RESOLUÇÃO DO CONTRATO
INDEMNIZAÇÃO PELO STRESS
Sumário

I- Não obstante não ter sido alegado pela Ré vendedora que a desvantagem com a resolução seria para ela maior do que a vantagem que obteria com qualquer outra das soluções, seja a reparação, a substituição ou a redução do preço, existindo provados no processo factos que permitem inferior esse desequilíbrio, designadamente a circunstância de se tratar de um veiculo usado com 4 anos, e 132 mil quilómetros, à data da venda, em Janeiro de 2016 e ter mais 16.830 km em 28/7/2016, o facto de as anomalias em causa não comprometerem nem a utilização nem a segurança dos passageiros, o facto de as anomalias serem reparáveis e de a Autora não ter concedido uma derradeira possibilidade de diagnóstico das causas dessas anomalias e posterior reparação - que a ré na contestação aceitaria efectuar se delas tivesse tido conhecimento - omitindo ao conhecimento da 1.ª ré o diagnóstico de 28/7/2016, deve concluir-se, no caso concreto, que o exercício do direito de resolução do contrato que a Autora pretende ver reconhecido se mostra ilegítimo nos termos do art.º 334 do CCiv e assim de nenhum efeito.
II- O stress, é reconhecido pela jurisprudência, constitui uma realidade que vale por si, geradora de danos na saúde e integridade físico-psíquica da pessoa física.
III- Não tendo a Autora dado causa às sucessivas entradas do veículo em oficina para a reparação das anomalias que, não obstante não comprometerem a segurança do veículo e das pessoas neles transportadas, causam compreensível (porque comprovadamente se destinava e seguramente foi usado para assegurar o transporte da sua filha à escola e visitas aos seus pais e avós da criança em Castelo Branco passeios e viagens) desconfiança da Autora na sua utilização, e comprovado stress que consabido é causador de perturbações físico-psíquicas não imediatamente detectáveis é equitativo que a Ré compense a Autora no pagamento da quantia de 2.000,00 euros.

Texto Integral

Acordam na 2.ª secção do Tribunal da Relação de Lisboa

I- RELATÓRIO
APELANTE/AUTORA: LT (Litigando com apoio judiciário na modalidade de dispensa de taxa de justiça e demais encargos com o processo representada, juntamente com outro pelo ilustre advogado Paulo Dias Tavares, com escritório em Lisboa conforme cópia do instrumento de procuração de 23/9/2016 de fls.54 dos autos físicos).
APELADO/RÉ: SACALEFFECTS Comércio de Automóveis Lda (representado, juntamente com outro pelo ilustre advogado Simões de Carvalho, com escritório em Lisboa conforme cópia do instrumento de procuração de 14/12/2016 de fls. 116). 321CRÉDITO- Instituição Financeira de Crédito SA (representado, juntamente com outro pelo ilustre advogado TP, com escritório em Lisboa conforme cópia do instrumento de procuração de 13/8/… de fls. … dos autos físicos)
Valor da acção: 33.275,96 euros (Acta da audiência prévia de 9/10/2018)
I.1. A Autora propôs contra as Rés em 2016 a presente acção declarativa de condenação em processo comum onde pede o reconhecimento judicial da resolução ou da anulação do contrato entre a autora e a 1.ª Ré celebrado e, no caso de prevalecer a resolução, a condenação da 1.ª Ré a devolver todos os valores que a autora despendeu com as prestações actualmente no montante de 1.748,78 euros mais cobranças que a 2.ª Ré venha eventualmente a fazer e de cujo montante se relega para futura liquidação nos termos do art.º 609/2 do C.P.C., ainda a condenação da 1.ª Ré a pagar à autora 75,96 euros de danos patrimoniais de 4 mil euros de danos não patrimoniais, assim como o reconhecimento judicial da resolução do contrato de crédito celebrado com a 2.ª ré e esta condenada a reembolsar os valores das prestações do crédito contraído para pagamento do preço actualmente no valor de 1.748,78 euros mais o que vier a ser cobrado em quantia que se relega para liquidação futura devendo a mesma abster-se de cobrar no futuro; subsidiariamente, para a hipótese de não prevalecer a resolução do contrato de crédito coma  2.ª ré ser a 1.ª Ré condenada a devolver a importância de que beneficiou de 14.600,00 euros mais juros que a autora suportou e venha a suportara em decorrência do incumprimento, qualquer das prestações acrescidas dos juros moratórios vencidos e vincendos, em suma dizendo:

  • Em 6/1/2016 celebrou com a 1.ª Ré compra e venda através da qual adquiriu o veículo automóvel ligeiro de passageiros marca Opel, modelo Astra matrícula …-…-… por 14.600,00 euros conforme documento 1 tendo a 1.ª ré assegurado à autora as boas e adequadas condições de uso, segurança e conforto do automóvel sem defeitos de funcionamento ou imperfeições, transmitindo que se tratava de um automóvel quase novo, fiável que estava em excelente estado e que a marca em causa não dava problemas o que também justificava o preço, mas tal não aconteceu. Cerca de 3 meses após a compra a viatura começou a revelar persistentemente o ralenti do motor irregular e incerto, a difundir sons estranhos e anormais (batidas) provenientes do funcionamento do motor o qual em marcha perdia força e avisava no painel “potência do motor reduzida” (art.ºs 1 a 8)
  • A Autora dirigiu-se às instalações da 1.ª Ré, sitas em Palmela- Setúbal reclamou das referidas vicissitudes e comunicou a sua insatisfação a 1.ª Ré verificou que confirmou as deficiências e assumiu a reparação do veículo que para o efeito lhe foi confiado e cerca de 15 dias depois a 1.ª Ré devolveu o automóvel cm a indicação de se encontrarem corrigidos os problemas segundo disse com a mudança de um injector mas assim não foi e em ao seguinte regressou com o veículo às instalações repetido a reclamação no final desse mês a 1.ª Ré devolveu-o com a informação de agora estaria tudo finalmente corrigido mas assim não9 sucedeu com a excepção do automóvel ter deixado de acender a luz indicativa de falta de potência em 8/6/2016 tudo recomeçou o veículo foi analisado num representante da maca OPEL que confirmou à 1.º Ré a existência das anomalias ou desconformidade conforme doc 2 o veículo regressou à oficina da 1.ª re para voltar a ser reparado a 22/6/2016 a 1.ª Ré devolve-o com a informação de se encontrar desta vez em condições por via, disse, de uma troca de válvulas mas afinas assim não era de novo os barulhos ressurgiram com ralenti incerto no mês de Julho voltou a transmitir à 1.ª Ré a persistência das anomalias nos mesmos termos, desta vez face ao desgaste e desalento por todas as circunstâncias vividas pelos defeitos insistentemente percepcionados e nunca colmatados e dada a definitiva e irrecuperável ausência de confiança na utilização do veículo e na 1.ª ré a autora comunicou-lhe que pretendia dar sem efeito o negócio, a autora estacionou o veículo e nunca mais circulou a 1.ª Ré respondeu que aceitava a anulação do negócio e assumia a restituição do valor pago pela sua compra mas que precisava de uns dias para obter o capital necessário no que a autora contemporizou, vindo a 1.ª Ré a propor uma redução do valor aceitando a Autora em receber tão só 13 mil euros mas que o não podia fazer de imediato mas só após uma semana a 1.ª ré voltou a adiar, a autora ainda tentou junto de um representante da marca aferir os gastos com a eventual reparação do veículo no que foi informada que teria de despender 380,55 euros para substituir e programar uma válvula com vista a um diagnóstico no que a Autora não aquiesceu, apenas tendo pago 55, 97 euros do diagnóstico assim feito, ainda endereçou uma cara à 1.ª Ré no sentido de agilizar o cumprimento do acordo que não mereceu resposta; com o frustrado negócio sofreu a autora ainda sofríveis estados de desânimo, stress ansiedade impaciência e angústia. [art.ºs 9 a 68]
  • Em simultâneo, complementar e intimamente relacionado com o negócio da compra e venda a 1.ª ré na qualidade de intermediária da 2.ª Ré, propôs à Autora o recurso ao crédito preparou o contrato de crédito assim celebrado entre a autora e a 2.ª ré especifica e exclusivamente para financiar a compra do veículo, face ao exposto a Autora comunicou à 2.ª ré a resolução do contrato de crédito em função do não cumprimento definitivo da obrigação a que a 1.ª ré estava adstrita e da ruptura contratual do primeiro contrato e assi operada a resolução da compra e venda por efeito do regime previsto nos art.ºs 4/1/o) e 18 do DL 188/09 de 2/6 e 434 do CCiv deve relativamente à 2.ª ré ser judicialmente reconhecido a resolução e a mesma ser condenada a reembolsar todos os valores que recebeu com a cobrança das prestações do crédito.[art.ºs 69 a 74]
    I.2. A 2.ª Ré, citada, deduziu contestação, impugnando parte factualidade alegada pela Autora, e alegando, em síntese, não ter tido qualquer intervenção no contrato de compra e venda do veículo e desconhecer estado do mesmo, bem como alegadas anomalias deste, mas realidade que lhe foi transmitida é diversa da alegada pela Autora, mais alegando que a utilização que a mesma fez do veículo e quilómetros percorridos revelam que as alegadas anomalias não são suficientemente graves para justificar a resolução de um negócio, inexistindo igualmente os danos morais alegados pela Autora, sendo que esta, apesar da comunicação de resolução efectuada, continua a cumprir as prestações do crédito, e age em abuso de direito pois continua a circular com a viatura, não tendo também existido uma declaração de resolução contratual à vendedora, mais deduzindo a Ré reconvenção contra a Autora, no caso de ser declarada a resolução do contrato de compra e venda com repercussão no contrato de crédito, e ocorrer a reconstituição da situação anterior com obrigações de restituição, concluindo no sentido da respectiva absolvição do pedido e formulando, pedido reconvencional, a título subsidiário caso se verifique a indicada hipótese de ser declarada a resolução do contrato de financiamento, de a Aurora/Reconvinda ser condenada a restituir-lhe a totalidade da quantia mutuada no montante de €14.600,00, acrescida de juros de mora, calculados à taxa legal, contados desde a disponibilização de capital ocorrida a 30/12/2015 até à data de integral pagamento.
    I.3. A 1.ª Ré, citada, deduziu contestação, alegando, em síntese, que foi solicitada, no momento da aquisição, revisão do veículo, que foi efectuada, que após comunicação de aparecimento de ruído e ralento incerto e de luz de falta de potência acesa, envio o veiculo para a Bosch, nada tendo sido encontrado de relevante, mas sendo efectuados serviços no veículo, que suportou, que após nova comunicação de anomalia no ralenti, problema que nem a Bosch nem a Opel relataram em intervenções anteriores, o veículo foi enviado para a Bosch, tendo-se concluído que o problema era devido a impurezas de gasóleo, sendo ultrapassado o alegado problema de falta de potência, e tendo o veículo sido novamente vistoriado nas oficinas da Bosch, nada de anormal foi encontrado, pese as pequenas afinações feitas e que pagou, não tendo as oficinas produzido um relatório que confirmasse tais batidas, e mesmo outros defeitos como irreparáveis ou que incapacitassem o veículo de circular em segurança, mais impugnado que alguma vez tenha aceite resolver o contrato ou reconhecido que o mesmo não estava a ser cumprido ou que viatura não tivesse condições para circular em segurança, mais alegando que se a Autora lhe tivesse apresentado o último relatório efectuado pela Opel, teria efectuado as operações aí prescritas pela marca, sendo a sua obrigação possível e tendo a Autora circulado com o veículo mais de 16.800 Kms, não existindo motivo para a resolução do contrato, e concluindo no sentido da respectiva absolvição.
