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COMPETÊNCIA MATERIAL DO TRIBUNAL
EXERCÍCIO DE DIREITOS SOCIAIS
INDEMNIZAÇÃO POR CONCORRÊNCIA DESLEAL
Sumário
I - A aferição da competência material do tribunal é feita com base na relação jurídica controvertida tal como a configura o autor, ou seja, nos precisos termos em que foi proposta a ação II - Para efeitos de integração na alínea c) do n.º 1 do artigo 128.º da Lei da Organização do Sistema Judiciário, «direitos sociais» são os que integram a esfera jurídica do sócio por força do contrato de sociedade, sendo inerentes à qualidade e estatuto de sócio e dirigidos à proteção dos seus interesses sociais. III - Os “direitos sociais” ou corporativos, integráveis na previsão legal do normativo citado pressupõem: i) que o autor tenha a qualidade de sócio; ii) que o direito que visa realizar através da ação se alicerce no contrato de sociedade; iii) que com o pedido formulado vise a proteção de um qualquer dos seus interesses sociais. IV – Sendo a autora uma sociedade, e formulando na petição o pedido de condenação dos réus - sócios de uma outra sociedade (entretanto declarada insolvente) -, em indemnização por danos alegadamente decorrentes de atos praticados pelos réus em seu prejuízo, a ação em apreço não deverá ser preparada e julgada pelos Juízos de Comércio, mas antes pelo Juízo Cível onde foi intentada.
Texto Integral
Processo n.º 4196/20.7T8VNG.P1
Sumário do acórdão:
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Acordam no Tribunal da Relação do Porto
I. Relatório
Em 29.06.2020, B…, Lda. intentou no Juízo Local Cível de Vila Nova de Gaia - Juiz 5, do Tribunal Judicial da Comarca do Porto, ação declarativa, sob a forma de processo comum, contra C…, D… e E…, S.A., formulando os seguintes pedidos:
«a. Condenar os Réus, solidariamente, a efetuar o pagamento de uma quantia não inferior a 6.145,65 €, a título de indemnização pelos prejuízos causados à Autora, a que acrescem juros de mora, vencidos e vincendos, à taxa legal em vigor aplicável às transações comerciais, desde a data da citação até efetivo e integral pagamento. Se assim não se entender, e por mero imperativo de patrocínio, b. Condenar a 3ª Ré a efetuar o pagamento de uma quantia não inferior a 6.145,65 €, a título de indemnização por concorrência desleal e pelos danos resultantes ao abrigo da disposição prevista no artigo 311.º e 347.º do Código da Propriedade Industrial, a que acrescem juros de mora, vencidos e vincendos, à taxa legal em vigor aplicável às transações comerciais, desde a data da citação até efetivo e integral pagamento.».
Como fundamento da sua pretensão, alegou a autora a seguinte factualidade: no âmbito da relação comercial estabelecida entre ambas a autora e a sociedade F…, Lda., foram emitidas as faturas referenciadas na petição, totalizando o valor de € 4.920,00; a autora procedeu à prestação de serviços inicialmente acordada, não tendo a F…, Lda. apresentado qualquer reclamação; a F…, Lda. não procedeu ao pagamento voluntário da quantia em dívida, tendo a autora recorrido ao Procedimento de Injunção; porém, a F…, Lda. apresentou-se à insolvência no dia 28.11.2019, tendo o respetivo processo corrido termos no Juízo de Comércio de Vila Nova de Gaia - Juiz 3, sob o n.º 9386/19.2T8VNG; a sociedade F…, Lda. foi declarada insolvente através de sentença proferida no dia 4.12. 2019; no dia 19.02.2020, a autora propôs ação de verificação ulterior de créditos de modo a obter o reconhecimento do seu crédito contra a sociedade insolvente, correspondente ao montante de € 6.145,65; até à presente data, a autora não foi ressarcida do seu crédito; a sociedade insolvente constituiu-se em 2014, sob a forma de sociedade comercial unipessoal por quotas, tendo como único sócio e gerente C…, ora 1º réu, titular da única quota social no valor nominal de € 1.000,00; em julho de 2017 procedeu-se ao aumento do capital social da insolvente, ficando o 1º réu titular de uma quota social com valor nominal de 50.000,00; posteriormente, em