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SIMULAÇÃO
INDÍCIOS
PROVA TESTEMUNHAL
PRINCÍPIO DE PROVA
VALOR DE VENDA DECLARADO NA ESCRITURA
Sumário
1.–No âmbito da simulação invocada entre simuladores, o artigo 394º, n.º 2, do Código Civil não impede a produção de prova testemunhal e, as presunções judiciais inferentes, quando apresentadas em complemento da prova escrita que possa valer como um princípio de prova do acordo simulatório.
2.– Nenhuma demonstração emergiu em prol dos indícios necessitas e de affectio da simulação; o que em adverso se afigura verosímil, é que dispondo a Autora daquele património, decidiu afectá -lo ao exercício da actividade de imobiliária em conjunto com o 1ºRéu, com o qual constituiu a sociedade comercial(1ªRé), não se descortinando razão , segundo as práticas correntes da actividade bancária, para que o banco exigisse como condição para conceder à sociedade comercial um cartão de crédito com o plafond de Euros 15.000.00, que a mesma detivesse património imobiliário.
3.– Quanto ao valor declarado na escritura de compra e venda, inferior ao valor tributário e de mercado do imóvel (indício pretium vilis da simulação), não transporta qualquer efeito “iluminador” do acordo simulatório, ou até de usura; tal actuação constitui prática comum, sendo, por norma, ditada pelo exclusivo interesse dos outorgantes na redução do pagamento do imposto do selo, e outros efeitos conexionados com as obrigações tributárias.
Texto Integral
Acordam os Juízes da 7ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa
I.–RELATÓRIO:
1.–Da acção
C…, melhor identificada nos autos, intentou acção declarativa em processo comum, demandando, G…, Ld.ª, L…, ambos com os sinais dos autos e, Caixa Geral de Depósitos, SA., formulando os seguintes pedidos: a)-Ser declarada nula e de nenhum efeito, por simulação absoluta, o contrato de compra e venda da fracção do imóvel, celebrado entre a Autora, como vendedora e a 1ªRé, e consequentes alterações de registo; b)-Ser declarado nulo, por simulação absoluta, o contrato de sociedade celebrado entre a Autora e o 2ºRéu, com as consequentes alterações de registo; e, subsidiariamente, caso não se prove a simulação invocada, ser o contrato de compra e venda do imóvel declarado nulo, por se tratar de negócio usurário.
Em síntese e para tanto, alegou, ter comprado a referida fracção G do imóvel em 27.02.2009; em virtude da situação de dependência emocional e influência do Réu Luís, que prestava ao tempo assistência ao seu pai com doença oncológica, aproveitando da sua fragilidade, pediu à Aurora para com ele constituir uma sociedade comercial fictícia, ora 1ªRé, para assim obter crédito junto da banca e poder resolver os problemas da sua vida familiar, no que acedeu. O contrato de sociedade veio a ser outorgado em 11.11.2009, sem que houvesse realização efectiva de capital ou desenvolvimento de actividade. Sucede que, tendo o 2ºRéu feito saber à Autora que sem património da sociedade não poderia ainda assim aceder ao crédito, e também porque a Autora tinha então dívidas, convenceu-a a realizar a venda fictícia do imóvel pelo valor de Euros de 35.000,00 a favor da 1ªRé, que teve lugar no dia 4.12.2009. Logrando o 2º Réu obter o crédito junto da 3ªRé, no valor de 15.000,00, que gastou em seu proveito exclusivo, e não pagou, pelo que na demanda executiva, onde também a Autora foi executada, foi registada hipoteca sobre o imóvel a favor da 3ªRé.
Em fundamento de direito invoca a simulação dos contratos aludidos, devendo a requerida nulidade ser declarada com todas as consequências legais, incluindo o cancelamento dos registos que impendem sobre o imóvel; e, subsidiariamente a nulidade do contrato de compra e venda celebrado entre a Autora e a 1ªRé, por usura no negócio, conforme ao disposto nos artigos 240º e 280º do Código Civil.
A 1ª Ré e o 2º Réu foram citados editalmente e não contestaram; também o Ministério Público, em representação legal, não juntou contestação.