    I.4. A Autora deduziu réplica, dizendo não se verificar o alegado abuso de direito, que a comunicação de resolução à 1.ª Ré não carece de forma escrita, e impugnando a matéria de reconvenção, concluindo no sentido de as excepções deduzidas e o pedido reconvencional serem julgados improcedentes.
    I.5. Na audiência prévia foi admitido o pedido reconvencional e fixado como objecto do litígio a existência da resolução pela autora e respectivos fundamentos do contrato de compra e venda do veículo automóvel e do contrato de financiamento bem como a existência de danos patrimoniais e não patrimoniais e obrigação das rés  pagarem ou devolverem os montantes peticionados e verificando-se a resolução do contrato de financiamento a obrigação de a reconvinda restituir à reconvinte o montante objecto do pedido reconvencional, 11 temas de prova; instruídos os autos procedeu-se ao julgamento com observância da forma legal.
    I.4.Inconformada com a sentença de 27/2/2021 que, julgando a acção improcedente e prejudicado o conhecimento do pedido reconvencional, consequentemente, absolveu as Rés dos pedidos, dela apelou a Autora em cujas alegações conclui em suma:
    a) A motivação de julgamento da matéria de facto é omissa no que toca à decisão negativa de e) a j) o que impede a recorrente de poder deslindar as razões que presidiram à formação da convicção do julgador nesse segmento padecendo a sentença da nulidade nos termos dos art.ºs 607/3 e 5 e 615/1/c e d) do Código de Processo Civil. [Conclusão a]
    b) Da audição dos depoimentos da autora LT (20190123101240-191666088_2871120 aos 47m e 50m36ss e da testemunha DS gravação 20190626102645_1916608_2871120 aos 25m a 30m20ss retira-se que, após todas as vicissitudes, a autora comunicou à ré a intenção de rescindir o contrato o que a ré inicialmente não aceitou, depois aceitou, depois manteve a aceitação mas apenas propondo devolver 13 mil euros, face ao tempo decorrido e aos quilómetros realizados, o que  a autora acabou por aceitar, depois a ré foi adiando a concretização das prestações, com justificações relacionadas com audiências e outras obrigações até que pretendia que a autora deixasse a viatura para uma venda e ulterior pagamento, o representante legal da ré RS, em depoimento registado no ficheiro 20190228105943_19166088_28711120 aos 54m32aa a 55m20ss informa-nos de facto da solução de readquirir a viatura e, no demais, encaminha-se para a falta de memória ou seja não o negou, devendo por isso os factos de e) a j) ser julgados provados, sendo que a matéria do parágrafo 46 em consonância com o alegado no art.º 12 da p.i. deve ser completada com a expressão “...como a 1.ª ré bem sabia ou devia saber.”, é que se a Ré garantiu à autora as boas condições de funcionamento do veículo (art.º 5.º dos factos provados) forçoso será concluir que a ré sabia ou não podia deixar de saber que não fora a existência dessas condições e a autora não adquiria o automóvel o que é uma ilação lógica e conforme a experiência normal e comum que no âmbito de um contrato de consumo se uma vendedora anuncia a venda de um veículo sem garantia de boas condições de funcionamento, o comprador e vulgar consumidor o não adquire mormente se o pretende com o mesmo assegurar o transporte diário de um filho e realizara passeios com a família como resulta provado do facto sob 2. [Conclusões 2 a 13]
    c) Relevando a matéria de facto provada a concomitante aplicação ao contrato de consumo sub judice o regime consagrado pelo Dec. Lei 133/2008 de 02.06, art.º 4.º, deve com a reforma da sentença e por força do seu art.º 18.º n.º 1 a 4 deste último diploma, serem reconhecidos os direitos peticionados na ação, não ocorrendo abuso de direito. Abrangendo a reapreciação e ponderação dos danos morais por virtude dos direitos consagrados no art.º 12.º da Lei 24/96 de 31.07, Lei de Defesa do Consumidor. Ainda que assim não fosse e é, mas da nova redação do parágrafo 47 da matéria de facto, o negócio será anulável e com iguais consequências, por boa e justa aplicação do regime previsto no art.º 247.º do Cód. Civil. [Conclusões 14 a 36]
    Termina pedindo a revogação da decisão.
    I.2. Em contra-alegações, o Autor, sem apresentar conclusões, sustenta a bondade do decidido.
    I.3. Nada obsta ao conhecimento do mérito do recurso.
    I.4. São as seguintes as questões a dirimir:
    a) Se a decisão recorrida padece da nulidade do art.º 615/1/c e d) do Código de Processo Civil.
    b) Saber se ocorre na decisão de facto negativa dos pontos e) a j) e 47 dos factos positivos erro na apreciação os meios de prova e subsequente decisão.
    c) Saber se ocorre na decisão recorrida erro de interpretação e de aplicação das disposições dos art.ºs artigo 4.º n.º 1 e 5 º18.ºn.º1 a 4 do Dec. Lei 67/2003 de 08.04 12.º da Lei 24/96 de
    31.07, Lei de Defesa do Consumidor.
    II- FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO
    O Tribunal recorrido deu como provados e não provados os seguintes factos cujos não provados sob e) a j) a apelante impugna no recurso:
    1. Em data não concretamente apurada de Dezembro de 2015 a Autora, acompanhada pelo seu namorado DS, apareceu no parque de veículos usados da 1.ª Ré; sendo esta última uma sociedade comercial que tem no seu objecto social, entre outras, a actividade de comércio de veículos automóveis ligeiros e pesados, novos e usados.
    2. A Autora pretendia adquirir um veículo usado recente, para assegurar o transporte diário de sua filha à escola, visitar os pais e avós em Castelo Branco ao fim-de-semana, e realizar passeios e viagens em família.
    3. A Autora pretendia ver, entre outros, um veículo de marca Opel, modelo Astra, a Diesel.
    4. A Autora viu o veículo usado do ano de 2012, de marca Opel, Modelo Astra 1.7CDTI, com a matrícula …-…-… (de ora em diante, o veículo).
    5. A Ré garantiu à Autora boas condições de funcionamento do veículo.
    6. A Autora exigiu uma revisão completa do veículo, incluindo partes do veículo que a marca recomendava aos 150000 Km.
    7. A indicada revisão foi efectuada pela Ré em 4 de Janeiro de 2016, em oficina “Bosch Service”, apresentando o veículo 132026 Km.
    8. Após ponderação do custo, a Autora optou por adquirir o veículo à 1.ª Ré, pelo preço de €14.600,00 com recurso a financiamento.
    9. À data a 2.ª Ré era uma sociedade financeira que, entre outra financeira, concedia financiamento a clientes da 1.ª Ré, tendo esta proposto à Autora o financiamento pela 2.ª R.
    10. A 2.ª Ré recepcionou nos seus serviços, para análise, uma proposta de financiamento efectuada em nome da Autora e enviada pela 1.ª Ré, tendo por objecto o financiamento da aquisição do veículo.
    11. O valor de financiamento pretendido pela Autora ascendia ao montante de €14.600,00.
    12. Após análise, foi aprovada a concessão de um financiamento no aludido montante.
    13. Em 30 de Dezembro de 2015 a Autora e a 2.ª Ré celebraram o contrato de financiamento para aquisição do veículo, que consta como documento n.º 7 anexo à contestação da 2.ª Ré e cujo teor se dá por integralmente reproduzido.
    14. Em razão do referido contrato a 2.ª Ré emprestou à Autora a importância de €14.600,00, a qual, por indicação desta, foi entregue à entidade vendedora, a 1.ª Ré, que a recebeu.
    15. O referido empréstimo seria pago pela Autora à 2.ª Ré em 108 prestações mensais no montante de €195,18 cada, num valor total final de €21.079,44.
    16. A Autora pagou à 2.ª Ré todas as prestações vencidas até à data da contestação desta nos presentes autos, designadamente as vencidas em: 5 de Fevereiro de 2016, 5 de Março de 2016, 5 de Abril de 2016, 5 de Maio de 2016, 5 de Junho de 2016, 5 de Julho de 2016, 5 de Agosto de 2016, 5 de Setembro de 2016, 5 de Outubro de 2016, 5 de Novembro de 2016 e 5 de Dezembro de 2016; bem como todas as que se venceram na pendência dos autos até ao encerramento da audiência de discussão e julgamento.
    17. O veículo foi entregue pela 1.ª Ré à Autora em 6 de Janeiro de 2016.
    18. O veículo, no decurso do mês de Abril de 2016 mas em dia anterior a 21 de Abril, apresentava, ralenti irregular de motor, sons provenientes da zona do motor –“batidas”, e que este último em marcha perdia potência, com aviso no painel “potência de motor reduzida”.
    19. A Autora comunicou tais factos à 1.ª Ré.
    20. A 1.ª Ré enviou o referido veículo a oficina “Bosch Service” a 21 de Abril de 2016 para identificação de avaria e reparação, apresentando o veículo 142359 Km.
    21. Na referida oficina foi efectuado teste ao veículo, não se encontrando sons provenientes do motor – “batidas”.
    22. Foi igualmente efectuada a substituição de um injector (4.º cilindro) e teste de centralina mais adaptação de injector – cuja folha de obra consta como documento n.º 2 anexo à contestação da 1.º Ré, dando-se por integralmente reproduzido o seu teor; trabalhos suportados pela 1.ª Ré.
    23. Após a intervenção, o veículo foi entregue à Autora.
    24. Deixou de aparecer no veículo a luz indicativa de falta de potência de motor.
    25. Em momento não concretamente apurado mas não anterior ao mês de Maio de 2016 nem posterior a 8 de Junho de 2016, o indicado veículo apresentava ralenti irregular e sons provenientes da zona do motor – “batidas”; o que foi comunicado pela Autora à 1.ª Ré.
    26. O indicado namorado da Autora, DS, por indicação da 1.ª Ré, entregou em 8 de Junho de 2016 o veículo à reparadora autorizada da marca Opel “Caetano Technik”, sita em Setúbal, apresentando o veículo 145630 Km, sendo indicado, designadamente, o seguinte: “(…) POR VEZES MOTOR FAZ UM GRILAR NO MOTOR * A QUENTE * INDICOU 3 X EM 15 DIAS POTÊNCIA MOTOR REDUZIDA POR VEZES O RALENTI FICA IRREGULAR NOUTRAS OCASIÕES FICA BAIXO E TREME (…) “.
    27. No teste  de diagnóstico “Global Diagnostic System 2” - constante electronicamente dos autos sob a referência 22438804 (fls. 236/2236 verso do processo físico) e cujo teor se dá por integralmente reproduzido, efectuado pela “Caetano Technik” em 8 de Junho de 2016, consta, designadamente: “ (…) Módulo de comando do motor Visor de DTCs P0302 Byte de sintonia 00 Descrição do DTC Detectada falha na ignição do cilindro 2 Estado Desde DTC apagado Passou e falhou (…) Módulo de comando motor Visor de DTCs P062B Byte de sintonia 41 Descrição do DTC Valor de pequena quantidade na injecção de combustível não programado Estado Desde DTC pagado Passou e falhou (…) “.
    28. Na folha de obra com a mesma data da “Caetano Technik” que consta igualmente dos autos sob a indicada referência 22438804 e cujo teor se dá por integralmente reproduzido, consta, entre outras, como peças a colocar: “ (…) Filtro de gasóleo Válvula Bomba Alta Pressão Anilhas Injectores (…) “.
