PROVIDÊNCIA CAUTELAR NÃO ESPECIFICADA
REQUISITOS
PERICULUM IN MORA
Sumário

I) O decretamento de uma providência cautelar não especificada está dependente da verificação dos seguintes requisitos: probabilidade séria da existência do direito invocado; fundado receio de que outrem, antes da acção ser proposta ou na pendência dela, cause lesão grave e dificilmente reparável a tal direito; não exceder o prejuízo resultante da providência o dano que com ela se quer evitar; e não existência de providência específica para acautelar o mesmo direito.
II) Para efeitos da aferição da existência do requisito do “periculum in mora” só devem ser ponderadas as lesões graves e dificilmente reparáveis, sendo que quanto aos prejuízos materiais o critério de aferição deve ser mais rigoroso do que o utilizado para a aferição dos danos imateriais, pois que, por regra, os primeiros são passíveis de ressarcimento através de um processo de reconstituição natural ou de indemnização substitutiva.
III) O requerente da providência tem de alegar e provar factos reais, certos e concretos que mostrem que o receio que invoca é fundado e não é fruto da sua imaginação exacerbada ou da sua desconfiança doentia, não sendo suficiente para o decretamento de uma providência cautelar a mera possibilidade remota de o requerente vir a sofrer danos.

Texto Integral

          

  Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra

CONDOMÍNIO DO PRÉDIO SITO NA RUA X... , em ... representado pelo Administrador de condomínio, A... , Lda.” intentou o presente procedimento cautelar comum contra B ... , já identificada nos autos, pedindo que lhe seja restituída “a posse das partes comuns ocupadas, demolidas e alteradas do prédio urbano constituído em regime de propriedade horizontal sito na Rua X... nomeadamente das defesas, e do terreno circundante desde o muro e escadas até ao local onde antes estava o muro e que se situa a norte do prédio requerente e a sul do prédio requerido e que foram ocupadas, danificadas, intervencionadas e destruídas pela requerida”

Alegou, em suma, que no pretérito dia 2 de Abril de 2020 constatou-se que a requerida está a fazer obras num prédio urbano que comprou e que se situa e confronta com o prédio urbano constituído no regime da propriedade horizontal, aqui requerente; entre o prédio requerente e o prédio da requerida que sempre foram e estiveram perfeitamente delimitados por um muro, havia, contudo, uma pequena cancela no topo desse mesmo muro, cujo escopo era tão somente para a inquilina, que já era de idade, que habitava no prédio comprado pela requerida passar a pé; no entanto, a requerida mandou demolir tudo, o muro, a cancela, o pátio e entrando pelo interior das defesas; e assim, a requerida sem consentimento, sem ter qualquer direito, apesar das defesas estarem perfeitamente delimitadas constata-se a olho nu que a divisória entre as mesmas não foi respeitada, do muro e cancela, ainda assim mandou demolir o muro e defesas, bem como ocupou o terreno que corresponde ao logradouro do prédio requerente, tapando as portas das defesas emparedando-as; o requerente está, por conseguinte, esbulhado e privado de uma parte comum do seu prédio.

Para justificar o “periculum in mora” refere-se na petição que “é o único modo de sobrestar esta atuação da requerida e de estancar o dilacerante e fatal prejuízo que a conduta da requerida está a provocar no requerente. Doutra forma a mossa será irreversível, nomeadamente se se iniciar nova na parte do prédio do requerente construção ou mesmo se se vedar o acesso à entrada do rés-do-chão esquerdo”. (…) “Por outro lado, o decurso da ação será fatal além de o prédio ter ficado devassado o que pode tornar a lide numa lide meramente platónica”. (arts. 46 e 47º da petição)

Determinada a citação da requerida, foi apresentada oposição, onde, para além de defesa por excepção (designadamente ilegitimidade activa e passiva), deduziu defesa por impugnação, designadamente que não ocupou qualquer parcela/área do prédio do requerente, limitando-se as obras que está a efectuar a “obras de remodelação da parte coberta do seu prédio”, não invadindo o do requerente.