Contestou a 3ª Ré, Caixa Geral de Depósitos.SA; invocou a excepção incompetência do tribunal cível em razão da matéria , sendo o competente o tribunal de comércio; e impugnou a matéria alegada pela Autora por não ser do seu conhecimento pessoal, refutando o pretendido efeito do cancelamento da garantia da hipoteca inscrita a seu favor, decorrente do contrato de crédito regularmente celebrado com a 1ªRé , e com aval prestado pela Autora e terceiros em livrança , não podendo aquela invocar a nulidade proveniente de alegada simulação contra terceiro de boa fé, sendo que sobre quanto à invocada usura não fundamentou o pedido.
A Autora apresentou desistência do pedido de declaração de nulidade do contrato de sociedade, homologada por sentença.
Prosseguidos os demais trâmites, realizou-se a audiência de discussão e julgamento e proferiu-se sentença, julgando a acção improcedente e absolvendo os RR. dos pedidos.
2.–Do Recurso
Inconformada, a Autora interpôs recurso, finalizando as alegações com as seguintes conclusões:
«A)-A douta Sentença enferma de erro quanto à apreciação das provas e na fixação dos factos materiais da causa ao dar como não provados os factos constantes dos pontos 3 a 11 dos factos não provados e não incluir nos factos a provar e provados os factos alegados 6.º a 10.º da petição inicial. B)-O artigo 394. °, n.º 2 do Código Civil não impede os simuladores de provarem o acordo simulatório e o negócio simulado com base num princípio de prova escrita, contextualizada ou complementada por prova testemunhal ou por presunção judicial, conforme se verifica no caso dos autos, em que existem documentos que constituem princípio de prova do acordo simulatório e do negócio simulado e que impunham a valoração da prova testemunhal produzida quanto aos factos dados como não provados nos pontos 3 a 11 dos factos não provados. C)-As escrituras públicas de compra e venda outorgadas no Cartório Privado de Odemira em 04-02-2009 e em 04-12-2009 e juntas à petição inicial como Doc. N.º 1 e Doc. N.º 5 constituem princípio de prova do acordo simulatório e negócio simulado, resultando do confronto dos mesmos que a autora declarou vender à ré, representada pelo réu, em 04-12-2009, pelo preço de 35.000,00€, a fração autónoma que havia comprado em 04-02-2009 (10 meses antes) pelo preço de 85.000,00€ e que tinha, à data, um valor patrimonial de 87.409,82€, evidenciando um comportamento desviado da normalidade, sinuoso e incompreensível à luz do senso comum. D)-Os referidos documentos são reveladores de comportamentos que apontam para a conclusão da existência de simulação, que são o acordo entre declarante e declaratário e o intuito de enganar terceiros, e que devem ser extraídos por presunção judicial nos termos do disposto no n.º 4 do artigo 607.º do Código de Processo Civil e conforme definido pelo artigo 349.º e admitido pelo artigo 351.º, ambos do Código Civil. E)-Pelo que, devia o Tribunal a quo ter valorado a prova testemunhal que veio a ser produzida em julgamento pela testemunha …. e que, juntamente com a prova documental, concretamente as escrituras públicas, faz prova dos aludidos factos julgados não provados, concretamente que “3. A autora não quis vender à ré, nem a ré quis comprar a fração.”, “4. Não foi pago à autora qualquer preço pela venda da fração.” e que “5. O réu pediu à autora para simular a venda.” (Depoimento de …, prestado em 2021-01-21, e gravado no sistema áudio 20210121101042_19470063_2871106, de minutos 03:05 a 04:05; 04:06 a 04:23; 04:23 a 04:51, 04:57 a 05:17; 05:17 a 06:23; 06:28 a 06:43; 06:59 a 08:01 3 08:08 a 09:03). F)-O Tribunal a quo devia ter julgado provado que “6. Apesar de figurar como sócia, a autora nunca teve participação efetiva no capital social da 1.ª ré, sendo o 2.º réu o único e efetivo dono da totalidade do capital social.” com base no depoimento de …, prestado em 2021-01-21, e gravado no sistema áudio 20210121101042_19470063_2871106, de minuto 04:57 a minuto 05:17: A C… disse, (….)