janeiro de 2018, foi deliberada a alteração da natureza jurídica da insolvente de sociedade unipessoal por quotas para sociedade por quotas, tendo-se procedido à divisão da mencionada quota, passando o 1º réu a ser titular de uma quota social com o valor nominal de € 20.000,00, G… de uma quota social com o valor nominal de € 15.000,00, e H… de uma quota social com o valor nominal de € 15.000,00; nessa mesma data, foram designados como gerentes da sociedade, a par do 1º réu, G… e H…; H… renunciou à gerência da insolvente, no dia 1.06.2018, bem como G…, que o fez no dia 16.10.2018; no dia 9.10.2018, foi registada uma alteração ao contrato da sociedade insolvente, verificando-se a transmissão das restantes quotas sociais para o 1º réu, que passou a ser titular de todas as quotas da sociedade; no dia 6.09.2019, o 1º réu renunciou também à gerência da sociedade insolvente, sendo designado como gerente o seu pai, D…, ora 2º réu, a quem foram também transmitidas as quotas sociais de que o 1º réu era titular na insolvente; no processo de insolvência, foram reconhecidos créditos que ascendem ao montante de € 573.992,57, e juros incluídos que acendem ao montante de € 8.582,38; a sociedade não dispõe de ativos e bens que lhe permitam satisfazer os referidos créditos, nem tem capacidade, ou condições, para reiniciar atividade e gerar receitas, tal como concluiu o Exmo. Sr. Administrador da Insolvência no seu Relatório, junto como Doc. 9; a situação de insolvência a que chegou deve-se, sobretudo, à atuação do 1º e 2º réus, que foram, desde a constituição da insolvente, os únicos e verdadeiros donos desta, os únicos a geri-la e a decidir o seu destino, apesar de esta ter tido, temporariamente, outros dois sócios e gerentes, nomeadamente, G… e H…; sabendo da situação de manifesta insuficiência económica da sociedade, os seus gerentes de facto, ora 1º e 2º réus, delinearam um plano para defraudarem as expectativas de todos os credores da sociedade insolvente; já desde pelo menos maio ou junho de 2019, o 1º e 2º réus atuaram no sentido de esvaziar a insolvente da sua carteira de clientes, transmitindo os seus clientes a outra empresa, de modo a torná-la completamente inativa; o 2º réu e outros funcionários da insolvente começaram a trabalhar para uma sociedade que é concorrente direta da insolvente, a E…, S.A, ora 3ª ré; o 1º e 2º réus contactaram os clientes da insolvente, instando-os a contratar a 3ª ré para realizar a prestação de serviços que antes era realizada pela insolvente; a 3ª ré faturava com os clientes que lhe eram facultados pelo 1º e 2º réus e recebia os preços pagos por estes clientes, deixando a insolvente de os receber e de ter receitas; a este desvio da sua carteira de clientes para uma sociedade concorrente direta, aliou-se o desvio dos trabalhadores da insolvente, os quais foram igualmente trabalhar por conta da 3ª ré; a sociedade insolvente, viu a sua apresentação à insolvência ser retardada pelo 1º e 2º réus, com o intuito de se alcançar o objetivo perpetrado por estes, de desvio de clientes e trabalhadores para a E…, S.A, ora 3ª ré; quando a sociedade foi declarada insolvente já não possuía qualquer trabalhador e as instalações não se encontravam a funcionar.
Os réus C…, D… apresentaram contestação, na qual, para além de impugnarem a factualidade alegada na petição, alegam a seguinte factualidade: a sociedade “F…, Lda. ”, aquando da sua apresentação à insolvência, era credora em mais de € 380.000,00; os réus contestantes tudo fizeram para que esta sociedade conseguisse sobreviver, não tendo conseguido tal desiderato; a insolvência da sociedade “F…, Lda.” foi declarada fortuita, não tendo a ora autora recorrido de tal decisão; na ação de verificação ulterior de créditos a ora autora não alegou factos que pudessem consubstanciar a qualificação da insolvência como culposa; a situação económico-financeira da F…, Lda. agravou-se essencialmente no ano de 2019, devido ao facto de não conseguir receber os créditos de que era credora.