    29. Na correspondente factura emitida pela “Caetano Technic” à 1.ª Ré em 8 de Junho de 2016 - constante igualmente sob a indicada referência 22438804 e cujo teor se dá por integralmente reproduzido, consta a seguinte nota: “NOTA: PRECISA DESMONTAR INJETORES PARA ANALISAR E TROCAR A VÁLVULA REGULADORA BOMBA ALTA PRESSÃO “.
    30. A 1.ª Ré enviou o veículo a oficina “Bosch Service” a 20 de Junho de 2016, apresentando o veículo 147144 Km.
    31. Na referida oficina foi efectuado teste ao veículo, não se encontrando sons provenientes do motor – “batidas”.
    32. Foi igualmente efectuada a substituição de filtro de combustível e teste de centralina mais adaptação do regulador de combustível – cuja folha de obra consta como documento n.º 3 anexo à contestação da 1.º Ré, dando-se por integralmente reproduzido o seu teor; trabalhos suportados pela 1.ª Ré.
    33. Após a intervenção o veículo foi entregue à Autora.
    34. Em data não concretamente apurada do mês de Julho de 2016 o veículo apresentava ralenti irregular e sons provenientes da zona do motor – “batidas”.
    35. Em data não concretamente apurada do mesmo mês de Julho de 2016, a Autora comunicou verbalmente à 1.ª Ré o referido em 34) e que pretendia dar sem efeito o negócio, devolvendo o veículo e obtendo a devolução do preço do mesmo.
    36. A 1.ª Ré propôs à Autora que esta escolhesse outro veículo no parque existente, e dentro do mesmo preço.
    37. A Autora não aceitou a proposta da 1.ª Ré.
    38. A Autora, em 28 de Julho de 2016, entregou o veículo à indicada reparadora autorizada da marca Opel “Caetano Technik”, para apurar gastos de eventual reparação, apresentando o veículo 148863 Km, sendo indicado na respectiva ordem de reparação constante igualmente do documento sob a referência electrónica 22438804 e cujo teor se dá por integralmente reproduzido: “(…) RALENTI POR VEZES FICA IRREGULAR/INCERTO NOUTRAS OCASIÕES O RALENTI FICA BAIXO, PARECE PERDER FORÇA E O MOTOR BATE UM POUCO RUIDO NA FRT LADO ESQ COM O MOTOR AO RALENTI PARECE ALGO A ROÇAR POR VEZES AO RALENTO O MOTOR BATE (…) “.
    39. No teste de diagnóstico “Global Diagnostic System 2” –constante electronicamente dos autos sob a indicada referência 22438804 (fls. 239/239 verso do processo físico) e cujo teor se dá por integralmente reproduzido, efectuado pela “Caetano Technik” em 28 de Julho de 2016, consta, designadamente: “ (…) Módulo decomando do motor Visor de DTCs P062A Byte de sintonia 00 Descrição do DTC Regulador de pressão do combustível não programado Estado Desde DTC apagado Passou e falhou (…)”.
    40. A “Caetano Technik” apresentou à Autora, em 28 de Julho de 2016, o orçamento para intervenção no veículo constante como documento n.º 4 anexo à petição inicial e cujo teor se dá por integralmente reproduzido, no valor de €380,55, constando mesmo a seguinte nota: “NOTA IMPORTANTE: A VIATURA PODERÁ TER UMA ANOMALIA AO NÍVEL DOS INJETORES, SÓ APÓS A SUBSTITUIÇÃO E PROGRAMAÇÃO DA VÁLVULA REGULADORA É QUE SE PODERÁ CONTINUAR O DIAGNÓSTICO”.
    41. A Autora não deu ordem para realização dos trabalhos constantes do indicado orçamento, e suportou a importância correspondente ao diagnóstico da viatura no montante de €55,97 – Factura constante como documento n.º 3 anexo à petição inicial e cujo teor se dá por integralmente reproduzido, onde igualmente consta, nos mesmos termos, a nota constante do orçamento de 28/7/2016.
    42. A Autora não deu conhecimento à 1.ª Ré da referida indicação da “Caetano Technik” constante dos documentos n.º 3 e 4 anexos à petição inicial.
    43. A Autora não circulou com o veículo após o dia 28 de Julho de 2016, tendo-o estacionado na residência.
    44. A Autora, através do seu mandatário, remeteu à 1.ª Ré a carta datada de 16 de Agosto de 2016, constante como documento n.º 5 anexo à petição inicial e cujo teor se dá por integralmente reproduzido.
    45. A Autora remeteu à 2.ª Ré a carta datada de 26 de Setembro de 2016, constante como documento n.º 20 anexo à petição inicial e cujo teor se dá por integralmente reproduzido, onde comunicava a resolução do contrato de crédito.
    46. A situação referida em 18), 25) e 34) não impedia o veículo de circular nem a respectiva segurança para passageiros, podendo o veículo ser reparado.
    47. A Autora não teria adquirido o veículo se o mesmo, no referido quadro circunstancial vertido em 1), 4), 5), 6), 7) e 17), apresentasse a situação referida em 18), 25) e 34).
    48. Desde o momento da entrega à Autora em 6 de Janeiro de 2016 até à entrega do veículo na “Caetano Technik” em 28 de Julho de 2016, o veículo circulou 16830Km.
    49. A Autora aufere o vencimento mensal líquido de €783,55.
    50. A situação referida em 18), 25) e 34), e idas do veículo para reparação originaram à Autora impaciência e stress.
    ×
    Com relevo para a decisão da causa, não resultou provado:
    a) Que a 1.ª Ré transmitiu à Autora que se tratava de um veículo como novo, fiável, que estava em excelente estado e que a marca em causa não dava problemas.
    b) Que em simultâneo à venda do veículo, a 1.ª Ré propôs à Autora o recurso a crédito para financiar a compra do mesmo pela Autora.
    c) Que as impurezas do gasóleo eram responsáveis pelos problemas reportados.
    d) Que com a situação referida em 18), 25) e 34) a Autora se sentia insegura com o veículo.
    e) Que a 1.ª Ré respondeu aceitar a anulação do negócio.
    f) Que a 1.ª Ré declarou assumir a restituição do valor pago pela compra do veículo, e que precisava de uns dias para obter o capital necessário.
    g) Que a Autora aceitou esperar uns dias.
    h) Que a 1.ª Ré propôs uma redução do valor a reembolsar.
    i) Que a Autora aquiesceu em receber €13.000,00 da 1.ª Ré, e que esta acrescentou que não o poderia fazer de imediato por seu representante se ausentar para França durante uma semana.
    j) Que corrido este período, a 1.ª Ré disse que ainda não lhe era possível satisfazer a obrigação por ter de dar prioridade ao pagamento do IVA.
    k) Que a 1.ª Ré propôs à Autora deixar o veículo para ser exaustivamente vistoriado e reparado, com entrega de viatura de substituição por todo o tempo necessário.
    l) Que o aluguer de veículo no dia 8 de Junho de 2016 - constante como documento n.º 17 anexo à petição inicial e cujo teor se dá por integralmente reproduzido – foi efectuado pela Autora e que esta suportou o respectivo custo de €19,99.
    m) Que a 1.ª Ré desconsiderou a Autora.
    III-FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO
    III.1. Conforme resulta do disposto nos art.ºs 608, n.º 2, 5, 635, n.º 4, 649, n.º 3, do CPC[1] são as conclusões do recurso que delimitam o seu objecto, salvas as questões cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras e as que sejam de conhecimento oficioso. É esse também o entendimento uniforme do nosso mais alto Tribunal (cfr. por todos o Acórdão do S.T.J. de 07/01/1993 in BMJ n.º 423, pág. 539.
    III.2. Não havendo questões de conhecimento oficioso são as conclusões de recurso que delimitam o seu objecto tal como enunciadas em I.
    III.3. Se a decisão recorrida padece das nulidades do art.º 615/1/c e d) do Código de Processo Civil, por não vir fundamentada a decisão negativa de e) a j)
    III.3.1. O Tribunal recorrido no que a essa decisão diz respeito diz: “(...) Já quanto à restante matéria alegada pela autora quanto a declarações verbais que teriam ocorrido no mesmo quadro circunstancial (quadro dos factos dados como provados sob 35, 36, 37 como decorrei do parágrafo anterior), as mesmas e sendo díspares os depoimentos da autora e do legal representante da ré e não havendo nenhuma declaração escrita da 1.ª ré nesse sentido, não consideramos como suficiente nessa parte nem com o mesmo formamos suficiente convicção, o depoimento da testemunha DS, sendo certo que a testemunha C referiu conversa telefónica entre a Autora e o representante da 1.ª ré, mas disse que o telefone não se encontrava em alta voz, não sendo nessa parte valorado, resultando assim não provado o que consta em e), f), g), h), i), e j)...”; a contradição a que se refere o art.º 615/1/c, é aquela em que o juiz escreveu o que queria escrever mas a construção é viciosa, pois os fundamentos invocados pelo juiz conduziriam logicamente, não a resultado expresso na decisão, mas ao resultado oposto.[2] Não há nenhum vício lógico na construção da decisão final e também não existe entre a decisão de facto e a fundamentação dessa decisão de facto pelas razões expostas, nenhum ambiguidade que torne a decisão ininteligível, já que  a decisão analisada a decisão de facto e os seus fundamentos com mo cuidado que merece é perfeitamente inteligível .Por outro lado não se vislumbra que o Tribunal recorrido tivesse deixado de se pronunciar sobre questões que devesse apreciar. Poderá é haver erro no julgamento o que a seguir se apreciará.
    III.4. Saber se ocorre na decisão de facto negativa dos pontos e) a j) e 47 dos factos positivos erro na apreciação os meios de prova e subsequente decisão.
    III.4.1. Estatui o art.º 640 n.º 1: “Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente, obrigatoriamente, especificar, sob pena de rejeição: a) os concretos pontos de facto que considerar incorrectamente julgados; b) os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida; c) a decisão que no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas. O n.º 2 do art.º, por seu turno estatui que quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respectiva parte, indicar, com exactidão as passagens de gravação em que se funda o recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes (alínea a); independentemente dos poderes de investigação oficiosa do tribunal, incumbe ao recorrido designar os meios de prova que infirmem as conclusões do recorrente e se os depoimentos tiverem sido gravados, indicar com exactidão as passagens da gravação em que se funda e proceder, querendo, à transcrição dos excertos que considere importantes (alínea b)”.
    III.4.2. Dispunha o n.º 1 do art.º 685-B: “Quando se impugne a decisão proferida sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição, os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados (alínea a)],e os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida (alínea b)]”
    E o n.º 2: “No caso previsto na alínea b) do número anterior, quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados e seja possível a identificação precisa e separada dos depoimentos, nos termos do disposto no n.º 2 do art.º 522-C, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso no que se refere à impugnação da matéria de facto, indicar com exactidão as passagens da gravação em que se funda, sem prejuízo da possibilidade de, por sua iniciativa, proceder à sua transcrição.”
    III.4.3. Os ónus são basicamente os mesmos, vincou-se na alínea c) do n.º 1 do art.º 640 (o que não estava suficientemente claro, mas a doutrina pressupunha), o ónus de especificar a decisão que no entender do recorrente deveria ser proferida sobre a matéria de facto, manteve-se, também, o ónus (com redacção ligeiramente diferente) de identificar com exactidão (nova redacção), ou identificar precisa e separadamente (anterior redacção) as passagens da gravação em que se funda (comum).