(Fim: minuto 05:17). G)-O Tribunal a quo devia ter julgado provado que “7. Alguns dias após a constituição da sociedade, o réu procurou a autora, dizendo-lhe que conseguia obter o financiamento junto do banco, mas que só o poderia fazer através da ré, por ser mais difícil e oneroso obter crédito pessoal. E que o banco apenas daria crédito à ré, através de um produto de crédito a empresas, se a mesma apresentasse condições favoráveis.”; “8. Para o efeito, a ré precisava de ter atividade e algum ativo.”; “9. O réu convenceu a autora a transferir para a ré a propriedade da fração, mediante uma compra e venda fictícia.” e que “10. Dessa forma, se obstava a que a fração fosse penhorada por dívidas da autora.” com base no depoimento de …., prestado em 2021-01-21, e gravado no sistema áudio 20210121101042_19470063_2871106, de minuto 05:17 a minuto :06:23(….)). H)-O tribunal devia ter julgado provado que a “11. A outorga da escritura resultou de um plano concertado entre a autora, e a ré, representada pelo réu, com vista a parecer ao banco que a sociedade ré tinha atividade imobiliária e bens como forma de a convencer a conceder-lhe financiamento.” por presunção judicial, por ser uma dedução lógica da conjugação de toda a prova documental (contrato de empréstimo) e testemunhal, esta última concretizada no depoimento de …, gravado de minutos 04:23 a 04:51 e de minutos 05:17 a 06:23). I)-O Tribunal a quo deveria ter incluído no elenco de factos a provar e julgados provados os factos alegados nos artigos 8.º a 14.º da petição inicial quanto à situação de dependência emocional em que os factos ocorreram, e cuja prova resulta do depoimento da testemunha …, que descreveu ao Tribunal as circunstâncias de doença e morte do pai da autora em que este se aproximou da mesma e criou uma dependência emocional e, nessa sequência, a levou a constituir a sociedade e transmitir a propriedade da fração para a mesma (Depoimento …. prestado em 2021-01¬21, e gravado no sistema áudio 20210121101042_19470063_2871106, de minutos 03:05 a 04:05 – “…….” J)-O que está em causa na simulação não é a falsidade do documento onde as declarações simuladas foram exaradas, mas sim a autenticidade intelectual, sendo irrelevante a arguição ou não da falsidade do documento autêntico, conforme se extrai do douto Ac. do STJ de 22-05-2012, proferido no Proc. N.º 82/04-6TCFUN-A.L1.S2 e disponível em www.dgsi.pt K)-Estando em causa na simulação a autenticidade intelectual, não se exigia a arguição da falsidade nos termos do disposto no artigo 371.º do Código Civil para prova dos seus pressupostos. L)-A exigência da arguição da falsidade da escritura pública onde foram exaradas as declarações negociais que a autora reputa de simuladas como forma de ilidir a prova plena dos documentos autênticos viola, no caso,o disposto no artigo 371.º do Código Civil. M)-A douta sentença enferma de erro de julgamento ao julgar não verificados os pressupostos da usura previstos no artigo 282.º do Código Civil, e que resultam do facto de o réu ter ficado sócio da sociedade ré com uma quota de 4500,00€ do capital social de 5000,00€ e, por conseguinte, e indiretamente, de 90% da fração com o valor patrimonial de 87.000,00€ e pela qual lhe teria cabido o pagamento (que não se aceita) de 31.500,00€ (90% do valor de compra declarado na escritura). N)-A douta sentença devia ter julgado verificados os pressupostos da simulação e, consequentemente, ter declarado nula a escritura pública de compra e venda nos termos do disposto no artigo 240.º do Código Civil. O)-ao absolver os réus, a douta Sentença viola o disposto nos artigos 240.º, 282.º, 371.º, todos do Código Civil. Termos em que, e nos mais doutos de direito que Vexas. sempre suprem, deve o presente recurso merecer provimento e, em consequência, revogar-se a douta decisão recorrida, como é de JUSTIÇA!» ***
O Magistrado do Ministério Público, em representação dos RR ausentes, apresentou contra-alegações, sustentando a manutenção do julgado absolutório e o não provimento do recurso da Autora.
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O recurso foi regularmente admitido com efeito devolutivo.
Colhidos os vistos, nada obsta ao conhecimento de mérito.