Conclui pela improcedência do procedimento por não estarem reunidos os necessários pressupostos, designadamente a existência de qualquer lesão grave ou de difícil reparação, pelo que inexiste o requisito do “periculum in mora”.

Foi proferido despacho a julgar improcedente a excepção de ilegitimidade processual activa.

Por decisão de 29.06.2020 foi admitida a intervenção principal passiva de C... , cônjuge da requerida, o qual apresentou aderiu à oposição apresentada pela requerida.

Conclusos os autos à M.ma Juiz a quo, esta, por entender que os autos já continham todos os elementos para, sem necessidade de produção de prova, conhecer da pretensão formulada pelo requerentes, proferiu a decisão de fl.s 66 a 68 v.º, aqui recorrida, na qual se julgou improcedente o presente procedimento cautelar, não se ordenando a providência requerida, ficando as custas a cargo do requerente, com o fundamento em que, resumidamente, ainda que se procedesse “à produção da prova arrolada, jamais se poderia concluir pela probabilidade consistente da existência do direito do requerente, nem pelo perigo sério de que a demora na decisão definitiva lhe acarrete um dano grave irreparável ou de difícil reparação”.

Inconformado com tal decisão, dela interpôs recurso, o requerente Condomínio do Prédio n.º ..., da Rua X... , o qual foi admitido como sendo de apelação, com subida imediata, nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo (cf. despacho de fl.s 86), finalizando as suas alegações de recurso, com as seguintes conclusões:

(…)

Contra-alegando, os requeridos, pugnam pela manutenção da decisão recorrida, aderindo aos fundamentos nesta expostos, designadamente que não se verificam os requisitos exigidos para a procedência do ajuizado procedimento cautelar.

Dispensados os vistos legais, há que decidir.

Tendo em linha de conta que nos termos do preceituado nos artigos 635, n.º 4 e 639, n.º 1, ambos do CPC, as conclusões da alegação de recurso delimitam os poderes de cognição deste Tribunal e considerando a natureza jurídica da matéria versada, a questão a decidir é a de saber se se verificam os requisitos legais para que possa ser decretado o procedimento cautelar intentado pelo requerente, designadamente o “periculum in mora”.

A factualidade a ter em conta para decisão desta questão é a que consta do relatório que antecede.

Se se verificam os requisitos legais para que possa ser decretado o procedimento cautelar intentado pelo requerente, designadamente o “periculum in mora”.

Como resulta do relatório que antecede, o recorrente insurge-se contra a conclusão a que se chegou na decisão recorrida, contrapondo que se deve considerar que os factos alegados, a provarem-se, permitem concluir que se verificam os requisitos exigidos para a procedência do procedimento cautelar em apreço: probabilidade da existência do direito a que se arroga e dano irreparável ou de difícil reparação, pelo que se deverá proceder à produção da prova indicada, a fim de lhe ser possível fazer a demonstração dos factos que alegou.

O que justifica, como resulta das conclusões 13.ª a 16.ª, pelo facto de a conduta dos requeridos se traduzir na “devassa e ocupação de uma parcela de terreno” que pertence ao prédio do requerente e que se impõe “acautelar que no local não se autorize a continuação da construção em prédio do requerente pela requerida, bem como que se reponha o que já se danificou com a construção do muro” e que o dano será irreparável “se se iniciar nova na parte do prédio do requerente construção ou mesmo se se vedar o acesso à entrada do rés-do-chão esquerdo”.

Acrescentando que não se alegou isso no requerimento inicial, porque ainda não teria acontecido, “mas foi o que acabou por acontecer” – cf. conclusão 16.ª, in fine.