A ré E…, S.A., apresentou contestação, na qual, para além do mais, invocou a exceção dilatória de incompetência absoluta do Tribunal, alegando em síntese que a ação instaurada pelo autor constitui o exercício – ainda que de forma ilegítima (ex vi art. 78.º/4 do CSC) - de um direito que assiste aos sócios da sociedade, ou seja, de um direito social, enquadrando-se na competência dos juízos de comércio. Mais alega que o pedido deduzido, exclusivamente, contra a 3ª ré, é da competência do tribunal de propriedade industrial.
Em 09.04.2021 foi proferido saneador sentença com o seguinte dispositivo: «Em face do que fica dito, julga-se verificada a excepção dilatória de incompetência absoluta deste Tribunal, em razão da matéria, e, em consequência, decide-se: - declarar incompetente, em razão da matéria, o presente Juízo Local Cível para conhecer do objecto dos autos; - declarar competente, para conhecer da presente acção, os Juízos de Comércio; - absolver os réus da instância; - condenar a autora no pagamento das custas processuais, as quais se fixam no mínimo legal.».
Não se conformou a autora, e interpôs recurso de apelação, apresentando alegações, findas as quais formula as seguintes conclusões:
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Não foi apresentada resposta às alegações de recurso.
II. Do mérito do recurso 1. Definição do objeto do recurso
O objeto do recurso delimitado pelo recorrente nas conclusões das suas alegações (artigos 635.º, n.º 3 e 4 e 639.º, nºs 1 e 3, ambos do Código de Processo Civil), salvo questões do conhecimento oficioso (artigo 3.º, n.º 3, do diploma legal citado), consubstancia-se na averiguação sobre se a pretensão da autora se traduz no exercício de um “direito social” para efeitos de integração na c) do n.º 1 do artigo 128.º da Lei da Organização do Sistema Judiciário.
2. Fundamentos de facto
A factualidade relevante provada consta do relatório que antecede, com particular relevo para os pedidos formulados pela autora, que ali se transcreveram, e para a causa de pedir, que se sintetizou.
3. Fundamentos de direito
Preceitua o artigo 128.º da Lei n.º 62/2013, de 26 de Agosto [Lei da Organização do Sistema Judiciário]: 1 - Compete aos juízos de comércio preparar e julgar: a) Os processos de insolvência e os processos especiais de revitalização; b) As ações de declaração de inexistência, nulidade e anulação do contrato de sociedade; c) As ações relativas ao exercício de direitos sociais; d) As ações de suspensão e de anulação de deliberações sociais; e) As ações de liquidação judicial de sociedades; f) As ações de dissolução de sociedade anónima europeia; g) As ações de dissolução de sociedades gestoras de participações sociais; h) As ações a que se refere o Código do Registo Comercial; i) As ações de liquidação de instituição de crédito e sociedades financeiras. 2 - Compete ainda aos juízos de comércio julgar as impugnações dos despachos dos conservadores do registo comercial, bem como as impugnações das decisões proferidas pelos conservadores no âmbito dos procedimentos administrativos de dissolução e de liquidação de sociedades comerciais. 3 - A competência a que se refere o n.º 1 abrange os respetivos incidentes e apensos, bem como a execução das decisões.
A questão fulcral em debate nos autos resume-se a saber se a presente ação integra a previsão legal da alínea c) do n.º 1 do normativo que se transcreveu, ou seja, se se refere ao exercício de direitos sociais.