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3.– O Objecto do recurso
São as conclusões do recorrente que delimitam a esfera de actuação do tribunal ad quem- artigos 635º, nº4 e 639º, nº1, do Código de Processo Civil - salvo em sede da qualificação jurídica dos factos, ou relativamente a questões de conhecimento oficioso, não podendo ainda conhecer de questões novas; o tribunal de recurso também não está adstrito à apreciação de todos os argumentos recursivos, debatendo apenas aqueles que se mostrem relevantes para o conhecimento do recurso, e não resultem prejudicados pela solução preconizada – artigos 608.º, n.º 2, do CPC, ex vi do artigo 663.º, n.º 2, do mesmo diploma.
Sob estas coordenadas, no cotejo das conclusões da apelante, cumpre decidir se, o Tribunal a quo incorreu em erro de julgamento de facto e de direito, verificando-se os pressupostos da simulação, ou, da usura no contrato de compra e venda do imóvel, conducentes à declaração de nulidade e anulabilidade.
Empreendimento que convoca a apreciação dos seguintes tópicos recursivos:
Impugnação da matéria de facto;
Os meios probatórios na simulação do negócio invocada pelo simulador;
Os pressupostos legais da simulação e da usura; a matéria de facto assente.
II.–FUNDAMENTAÇÃO
A.– Os Factos
Vem dado por Provado da 1ª instância: 1.–Por escritura pública de 4.12.2009, a autora declarou vender e a ré, representada pelo réu, declarou comprar, pelo preço de 35 mil euros, a fração autónoma designada pela letra G, correspondente ao rés do chão e 1.º andar frente esquerdo, do edifício 2, do prédio urbano constituído em propriedade horizontal, sito ……, cf. fls. 16 e ss.. 2. A ré é uma sociedade constituída em 11.11.2009, por contrato celebrado entre a autora e o 2.º réu; tem o capital social de €4.500,00; constando o 2.º réu como titular de quota com o valor de €4.000,00 e a autora como titular de quota com o valor de €500,00; o réu é o gerente, cf. fls. 9 verso-15; 72-73.
E, Não provado que: 3.–A autora não quis vender à ré, nem a ré quis comprar a fração. 4.–Não foi pago à autora qualquer preço pela venda da fração. 5.–O réu pediu à autora para simular a venda. 6.–Apesar de figurar como sócia, a autora nunca teve participação efetiva no capital social da 1.ª ré, sendo o 2.º réu o único e efetivo dono da totalidade do capital social. 7.–Alguns dias após a constituição da sociedade, o réu procurou a autora, dizendo-lhe que conseguia obter o financiamento junto do banco, mas que só o poderia fazer através da ré, por ser mais difícil e oneroso obter crédito pessoal. E que o banco apenas daria crédito à ré, através de um produto de crédito a empresas, se a mesma apresentasse condições favoráveis. 8.–Para o efeito, a ré precisava de ter atividade e algum ativo. 9.–O réu convenceu a autora a transferir para a ré a propriedade da fração, mediante uma compra e venda fictícia. 10.–Dessa forma, se obstava a que a fração fosse penhorada por dívidas da autora. 11.–A outorga da escritura resultou de um plano concertado entre a autora, e a ré, representada pelo réu, com vista a parecer ao banco que a sociedade ré tinha atividade imobiliária e bens como forma de a convencer a conceder-lhe financiamento.
B.–O Direito
1.–Impugnação da matéria de facto
A apelante cumpriu em suficiência os ónus enunciados nos artigos 639º e 640º, nº1, do Código de Processo Civil.
O seu dissentimento estende-se a toda a matéria factual que o Tribunal a quo teve por Não provada (3. a 11.), fundamentando o erro de julgamento, por um lado, na desconsideração da prova testemunhal, e por outro, na incorrecta valoração das escrituras públicas de compra e venda do imóvel, e bem assim, pugnando pela prova dos factos que alegou nos artigos 6º, e 8º e 14º da sua petição.
Na motivação o Tribunal a quo veiculou o afastamento da prova testemunhal no tocante aos impugnados - factos NP -indicados nos pontos 3.4. e 5., de acordo com a previsão do disposto no artigo 394º, nº1 do Código Civil, e nos demais por ausência de prova.
1.2.– O acordo simulatório; prova testemunhal
Apreciando.
