestado a importância de €3.245,45 com juros à taxa nominal 18% ao ano, devendo a importância do empréstimo, ser pago, nos termos acordados, em 60 prestações, mensais e sucessivas, com vencimento, a primeira, em 10.09.2010 e as seguintes nos dias 10 dos meses subsequentes mediante transferências bancárias a efetuar, aquando do vencimento de cada uma das referidas prestações, para a conta bancária, sediada em Lisboa, logo indicada pelo ora requerente. Foi expressamente acordado que a falta de pagamento de três ou mais prestações sucessivas na data dos respetivos vencimentos implicava o vencimento imediato de todas as demais prestações e implicava um acréscimo de 4% à taxa de juros acordada, ou seja, uma taxa de juro de 22%. Os requeridos, das prestações referidas, não pagaram a 5.ª e seguintes, - num total de 56 – vencida a primeira em 10.01.2010, vencendo-se então todas do montante cada uma de €83,31. O total das prestações em débito pelos requeridos ao requerente, ascende a €4.777,36. Os juros vencidos até ao presente – 17.10.2010 – ascendem já a €809,14. O imposto de selo, sobre os juros referidos, ascende já a €32,37. Os requeridos devem, assim, ao requerente a dita importância de €4.777,36 (…)”, acrescida de “juros entre 10.01.2010 e 17.10.2010 (809,14€ (281 dias a 22,00€)”. 2.–A exequente liquidou a obrigação exequenda em €10.904,99, nos seguintes termos:
“CAPITAL -------------------- €4.777,36
JUROS VENCIDOS ATÉ 18.10.2010----------------------- €809,14
IMPOSTO DE SELO À TAXA DE 4% ATÉ 18.10.2010-------- €32,37
JUROS VENCIDOS À TAXA DE 22,00% DESDE 19.10.2010 ATÉ A APOSIÇÃO DA FÓRMULA EXECUTÓRIA, EM 07.01.2011 ------ €233,24
IMPOSTO DE SELO À TAXA DE 4% ATÉ 07.01.2011 ------------- €9,33
JUROS VENCIDOS À TAXA DE 27,00% (22,00% + 5% ARTIGO 829.º-A, N.º 4 C. CIVIL E ART.º 13-1-D) E 21º DO DECRETO-LEI 269/98, DE 1 DE SETEMBRO) DESDE 08.01.2011 ATÉ AO PRESENTE, 16.09.2014 -----------€4.763,75
IMPOSTO DE SELO À TAXA DE 4% ATÉ 16.09.2014 ----------- €190,55
TAXA DE JUSTIÇA (INJUNÇÃO) ------------ € 51,00
TAXA DE JUSTIÇA ------------------------- € 38,25
TOTAL (EXCLUIDOS JUROS VINCENDOS E IMPOSTO DE SELO DESDE 17.09.2014) -- €10.904,99
MAIS JUROS VINCENDOS À TAXA DE 27,00% SOBRE €4.777,36 DESDE 17.09.2014 ATÉ EFECTIVO E INTEGRAL PAGAMENTO E IMPOSTO DE SELO À TAXA DE 4% SOBRE ESSES JUROS”. 3.–A exequente (na qualidade de mutuante) e os executados (na qualidade de mutuários) celebraram, entre si, o contrato de mútuo cuja cópia se mostra junta com as contestações apresentadas pelo exequente e o teor se dá por reproduzido, do qual resulta, além do mais, o seguinte: “(…)
(…)
(…)
4.–Os executados não pagaram as prestações n.º 5 a 10, vencidas, respetivamente, em 10.01.2010, 10.02.2010, 10.03.2010, 10.04.2010, 10.05.2010, 10.06.2010 e 10.07.2010, tendo a exequente considerado vencidas todas as prestações que se lhes seguiram. 5.–Na execução foi penhorada a “fração autónoma designada pela letra "A" correspondente ao CAVE A, composta de 2 casas assoalhadas, cozinha, casa de banho, despensa, hall, roupeiro, 1 pequena arrecadação e mais 1 arrecadação no mesmo piso do prédio urbano sito em ... da ..., nº ..., A_____, "Quinta B_____", freguesia de A_____, descrito na Conservatória do Registo Predial de A_____-C_____ sob o nº ... da referida freguesia, inscrito na respetiva matriz predial urbana sob o artigo n.º .....” (AP. 41 de 2019/01/13), cuja aquisição, por compra, se mostra registada a favor dos executados/opoentes (AP. 7 de 2005/05/20), incidindo sobre a mesma hipoteca registada a favor de B…, S.A. (AP. 8 de 2005/05/20). 6.–Por sentença de 12.12.2019 foi graduado em primeiro lugar o crédito reclamado pelo B…, S.A. no valor global de €66.251,99. 7.–A fração penhorada tem o valor patrimonial tributário de €59.930,00. 8.–Por decisão de venda elaborada em 03.08.2020 foi fixado à fracção penhorada o valor base de €120.000,00.