    III.4.4. Pode dizer-se que continua válido o entendimento anterior da doutrina nessa matéria. A este propósito referia António Santos Abrantes Geraldes que o recorrente deve especificar sempre nas conclusões os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados; para além disso, deve especificar os concretos meios probatórios constantes do processo ou nele registados (documentos, relatórios periciais, registo escrito), deve indicar as passagens da gravação em que se funda quando tenha sido correctamente executada pela secretaria a identificação precisa e separada dos depoimentos, deve igualmente apresentar a transcrição dos depoimentos oralmente produzidos e constantes de gravação quando esta tenha sido feita através de mecanismo que não permita a identificação precisa e separada dos mesmos, deve especificar os concretos meios probatórios oralmente produzidos e constantes da gravação, quando esta foi feita por equipamento que permitia a indicação precisa e separada e não tenha sido cumprida essa exigência pela secretaria e por último a apresentação de conclusões deficientes obscuras ou complexas a tal ponto que a sua análise não permita concluir que se encontram preenchidos os requisitos mínimos para que possa afirmar-se a exigência da especificação na conclusão dos concretos pontos de facto impugnados ou da localização imediata dos concretos meios probatórios. Tudo isto sob pena de rejeição imediata sem convite ao aperfeiçoamento[3].
    III.4.5. A recorrente indica os concretos pontos de facto que do seu ponto de vista foram incorrectamente julgados, e o sentido correcto da decisão, no seu entender, e quanto aos meios de prova, por um lado pondo em causa a decisão negativa quanto aos pontos e a j por no seu entender existir prova suficiente de que a 1.ª ré aceitou anular  o negócio com a restituição do valor pago para o que a 1.ª Ré careci de algumas dia decorridos os quais propôs uma redução do valor do veículo a reembolsar que a Autora aceitou o que só não se concretizou por a 1.ª ré ter dito que não o podia fazer de imediato por o seu representante ter de se ausentar para França por uma semana, a qual decorreu nãos e tendo depois concretizado o acordo.  Tendo o Autor cumprido o seu ónus processual está este Tribunal da Relação em condições de reapreciar a prova.
    III.4.6. Sustenta o apelante que o mencionado acordo decorre dos depoimentos da Autora LT e da testemunha DS e dos depoimentos do legal representante da 1.ª ré RS que informa a solução de readquirir a viatura não se lembrando do resto.
    III.4.7. Vejamos o depoimento da testemunha DS, à data do negócio namorado da Autora e seu actual companheiro, o qual, ao que tudo indica, para além de ter acompanhado o negócio da compra e venda e as vicissitudes ocorridas com a utilização da viatura, foi a pessoa que escolheu a marca e o modelo de veículo automóvel que a autora adquiriu e que, não obstante o óbvio interesse no desenlace da causa, tendo merecido credibilidade ao Tribunal recorrido não se revelou suficiente para dar como provada a factualidade agora em causa, e este Tribunal de recurso, ouvidos os depoimentos também não adquire uma convicção diferente. Com interesse disse: “...o carro foi comprado para o dia a dia de trabalho da autora, transportar os avós, levar a filha à escola...não acompanhei o empréstimo, o stand tratou de tudo, o valor da compra foi de 14 mil e quinhentos ou seiscentos euros, a LT assinou o contrato no seu local e trabalho...vi o carro na internet, carro quase novo para mim, foi apresentado como novo, impecável, sem problemas nenhuns, foram asseguradas condições de conforto e de segurança...na altura exigimos revisão actualizada, pastilhas e discos novos...o veículo vinha de França, os vidros atrás eram escurecidos esperavam o DUC para a legalização dos vidros...logo de inicio o veículo estava ao ralento e de repente começava a acelerar e a desacelerar, tanto parado como em andamento, quando parado, ao ralenti, ouvia-se a batida no motor...em Março de 2016 quando veio o DUC único de França falámos desse problema, o vendedor desvalorizou, disse vou ver não se preocupe (o Bruno Ramos dono do stand), o carro ficou, quando veio estava igual, andámos a tentar entrar em contacto com o stand para a carrinha ir para a garantia para ver que problemas tinha...ia para a Bosh, esteve lá 2 ou 3 semanas em Abril, disseram-nos que tinha um injector danificado, precisava de filtro de gasóleo e o painel do tablier dizia “potência de motor reduzida” da primeira vez em Março e ralento incerto, a carrinha acelerava por si...quando veio já não apareceu o aviso de potência reduzida, desligaram, mas o ralento incerto continuou e as batidas no motor sempre...em Maio novo contacto, nova reparação, o diagnóstico era regeneração do filtro de partículas, foi para reparação para a Bosh e veio igual, esteve menos dias, havia barulho não sabiam de onde vinha, ligaram-nos para vir buscar a carrinha...ao fim de 2/3 dias de novo o ralenti incerto e batidas no motor sempre...fomos à OPEL aí ás 10h da manhã em Setúbal, entreguei a carrinha fiquei à espera até 11 horas, liguei ao Bruno e ao RS, ninguém me atendia para me informar, aluguei um carro e vim-me embora...às 16h30m ninguém dizia nada, voltei a Setúbal encontrei o Bruno  na OPEL, consegui ouvir a conversa o senhor da OPEL dizia que não era normal uma carrinha com esta idade e estes quilómetros ter aqueles problemas...o carro era importante para a autora, a miúda tinha um ano de idade, sofria da angústia de o carro poder ficar parado, continuou a pagar as prestações da carrinha, tirou-lhe noites de sono...falava comigo diariamente porque tínhamos uma filha em comum apesar de não vivermos juntos...os avós estavam em Castelo Branco, o stand sempre disse que o carro podia circular, antes de ficar parado o veículo circulava para ir buscar os avós para consultas em Lisboa, a carrinha ía ao colégio e a Cacilhas...”. Por conseguinte, nenhuma referência da testemunha acerca do circunstancialismo da proposta de anulação da compra e venda e da sua alegada aceitação e posterior retratação. Muito embora tal seja referido pela autora, a verdade é que o legal representante da 1.ª ré,  RS, sobre essa matéria foi muito vago, com interesse disse: “...O senhor DS veio ao stand à procura daquela específica viatura, depois arrependeu-se e quis devolver a viatura, oferecemos a reparação, ele não quis a reparação e em alternativa em substituição daquela viatura propôs que ele escolhesse outra viatura, nós retomávamos aquela e vendíamos-lhe outra pelo mesmo valor...nunca me neguei a reparar nada...não houve acordo no sentido de devolver o carro e devolver o dinheiro...se houve essa conversa, possivelmente houve essa conversa, eles não queriam mais a viatura, não era uma devolução, era uma compra, o que poderia acontecer era eu comprar o carro de volta...”. No fundo é o que consta provado sob 35 a 37, houve uma proposta de substituição da viatura em causa por uma outra à escolha da Autora, a forma como tal se concretizaria, saber se eventualmente passaria pela recompra da viatura da Autora pelo stand (não se sabe porque valor) com esse valor o Autor adquiria ao stand uma outra viatura com característica idênticas, não é possível concluir, não se sabe ao certo se foi isso que foi proposto pelo stand, nada mais se podendo adiantar apara além do que provado ficou sob 35 a 37. Mais entendeu a apelante que mediante o recurso a presunções ou regras de experiência,- porque ficou provado sob 5 que a ré garantiu à autora boas condições de funcionamento do veículo-, dele deve retirar-se, também, a ilação de que  a 1.ª ré bem sabia que a Autora não teria adquirido o veículo se o mesmo, no quadro circunstancial vertido em 1, 4, 5, 6, 7, 17 apresentasse a situação referida em 18, 25 e 34. Ora a garantia de  das boas condições de funcionamento da viatura ainda que não tivesse sido referida pelo vendedor do stand resulta da lei e veja-se que o Tribunal recorrido não deu como provado o mais alegado sob 5 da petição inicial, ou seja, o Tribunal recorrido não deu como provado que, com vista a essa transacção, a 1.ª ré tenha assegurado à Autora que a viatura em causa não tinha quaisquer defeitos de funcionamento ou imperfeições, o que se compreende porque, por um lado a viatura era uma viatura usada com 132 mil quilómetros, por outro porque, tendo-os, das duas uma ou estavam a coberto da garantia e o vendedor teria de os reparar repondo a conformidade ou não podendo falar-se em desconformidade nos termos da lei, nenhuma obrigação estaria a cargo do vendedor. Da motivação da decisão sob 47 não resulta que aquando da negociação da compra e venda a Autora e a 1.ª Ré, na pessoa do seu legal representante, tivessem discutido a essencialidade para a Autora concretizar esse negócio das condições da viatura, por isso nenhum erro ocorre na decisão de facto que se mantém.
    III.5. Saber se ocorre na decisão recorrida erro de interpretação e de aplicação das disposições dos art.ºs artigo 4.º n.º 1 e 5 º18.ºn.º1 a 4 do Dec. Lei 67/2003 de 08.04,  12.º da Lei 24/96 de
    31.07, Lei de Defesa do Consumidor.
    III.5.1. Entende, em suma, a apelante que:
    · No que toca ao defeito der de pouca ou muita monta, para além de prefigurar um juízo valorativo ou conclusivo, indeterminado, indefinido e que não foi sujeito a qualquer análise ou prova, muito menos técnica, carece de relevo uma vez que a vendedor não anunciou ou propôs à autora a venda de um carro com defeitos de pouca monta e a realidade incontornável é que o veículo sofre de vícios e o contrato não foi cumprido pela ré.
    · É correcto que a autora inicialmente circulou com a viatura o que fez pela necessidade que visava satisfazer quando celebrou o negócio como por ser informadas que não havia perigo e porque apesar de tudo ainda depositava esperança na reparação.
    · Facto é que, desde Julho de 2016, seis meses depois da compra quando confrontada com o parecer da oficina da reparadora da maraca Caetano Technik doc 4 da p.i. deixou de circular conforme 43 dos factos provados.
    · A Ré não alega nem prova que não se negou a reparar, pelo contrário a ré remete a anomalia para o combustível usado pela recorrente conforme art.º 10 da contestação o que não provou e o lastro factual de 25 a 32 evidencia que a ré se furtou à reparação, não se percebe porque razão é que em maio/junho de 2016, aquando da sua reclamação, a ré recolhe o parecer da reparadora autorizada advertindo para as falhas e não ordena, logo ali, a reparação e opta por desviar a viatura para uma oficina da sua escolha da Bosh Service não se percebendo porque razão vendo a 1.ª ré ser contrariada por esta sua oficina o sentido dos registos e recomendações da oficina autorizada voltou a entregá-la nessas condições.
    · A Autora tentou, por 3 vezes, em Abril/Maio/Junho e Julho de 2016 que a ré reparasse a viatura ao ponto de a sentença confirmar a impaciência e o stress porque passou, estaremos por isso longe de pode assacar ou disparar sobre a recorrente o uso indevido ou desproporcionado do direito até porque a ré aceitou proceder à devolução do preço só que, de novo, relapsa, não cumpriu.
    · Revista a nova redacção do parágrafo 47 da matéria e facto o negócio é anulável e com iguais consequências do art.º 18/1 a 4 da DL 133/08 de 2/6 que a título principal se peticiona, assim como à reponderação dos danos morais.
    III.5.2. Entendeu-se em suma na decisão recorrida que:
  • A Autora e a 1.ª Ré celebraram um contrato de compra e venda- art.ºs 874 e 879 do CCiv pelo qual a segunda vendeu à primeira o veículo automóvel de passageiros usado com 132026km e que com a intermediação a 2.ª ré celebraram um contrato de mútuo oneroso –art.ºs 1142 e 1145 do CCiv pelo qual a segunda financiou a aquisição pela primeira do indicado veículo automóvel.