Por definição a simulação traduz um fingimento, que visa criar a aparência de um negócio que não foi querido pelas partes (simulação absoluta), ou que foi celebrado para esconder um outro, esse sim querido pelas partes (simulação relativa) com o intuito de enganar terceiros. [1]
Ao invocar a simulação o simulador afirma, que a vontade declarada intencionalmente não correspondeu à vontade representada e querida pelas partes, através de um concerto defraudatório, fingido, emitindo intencionalmente declarações não consonantes com aquilo que efectivamente queriam e com o fito de enganar terceiros – artigos 240º e 242º, do Código Civil – ou seja, simularam declarações negociais.
Importará assim, preliminarmente aferir dos meios probatórios produzidos – designadamente, a prova testemunhal e a presunção judicial a retirar no tocante ao alegado acordo simulatório invocado pela Autora na venda do imóvel que celebrou com a 1ªRé, face à vontade declarada pelos outorgantes na escritura pública , à luz do disposto no artigo 394º, nº1 e nº2 , do Código Civil.[2]
A melhor interpretação deste preceito legal e a sua aplicação em cada situação concreta, nem sempre reúne consenso.
A consulta da doutrina e a resenha histórica do preceito permitem concluir, que na vigência do Código Civil 1867, a matéria merecia tratamento unânime, no sentido da exclusão da prova testemunhal em caso de simulação.
Beleza dos Santos ensinava, «(...)Em conclusão: se o acto simulado consta de um documento autêntico ou de um documento de igual força, nos termos do artigo 2432.º e 2433.º do Código Civil, os simuladores, seus herdeiros ou representantes que não devam reputar-se terceiros em relação a esse acto, só podem demonstrar a simulação se exibirem uma prova plena que destrua a eficácia da que resulta daqueles documentos, tal como um documento da mesma natureza ou igual valor ou uma confissão judicial. (Código Civil, art.º 2412.º). Se esse acto não consta de documentos autênticos ou de igual força, então os simuladores e seus representantes podem utilizar-se de qualquer meio probatório para demonstrar a simulação, devendo aplicar-se as regras gerais em matéria de prova.»[3]
No entanto, e logo no decurso dos trabalhos preparatórios do novo Código Civil e na sua vigência, o tema abriu interpretações não coincidentes.
Em breve síntese, sinalizam-se duas posições.
Enveredando por alguma flexibilidade em favor da admissão da prova testemunhal no acordo simulatório invocado pelos próprios, situou-se Vaz Serra no âmbito dos trabalhos preparatórios; concebendo uma norma que permitia que os simuladores pudessem, excepcionalmente usar a prova testemunhal, mas apenas se, existisse um princípio de prova escrita “proveniente daquele contra quem a acção é dirigida ou do seu representante” ou quando “da qualidade das partes, da natureza do contrato, ou de quaisquer outras circunstâncias seja verosímil que tenham sido feitas contradeclarações”; impossibilidade material ou moral de obtenção de prova escrita; mantendo igual entendimento já na vigência do diploma e à redacção do artigo 394º, nº2, do actual Código Civil.[4]
Seguindo idêntica orientação, também Carvalho Fernandes, Mota Pinto e Pinto Monteiro veicularam a admissão de prova testemunhal, em ordem a evitar eventuais “resultados injustos de aproveitamento do acto simulado por um dos simuladores em detrimento do outro”, embora sem colocar em causa a «ratio» do preceito, a certeza da prova documental, e “a fragilidade e a falibilidade da prova testemunhal e por presunções judiciais”. [5]
Porfiando a exclusão absoluta da prova testemunhal situou-se Rodrigues Bastos, considerando que essa flexibilização colide com a letra da norma; e, de igual modo, se pronunciaram Pires de Lima e Antunes Varela. [6]
A densificação doutrinária do preceito legal e a sua aplicação jurisprudencial acabaram por dar prevalência a uma concepção menos exigente quanto à previsão do artigo 394º, nº2, do Código Civil, na esteira e desenvolvimento da argumentação proposta por Vaz Serra.
