I - No que à admissibilidade de recursos em sede de processo de insolvência concerne, o art. 14.º, n.º 1, do CIRE, dispõe especificamente que «No processo de insolvência, e nos embargos opostos à sentença de declaração de insolvência, não é admitido recurso dos acórdãos proferidos por tribunal da relação, salvo se o recorrente demonstrar que o acórdão de que pretende recorrer está em oposição com outro, proferido por alguma das relações, ou pelo Supremo Tribunal de Justiça, no domínio da mesma legislação e que haja decidido de forma divergente a mesma questão fundamental de direito e não houver sido fixada pelo Supremo, nos termos dos artigos 732.º-A e 732.º-B [actuais 686.º e 687.º] do Código de Processo Civil, jurisprudência com ele conforme.».
II - Tem sido entendimento desta 6.ª secção que o referido ínsito legal, por um lado, se refere apenas à sentença de declaração de insolvência e à oposição que for eventualmente deduzida; por outro lado, quaisquer outros incidentes processados por apenso aos autos de insolvência encontram-se excluídos daquele regime específico, o que significa que as decisões neles produzidas são passíveis de recurso nos termos gerais; e, quer a uns, quer a outros, são aplicáveis as regras gerais de verificação das condições de admissibilidade de recurso, ex vi do normativo inserto no art. 17.º, n.º,1, do CIRE.
III - Assim, o aludido regime, quer específico, respeitante apenas aos requisitos excepcionais do art. 14.º, n.º 1, quer o genérico, aplicável aos demais incidentes e acções apensas ao processo de insolvência, como o caso dos autos em equação, não afasta os demais requisitos legais gerais processualmente exigíveis, maxime o da alçada, aludido no art. 629.º, n.º 1, do CPC, aplicável ex vi do disposto no apontado art. 17.º, n.º 1, do CIRE, ínsito este que faz remeter, subsidiariamente, para as regras processuais.
IV - Resulta do apontado normativo – art. 629.º, n.º 1, do CPC – que «O recurso ordinário só é admissível quando a causa tenha valor superior à alçada do tribunal de que se recorre e a decisão impugnada seja desfavorável ao recorrente em valor superior a metade da alçada desse tribunal, atendendo-se, em caso de fundada dúvida acerca do valor da sucumbência, somente ao valor da causa.»; se o valor da acusa foi fixado em 13 873,14 €, em sede de despacho saneador proferido na audiência prévia, dúvidas não poderão subsistir que face ao preceituado naquele segmento normativo, bem como no art. 44.º, n.º 1, da LOSJ, o recurso de revista interposto não tem qualquer cabimento.
PROC 5748/16.5T8LSB-D.L1-A.S1
6ª SECÇÃO
MASSA INSOLVENTE DE JOAQUIM NEVES, LDA, nos autos de acção de despejo que lhe move ROSSIO PLACE, LDA, notificada do despacho singular da Relatora que lhe indeferiu a reclamação por si apresentada do despacho que lhe não admitiu o recurso de Revista interposto do Acórdão da Relação ........, vem reclamar para a Conferência, pretendendo que sobre o mesmo incida um Acórdão, uma vez que é seu entendimento que sic «[a] reclamação oportunamente apresentada teve por base o entendimento da Recorrente de que, ao artigo 14º nº 1 do CIRE não se aplicam as normas do CPC relativas à alçada, as quais são por este preceito afastadas, não podendo, em consequência, ser o valor da ação critério de admissão do recurso.».
Na resposta a Recorrida pugna pela manutenção daquela decisão liminar.
