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CONTRATO DE FORNECIMENTO DE BENS E SERVIÇOS
PAGAMENTO DO PREÇO
AMPLIAÇÃO DO PEDIDO
ALTERAÇÃO DA CAUSA DE PEDIR E DO PEDIDO
CONTRATO DIVERSO
MODIFICAÇÃO OBJECTIVA DA INSTÂNCIA
Sumário
I- Em acção destinada a exigir o pagamento do preço relativo a um contrato de fornecimento de bens e serviços, a relação jurídica controvertida identifica-se através desse mesmo contrato, sendo neste que se baseia a pretensão formulada. II - Alicerçando-se a factualidade alegada em sede de alteração da causa de pedir e do pedido em contrato diverso, respeitará essa matéria factual alegada a relação jurídica diversa. III - Implicando esses factos alteração da causa de pedir não enquadrada na relação jurídica controvertida inicial, estamos perante modificação objectiva da instância não suportada em preceito legal que a admita (art. 260º do CPC).
Texto Integral
Acordam na 3ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães
I – RELATÓRIO
Por via de Requerimento de Injunção, a Requerente Y- Textil, Lda, vem pedir a condenação da Requerida X, S.A., a pagar lhe a quantia de 193 054, 08 Euros, correspondente ao valor das faturas nº FT .../0185, vencida em 02/09/2020, no valor de 191 955, 28 Euros e FT .../0141, vencida em 09/07/2020, no valor de 829, 14 Euros, relativas as fornecimentos de mercadorias, acrescidas de juros vencidos e vincendos.
A Requerida X, S.A., veio deduzir oposição com reconvenção, sustentando que a fatura no valor de 191 955, 28 Euros não diz respeito ao fornecimento de mercadorias pela Requerente à Requerida, explicando que essa fatura não é devida e, por isso, foi devolvida e que, além do mais, a outra fatura no valor de 829, 14 Euros, a Requerida a aceita o seu valor, que pretende compensar com o contra-crédito que irá deduzir.
Explica então que as relações comerciais entre a Requerente e a Requerida se iniciaram em março de 2020, num contexto de pandemia, altura em que a Requerida entrou numa nova área de negócios confeção de equipamentos de proteção individual e batas cuja produção subcontratou a diversas empresas, entre as quais a Requerente, tendo celebrado um acordo cujos contornos estão descritos no ponto 13º da Oposição, do qual resultava, além do mais, que como contrapartida pela gestão do projeto, a Requerida pagaria à Requerente fees de gestão, na forma de um montante fixo por peça, sendo certo que pela fatura nº .../0096, liquidada em 14/05/2020, foram faturados e pagos todos os fees de gestão referente à , apesar da Requerente ter abusivamente emitido mais duas faturas, que a Requerida acabou por pagar, o que determinou o agastamento das relações comerciais. A fatura reclamada na injunção foi, por isso, abusivamente emitida, já que a rojeto Têxtil não ficou a cargo da Requerente e não foram acordados fees de gestão para esta fase e a Requerente não prestou à Requerida os correspondentes serviços de gestão de projeto de que sempre dependeria o direito a tais fees.
Todavia, para a produção da 1ª fase de encomendas, a Requerida contratou de facto os serviços da Requerente para a gestão do projeto, nos termos referidos no ponto 13º da Oposição, gestão que veio a revelar-se insatisfatória, dada a incapacidade da Requerente em manter as parcerias inicialmente angariadas ou angariar outras, a não transmissão de diretrizes corretas às empresas confecionadoras, gerando prejuízos à Requerida, designadamente ao nível das medidas das batas, obrigando a requerida, a partir de meados/fim de Maio, a constituir uma equipa interna para o acompanhamento do projeto.
Ora, na economia do acordo celebrado, eventuais derrapagens que se viessem a verificar nos custos de produção inicialmente estimados pela Requerente seriam descontados aos fees de gestão a que a Requerente teria direito. Visto que a Requerida suportou custos adicionais no valor de 452 913, 30 Euros, que são superiores aos fees que pagou à Requerente (285 574, 39 Euros), entende que é titular de um crédito sobre a requerente correspondente ao valor dos fees que pagou deduzido do crédito de 829, 14 Euros, titulado pela fatura nº .../0141, devendo a Requerente ser condenada a pagar à Requerida o valor de 284 745, 25 Euros.
Ademais, a título de danos não patrimoniais reclama uma indemnização de 10 000,00 euros.