Na doutrina, inter alia, Menezes Cordeiro defende a admissão da denominada prova testemunhal secundária na simulação invocada entre os simuladores , destinada a complementar outro documento - princípio da prova escrita- adicionando a existência de acordo simulatório ou negócio simulado arguido pelos próprios.[7]
Na mesma vertente, com actualidade, Luís Pires de Sousa, refere que «(…) na verdade, há que conciliar as exigências contrapostas que presidem à razão de ser da proibição do uso da prova testemunhal, por um lado, e a necessidade de acautelar os interesses de um dos simuladores contra o aproveitamento iníquo da simulação pelo outro, sobretudo quando aquele não se encontra munido de uma prova escrita suficiente (contradeclaração). Tal conciliação passa pela admissão da prova testemunhal quando convocada para complementar prova escrita que possa valer como um princípio de prova do acordo simulatório »[8]
Conquanto se continue a manifestar divergência nas decisões dos tribunais superiores, a interpretação prevalecente na jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça, no âmbito da simulação invocada inter partes, evidencia que, o artigo 394.º, n.º 2, do Código Civil não impede a produção de prova testemunhal e, as presunções judiciais inferentes, quando apresentadas em complemento de outras provas, maxime documentos.[9]
Entendimento que vimos adoptando em decisões anteriores.[10]
Do que se retira com interesse para a situação ajuizada, que a convicção probatória dos factos indicados nos pontos 3. 4. e 5, deverá substanciar-se também na prova testemunhal produzida e no funcionamento das presunções judiciais inferentes.
Assim sendo, procede nesse tocante a alegação da apelante.
1.3.–Reapreciação
Nessa decorrência se procederá à reapreciação de toda matéria de facto impugnada pela apelante: Pontos 3.,4.5. dos factos Não Provados; Pontos 6. a 11. dos factos Não Provados; o aditamento à matéria de facto provada e alegada nos artigos 6º, 8º a 14º da petição inicial.
Estão juntas as duas escrituras públicas relativas à compra e venda do imóvel em apreço, cujo teor está assente nos pontos 1. e 2. dos factos provados, e, foi ouvida a testemunha …, que se identificou como prima do marido da filha da Autora.
Estas são as provas a valorar para aferir do intento simulatório na compra e venda do imóvel, celebrada entre a Autora, e a Ré G…, representada pelo sócio gerente, aqui 2ºRéu, e da usura do negócio, sendo certo que, a ausência de contestação ou prova por banda daqueles, alegadamente, mentores e beneficiários exclusivos da simulação, enviesou o caminho da descoberta da verdade material.
Auditado o depoimento da testemunha, para lá do diktat transcrito nas alegações da apelante, não logramos indícios mínimos do juízo de prova afirmativo da ocorrência dos factos invocados pela apelante.
Com efeito, a testemunha não apresentou motivo verosímil para o conhecimento do sucedido, v.g. do acordo simulatório entre os envolvidos. Tratando-se por definição de assunto de reserva restrita, a testemunha não demonstrou manter à época relação de proximidade com a Autora e o 2º Réu, seja por convívio quotidiano ou contacto pessoal estreito. Toda a sua narrativa, além das circunstâncias exteriores do estado emocional da Autora ou da doença oncológica de seu pai, sobreveio do que lhe foi relatado pela própria, e das suas próprias ilações. De qualquer modo, e as regras da experiência asseveram, que o contexto relacional entre ambos que a Autora invoca, não fazem prever que a mesma consentisse em abrir mão do imóvel, apenas para lhe fazer um favor e a fim de este obter crédito na banca, afirmando fragilidade ou dependência afectiva ou emocional.
Finalmente, segundo a interpretação menos exigente do disposto no artigo 394º do Código Civil, que se adopta, acolhendo a produção de prova testemunhal na demonstração do vício do negócio, ela será sempre, complementar (coadjuvante) do documento indiciário da compra e venda realizada, e como se disse , o depoimento da única testemunha não revelou em termos minimamente consistentes a motivação do invocado intento e acordo simulatório entre a Autora e o Réu, de modo a contrariar a factualidade indiciada pela escritura de compra e venda em apreço.
1.4.– Os indícios da simulação
Nenhuma demonstração foi realizada em prol dos denominados indícios necessitase de affectio da simulação invocada pela Autora, ou outra motivação atendível para a celebração do negócio.