Transcreve-se na íntegra a decisão recorrida: «Para aquilo que aqui importa decidir, veio a autora peticionar, entre o mais, que os réus sejam condenados, «solidariamente, a efetuar o pagamento de uma quantia não inferior a 6.145,65 €, a título de indemnização pelos prejuízos causados à Autora, a que acrescem juros de mora, vencidos e vincendos, à taxa legal em vigor aplicável às transacções comerciais, desde a data da citação até efetivo e integral pagamento». Para tanto, alega que o 1.ᵒ e 2.ᵒ réus, sócios da F…, Lda., entretanto declarada insolvente, constituíram nova sociedade (a aqui 3.ᵃ ré) e, com a sua actuação na gerência da mesma, «delinearam um plano para defraudarem as expectativas de todos os credores da sociedade insolvente». Assim, alega a autora que «No âmbito das funções que desempenhavam nessa sociedade [3.ᵃ ré] e atento o facto de gerirem de facto a insolvente, o 1º e 2º Réus começaram a contactar os clientes da insolvente, instando-os a contratar a 3ª Ré para realizar a prestação de serviços que antes era realizada pela insolvente», sendo ainda certo que «a 3ᵃ Ré faturava com os clientes que lhe eram facultados pelo 1ᵒ e 2ᵒ Réus e recebia os preços pagos por estes clientes, deixando a insolvente de os receber e de ter receitas». Citada, a 3.ᵃ ré veio invocar a incompetência absoluta em razão da matéria deste Tribunal, uma vez que, entende, «A ação de responsabilidade civil instaurada pela A., na medida em que constitui o exercício – (…) – de um direito que assiste aos sócios da sociedade, representa o exercício de um direito social», sendo assim da competência dos Juízos de Comércio. Contra tal entendimento insurgiu-se a autora, alegando, em suma, não estarmos «perante o “exercício de direitos sociais”, uma vez que nenhum direito alegado em sede de peça inaugural se alicerça num contrato de sociedade, nem o pedido formulado visa a proteção dos seus interesses sociais». Importa, por isso, decidir. Antes de mais, cumpre deixar dito que o pedido deduzido pela autora, supra identificado, não é o único pedido que a autora aduz aos autos. Assim, peticionando igualmente a autora, ainda que a título subsidiário, que a 3.ᵃ seja condenada no «pagamento de uma quantia não inferior a 6.145,65 €, a título de indemnização por concorrência desleal e pelos danos resultantes ao abrigo da disposição prevista no artigo 311.ᵒ e 347.ᵒ do Código da Propriedade Industrial», importa que se afira daquela que se vem configurando como «causa de pedir dominante», pois é apenas essa que determina a competência do Tribunal (cf. o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 26-06-2012, Processo n.ᵒ 9398/10.1TBVNG.P1.S1 (Fonseca Ramos), disponível em dgsi.pt). Destarte, devidamente compulsada a petição inicial, constata-se, desde logo pelo carácter subsidiário do pedido atrás referido, que a causa de pedir dominante da acção é aquela que corporiza o pedido aduzido aos autos sob a forma da alínea a) – (que os réus sejam condenados, «solidariamente, a efetuar o pagamento de uma quantia não inferior a 6.145,65 €, a título de indemnização pelos prejuízos causados à Autora, a que acrescem juros de mora, vencidos e vincendos, à taxa legal em vigor aplicável às transacções comerciais, desde a data da citação até efetivo e integral pagamento»), sendo apenas a esse, por isso, que nos referimos doravante. Ora, a divergência entre as partes quanto à atribuição da competência material do presente Juízo prende-se, exclusivamente, com os desencontros entre o entendimento a ter sobre o que se consideram ser «direitos sociais». A esse propósito, pronunciou-se já o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 08-05-2013, Processo n.ᵒ 5737/09.6TVLSB.L1-S1 (Fernando Bento), disponível em dgsi.pt: «os direitos sociais não são apenas os direitos de que são titulares os sócios: a sociedade, os sócios, os credores sociais e terceiros (cfr. art.s 78º e 79º CSC), podem ser titulares de direitos sociais, porque expressamente conferidos pela lei societária. “A acção de responsabilidade contra os administradores tem carácter de acção social, enquanto está dirigida à protecção e defesa do património ou dos interesses sociais em geral, mediante o ressarcimento do dano sofrido. Por isso, se atribui, em primeiro termo, à sociedade, subsidiariamente aos accionistas como titulares de um interesse indirecto na defesa do património social, e, em última linha, aos credores sociais que, contando com o património social como garantia dos seus créditos, se prejudicam com a diminuição daquele” (cfr. Rodrigo Uria, Derecho Mercantil, 27ª ed., 2000, p. 343)» (também assim, o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 05-07-2018, Processo n.ᵒ 11411/16.0T8LSB.L1 (Abrantes Geraldes), disponível em dgsi.pt). Ainda a respeito, o Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 22-09-2015, Processo n.