3.– Fundamentação jurídica.
A questão essencial a solucionar no presente recurso é saber se os juros devidos são calculados à taxa legal como se defendeu na sentença ou à taxa prevista no contrato invocado na injunção.
Na decisão posta em crise considerou-se que no caso dos autos não estamos perante uma situação de mora, mas sim perante a resolução do contrato, da sua extinção por falta de pagamento pontual das prestações contratuais, concluindo que a indemnização devida pela mora na restituição do capital em divida, após a resolução do contrato, é a que resulta do artigo 806.º, n.º 1 e 2, do Código Civil, onde se determina que a indemnização corresponde nas obrigações pecuniárias, como é o caso, em caso de mora, aos juros e estes são os legais, «salvo se antes da mora for devido um juro mais elevado ou as partes houverem estipulado um juro moratório diferente do legal».
E, tendo-se concluído que não havia estipulação contratual, decidiu-se que apenas são devidos os juros legais.
Entende a Recorrente que da análise dos preceitos do Regime aprovado pelo Decreto-Lei 269/98, de 1 de Setembro, não pode extrair-se, face à lei e até aos princípios constitucionais em vigor, a orientação expressa na sentença recorrida, na parte objeto do presente recurso.
Na verdade, remetendo embora o artigo 21º, nº 2, do citado Regime para o disposto na alínea d) do artigo 13º do mesmo normativo legal, certo é que a dita alínea d), no que respeita a juros, se diz apenas o seguinte:
“São ainda devidos juros de mora desde a data da apresentação do requerimento e juros à taxa de 5% ao ano a contar da aposição da fórmula executória”.
Onde é feita referência, na citada alínea d), a “juros de mora”, não se diz nem se pode inculcar juros à taxa a que alude o artigo 559º do Código Civil.
Juros de mora são os acordados, isto é os contratados pelas partes, e apenas se as partes não tiverem contratado juros de mora é que é licito recorrer aos juros supletivos legais a que alude o artigo 559º do Código Civil.
Ora do contrato referido na petição da Injunção, expressamente mencionado no requerimento executivo, são juros à taxa prevista no contrato, acrescida de 5% de sobretaxa da mora, de harmonia aliás não só com o disposto no referido 559º, nº 2, do Código Civil, como expressamente consta do artigo 806º, nº 1 e nº 2, segunda parte, do Código Civil.
Aliás a taxa de 5%, a que referência é feita na parte final da alínea d) do nº 1, do citado artigo 13º do Regime aprovado pelo Decreto-Lei 269/98, não é mais do que a taxa correspondente à sanção pecuniária compulsória a que alude o artigo 820º-A, nº 4, do Código Civil, sanção pecuniária essa que aliás expressamente pedida foi no requerimento executivo a partir da atribuição à Injunção de fórmula executória.
É tão absurda a tese e orientação defendida e preconizada na sentença recorrida que se acaso os executados, ora recorridos, tivessem sido citados editalmente para os termos da dita Injunção, se consequentemente a mesma tivesse sido convertida em acção nos termos do citado Regime aprovado pelo Decreto-Lei 269/98, de 1 de Setembro, já então na sentença a proferir em tal hipótese seriam reconhecidos - feita a necessária prova – os juros pedidos no requerimento executivo e na própria Injunção a que foi conferida fórmula executória. Interpretação diversa da preconizada pelo recorrente, designadamente até interpretação dos citados artigos 21º, nº 2 e 13º nº1 alínea d), do referido Regime aprovado pelo Decreto – Lei 269/98, de 1 de Setembro, no sentido de uma taxa de 5%, e ainda muito menos de uma taxa de 4% nos termos constantes do despacho recorrido, constitui flagrante violação do princípio da segurança jurídica expresso na Constituição da República Portuguesa.
Daqui, pois, a razão que o recorrente entende lhe assiste.