O que em adverso se afigura verosímil, é que dispondo a Autora daquele património, entendeu afectá -lo ao exercício da actividade comercial de imobiliária que decidiu desenvolver em conjunto com o Réu R. e para tal, constituindo a sociedade comercial -1ºRé, independe do insucesso ulterior do projecto .[11]
De resto, cumpre sublinhar que tendo a Autora alegado na petição inicial, que o resultado do fito simulatório da venda, “favor” que fez ao Réu R.., para conseguir obter crédito no banco, que usou para despesas pessoais, em seu proveito exclusivo, não resulta dos documentos juntos.
Na verdade, os elementos documentais juntos a fls. 20 e 21 (e, também pela CGD, contra a qual a Autora veio a desistir do pedido) infirmam o alegado objectivo fraudulento do negócio, posto que, a Autora (e terceiros) foram avalistas do crédito concedido pela CGD à 1ªRé, e não ao 2º Réu R…, em forma de cartão de crédito Caixa Works, emitido em nome da 1ª Ré, sociedade comercial, da qual a Autora e o Réu R. eram os únicos sócios.
Ademais, não se descortina razão, segundo as práticas correntes da actividade bancária (e sobretudo à data de 2009) para que o banco exigisse como condição, que a sociedade detivesse património imobiliário para lhe conceder um cartão de crédito, com o plafond de Euros 15.000.00, circunstância que a Autora não podia deixar de ter conhecimento.[12]
Nessa medida, também o aventado objectivo do negócio simulado – enganar a terceiro - enquanto pressuposto da existência de simulação fraudulenta, está comprome
Quanto ao invocado valor declarado na venda muito inferior ao valor tributário e de mercado (indício pretium vilis da simulação), não transporta qualquer efeito “iluminador” do acordo simulatório, ou até da usura. Tal actuação constitui prática comum, e por norma, é ditada pelo exclusivo interesse dos outorgantes na redução do pagamento do imposto do selo devido, alcançando ainda outros efeitos conexionados com as obrigações tributárias e de protecção da actuação coerciva de credores. [13]
Face ao que vem de discorrer-se, improcede integralmente a impugnação da matéria de facto.
2.– Da solução jurídica
Nos termos do n.º 1 do artigo 240º do Código Civil, onde o conceito de negócio simulado se encontra explicitamente formulado, constituem elementos integradores deste vício da vontade o acordo (simulatório) entre declarante e declaratário, a intencionalidade da divergência entre a vontade e a declaração e o intuito de enganar terceiros, os quais são de verificação cumulativa, impendendo o ónus da prova destes requisitos, segundo as regras gerais, porque constitutivos do respectivo direito, a quem invoca a simulação (art.º 342.º, n.º 1, do Código Civil).
Estabilizada a matéria de facto assente, não demonstrada a divergência da vontade real das partes em relação à vontade declarada, consentânea à simulação, inexistindo fundamento para a procedência da arguida nulidade do negócio de compra e venda do imóvel identificado e celebrado entre a Autora e a 1ºRé.
De igual sorte, terá de improceder o pedido subsidiário para a anulação do contrato de compra e venda fundada em usura.
Dispõe o artigo 282º, nº 1, do Código Civil que “É anulável, por usura, o negócio jurídico, quando alguém, explorando a situação de necessidade, inexperiência, ligeireza, dependência, estado mental ou fraqueza de carácter de outrem, obtiver deste, para si ou para terceiro, a promessa ou a concessão de benefícios excessivos ou injustificados.”
Neste tocante, ora irrelevante perante a ausência de prova do substracto mínimo factual para a avaliação da figura da usura do negócio, (além do insuficiente resultado comparativo das datas da escrituras de compra e venda e o valor tributário da fracção), o certo é que, a Autora na petição inicial se dispensou, em bom rigor, de alegar a factualidade que consubstanciaria tal causa de pedir, com particular destaque no que respeita à situação de necessidade, de inferioridade relativamente à Ré compradora , sociedade comercial da qual era sócia, e o aproveitamento através do 2º Réu.
Em suma, sem necessidade de outras indagações, a acção tem que improceder, conforme o sentenciado pelo Tribunal a quo.
III.–DECISÃO
Pelo exposto, acordam os Juízes deste Tribunal da Relação em conceder parcial provimento ao recurso, mantendo embora o julgado por razões não integralmente coincidentes com sentença recorrida.