  • Perante o disposto no art.º 4/1 do DL 133/2009 de 2/6 o contrato de mútuo celerado entre a autora e a 2.ª ré classifica-se também como um contrato de crédito a consumo trata-se de uma relação triangular com os dois contratos eme dependência funcional conforme art.º 18/1 e 2 do DL 133/09, tendo a Autora e a 2.ª ré cumprido as suas obrigações contratuais
  • Aplicável também o disposto nos art.ºs 1-b/b e 2/1 do DL 67/03 e cujo art.º 3 dispõe que o vendedor responde perante o consumidor por qualquer falta de conformidade que exista no momento em que o bem lhe é entregue (n.º1) e as faltas de conformidade que se manifestam num prazo de 2 ou 5 anos a contra da entrega de coia móvel corpórea ou de coisa imóvel respectivamente presumem-se existentes já nessa data salvo quando for incompatível com a natureza da coisa ou com as características de falta de conformidade (n.º 2) e verificando-se essa falta de conformidade assiste ao consumidor o direito à reparação substituição, redução do preço ou resolução do contrato podendo o direito ser exercido quando a falta de conformidade se manifeste no prazo de 2 anos tratando-se de coisa móvel, mais lhe assistindo o direito à indemnização do art.º 12/1 da Lei 24/96 na sua actual redacção.
  • Prevê o art.º 4/5 do DL 67/03 a livre escolha do consumidor no exercício de qualquer um desses direitos salvo se manifestamente impossível ou constituir abuso de direito nos termos gerais e a Directiva no seu art.º 3/6 que não deixa de constituir critério interpretativo no âmbito os princípios gerais de direito da boa fé  do abuso de direito que o consumidor não tem direito à resolução do contratos e a falta de conformidade for insignificante.
  • No caso concreto temos a venda pela 1.ª ré à autora de um veículo automóvel usado com 4 anos e 132026 quilómetros com revisão efectuada a solicitação a Autora à 1.ª ré revisão essa correspondente à revisão dos 150 mil quilómetros em oficina multimarca Bosh Service, no momento da entrega a viatura não apresenta qualquer falta de conformidade; a Autora não deu ordem para  a realização dos trabalhos constantes do orçamento dos autos de 28/7/2016 da Cateano Technick com a nota importante que dele constava e não deu conhecimento à 1.ª Ré da referida indicação da nota importante constante do orçamento “Poderá ter uma anomalia ao nível dos injectores, só após a substituição da programação da válvula reguladora é que se poderá continuara o diagnóstico”, não tendo a Autora circulado após esse dia 28/7/2016 com a viatura; a situação que o veículo apresentava nos 3 momentos entre Abril e Junho de 2016 e que comunicou á 1.ª ré não impedia o veículo de circular nem a respectiva segurança para os passageiros podendo ser reparado, o veículo circulou 16830 quilómetros.
  • Não se pode entender estarmos perante um veículo praticamente novo ou que tivesse a conformidade de um veículo com 15 ou 20 mil quilómetros, o ralenti irregular em motor diesel e sons que possam provir da zona do motor não é uma situação incomum em motores diesel podendo estar relacionadas com injectores ou regeneração de filtro de partículas; a situação constitui uma desconformidade que se presume existir no momento da entrega do veículo presunção que a 1.ª ré não ilidiu como lhe competia tanto mais conforme posição da oficina autorizada da própria marca seria necessário mudar a válvula reguladora o que não foi objecto de revisão no momento da compra do veículo, mas tal desconformidade não era de monta pois não impediu a circulação do veículo nem a segurança do veículo e de passageiros tendo a autora usado o veículo por mais 16 mil quilómetros entre Janeiro e Julho de 2016.
  • A viatura é reparável. A mudança da válvula reguladora é o primeiro passo para a sua reparação ou diagnóstico podendo com a sua substituição o problema ficar resolvido e seria um problema de válvula ou não ficando efetuar-se o diagnóstico que concluiria ser o problema da válvula e injectores ou só de injectores sendo esta factualidade instrumental resultante do depoimento da testemunha PE, o que levou a que se desse como provado que o veículo era reparável.
  • Por a 1.ª Ré nunca se ter negado à reparação e diligenciado pelo envio do veículo a oficinas o uso que a Autora fez do veículo, o problema técnico ser de pouca monta e reparável, a  escolha por parte da Autora a resolução do contrato de compra e venda e por dependência a resolução do mútuo é desproporcional face à boa fé e ao equilíbrio das prestações e constitui um desequilibro contratual consubstanciando abuso de direito.
    III.5.3. Indiscutido que se trata de um compra e venda de veículo automóvel de passageiros usado com 132 mil quilómetros com contrato de mútuo (financiamento) associado em dependência funcional como se diz na sentença recorrida. Indiscutido também que a 1.ª Ré vendedora profissional e a Autora, simples consumidora, gozam dos direitos assim como sobre elas incidem as obrigações referidas na decisão recorrida para cujo enquadramento legal se remete. Indiscutido, também, que o veículo vendido padece de desconformidade  caracterizado por “ralenti irregular de motor” e sons provenientes da zona do motor e que o veículo em marcha perdia potência com isso de “potência de motor reduzida”; indiscutido que, no espaço de 4 meses e sempre com as mesmas queixas, a viatura foi 3 vezes à oficina e que, não obstante as reparações que foram feitas, as anomalias se mantiveram; indiscutido que essas desconformidades ou anomalias  não impediam o veículo de circular nem a respectiva segurança “podendo o veículo ser reparado”- ponto 46. O Tribunal recorrido com base nessas circunstâncias e noutras referidas concluiu que o exercício do direito de resolução consubstanciado na carta de 26/9/2016- ponto 45- é desproporcional, atenta contra o equilíbrio do contrato e constitui abuso de direito sendo, por isso, ilegítimo o exercício desse direito-único que a Autora pretende exercer nesta acção- julgando por isso improcedente a acção.
    III.5.4. Contra este entendimento se rebela a apelante que entende que concedeu à 1.ª ré a possibilidade de reparação e que essa reparação logo na sequência da informação da Caetano Tecknic de 8/6/2016 onde se refere “Precisa de desmontar injectores para analisar e trocar a válvula reguladora da alta pressão” a 1.ª Ré deveria ter dado ordem para trocar a referida válvula para efectivação do diagnóstico limitando-se a substituir o filtro de combustível e efetuar o teste da Centralina mais adaptação do regulador de combustível, sendo certo que depois dessa reparação e da entrega do veículo à Autora conforme ponto 33 e 34 o veículo voltou a padecer das mesmas anomalias iniciais por isso a 1.ª ré recusou-se a efectuar  reparação, assim sendo não é ilegítimo o exercício de resolução que a Autora efectivou em Setembro de 2016. Será assim?
    III.5.5. No tocante às garantias legais pois temos desde logo os artigos 921 e 922 do CCiv e também os n.ºs 2 e 3 do art.º 4 da Lei n.º 24/96. O n.º 2 do art.º 4, da Lei 24/96, contém uma norma supletiva que estabelece um prazo de garantia “nunca inferior a um ano” em relação aos bens móveis não consumíveis, período durante o qual o fornecedor está obrigado a garantir o bom estado e o bom funcionamento do bem; o n.º 3, por seu turno, estabelece um prazo de garantia mínimo de cinco anos relativamente aos imóveis. O n.º 4 estatui por último que “o decurso do prazo de garantia suspende-se durante o período de tempo em que o consumidor se achar privado do uso dos bens em virtude das operações de reparação resultantes de defeitos originários.” Tem vindo a ser entendido que as normas relativas à garantia previstas na Lei n.º 24/96 funcionam como lei especial para as relações de consumo em relação às normas do CCiv; a garantia legal está apenas prevista para os bens móveis não consumíveis e bens imóveis, importando para o conceito de consumíveis a noção do art.º 208 do CCiv seguindo o qual são consumíveis as coisas cujo uso regular importa a sua destruição ou sua alienação.
    III.5.6. Na articulação entre a garantia legal e a garantia comercial, pois prevalece a que for mais favorável ao consumidor.
    III.5.7. De acordo com o art.º 913, n.º 1 do CCiv há venda de coisa defeituosa quando a coisa vendida sofrer de vício que a desvalorize ou que impeça a realização do fim a que é destinada ou quando não tiver as qualidades asseguradas pelo vendedor ou necessárias para a realização daquele fim, remetendo a lei para o regime próprio da venda de bens onerados. Há como que uma autonomização de espécie jurídica especial em relação ao regime geral do cumprimento defeituoso, ao qual a lei apenas se refere em termos gerais no art.º 799, n.º 1 – onde o faz equivaler à falta de cumprimento para efeitos de presunção de culpa – e ao qual se faz corresponder, nos termos gerais da responsabilidade contratual a obrigação de indemnizar os prejuízos decorrentes (cfr. Antunes Varela, Das Obrigações em Geral, vol. II. 7.ª edição, págs. 16-131). Tratando-se de um contrato de compra e venda e do seu cumprimento defeituoso, concorrendo as normas e princípios gerais e outro decorrente de normas especiais, aplicar-se-á o regime especial no que lhe for próprio, recorrendo-nos ao regime geral fora dele.
    III.5.8. A Directiva do Conselho 87/102/CEE relativa à Aproximação das Disposições Legais, Regulamentares e Administrativas dos Estados Membros em Matéria de Crédito ao Consumo (modificada pela Directiva do Conselho 90/88/CEE de 22/02/1999) define consumidor no seu art.º 1.º, n.º 2, alínea a) como a “pessoa física que nas operações reguladas pela presente Directiva actua com fins que podem considerar-se à margem do seu ofício ou profissão.”
    III.5.9.Também a Directiva 93/13/CEE do Conselho, de 05/04/1993 sobre as Cláusulas Abusivas nos Contratos Celebrados com os Consumidores define consumidor no art.º 2.º, alínea b) como “toda a pessoa física, que nos contratos regulados pela presente Directiva actue com um propósito alheio à sua actividade profissional.”
    III.5.10. A Directiva 1999/44/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 25 de Maio de 1999 relativa a certos aspectos da venda de bens de consumo e das garantias a ela relativas impõe como prazo de garantia para os bens móveis o de dois anos que deverá ser também o prazo de caducidade quando o legislador nacional o preveja.
    III.5.11.Presume-se nessa Directiva que os bens de consumo são conformes ao contrato se: a) forem conformes com a descrição que deles é feita pelo vendedor e possuírem as qualidades do bem que o vendedor tenha apresentado ao consumidor como amostra ou modelo; b) forem adequados ao uso específico para o qual o consumidor os destine e do qual tenha informado o vendedor quando o celebre o contrato e que o mesmo tenha aceite; forem adequados às utilizações habitualmente dadas aos bens do mesmo tipo; apresentarem as qualidades e o desempenho habituais nos bens do mesmo tipo e que o consumidor pode razoavelmente esperar, atendendo à natureza do bem e, eventualmente, às declarações públicas sobre as suas características concretas feitas pelo vendedor, pelo produtor ou pelo seu representante, nomeadamente na publicidade ou na rotulagem.
    III.5.12 Também a Directiva 2000/31/CE do Parlamento Europeu e do Conselho de 9 de Junho, relativa a certos aspectos legais dos serviços da sociedade de informação. Em especial do comércio electrónico, no mercado interno (“Directiva do comércio electrónico”) define consumidor como “qualquer pessoa singular que actue para fins alheios à sua actividade comercial, empresarial ou profissional”.