Aliás no sentido da posição defendida pelo recorrente foi decidido já pelo Tribunal da Relação de Coimbra, aos 10 de Setembro de 2019, no Acórdão proferido no Recurso 5038/15.0T8CBR.c1 PELA 2ª Secção do Tribunal da Relação de Coimbra, de que se junta cópia por se desconhecer a respectiva publicação (doc. nº 1).
Cumpre decidir.
Diga-se, desde já, que a sentença sob recurso não merece censura.
Está demostrado nos autos que a Apelante por falta de pagamento pontual das prestações contratuais, resolveu o contrato de mútuo que tinha celebrado com os Apelados, donde os direitos que assistem à Apelante são os que resultam da resolução do contrato, que é equiparada, quanto aos seus efeitos à nulidade ou anulabilidade do negócio jurídico, … art.º 433º do Código Civil.
Ou seja, tem efeito retroativo, devendo ser restituído tudo o que tiver sido prestado …, art.º 289º, nº 1 do Código Civil.
Em conclusão, com fundamento na resolução do contrato tem a Apelante direito a reaver todo o capital mutuado e ainda em dívida.
Por outro lado, a obrigação de restituição do capital ainda em dívida deveria ter ocorrido na data da resolução, não o tendo feito constituíram-se os Apelados em mora, sendo devidos juros de mora, conforme artigos 804º e 806º ambos do Código Civil.
Estabelece o art.º 806º do Código Civil: 1.-Na obrigação pecuniária a indemnização corresponde aos juros a contar do dia da constituição em mora. 2.-Os juros devidos são os juros legais, salvo se antes da mora for devido um juro mais elevado ou as partes houverem estipulado um juro moratório diferente do legal.
(…)
Assim, porque não estamos perante uma situação de mora, mas perante a resolução do contrato, da sua extinção por falta de pagamento pontual das prestações contratuais, há que aplicar à mora na restituição do capital ainda em dívida o estabelecido no do artigo 806.º, n.º 1 e 2, do Código Civil.
No entender da Apelante a taxa de juros devida é a que está estipulada no contrato, cf. cl. 7ª, al, c), do contrato, « ... salvo se antes da mora for devido um juro mais elevado ou as partes houverem estipulado um juro moratório diferente do legal».
É certo que o contrato estabelecia “Em caso de mora incidirá sobre o montante em débito, e durante o tempo da mora, a título de cláusula penal, uma indemnização correspondente à taxa de juro contratual acrescida de quatro percentuais”, cláusula 7ª, al. c).
Esta cláusula está prevista para a hipótese em que o mutuário entra em mora e a mutante, mantendo interesse na manutenção do contrato, não lhe põe termo e, nessa hipótese e sobre o montante em dívida, poderá exigir juros de mora à taxa prevista no contrato acrescidos da cláusula penal.
Mas, como resulta expressamente da citada cláusula e se afirmou na sentença, no caso dos autos não estamos perante uma situação de mora, mas sim perante a resolução do contrato, da sua extinção por falta de pagamento pontual das prestações contratuais.
Donde, tendo a mutante/Apelante posto fim ao contrato, pela resolução do mesmo, tal cláusula não tem aplicação.
Ou seja, o contrato não prevê juros de mora diversos dos legais para o caso da resolução do contrato de mútuo, os juros moratórios a que alude a citada al. c) da cláusula 7ª do contrato estão previstos para os casos de mora durante a execução do contrato, isto é, com o contrato em vigor.
Após a resolução do contrato de mútuo as quantias a restituir vencem juros e estes podem estar previstos antecipadamente no contrato. Não estando, apenas são devidos os juros à taxa legal.
Em conclusão, como bem se decidiu na sentença sob recurso e se reafirma, prevendo a lei uma indemnização específica para o caso da mora nas obrigações pecuniárias e não existindo norma contratual que disponha de modo diverso, a indemnização coincide com os juros legais, logo, não se ajusta ao caso aplicar a taxa de juros moratórios prevista no contrato para a mora de uma ou algumas prestações à quantia global resultante da resolução contratual.
Improcede, assim, a conclusão da Apelante.
III–DECISÃO
Por tudo o que se deixou exposto, acorda-se em negar provimento ao Recurso interposto pela Exequente/Embargada e, em consequência, mantem-se a decisão recorrida.
Custas, Exequente/Embargada.
Notifique.
Lisboa,2/12/2021
Octávio dos Santos Moutinho Diogo Cristina da Conceição Pires Lourenço. Ferreira de Almeida