*
As custas são a cargo da apelante e a proporção do decaimento de 95%.
Lisboa, 7 de Dezembro de 2021
ISABEL SALGADO CONCEIÇÃO SAAVEDRA CRISTINA COELHO
[1]Cfr. Mota Pinto in Teoria Geral do Direito Civil ,1976, pág.357/66. [2]Integrando a excepção legal as convenções que contrariam (ou se opõem) ao declarado no documento assim como todas as que acrescentam (ou adicionam) qualquer clausulado. [3]In “A Simulação em Direito Civil”, II, 151 [4]In “Provas – Direito Probatório Material” - BMJ 112, p. 194-197; 219-232; 236-29 e In. R.L.J. 107.º, pág311 e seg., anotando o Acórdão do STJ de 4.12.1973. [5]Carvalho Fernandes, in «A Prova da Simulação Pelos Simuladores», O Direito, 124.º, 1992, IV, pág.593 e seguintes; referindo neste contexto que o documento escrito deve tornar verosímil o facto alegado e aquele que deveria ser objecto de prova testemunhal, deve existir um nexo lógico tal que confira ao último um relevante fumus de credibilidade; também in Estudos sobre a simulação, Quid Juris, 2004, pág. 59/60; e in Teoria Geral do Direito Civil – II. 4.ª edição, a fls. 314. In parecer “Arguição da Simulação Pelos Simuladores. Prova Testemunhal”, CJ, X, 1985, 3.ª pág.11 ss. [6]Respectivamente in “Notas ao Código Civil”, II, 177; apesar de Mota Pinto na sua Teoria Geral ter defendido anteriormente a exclusão da prova testemunhal e por presunção, in obra acima citada, pág.372; e In Código Civil anotado, I, 3ª edição, pág.342/3., chamando a atenção do perigo de destruição do negócio por um dos simuladores através de um meio de prova pouco seguro como a testemunhal. [7]In “Tratado de Direito Civil Português”, págs. 850 e segs.- “(..)nada impedindo que seja realizada prova testemunhal a partir de documento com a forma legal do negócio simulado.” [8]In PROVA DA SIMULAÇÃO, Revista Julgar, Número Especial, 2013, pp. 71/88 e disponível in open space. [9]Cfr. entre outros os Acórdãos do STJ de17.6.2003 -03A1565; de 5.6.2007 –P7A1364; STJ de 02-03-2011 e de 22-05-2012, de 9.7.2014 -5944/07.6TBVNG.P1 -e de 26.02. 2015-P 3194/08.3TBPTM.E1. S1 e, o Acórdão do STJ de 7.02.2017 -proc 3071/13.6TJVNF.G1. S1, todos disponíveis in www.dgsi.pt. [10]Cfr. Acórdão do TRL de 23.02.2021 tirado por este mesmo Colectivo de Juízes no Proc. 14575/18.4T8SNT.L1, in www.dgsi.pt. [11]A propósito da prova e demonstração do intuito simulatório pelo simulador, Luís de Sousa, in local citado refere com acuidade - «Se o simulador é demandado enquanto tal e não veicula para o processo qualquer explicação justificativa do negócio, o silêncio pode ser valorado como indício processual em seu desfavor porquanto não se outorgam negócios sem qualquer razão justificativa. Se o simulador apresenta uma justificação inverosímil ou que não logra subsequentemente demonstrar, haverá que concluir que falta à verdade e que o que presidiu à sua actuação entronca numa causa simulandi. A causa simulandi e o indício necessitas mantêm uma relação inversamente proporcional: quanto maior préstimo e verosimilitude proporcionar a primeira, menor densidade apresentará o segundo e vice-versa. O indício necessitas constitui mesmo o mais eficiente dispositivo infirmativo da causa simulandi.». [12]Documento de fls.48/50. [13]Sobre o ponto também Luís de Sousa, no local citado, afirma «Este indício admite múltiplas infirmações, a começar pela prática corrente das partes declararem um preço inferior ao real por razões meramente fiscais. Pode tratar-se de um negócio genuíno, tendo as partes actuado apenas como propósito de aliviarem os encargos perante o Estado.»