O decretamento duma providência cautelar não especificada está – cfr. art. 2.º, n.º 2, 362.º/1 e 2, 365.º/1 e 368.º/2, todos do CPC e 20.º, n.º 5, da CRP – dependente da conjugação dos seguintes 4 requisitos:

-- Probabilidade séria da existência do direito invocado (e deduzido em acção proposta ou a propor, excepto no caso de ser decretada inversão do contencioso);

-- Fundado receio de que outrem, antes da acção ser proposta ou na pendência dela, cause lesão grave e dificilmente reparável a tal direito;

-- Não exceder o prejuízo resultante da providência o dano que com ela se quer evitar; e

-- A não existência de providência específica para acautelar o mesmo direito.

“Probabilidade séria da existência do direito invocado” que se basta com um mero juízo de verosimilhança, isto é, com uma prova sumária; outrotanto não acontecendo com a apreciação dos factos integradores do “periculum in mora”, em que se deve usar um critério mais rigoroso.

Efectivamente, em relação aos factos integradores do “periculum in mora”, o requerente tem que alegar e depois provar – não bastando um mero juízo de verosimilhança – o fundado receio de lesão grave e dificilmente reparável.

O que significa, por um lado, que não é toda e qualquer consequência que previsivelmente ocorra antes duma decisão definitiva que justifica o decretamento de uma medida provisória; só lesões graves e dificilmente reparáveis permitem a tomada de uma decisão cautelar[1]. E, por outro lado, que também não é um temor vago e incerto que justifica a medida provisória; só um receio fundado, isto é, apoiado em factos que permitam afirmar, com objectividade, a seriedade e actualidade da ameaça permitem a tomada duma decisão cautelar.

Como referem Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, in CPC, Anotado, Vol. 2.º, 4.ª Edição, Almedina, pág.s 7 e 8, se quanto à existência do direito ameaçado, dadas a provisoriedade da medida cautelar e a sua instrumentalidade perante a acção de que é dependência, bastará ao requerente fazer uma prova sumária, que já não basta quanto ao “periculum in mora”, “que deve revelar-se excessivo: a gravidade e a difícil reparabilidade da lesão receada apontam para um excesso de risco relativamente àquele que é inerente à pendência de qualquer ação; trata-se de um risco que não seria razoável exigir que fosse suportado pelo titular do direito”.

Nos dizeres de Marco Carvalho Gonçalves, Providências Cautelares, Almedina, 2015, a pág.s 214/5 “o requerente da providência deve trazer ao tribunal a notícia de factos reais, certos e concretos que mostrem ser fundado o receio que invoca e não fruto da sua imaginação exacerbada ou da sua desconfiança doentia, pelo que não é suficiente para o decretamento de uma providência cautelar a mera possibilidade remota de vir a sofrer danos.

(…)

o juiz deve fazer um juízo de prognose, colocando-se na situação futura de uma hipotética sentença de provimento, para concluir se há, ou não, razões para recear que tal sentença venha a ser inútil, por entretanto se ter consumado uma situação de facto incompatível com ela, ou por se terem produzido prejuízos de difícil reparação para quem dela deva beneficiar, que obstam à reintegração específica da sua tutela jurídica”.

No mesmo sentido, Lucinda Dias da Silva, in Procedimento Cautelar Comum, Coimbra Editora, que a pág.s 145/6, refere que “importa (…) que o julgador se convença de que existe perigo, isto é, que considere provados factos que permitam concluir existir um conjunto de circunstâncias que tornam altamente provável a ocorrência de um dano futuro”.

Como já se escreveu na RLJ, ano 80, pág. 297 (por referência ao artigo 405.º do CPC de 1939, com redacção semelhante ao actual 362.º) “Este segundo requisito traduz-se no periculum in mora: perigo de insatisfação do direito, proveniente da demora em se obter a decisão definitiva da causa. Receia-se que durante a pendência da acção principal e antes de se alcançar a sentença definitiva, se produzam factos que impeçam a satisfação do direito”.

Por último, colhendo os ensinamentos de Abrantes Geraldes, in Temas Da Reforma Do Processo Civil, III Volume, Almedina, 1998, pág.s 83 a 88, só devem ter-se em conta para a aferição da existência do requisito do “periculum in mora” as lesões graves e dificilmente reparáveis, em que se exigem maiores cuidados, devendo o juiz “convencer-se da seriedade da situação invocada pelo requerente e da carência de uma forma de tutela que permita pô-lo a salvo de lesões graves e dificilmente reparáveis.