    III.5.13 No Direito Comunitário, onde aquela Lei n.º 24/96 foi “beber”, consumidor é uma pessoa singular ou física que, na relação jurídica em causa, actua com fins alheios à sua actividade profissional.
    III.5.14. Também no direito comparado se sufraga entendimento parecido. Em Espanha na Lei 20/1984 de 19/07 são consumidores as pessoas físicas que adquirem, utilizam ou desfrutam dos bens como destinatários finais de bens móveis ou imóveis, produtos, serviços ou actividades exceptuados, por isso os que adquiram, armazenem, utilizem bens ou serviços com o fim de os integrar no seu processo de produção, transformação, comercialização ou prestação a terceiros. França não contém definição de consumidor no seu Code de Consommation aprovado pela Lei n.º 93/949 de 27 de Julho; no Reino Unido o consumidor será aquele que age para fins que estão fora do seu negócio ou actividade comercial ou industrial (Unfair Terms in Consumer Contractas Regulations 1994, SI 1994/3159).
    III.5.15. Interessam as seguintes disposições legais do DL 67/03 que transpôs a mencionada Directiva de 1999, na redacção do DL 84/08 de 21/5 aqui aplicável.
    Artigo 1.º
    Objecto
    1 - O presente decreto-lei procede à transposição para o direito interno da Directiva n.º 1999/44/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 25 de Maio, relativa a certos aspectos da venda de bens de consumo e das garantias a ela relativas, com vista a assegurar a protecção dos interesses dos consumidores.
    2 - (Revogado pelo Decreto-Lei n.º 84/2008, de 21 de Maio.)
    Artigo 1.º-A
    Âmbito de aplicação
    1 - O presente decreto-lei é aplicável aos contratos de compra e venda celebrados entre profissionais e consumidores.
    2 - O presente decreto-lei é, ainda, aplicável, com as necessárias adaptações, aos bens de consumo fornecidos no âmbito de um contrato de empreitada ou de outra prestação de serviços, bem como à locação de bens de consumo.
    Artigo 1.º-B
    Definições
    Para efeitos de aplicação do disposto no presente decreto-lei, entende-se por:
    a) «Consumidor», aquele a quem sejam fornecidos bens, prestados serviços ou transmitidos quaisquer direitos, destinados a uso não profissional, por pessoa que exerça com carácter profissional uma actividade económica que vise a obtenção de benefícios, nos termos do n.º 1 do artigo 2.º da Lei n.º 24/96, de 31 de Julho;
    b) «Bem de consumo», qualquer bem imóvel ou móvel corpóreo, incluindo os bens em segunda mão;
    c) «Vendedor», qualquer pessoa singular ou colectiva que, ao abrigo de um contrato, vende bens de consumo no âmbito da sua actividade profissional;
    d) «Produtor», o fabricante de um bem de consumo, o importador do bem de consumo no território da Comunidade Europeia ou qualquer outra pessoa que se apresente como produtor através da indicação do seu nome, marca ou outro sinal identificador no produto;
    e) «Representante do produtor», qualquer pessoa singular ou colectiva que actue na qualidade de distribuidor comercial do produtor e ou centro autorizado de serviço pós-venda, à excepção dos vendedores independentes que actuem apenas na qualidade de retalhistas;
    f) «Garantia legal», qualquer compromisso ou declaração assumido por um vendedor ou por um produtor perante o consumidor, sem encargos adicionais para este, de reembolsar o preço pago, substituir, reparar ou ocupar-se de qualquer modo de um bem de consumo, no caso de este não corresponder às condições enumeradas na declaração de garantia ou na respectiva publicidade;
    g) «Garantia voluntária», qualquer compromisso ou declaração, de carácter gratuito ou oneroso, assumido por um vendedor, por um produtor ou por qualquer intermediário perante o consumidor, de reembolsar o preço pago, substituir, reparar ou ocupar-se de qualquer modo de um bem de consumo, no caso de este não corresponder às condições enumeradas na declaração de garantia ou na respectiva publicidade;
    h) «Reparação», em caso de falta de conformidade do bem, a reposição do bem de consumo em conformidade com o contrato
    Artigo 2.º
    Conformidade com o contrato
    1 - O vendedor tem o dever de entregar ao consumidor bens que sejam conformes com o contrato de compra e venda.
    2 - Presume-se que os bens de consumo não são conformes com o contrato se se verificar algum dos seguintes factos:
    a) Não serem conformes com a descrição que deles é feita pelo vendedor ou não possuírem as qualidades do bem que o vendedor tenha apresentado ao consumidor como amostra ou modelo;
    b) Não serem adequados ao uso específico para o qual o consumidor os destine e do qual tenha informado o vendedor quando celebrou o contrato e que o mesmo tenha aceitado;
    c) Não serem adequados às utilizações habitualmente dadas aos bens do mesmo tipo;
    d) Não apresentarem as qualidades e o desempenho habituais nos bens do mesmo tipo e que o consumidor pode razoavelmente esperar, atendendo à natureza do bem e, eventualmente, às declarações públicas sobre as suas características concretas feitas pelo vendedor, pelo produtor ou pelo seu representante, nomeadamente na publicidade ou na rotulagem.
    3 - Não se considera existir falta de conformidade, na acepção do presente artigo, se, no momento em que for celebrado o contrato, o consumidor tiver conhecimento dessa falta de conformidade ou não puder razoavelmente ignorá-la ou se esta decorrer dos materiais fornecidos pelo consumidor.
    4 - A falta de conformidade resultante de má instalação do bem de consumo é equiparada a uma falta de conformidade do bem, quando a instalação fizer parte do contrato de compra e venda e tiver sido efectuada pelo vendedor, ou sob sua responsabilidade, ou quando o produto, que se prevê que seja instalado pelo consumidor, for instalado pelo consumidor e a má instalação se dever a incorrecções existentes nas instruções de montagem.
    Artigo 3.º
    Entrega do bem
    1 - O vendedor responde perante o consumidor por qualquer falta de conformidade que exista no momento em que o bem lhe é entregue.
    2 - As faltas de conformidade que se manifestem num prazo de dois ou de cinco anos a contar da data de entrega de coisa móvel corpórea ou de coisa imóvel, respectivamente, presumem-se existentes já nessa data, salvo quando tal for incompatível com a natureza da coisa ou com as características da falta de conformidade.
    Artigo 4.º
    Direitos do consumidor
    1 - Em caso de falta de conformidade do bem com o contrato, o consumidor tem direito a que esta seja reposta sem encargos, por meio de reparação ou de substituição, à redução adequada do preço ou à resolução do contrato.
    2 - Tratando-se de um bem imóvel, a reparação ou a substituição devem ser realizadas dentro de um prazo razoável, tendo em conta a natureza do defeito, e tratando-se de um bem móvel, num prazo máximo de 30 dias, em ambos os casos sem grave inconveniente para o consumidor.
    3 - A expressão «sem encargos», utilizada no n.º 1, reporta-se às despesas necessárias para repor o bem em conformidade com o contrato, incluindo, designadamente, as despesas de transporte, de mão-de-obra e material.
    4 - Os direitos de resolução do contrato e de redução do preço podem ser exercidos mesmo que a coisa tenha perecido ou se tenha deteriorado por motivo não imputável ao comprador.
    5 - O consumidor pode exercer qualquer dos direitos referidos nos números anteriores, salvo se tal se manifestar impossível ou constituir abuso de direito, nos termos gerais.
    6 - Os direitos atribuídos pelo presente artigo transmitem-se a terceiro adquirente do bem
    Artigo 5.º
    Prazo da garantia
    1 - O consumidor pode exercer os direitos previstos no artigo anterior quando a falta de conformidade se manifestar dentro de um prazo de dois ou de cinco anos a contar da entrega do bem, consoante se trate, respectivamente, de coisa móvel ou imóvel.
    2 - Tratando-se de coisa móvel usada, o prazo previsto no número anterior pode ser reduzido a um ano, por acordo das partes.
    3 - (Revogado pelo Decreto-Lei n.º 84/2008, de 21 de Maio.)
    4 - (Revogado pelo Decreto-Lei n.º 84/2008, de 21 de Maio.)
    5 - (Revogado pelo Decreto-Lei n.º 84/2008, de 21 de Maio.)
    6 - Havendo substituição do bem, o bem sucedâneo goza de um prazo de garantia de dois ou de cinco anos a contar da data da sua entrega, conforme se trate, respectivamente, de bem móvel ou imóvel.
    7 - O prazo referido no n.º 1 suspende-se, a partir da data da denúncia, durante o período em que o consumidor estiver privado do uso dos bens.
    Artigo 5.º-A
    Prazo para exercício de direitos
    1 - Os direitos atribuídos ao consumidor nos termos do artigo 4.º caducam no termo de qualquer dos prazos referidos no artigo anterior e na ausência de denúncia da desconformidade pelo consumidor, sem prejuízo do disposto nos números seguintes.
    2 - Para exercer os seus direitos, o consumidor deve denunciar ao vendedor a falta de conformidade num prazo de dois meses, caso se trate de bem móvel, ou de um ano, se se tratar de bem imóvel, a contar da data em que a tenha detectado.
    3 - Caso o consumidor tenha efectuado a denúncia da desconformidade, tratando-se de bem móvel, os direitos atribuídos ao consumidor nos termos do artigo 4.º caducam decorridos dois anos a contar da data da denúncia e, tratando-se de bem imóvel, no prazo de três anos a contar desta mesma data.
    4 - O prazo referido no número anterior suspende-se durante o período em que o consumidor estiver privado do uso dos bens com o objectivo de realização das operações de reparação ou substituição, bem como durante o período em que durar a tentativa de resolução extrajudicial do conflito de consumo que opõe o consumidor ao vendedor ou ao produtor, com excepção da arbitragem.
    5 - A tentativa de resolução extrajudicial do litígio inicia-se com a ocorrência de um dos seguintes factos:
    a) As partes acordem no sentido de submeter o conflito a mediação ou conciliação;
    b) A mediação ou a conciliação seja determinada no âmbito de processo judicial;
    c) Se constitua a obrigação de recorrer à mediação ou conciliação.
    Artigo 10.º
    Imperatividade
    1- Sem prejuízo do regime das cláusulas contratuais gerais, é nulo o acordo ou cláusula contratual pelo qual antes da denúncia da falta de conformidade ao vendedor se excluam ou limitem os direitos do consumidor previstos no presente diploma.
    2 - É aplicável à nulidade prevista no número anterior o disposto nos n.os 2 e 3 do artigo 16.º da Lei n.º 24/96, de 31 de Julho.
    Artigo 13.º
    Alterações à lei de defesa dos consumidores
    Os artigos 4.º e 12.º da Lei n.º 24/96, de 31 de Julho, passam a ter a seguinte redacção:
    «Artigo 4.º
    Direito à qualidade dos bens e serviços
    Os bens e serviços destinados ao consumo devem ser aptos a satisfazer os fins a que se destinam e a produzir os efeitos que se lhes atribuem, segundo as normas legalmente estabelecidas, ou, na falta delas, de modo adequado às legítimas expectativas do consumidor.
    Artigo 12.º
    Direito à reparação de danos
    1 - O consumidor tem direito à indemnização dos danos patrimoniais e não patrimoniais resultantes do fornecimento de bens ou prestações de serviços defeituosos.
    2 - O produtor é responsável, independentemente de culpa, pelos danos causados por defeitos de produtos que coloque no mercado, nos termos da lei.»