ᵒ 5542/13.5TBLRA.C1 (Fonte Ramos), disponível em dgsi.pt, que assim sumaria: «1. Os direitos sociais são os direitos cuja matriz, directa e imediatamente, se funda na lei societária (lei que estabelece o regime jurídico das sociedades comerciais) e/ou no contrato de sociedade. 2. Podem ser titulares de direitos sociais a sociedade, os sócios, os credores sociais e terceiros». Destarte, e a respeito da competência para o conhecimento de tais acções, o mesmo aresto é sintomático: «Na atribuição de competência especializada às Secções de Comércio para preparar e julgar as acções relativas ao exercício dos direitos sociais releva a circunstância de estarmos perante matérias que exigem especial preparação técnica e sensibilidade e envolvem dificuldades/complexidades que podem repercutir-se também na respectiva solução». Na presente acção, a autora alega ter ficado prejudicada com a actuação dos 1.ᵒ e 2.ᵒ réus, uma vez que estes terão, segundo aquela alegação e como já referido, delineado «um plano para defraudarem as expectativas de todos os credores da sociedade insolvente». Para se ver ressarcida dos prejuízos que alega ter sofrido, a lei societária confere à autora, através do disposto no artigo 78.ᵒ, n.ᵒ 1, do Código das Sociedades Comerciais, como aliás a mesma autora configura, o «exercício de um direito próprio do credor, uma responsabilidade independente da existente para com a sociedade», porquanto «o acto ilícito do gerente afecta, em primeiro lugar, o património social e, indirectamente, do credor» (assim, o Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 11-10-2011, Processo n.ᵒ 4206/07.3TBVCT.G2 (Ana Cristina Duarte), disponível em dgsi.pt). Em jeito de conclusão: porque o alegado direito da autora se funda, directa e imediatamente, na lei societária, são competentes, para conhecer da presente acção, os Juízos de Comércio. Por conseguinte, as regras de competência em razão da matéria mostram-se infringidas, o que determina a incompetência absoluta do Tribunal (cf. o artigo 96.ᵒ, alínea a), do Código de Processo Civil). Ora, tal incompetência do Tribunal configura-se como uma excepção dilatória, importando a absolvição dos réus da instância (cf. os artigos 99.ᵒ, n.ᵒ 1, 576.ᵒ, n.ᵒˢ 1 e 2, e 577.ᵒ, alínea a), do Código de Processo Civil), o que não prejudica o facto de os articulados poderem vir a ser utilizados no Tribunal competente, nos termos do artigo 99.ᵒ, n.ᵒ 2, do Código de Processo Civil. Custas processuais Nos termos do artigo 527.ᵒ, n.ᵒˢ 1 e 2, do Código de Processo Civil, é sobre a autora que impende proceder ao pagamento das custas processuais. Decisão Em face do que fica dito, julga-se verificada a excepção dilatória de incompetência absoluta deste Tribunal, em razão da matéria, e, em consequência, decide-se: - declarar incompetente, em razão da matéria, o presente Juízo Local Cível para conhecer do objecto dos autos; - declarar competente, para conhecer da presente acção, os Juízos de Comércio; - absolver os réus da instância; - condenar a autora no pagamento das custas processuais, as quais se fixam no mínimo legal.».
Como tem sido pacificamente aceite na jurisprudência, a aferição da competência do tribunal é feita com base na relação jurídica controvertida, tal como a configura o autor, ou seja, nos precisos termos em que foi proposta a acção[1].
Na situação sub judice, como resulta do relatório que antecede, a autora/recorrente pede a condenação dos réus no pagamento de quantia “não inferior a 6.145,65 €, a título de indemnização pelos prejuízos causados à Autora”, alegando como suporte factual de tal pretensão: que o 1º e 2º réus atuaram no sentido de esvaziar a sociedade F…, Lda. (da qual eram sócios), da sua carteira de clientes, de modo a torná-la completamente inativa, transmitindo os seus clientes a outra empresa (3.ª ré); que em consequência de tal conduta a sociedade F… foi declarada insolvente; que o 2º réu e outros funcionários da insolvente começaram a trabalhar para uma sociedade, concorrente direta da insolvente (3.ª ré), contactando os clientes da insolvente, instando-os a contratar a 3ª ré para realizar a prestação de serviços que antes era realizada pela insolvente; que a 3ª ré faturava com os clientes que lhe eram facultados pelo 1º e 2º réus e recebia os preços pagos por estes clientes, deixando a insolvente de os receber e de ter receitas; que a este desvio da sua carteira de clientes para uma sociedade concorrente direta, aliou-se o desvio dos trabalhadores da insolvente, os quais foram igualmente trabalhar por conta da 3ª ré; que a sociedade insolvente, viu a sua apresentação à insolvência ser retardada pelo 1º e 2º réus, com o intuito de se alcançar o objetivo perpetrado por estes, de desvio de clientes e trabalhadores para a E…, S.A, ora 3ª ré; que quando a sociedade F… foi declarada insolvente já não possuía quaisquer trabalhadores nem património.