A gravidade da lesão previsível deve ser aferida tendo em conta a repercussão que determinará na esfera jurídica do interessado”.

Acrescentando que “especialmente quanto aos prejuízos materiais, o critério deve ser bem mais rigoroso do que o utilizado quanto à aferição dos danos de natureza física ou moral, uma vez que, em regra, aqueles são passíveis de ressarcimento através de um processo de reconstituição natural ou de indemnização substitutiva”.

Ficando afastadas da tutela deste procedimento as lesões sem gravidade ou de gravidade reduzida e as facilmente reparáveis, ainda que graves.

Finalizando que “o receio deve ser fundado, ou seja, apoiado em factos que permitam afirmar, com objectividade e distanciamento, a seriedade e a actualidade da ameaça e a necessidade de serem adoptadas medidas tendentes a evitar o prejuízo.

Não bastam, pois, simples dúvidas, conjecturas ou receios meramente subjectivos ou precipitados, assentes numa apreciação ligeira da realidade”.

Repetindo, o que acima já se aludiu, para que se dê como verificada a existência de receio da lesão grave e de difícil reparação, é preciso que o mesmo seja objetivo, atentos os factos invocados.

Como se refere no Acórdão do STJ, de 02 de Dezembro de 2020, Processo n.º 19870/19.2T8LSB.L1.S1, disponível no respectivo sítio do itij “para se considerar verificado o requisito das providências cautelares não especificadas relativo ao receio de lesão grave e difícil reparação do direito, não basta a prova da existência de tal receio por parte dos requerentes da providência, sendo ainda necessário que tal receio seja fundado, ou que resulte, objectivamente, de factos que o justifiquem”.

Apreciemos pois – tendo isto presente – o silogismo judiciário efectuado pela decisão recorrida e que não decretou a providência requerida.

Não se deu como devidamente alegado o requisito da probabilidade séria da existência do direito à entrega/restituição pretendida, relativa à parte que se alega fazer parte do prédio do requerente, com o fundamento em que este não alegou nem a forma de aquisição do direito de propriedade sobre a parcela em causa, bem como, igualmente, não alegou os factos dos quais se possa extrair a posse.

É certo que esta alegação não foi efectuada em termos muito claros, limitando-se o requerente a alegar que as partes destruídas/danificadas/apropriadas pelos requeridos, fazem parte do logradouro do seu prédio, referindo que os requeridos se apoderaram de parte de tal logradouro, não respeitando a linha divisória entre os dois prédios – cf. artigos 13.º a 15.º e 30.º, do requerimento inicial.

No entanto, como acima se assinalou, a exigência probatória relativamente a este requisito é muito mais “leve” do que àquela que é exigida para a demonstração do “periculum in mora”.

Assim e não obstante as assinaladas falhas na alegação, face ao ora referido, tendemos a considerar/concluir pela provável verificação deste requisisto, no caso de se vir a produzir a prova indicada, se os factos alegados se viessem a demonstrar.

Aliás, os requeridos não contestam a propriedade do requerente sobre o seu prédio, limitando-se a referir que as obras que levaram a cabo o foram, apenas no seu prédio, não invadindo o prédio contíguo (do requerente).

Assim, impõe-se até, em termos de juízo de verosimilhança, considerar que não estaremos perante situação (perante um “caso previsto na lei”, como se lhe refere o art. 1311.º/2, parte final, C. Civil) em que haja algo que possa obstar à restituição (cfr. regime regra do art. 1311.º/1 do C. Civil) da coisa/prédios à proprietária e aqui requerente/apelante.

Por outro lado, deu-se, igualmente, como não verificado, na decisão recorrida, por não estar devidamente alegado, o requisito do “periculum in mora”.