    Consultar
    III.5.16. Entretanto foram publicadas as Directivas 2019/771 e 2019/770 (Venda de Bens de Consumo e Fornecimento de Conteúdos e Serviços Digitais, aquela revogando a Directiva de 1999) que ao caso se não aplicam mas que já foram alvo de apreciação doutrinária. Sobre elas e a propósito da hierarquização dos direitos do consumidor, antes e depois dessas últimas directivas, escreve Jorge Morais de Carvalho[4] entre o mais “(...)Está prevista em ambas as diretivas uma hierarquia entre os direitos. Em regra, a primeira tentativa deve consistir em repor a conformidade dos bens (conteúdos digitais ou serviços digitais), só depois tendo o consumidor direito a uma redução proporcional do preço ou à resolução do contrato. Neste domínio, os Estados-Membros não podem divergir das disposições das diretivas. Isto significa que os Estados-Membros que atualmente não preveem uma hierarquia dos direitos, terão um nível inferior de proteção dos consumidores após a transposição das diretivas. Este problema é parcialmente atenuado, no que respeita à venda de bens de consumo, pela possibilidade de os Estados-Membros preverem que os consumidores possam escolher um “meio de ressarcimento específico” no caso de a falta de conformidade dos bens se manifestar num prazo curto após a entrega, o qual não pode ser superior a 30 dias. Os Estados-Membros podem assim prever que o consumidor possa resolver o contrato imediatamente se a falta de conformidade se manifestar nos primeiros 30 dias após a entrega. Em Portugal, a questão tem sido objeto de ampla discussão doutrinária e jurisprudencial, que começou, aliás, antes do DL 67/2003. A LDC, na versão originária (art.º 12.º), também não estabelecia, pelo menos expressamente, uma hierarquia entre os direitos, sendo, contudo, menos clara do que a lei atual, na medida em que não se referia expressamente a qualquer limitação na escolha de uma das soluções (impossibilidade ou abuso de direito). No sentido da existência de hierarquia entre os vários direitos, defende-se que o profissional tem mais conhecimentos sobre o bem ou serviço, devendo caber-lhe a escolha, que deve ser dada prevalência às opções que permitem a manutenção do negócio, que o art. 4.º tem uma ordem sequencial não arbitrária e que deve ser feita uma interpretação em conformidade com a Diretiva, impondo-se a hierarquização como solução de bom senso. A jurisprudência oscilou, num primeiro momento, entre as duas soluções, ora decidindo no sentido da existência de hierarquia, ora concluindo que o consumidor podia exercer qualquer um dos direitos imediatamente, com o limite do abuso do direito, sendo dominante, nos últimos anos, a jurisprudência neste último sentido, ou seja, no sentido da inexistência de hierarquia. Apesar de alguns dos argumentos indicados assentarem em ideias interessantes de iure constituendo, a lei atual parece clara, não só no sentido de não existir uma ordem entre os direitos, mas também no sentido de a escolha caber ao consumidor.
    III.5.17. Também entendemos, de iure constituto, que inexiste qualquer hierarquia no exercício dos direitos, cabendo a escolha ao consumidor[5]. Também perfilhamos o entendimento de que, optando o consumidor pela reparação isto é a reposição in natura, cumprindo o vendedor a sua obrigação de reparar o bem, se, em consequência dessa reparação a desconformidade ou a anomalia deixar de existir, ao consumidor já não assiste o direito a resolver o contrato, uma vez que a desconformidade fundadora dos direitos do consumidor desapareceu, ainda que o consumidor, após a reparação, deixe de ter confiança no bem desde que essa desconfiança não tenha fundamento objectivo e não o terá se a desconformidade tiver desparecido. Vejamos o caso concreto.
    III.5.18. A Autora é consumidor para os fins legais e as Rés não o questionam no recurso.
    III.5.19. Para além de resultar da própria, como se viu, a 1.ª Ré garantiu à Autora boas condições de funcionamento do veículo (ponto 5). Será que se deve presumir que o automóvel que a Ré vendeu ao Autor e para efeitos do art.º 3/2/d acima transcrito “Não apresenta as qualidades e o desempenho habituais nos bens do mesmo tipo e que o consumidor pode razoavelmente esperar, atendendo à natureza do bem “? O veículo apresentava anomalias que o Autor detectou em Abril de 2016 cerca de 4 meses após a entrega do veículo que ocorreu em 6/1/2016  e que consistia num ralento irregular do motor, batidas provenientes da zoa do motor e perda de potência com aviso no painel de “potência de motor reduzida” sendo que comunicou de imediato tais factos à 1.ª ré que a 21/4/2016 enviou o veículo a uma oficina da Bosh Service para identificação da avaria e reparação, numa altura em que o veículo tinha mais 10 mil quilómetros, tudo dentro dos prazos legais de denúncia e de exercício de direitos, nessa oficina foi efectuado o teste ao veículo não se encontrando sons provenientes do motor as mencionadas batidas tendo sido substituído o injector do 4.º cilindro e realizado o teste da centralina mais adaptação do injector (pontoa 18 a 22). Após essa entrega entre o mês de Maio e 8/6/2016 o veículo voltou a apresentar essas anomalias o que a Autora comunicou à 2.ª Ré tendo a Autora entregue o veículo na reparadora autorizada da marca Cateano Tecnik em Setúbal one foi feito o teste diagnóstico do qual entre o mais consta “Detectada falha de ignição do cilindro 2 Estado DTC apagado passou e falhou...valor de pequena quantidade na injecção de combustível não programada estado Desde DTC apagado passou e falhou”, na folha de obra consta, entre outras peças a colocar, o filtro do gasóleo, a válvula bomba de alta pressão e anilhas injectores sendo que, na factura emitida pela Caetano Tecnick à 1.ª ré de 8/6/2016 consta “Precisa desmontar injectores para analisar e trocar a válvula reguladora bomba alta pressão”, a 1.ª Ré enviou o veículo à Bosh Service a 20/6/2017 numa altura em que este apresentava já 147144 km (mais 15 mil do que na entrega 5 meses antes) que não encontrou as batidas, foi substituído o filtro de combustível e teste da centralina mais adaptação do regulador de combustível, na sequência do que o veículo foi entregue à Autora (factos 23 a 33); em data apurada do mês de Julho de 2016 o automóvel volta a apresentar os mesmos problemas, se bem que não se fale já da perda de potência inicialmente detectada e é nessa altura que a Autora comunica à 1.ª Ré a vontade de resolver o contrato, o que  a 1.ª Ré não aceita contrapondo a substituição da viatura o que também, inexplicavelmente não é aceite pela Autora e nessa altura a Autora ao que tudo indica motu próprio apresenta o veículo na referida oficina  autorizada da marca Opel já com mais mil quilómetros para apurar gastos de reparação sendo indicado na respectiva ordem de reparação “ralenti por vezes fica irregular (incerto noutras ocasiões o ralenti fica baixo parece perder força e o motor bate um pouco ruido frente lado esquerdo com o motor ao ralenti parece algo a roçar por vezes ao ralenti o motor bate”, sendo que no teste de diagnóstico consta como nota importante “a viatura poderá ter uma anomalia ao nível dos injectores, só após a substituição e programação da válvula reguladora é que se poderá fazer o diagnóstico”, a Autora não deu ordem de reparação e não deu conhecimento à 1.ª ré nem da ordem de reparação nem da nota do teste de diagnóstico, deixando de circular com a viatura (factos 34 a 43)
    III.5.20. Se por um lado se percebe mal porque razão é que na sequência do teste diagnóstico de 8/6/2016- onde se dá nota da necessidade de desmontar os injectores para analisar e trocar a válvula reguladora da bomba de alta pressão- a reparação subsequente se limitou à substituição do filtro de combustível- também peça a colocar na ordem de reparação- e não também as outras peças indicadas na folha de obra, sejam a válvula da bomba da alta pressão e as anilhas injectores, tendo a viatura sido entregue à Autora, após a reparação de 32, também se percebe mal porque razão é que dando-se- ou podendo dar-se- a Autora conta dessa desconformidade, aquando da entrega, não chamou a Ré à atenção desse facto, exigindo aquela substituição das peças, percebendo-se ainda muito menos porque razão na sequência da entrega do veículo na oficina pela Autora em 28/7/2016 com vista ao apuramento  dos gastos de reparação não deu a Autora conta à Ré nem do teor do teste diagnóstico de 39 nem do teor do orçamento constante de 40 e já referidos.
    III.5.21. Pode haver situações em que o bem tem um valor reduzido e a falta de conformidade é mínima, mas não há abuso do direito e o consumidor pode exercer o direito de resolução. Pode, face ao caso concreto, o consumidor eventualmente já ter denunciado a desconformidade e tentado exercer um outro direito, não aceite pelo vendedor, ou a reparação estar a demorar mais tempo do que o razoável. Nestas circunstâncias, é expectável que o consumidor exerça o direito de resolução. A finalidade do exercício dos direitos é corrigir a desconformidade. O consumidor, não conseguindo esse resultado por um dos direitos, exerce outro. As reparações, ainda que não totalmente bem sucedidas, foram sendo efectuadas, e nenhuma delas demorou mais de 30 dias, se bem que, no computo global, desde que a Autora detectou as anomalias, já tivesse decorrido um período de cerca de 3 meses; na sequência do que consta de 34 a Autora já não enveredou pela reparação e comunicou a sua intenção de resolver o negócio, o que a Ré não aceitou, tento contraposto a substituição da viatura que a Autora não aceitou sem que se evidencie nenhuma razão plausível para tal. Também se demonstra que a reparação é viável sendo que as anomalias não impedem o veículo de circular nem comprometem a segurança para os passageiros e esta factualidade não vem impugnada (ponto 46). Verdade que se desconhece a dimensão da anomalia porquanto só após a substituição da válvula reguladora é que se poderá continuar o diagnóstico da anomalia que poderá ser ao nível dos injectores: E a testemunha PE da OPEL explicou  porquê: “...a válvula não deixa códigos de avaria do sistema, tem de se substituir a válvula para se corrigir o problema do ralento irregular...podemos falar de uma avaria da válvula mas para isso terenos de a trocar...”. É a técnica da eliminação das causas possíveis da anomalia, mas pelos vistos tem de ser feita e ela pode ser feita. Se um bem manifesta uma desconformidade que não coloca em causa a sua utilidade, não existe - à partida - causa suficiente para que o sujeito de boa fé queira resolver o contrato.