Em suma, a causa de pedir - ato ou facto jurídico (simples ou complexo, mas sempre concreto) de onde emerge o direito que o autor invoca ou se propõe fazer valer[2] - radica na alegação, por parte da autora, de factos praticados pelos réus, dos quais decorreu um dano que a autora pretende ver ressarcido através da indenização que peticiona.
Será a presente ação vocacionada para a realização de um qualquer exercício de direitos sociais?
Na sentença recorrida o Mº Juiz conclui que a ação em apreço se refere ao exercício de direitos sociais, invocando em abono da tese que defende, dois acórdãos: do STJ, de 5.07.2018, processo n.º 11411/16.0T8LSB.L1, e da Relação de Coimbra, de 22.09.2015, processo n.º 5542/13.5TBLRA.C1.
No entanto, salvo o devido respeito, não se verifica qualquer coincidência entre as situações debatidas nos citados arestos e a que se nos depara nos autos.
Vejamos, em síntese:
1) No acórdão do STJ citado, o autor alegou ser sócio da 1.ª ré tendo os restantes sócios (corréus) praticado atos através dos quais delapidaram e dissiparam o património social, com prejuízo para o autor.
Na 1.ª instância foi julgada verificada a exceção dilatória da incompetência material do Tribunal Cível para conhecer da ação e, consequentemente, absolvidos os réus da instância, por se considerar que, tratando-se de ação para exercício de direito sociais, a competência cabia aos Juízos do Comércio.
Em apelação, a Relação confirmou a decisão.
O Supremo julgou procedente a revista, revogando o acórdão da Relação, declarando a competência do Juízo Cível, com o fundamento de que «Estão fundamentalmente em causa atos praticados por certos gerentes da 1ª R. em alegado conluio com a gerência da 2ª R. na qual o A. não tem qualquer participação social, sendo-lhe aplicável um regime jurídico que emerge do direito civil em geral, sem especial conexão com o regime que emerge do Cód. das Sociedades Comerciais e, dentro deste, com o preceituado acerca de direitos sociais.», não estando «verdadeiramente em causa o exercício de um direito social, antes o exercício do direito de ação numa área em que acabam por dominar as regras gerais do direito civil.»[3].
2) No citado acórdão da Relação de Coimbra, o autor alega que é sócio da ré (sociedade), pedindo a condenação desta a pagar-lhe uma indemnização pelos prejuízos causados com a sua destituição, sem justa causa, das suas funções de gerente.
Na 1.ª instância foi julgada verificada a exceção dilatória da incompetência material do Tribunal Cível para conhecer da ação, concluindo-se pela competência dos Juízos do Comércio.
Não se tendo conformado o autor, interpôs recurso de apelação, julgada improcedente no acórdão citado.
Nas alegações de recurso, a recorrente cita em defesa da sua tese, entre outros, um acórdão relatado pelo ora relator nesta Relação, de 18.04.2016 [processo n.º 84362/15.3YIPRT.P1], parcialmente sumariado nos seguintes termos:
«[…]
II - Para efeitos de integração na alínea c) do n.º 1 do artigo 128.º da Lei da Organização do Sistema Judiciário, «direitos sociais» são os que integram a esfera jurídica do sócio, por força do contrato de sociedade, sendo inerentes à qualidade e estatuto de sócio e dirigidos à proteção dos seus interesses sociais.
III - Os “direitos sociais” ou corporativos, integráveis na previsão legal do normativo citado pressupõem: i) que o autor tenha a qualidade de sócio; ii) que o direito que visa realizar através da ação se alicerce no contrato de sociedade; iii) que com o pedido formulado vise a proteção de um qualquer dos seus interesses sociais.
IV - […]».