Ponto com que, no essencial, se concorda com a decisão recorrida.

Na qual, se observou e ponderou, a propósito de tal requisito, o seguinte:

Confrontando o invocado no requerimento inicial com o que se deixa dito, facilmente se conclui que o substrato fáctico alegado não traduz qualquer fundado receio de lesão grave e dificilmente reparável de direitos do requerente, condomínio, nomeadamente por via da reconstituição natural ou indemnização substitutiva. Com efeito, nada é alegado que leve a concluir que a requerida se prepara para fazer nova obra (e que tipo de obra) ou para vedar o acesso dos condóminos à parcela em causa; não são também concretizados quaisquer prejuízos que para o condomínio advenham das obras e ocupação efectuadas pela requerida na parcela situada na parte em que os respectivos prédios confinam, sendo certo que as “defesas”, cujas portas terão sido emparedadas não são habitadas, não sendo referida a sua utilidade actual, e o prédio cujo condomínio requer a providência terá mais que uma entrada (cfr. arts. 10 e 11 da petição). Por fim, a descrição fáctica constante da petição inicial não permite concluir pela impossibilidade ou sequer dificuldade de ressarcimento de danos através da reconstituição natural ou a indemnização substitutiva.

Assim sendo, ainda que prosseguissem os autos com a produção de prova indicada, jamais se poderia concluir pela probabilidade consistente da existência do direito do requerente, nem pelo perigo sério de que a demora na decisão definitiva lhe acarrete um dano grave irreparável ou de difícil reparação.

No essencial, como já se referiu, concorda-se.

Efectivamente, para o decretamento duma providência cautelar, deve o juiz, repete-se, convencer-se da seriedade do “fundado receio” invocado pelo requerente e da carência de uma outra forma de tutela que permita pô-lo a salvo de lesões graves e dificilmente reparáveis.

Para tal, o juiz terá em conta o interesse do requerente e do requerido, as condições económicas de um e de outro, a conduta anterior e a sua projecção nos comportamentos posteriores; e, não olvidando que, como já referido e se reforça, quando estão em causa prejuízos materiais, o critério deve ser bem mais rigoroso, uma vez que, em regra, tais prejuízos são passíveis de ressarcimento através de um processo de reconstituição natural ou de indemnização substitutiva.

Ora, aplicando o que acabámos de dizer ao caso vertente, impõe-se reconhecer que o que foi alegado não consubstancia, com objectividade e distanciamento, lesões graves e irreparáveis.

Não sendo a providência concedida – tendo presente que fique dado como assente, como já se referiu, o requisito da probabilidade séria da existência do direito à entrega/restituição pretendida – a lesão do requerente traduz-se, quando muito, inevitavelmente no dano da privação do uso/gozo da parte do prédio em causa.

Não se contesta, evidentemente, que a privação do uso/gozo de prédios configure uma lesão do direito (de propriedade) do requerente; porém, não representa só por si “lesões graves” – e é isto que se exige (na “economia” dos requisitos da providência em causa).

Para uma lesão poder ser qualificável como grave e dificilmente reparável tem a mesma que ser extraível de comportamentos efectivos e concretos do requerido e não pode resultar apenas da mera privação para o requerente e da consequente utilização pelo requerido.

Vale a pena reflectir no seguinte:

Para as mais graves “usurpações” ao direito de propriedade – ou melhor, à posse causal inerente e também à posse que seja meramente formal – gizou o legislador uma providência tipificada, isto é, a restituição provisória de posse; que, porém, exige que a usurpação/esbulho tenha uma especial “gravidade” e “qualificação” – ser violenta.

Não havendo violência – vedado o uso à restituição provisória de posse – é a própria lei que prevê expressamente o uso do procedimento cautelar comum.

É justamente o nosso caso.

Os requeridos, na tese da própria requerente, não se apossaram dos prédios com violência; apenas se terão apropriado de parte do páteo/logradouro, destruindo e/ou danificando partes do mesmo, designadamente, destruindo o muro e “defesas”.