    III.5.22. Na doutrina entende-se que a livre escolha do consumidor só poderá ser tratada quando a sua pretensão represente uma desvantagem muito maior para o vendedor do que a vantagem que ele obtiver em comparação com outras soluções, o que nos remete para a modalidade peculiar do abuso de direito consubstanciado no exercício em desequilíbrio designadamente na vertente da desproporção do exercício, devendo o vendedor demonstrar esse desequilíbrio.[6]
    III.5.23. Na jurisprudência realça-se o princípio da boa fé que também é comum ao instituto do abuso de direito, princípio aquele nuclear do nosso direito e constante do art.º 762/2 do CCiv segundo o qual no cumprimento das obrigações e no exercício do direito as partes devem proceder de boa fé e não causar prejuízos injustificados ou frustrar as expectativas devidamente fundamentadas da contraparte. Assim se um veículo novo de conceituada marca após 2 substituições de embraiagem recusar a 3.ª substituição numa circunstância em que já tendo sido substituído o motor e a embraiagem por duas vezes num curto espaço de tempo a boa fé não impunha ao Autor que aceitasse uma nova tentativa de reparação numa altura  em que se excedia m muito o período lega do art.º 4/2 do DL 67/03.[7] Numa outra situação se entendeu que assiste ao comprador o direito à resolução do negócio quando a desconformidade ou anomalia, subsistindo após reparação, inviabiliza a utilização do veículo e põe em causa a circulação e a segurança do mesmo.[8] Não obstante não ter sido alegado pela Ré vendedora que a desvantagem com a resolução seria para ela maior do que a vantagem que obteria com qualquer outra das soluções, seja a reparação, a substituição ou a redução do preço, existem provados, no processo, factos que permitem inferir esse desequilíbrio, designadamente, a circunstância de se tratar de um veiculo usado, com 4 anos, e 132 mil quilómetros à data da venda e ter mais 16.830 km em 29/7/2016, o facto de as anomalias em causa não comprometerem nem a utilização nem a segurança dos passageiros, o facto de as anomalias serem reparáveis e de a Autora não ter concedido uma derradeira possibilidade de diagnóstico das causas dessas anomalias e posterior reparação-que a ré na contestação aceitaria efectuar de delas tivesse tido conhecimento- omitindo ao conhecimento da 1.ª ré o diagnóstico de 28/7/2016. Donde a conclusão de que, no caso concreto, o exercício do direito de resolução do contrato que a Autora pretende ver reconhecido se mostra ilegítimo nos termos do art.º 334 do CCiv e assim de nenhum efeito. Não tendo a Autora deduzido, ainda que a título subsidiário, o pedido de condenação da Ré na realização desse diagnóstico e posterior reparação, ainda que em oficina da marca, cai a acção nesse aspecto.
    III.5.24. Entende a Autora que devem ser reconhecidos os direitos da autora também no que toca à condenação a 1.ª ré no pagamento à Autora de 4 mil euros a título de danos não patrimoniais. O art.º 13 da Lei 67/03 introduziu alterações ao art.º 12 da Lei do Consumidor nos termos já transcritos:
    Artigo 12.º
    Direito à reparação de danos
    1 - O consumidor tem direito à indemnização dos danos patrimoniais e não patrimoniais resultantes do fornecimento de bens ou prestações de serviços defeituosos.
    III.5.25. Examinando-se os arts. 494º e 496º do Código Civil português. Ao tratar dos danos não patrimoniais, o legislador estabelece que a indenização será apurada de forma equitativa, tendo como parâmetros o grau de culpabilidade do agente, sua situação económica e a do ofendido. Assim, o montante a ser estabelecido dependerá, também, da avaliação da forma de conduta do agente, não ficando adstrito ao dano causado à vítima. A doutrina de modo que se pode considerar uniforme assinala que a indemnização deve possuir natureza mista: reparar os danos suportados por um lado reprovar e punir, com os recursos do próprio direito civil, a conduta ilícita do lesante, por outro. Entende-se na sentença que a comprovada impaciência e stress que as desconformidades da viatura e sucessivas tentativas de reparação acusaram à Autora não merecem a tutela do direito. Ora o stress, é reconhecido pela jurisprudência,  constitui uma realidade que vale por si, geradora de danos na saúde e integridade físico-psíquica da pessoa física.[9] Não tendo a Autora dado causa às sucessivas entradas do veículo em oficina para a reparação das anomalias que não obstante não comprometerem a segurança do veículo e das pessoas neles transportadas causam compreensível (porque comprovadamente se destinava e seguramente foi usado para assegurar o transporte da sua filha à escola e vistas aos seus pais e avós da criança em Castelo Branco passeios e viagens) desconfiança da Autora na sua utilização, e comprovado stress que consabido é causador de perturbações físico-psíquicas não imediatamente detectáveis é equitativo que a Ré compense a Autora no pagamento da quantia de 2.000,00 euros[10].
    IV-DECISÃO
    Tudo visto e pelas razões mencionadas em III julga-se parcialmente procedente a apelação, em conformidade revoga-se a decisão recorrida, apenas no segmento sob a) relativo ao pedido de condenação da 1.ª Ré no pagamento de compensação à Autora por danos não patrimoniais, que se substitui por estoutra que, julgando parcialmente procedente a acção condena a  1.ª Ré a pagar à Autora a quantia de 2.000,00 euros (dois mil euros), quantia essa já actualizada à data deste acórdão, mantendo-se o demais da decisão recorrida.
    As Custas são da responsabilidade do Autor e Ré na proporção do decaimento (art.º 527/1 e 2), sem prejuízo do apoio judiciário que à Autora foi concedido.

    Lxa., 2 de Dezembro 2021  
    João Miguel Mourão Vaz Gomes
    Jorge Leal
    Nelson Borges Carneiro (com voto de vencido)

    Voto de vencido (quanto à condenação da 1ª ré a pagar a quantia de € 2000,00, a título de danos não patrimoniais):
    Ficou provado que a “situação referida em 18), 25) e 34), e idas do veículo para reparação originaram à Autora impaciência e stress” – facto nº 50.
    A lei não enumera os casos de danos não patrimoniais que justificam a atribuição de uma indemnização, limitando-se a esclarecer que esta apenas deve abarcar aqueles que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito, nos termos do previsto pelo artigo 496º, nº 1, do CC, ou seja, a reparação apenas se justifica se a especial natureza dos bens lesados o exigir, ou quando as circunstâncias que acompanham a violação do direito de outrem forem de molde a determinar uma grave lesão de bens ou valores não patrimoniais[11].
    No âmbito dos danos de natureza não patrimonial, destacam-se ainda, face ao estreitamento do seu âmbito, as dores, sofrimentos e desgostos, os traumatismos físicos, as fraturas, os tratamentos e reabilitações necessários à regeneração da pessoa, vítima, no caso concreto, de acidente de viação[12].
    São abrangidos por esta nomenclatura os atos lesivos que atinjam, a título de exemplo, a honra, o bom nome, a saúde, a integridade e dores físicas, a liberdade, entre outros elementos de cariz não patrimonial[13].
    O stress é uma reação psicofisiológica que ocorre quando a pessoa precisa enfrentar uma situação que, de um modo ou de outro, irrita, amedronta, excita, confunde ou mesmo trás felicidade (Seyle, 1965)[14].
    O organismo, quando exposto a um esforço desencadeado por um estímulo percebido como ameaçador à homeostase (equilíbrio do corpo), seja físico, químico, biológico ou mesmo psicossocial, apresenta segundo Seyle (1936) a tendência de responder de forma uniforme e inespecífica, anatómica e fisiologicamente. Respostas estas que, o teórico afirma que constituem uma Síndrome. (...) As reações de stresse resultam em esforços de adaptação, podendo haver como consequência (caso seja demasiado prolongado), uma maior predisposição ao desenvolvimento de doenças. Como doença de adaptação pode citar: úlceras digestivas, crises hemorroidais, alterações da pressão arterial, alterações na parede dos vasos sanguíneos, alguns tipos de doenças renais, alterações inflamatórias do aparelho gastrointestinais, diversas afeções dermatológicas, alterações metabólicas várias, manifestações alérgicas, artrites reumáticas e reumatoides, perturbações sexuais, comprometimento do sistema imunológico e algumas alterações tireoidianas (Cubi, 1989)[15].
    Ora, não estando alegados e provados quais os sintomas, doenças de adaptação, distúrbios “neurovegetativos”, reações de ordem psicológica e psiquiátrica (a angústia é comum) que, em maior ou menor extensão, surgem sempre associados ao stresse, não se sabe se a saúde da autora foi atingida pela situação de stress (aliás nem está demonstrado por quanto tempo essa situação se arrastou, se se mantém, etc.).
    Concluindo, por não se saber qual o impacto do stress no organismo da autora, o pedido de indemnização por danos não patrimoniais teria que improceder (no caso, terá a ver com pequenas contrariedades da vida, sem qualquer impacto na saúde física e mental, não devendo, por isso, merecer a tutela do direito).
    Nelson Borges Carneiro
    _______________________________________________________
    [1] Na redacção que foi dada ao Código do Processo Civil pela Lei 41/2013 de 26/7, atento o disposto nos art.º 5/1, 8, e 7/1 (a contrario sensu) e 8 da mesma Lei que estatuem que o novel Código de Processo Civil entrou em vigor no dia 1/09/2013 e que se aplica imediatamente, atendendo a que a acção foi autuada e distribuída ao J3, da Juízo Local Cível de Loures do Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa Norte em 2016 e a data da decisão recorrida que é de 27/2/2021; ao Código referido, na redacção dada pela Lei 41/2013, pertencerão as disposições legais que vierem a ser mencionadas sem indicação de origem.
    [2] A. Reis, obra citada, pág. 142.
    [3] Recursos em Processo Civil, Novo Regime, Almedina, 2008, págs.
    [4] Venda de Bens de Consumo e Fornecimento de Conteúdos e Serviços Digitais – As Diretivas 2019/771 e 2019/770 e o seu Impacto no Direito Português” Revista Electrónica do Direito, Universidade do Porto, Setembro 2019, pp 81 e ss disponível no sítio da internet de acesso público https://cije.up.pt/client/files/0000000001/4-artigo-jorge-morais-carvalho_1213.pdf
    [5] Cientes da divergência doutrinária percorrendo a jurisprudência ultimamente publicada conclui-se ser maioritária a posição da livre escolha sem hierarquização de que se destacam os acórdãos de 5/5/2015, relatado por João Camilo e de 9/11/2010 relatada por Urbano Dias e mais recentemente o de 14/10/2021, proferido no processo 2927/18.4t8vct.g1.s1 relatado pro Abrantes Geraldes por contraposição a jurisprudência mais antiga de que são exemplo os Acs de 15/11/05 relatado por Lucas Coelho e de 13/12/07 relatado pro Fonseca Ramos todos disponíveis no sítio www.dgsi.pt; também na doutrina inter alia e mais recente Antunes, José Engrácia in “Direito do Consumo, Almedina, 2019, pp 160 e Rui Paulo Ataíde, in “Estudos de Direito Privado” 2010-2020-AAFDL, 2020, pág. 252
    [6] Rui Paulo Ataíde, obra cita, pág. 253
    [7] Assim se entendeu no mencionado AcSTJ de 5/5/2015 no processo 725/12.3tbrg.g1.s1 relatado por João Camilo
    [8] Assim se entendeu no também AcsTJ  de 14/10/2021, no processo 2927/18ct8vct.g1.s1 relatado por Abrantes Geraldes
    [9] Conferir nesse sentido o tero do Ac do STJ de 10/8/2012 proferido no processo 6628/04.2tvlsb.l1.s1, disponível no sítio ww.dgsi.pt
    [10] Valor arbitrado no Ac RC de 1/3/2016 no processo 1684/08.7tbcbr.c1, relatado por Jorge Arcanjo e disponível no sítio www.dgsi.pt.
    [11] PINTO MONTEIRO, Cláusulas Limitativas e de Exclusão de Responsabilidade Civil, 2003, pp. 88/89, e nota (164).
    [12] PIRES DE LIMA e ANTUNES VARELA, Código Civil Anotado, volume I, 1987, pp. 499 a 502, e VAZ SERRA, Reparação do Dano Não Patrimonial, BMJ nº 83, nº 2.
    [13] ANA AMORIM, A responsabilidade do médico enquanto perito, Centro de Direito Biomédico, 26, pp. 104/05
    [14] Ac. Supremo Tribunal de Justiça de 2012-10-10, Relator: GREGÓRIO SILVA JESUS, http://www.dgsi.pt/jstj.
    [15] Ac. Supremo Tribunal de Justiça de 2012-10-10, Relator: GREGÓRIO SILVA JESUS, http://www.dgsi.pt/jstj.