Cita ainda a recorrente um outro aresto deste Tribunal, com causa de pedir semelhante à que é invocada nestes autos [RP, 22.03.2021, processo n.º 17258/19.4T8PRT.P1], no qual se conclui:
«Tem competência em razão da matéria, o juízo local cível, para preparar e julgar ação de responsabilidade civil, pela prática de facto ilícito, instaurada por um credor social contra o gerente de uma sociedade, que é sua devedora e ainda, uma terceira sociedade, com fundamento na violação de normas e procedimentos destinados à proteção dos credores em geral, fora do concreto e limitado regime jurídico das sociedades comerciais, não se enquadrando tal ação na tipologia de ações destinadas ao exercício de “direitos sociais” (art. 128º/1/c) da Lei 62/2013 de 26 de agosto).».
Afigura-se-nos que à expressão ações relativas ao exercício de direitos sociais enunciada na previsão legal da alínea c) do n.º 1 do artigo 128.º da Lei n.º 62/2013, de 26.08, não poderá ser atribuído um outro conteúdo, para além do exercício de direitos decorrentes da qualidade jurídica de sócio.
Assim o vem afirmando a jurisprudência citando-se, a título exemplificativo, as conclusões em sentido convergente, enunciadas nos seguintes arestos:
1) No acórdão da Relação de Lisboa, de 18.06.2015 [processo n.º 792-15.2T8BRR.L1-6]: «Com a utilização da expressão “exercício de direitos sociais” tem-se em vista as acções relativas ao exercício de direitos conferidos aos sócios de uma determinada sociedade, ou seja, exercício de direitos decorrentes dessa qualidade jurídica de sócio, visando a protecção dos seus interesses».
2) No acórdão da Relação de Coimbra, de 8.05.2019 [processo n.º 119/17.9T8CLD.C1]: «Direitos sociais, para o efeito de fixação da competência das secções de comércio, a que alude o art.º 128.º, n.º 1, al.ª c), da LOSJ (Lei n.º 62/2013, de 26-08), são os inerentes à qualidade de sócio de determinada sociedade, decorrentes do contrato de sociedade e tendentes à proteção do sócio no âmbito dos seus interesses sociais.».
Na situação sub judice, como consta do relatório, a autora é uma sociedade que pede a condenação dos sócios de uma outra sociedade (entretanto declarada insolvente), em indemnização por danos alegadamente decorrentes de atos praticados pelos réus em seu prejuízo.
Face ao recorte que se propõe do conceito normativo de ações relativas ao exercício de direitos sociais, resta-nos concluir que, aferindo-se a competência do tribunal com base na relação jurídica controvertida, tal como a configura o autor, a ação em apreço não deverá ser preparada e julgada pelos Juízos de Comércio, mas antes pelo Juízo Cível onde foi intentada.
Decorre do exposto a procedência da pretensão recursória.
III. Dispositivo
Com fundamento no exposto, acordam os Juízes desta Relação em julgar procedente o recurso e, em consequência, em revogar a decisão recorrida, declarando competente para a tramitação da ação o Juízo Local Cível de Vila Nova de Gaia
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Custas pelos recorridos, em proporção a fixar a final.
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Porto, 29.09.2021
Carlos Querido
João Ramos Lopes
José Igreja Matos
______________ [1] Vide neste sentido o acórdão desta Relação, de 18.04.2016, relatado pelo ora relator no processo n.º 84362/15.3YIPRT.P1, bem como o acórdão do mesmo relator, da Relação de Coimbra, de 15.11.2011, processo n.º 2081/06.4TBAGD.C1, acessível no site da DGSI, onde se citam os seguintes arestos: STJ, de 20/05/98, BMJ 477-389, RP., de 04-02-2010, Proc. 8536/08.9TBVNG.P1, RP, de 19.02.2004, Proc. 0326765 e RP de 18-06-2008, Proc. 0833654 (estes três últimos acessíveis no site da DGSI). [2] Manuel de Andrade, Noções Elementares de Processo Civil, Coimbra Editora, 1979, pág.111. [3] Entendeu-se no citado aresto, que uma ação interposta pelo sócio de uma sociedade comercial contra essa sociedade e uma outra, na qual se formulava um pedido de declaração de nulidade de acordos que celebraram, alegadamente inseridos numa atuação concertada de ambas com o objetivo de descapitalizarem a primeira sociedade, não se inscreve na esfera de competência especializada dos juízos do comércio, porquanto não se trata de uma ação relativa ao “exercício de direitos sociais”, isto é, ao exercício de direitos que emergem especificamente do regime jurídico das sociedades comerciais.