No despacho ora posto em crise, lêse:
«MASSA INSOLVENTE DE JOAQUIM NEVES, LDA vem ao abrigo do artigo 643º do CPCivil, reclamar do despacho do Exº Sr Desembargador Relator do Tribunal da Relação de ..., que lhe não admitiu o recurso de Revista interposto do Acórdão que, na procedência da Apelação interposta por aquela Autora, revogou a sentença de primeiro grau e julgou parcialmente procedente a acção, declarando resolvido o contrato de arrendamento cujo objecto é a fracção autónoma correspondente ao rés do chão do prédio urbano sito na ..., em Lisboa, condenando a Ré massa Insolvente a entregar-lho livre e desocupado de pessoas e bens no prazo de trinta dias, apresentando para o efeito o seguinte acervo conclusivo:
- Foi a Reclamante notificada da não admissão do recurso por si oportunamente interposto, por considerar o Tribunal "a quo" que a Reclamante carece de legitimidade para recorrer da decisão em crise, tendo em conta o valor da acção, que se cifra em €13.873,14, e que por tal razão não permite a admissão do recurso, por tal valor ser inferior à alçada da Relação, que ascende ao valor de €30.000,01.
- O recurso oportunamente interposto teve por base o que decorre no artigo
14.º, n.º1, do CIRE, porquanto o presente processo configura um apenso ao
processo de insolvência.
- O recurso interposto assenta em contradição de Acórdãos, Acórdãos esses
devidamente identificados no recurso interposto.
- Tendo em conta que o fundamento para a interposição do recurso tem por base o referido, com o devido respeito, afigura-se que o valor da acção não terá de ser, neste caso concreto, factor de aferição de admissão do recurso interposto, tendo o Tribunal recorrido feito uma errada interpretação e aplicação do que decorre do artigo 14.º, n.º 1, do CIRE.
- Analisado o que decorre do artigo 14.º, n.º 1, do CIRE temos que estamos perante um caso em que o recurso da decisão encontra-se especialmente previsto para os processos regulados no CIRE, e que afasta a aplicação das regras do CPC prevista no artigo 17° do CIRE.
- No caso em concreto, em face e um recurso "atípico" em que o valor da causa não deverá nortear a sua admissibilidade, devendo, outrossim, ser privilegiada a uniformização de jurisprudência no que aos processos de insolvência diz respeito, em prejuízo das regras gerais de admissão dos recursos previsto no Código do Processo Civil.
- Assim, e salvo o devido respeito por opinião diversa da nossa, termos que para se aferir da admissibilidade do recurso oportunamente interposto pela Reclamante deverá ser aferido o que decorre do artigo 14.º, do CIRE, em nítido privilégio das regras previstas no C.P.C., que são, por este artigo 14.o, do CIRE, afastadas.
- Nesta conformidade, afigura-se que deverá ser o recurso oportunamente interposto ser admitido e apreciado por V. Exas, tendo por base o que decorre do artigo 14.º, n.° 1, do CIRE que afasta as regras gerais previstas no C.P.C., não devendo ser o valor da acção critério de admissão do recurso.
A Autora, aqui Reclamada, na resposta apresentada, pugna pela manutenção do despacho reclamado que não admitiu a Revista.
Mostra-se assente, com interesse para a dissolução da questão solvenda, o seguinte iter processual:
- Rossio Place instaurou acção declarativa de despejo com processo comum contra massa Insolvente de Joaquim Neves, Lda, por apenso aos autos de insolvência desta devedora.
- O valor atribuído à acção de despejo cifrou-se em 13.873, 14 €, em sede de despacho saneador proferido na audiência prévia.
- Por decisão prolatada pelo Exº Sr Desembargador Relator do Tribunal da Relação de ..., que em cópia certificada faz fls 63, o recurso de Revista interposto pela Ré, aqui Reclamante, não foi admitido nos termos das disposições conjugadas dos artigos 629º, nº1 e 641º, nº2, alínea a) do CPCivil.
Analisemos.
A Recorrente, aqui Reclamante, interpôs recurso de Revista nos termos do disposto no artigo 14º, nº1 do CIRE, pois na sua tese é este o normativo aplicável, fazendo-o com base em oposição de Acórdãos que indica no corpo das suas alegações e conclusões impugnatórias.
No que à admissibilidade de recursos em sede de processo de insolvência concerne, o artigo 14º, nº1 do CIRE, dispõe especificamente que «No processo de insolvência, e nos embargos opostos à sentença de declaração de insolvência, não é admitido recurso dos acórdãos proferidos por tribunal da relação, salvo se o recorrente demonstrar que o acórdão de que pretende recorrer está em oposição com outro, proferido por alguma das relações, ou pelo Supremo Tribunal de Justiça, no domínio da mesma legislação e que haja decidido de forma divergente a mesma questão fundamental de direito e não houver sido fixada pelo Supremo, nos termos dos artigos 732.º-A e 732.º-B [actuais 686º e 687º] do Código de Processo Civil, jurisprudência com ele conforme.».