Em tal hipótese – em que alguém entra na detenção e uso de algo que não lhe pertence, ainda que por tolerância ou com autorização do dono – a lei não se deixa impressionar (e não se basta), para a decisão do procedimento cautelar comum, por se estar perante alguém que não restitui o que lhe não pertence.

E uma maior consistência no “fumus boni iuris” não compensa e/ou “encobre” uma maior inconsistência no “periculum in mora”; ambos os requisitos têm que ser “superados” e nem mesmo a certeza sobre o direito faz prescindir do “fundado receio”.

Ora – é o ponto – não supera tal inconsistência o vir dizer-se, nos termos em que é dito, que, a não se decretar a providência “… a mossa será irreversível, nomeadamente se se iniciar nova na parte do prédio do requerente construção ou mesmo se se vedar o acesso ao rés-do-chão esquerdo” – cf. artigo 46.º do requerimento inicial ou; que “o decurso da acção será fatal além de o prédio ter ficado devassado o que pode tornar a lide numa lide meramente platónica” – cf. artigo 47.º do mesmo requerimento.

Do alegado não resulta nenhum dano que não possa ser ressarcido mediante indemnização a atribuir na ação definitiva ou que a reconstituição natural não possa resolver (esta, no que respeita à alegada destruição de muros e “defesas” e emparedamento das portas).

Não está em causa o acesso ao espaço destinado a habitação, nem ao próprio páteo/logradouro do prédio do requerente (caso em que, cautelarmente, se teria de pôr cobro à situação, uma vez que não ficaria sancionada apenas com a decisão da acção definitiva porque nessa altura, a impossibilidade de acesso ao prédio já não poderia ser reposta), nem outro qualquer direito a que só o presente procedimento cautelar possa por cobro.

Aliás, em rigor, para além da alegada destruição de muros, “defesas” e tapamento de portas, o requerente não alega a realização de qualquer obra pelos requeridos no seu prédio, nem sequer descreve as realizadas por estes no prédio de que são proprietários, limitando-se a alegar, que para a hipótese de “se se iniciar nova obra na parte do prédio do requerente … ou mesmo se se vedar o acesso ao rés-do-chão esquerdo” é que surgirá a lesão irreversível.

Tanto assim que nas conclusões 15.ª e 16.ª do recurso em apreciação, é que o requerente vem, só agora, referir que “não se autorize a continuação da construção em prédio do requerente”, ainda, sem especificar de que obra se trata e em que local, e que o que acabou por acontecer foi o “iniciar nova (construção?) na parte do prédio do requerente e vedar o acesso à entrada do rés-do-chão esquerdo”.

Trata-se de novos factos, não inicialmente alegados e, por isso, irrelevantes, nestes autos, apenas podendo ser tidos em conta, a existirem, noutros autos.

Em conclusão, o que foi alegado é insuficiente para poder consubstanciar uma lesão grave e dificilmente reparável, porém, a insuficiência não decorre do quadro fáctico alegado padecer de insuficiências ou imprecisões na sua exposição, decorrendo, isso sim, de tal quadro fáctico ser por natureza e definição insuficiente.

Enfim, tudo visto e ponderado, os factos alegados não configuram, salvo o devido respeito por contrário entendimento, uma situação de “periculum in mora” que justifique e careça da tutela provisória e urgente conferida pela providência cautelar comum, tal como se considerou na decisão recorrida, a qual, assim, é de manter.

Consequentemente, face ao exposto, improcede o presente recurso.

Nestes termos se decide:      

Julgar improcedente o presente recurso, em função do que se mantém a decisão recorrida.

Custas, pelo apelante.

Coimbra, 15 de Dezembro de 2021.

[1] Por outras palavras, ficam arredadas do círculo de interesses acautelados pelo procedimento cautelar comum, ainda que se mostrem de difícil reparação, as lesões sem gravidade ou de gravidade reduzida, do mesmo modo que são afastadas as lesões que, apesar de serem graves, sejam facilmente reparáveis.