Tem sido entendimento desta 6ª secção que, o referido ínsito legal, por um lado, se refere apenas à sentença de declaração de insolvência e à oposição que for eventualmente deduzida; por outro lado, quaisquer outros incidentes processados por apenso aos autos de insolvência encontram-se excluídos daquele regime específico, o que significa que as decisões neles produzidas são passíveis de recurso nos termos gerais; e, quer a uns, quer a outros, são aplicáveis as regras gerais de verificação das condições de admissibilidade de recurso, ex vi do normativo inserto no artigo 17º, nº1 do CIRE, cfr inter alia os Ac deste STJ de 13 de Novembro de 2014 (Relator Pinto de Almeida, aqui 1º Adjunto), de 18 de Outubro de 2016, deste mesmo Colectivo, de 10 de Maio de 2018 e 14 de Maio de 2019 (Relator Henrique Araújo), in www.dgsi.pt.
Assim, o aludido regime, quer específico, respeitante apenas aos requisitos excepcionais do artigo 14º, nº1, quer o genérico, aplicável aos demais incidentes e acções apensas ao processo de insolvência, como o caso dos autos em equação, não afasta os demais requisitos legais gerais processualmente exigíveis, maxime o da alçada, aludido no artigo 629º, nº1 do CPCivil, aplicável ex vi do disposto no apontado artigo 17º, nº1 do CIRE, ínsito este que faz remeter, subsidiariamente, para as regras processuais, vejam-se acerca desta problemática, entre outros, os Ac STJ 13 de Novembro de 2014 (Relator Pinto de Almeida), 12 de Agosto de 2016 (Relator Nuno Cameira), de 13 de Julho de 2017 e de 24 de Outubro de 2017 deste mesmo Colectivo, in www.dgsi.pt.
Resulta do apontado normativo – 629º, nº1 do CPCivil – que «O recurso ordinário só é admissível quando a causa tenha valor superior à alçada do tribunal de que se recorre e a decisão impugnada seja desfavorável ao recorrente em valor superior a metade da alçada desse tribunal, atendendo-se, em caso de fundada dúvida acerca do valor da sucumbência, somente ao valor da causa.».
In casu, porque o valor da acusa foi fixado em 13.873, 14 €, em sede de despacho saneador proferido na audiência prévia, dúvidas não poderão subsistir que face ao preceituado naquele segmento normativo bem como no artigo 44º, nº1 da LOSJ, o recurso de Revista interposto não tem qualquer cabimento, falecendo os argumentos que, em contrário e sem qualquer sustentação legal, são aventados pela Recorrente.
Destarte, de harmonia com o nº4 do artigo 643º do CPCivil, indefere-se a reclamação, mantendo-se o despacho reclamado.».
Mantem-se a fundamentação extractada, a qual nem sequer é posta em causa pela Reclamante, a qual se limita a arvorar, apenas e tão só, que o seu entendimento é contrário.
Pois bem.
Não obstante a Reclamante possa ter as suas convicções jurídicas, não quer dizer que as mesmas sejam ou possam ser as adoptadas em sede legal, jurisprudencial e/ou doutrinário, sendo que, in casu, como já se deixou explanado, aos recursos encetados em sede insolvencial são aplicáveis a regras gerais de impugnação insertas no CPCivil, como decorre inequivocamente do artigo 17º, nº1 do CIRE.
Destarte, sem necessidade de outros considerandos, por despiciendos, indefere-se a reclamação apresentada, mantendo-se na integra o despacho reclamado.
Custas pela Reclamante, com taxa de justiça em 3 Ucs
Lisboa, 8 de Setembro de 2021
Ana Paula Boularot (Relatora)
Fernando Pinto de Almeida
José Rainho
Sumário (art. 663º, nº 7, do CPC).