Conclui pugnando pela improcedência da ação, e absolvição da Requerida do pedido contra si formulado, pela condenação da Requerente como litigante de má fé, em multa e indemnização adequadas; pela procedência do pedido reconvencional pugnando pelo reconhecimento do crédito da Requerida sobre a Requerente no valor de 285 574, 39 Euros; compensar parcialmente esse crédito com o montante de 829, 14 euros devido pela Requerida à Requerente; condenando a Requerente a pagar à Requerida a quantia de 284 745, 25 Euros, bem como no pagamento da quantia de 10 000, 00 euros, a título de indemnização por danos morais.
Por despacho de fls. 833, foi fixado à ação o valor de 484 628, 47 Euros e ordenada a remessa dos autos para os Juízos Centrais Cíveis de Guimarães.
A Autora veio deduzir Réplica no articulado de fls. 838 e ss e ampliar o pedido e causa de pedir, sustentando que afinal, a relação contratual existente entre as partes nada tinha a ver com o fornecimento de bens ou serviços, mas com uma alegada sociedade irregular, negando que tenha sido estabelecida qualquer penalização que pudesse incidir sobre os fees de gestão devidos à Reconvinda por eventuais derrapagens que viessem a verificar-se nos custos de produção, impugnando a reconvenção deduzida.
Concluí pedindo além do mais:
a) que a oposição seja julgada totalmente improcedente por não provada, condenando-se a Reconvinte no pagamento da quantia peticionada no pedido injuntivo, no valor de 192 784, 42 Euros, acrescido de juros vencidos e vincendos até integral pagamento.
b) que o pedido reconvencional seja julgado improcedente, bem assim como o pedido de condenação da Reconvinda como litigante de má fé;
c) que a ampliação do pedido e da causa de pedir sejam julgados procedentes, sendo a Reconvinte condenada a pagar à autora os fees de gestão do valor global fixado de 2 460 000,00 euros para a produção de batas e factos em tecido técnico, num valor de 12 milhões de peças, deduzido o montante de 195 451,08 Euros, já faturado e recebido, correspondente ao montante pedido no requerimento de injunção;
d) que a ampliação do pedido e da causa de pedir sejam julgados procedentes, sendo a Reconvinte condenada a título de lucros obtidos com a criação da sociedade irregular celebrada com a Autora, do qual se apropriou silenciosamente e de forma indevida em consequência da cisão da sociedade irregular constituída entre as partes e da não entrega à autora do montante relativo à percentagem estimada que lhe caberá (40%) sobre o montante dos lucros da Ré em 2020, a apurar em sede de peritagem à contabilidade da Ré, para apuramento do montante das vendas das batas e fatos em tecido técnico, sabendo-se desde já que o montante de lucros conhecido é de 8 254 677, 99 Euros, no âmbito das atribuições e responsabilidades da Autora na sequencia do contrato de sociedade celebrado entre ambos, ou seja, fixando-se tal valor mínimo em 3 301 471, 19 Euros ( 40% sobre 8 254 677, 99 Euros), podendo ser reduzido ou ampliado em função do resultado da perícia à contabilidade da Ré.
No requerimento de fls. 995 e ss, a Ré/Reconvinte pugna pela inadmissibilidade legal da ampliação do pedido e da causa de pedir, considerando ainda existir um obstáculo legal à cumulação de pedidos por erro na forma de processo e violação das regras de competência material dos tribunais.
Foi proferida decisão que rejeitou, por manifestamente inadmissíveis, a alteração da causa de pedir e dos pedidos formulados pela Autora.
Mais decidiu que, para além da alteração da acusa de pedir e pedidos serem legalmente inadmissíveis, verifica-se ainda um obstáculo legal à cumulação dos pedidos em virtude da incursão em erro na forma do processo e violação das regras de competência material dos tribunais art. 555º/1 e 37º/1 do CPC., que sempre geraria a absolvição da reconvinte da instância quanto aos novos pedidos formulados.
Inconformada com tal decisão dela veio recorrer a Requerente formulando as seguintes conclusões:
1. No despacho de que se recorre cometeram-se erros na apreciação e aplicação da matéria de direito, impondo-se, por isso, uma solução inversa à decidida no despacho ora impugnado, competindo, assim, a este Tribunal ad quem usar dos seus poderes/deveres (funcionais) de censura.
2. O artigo 265.º n.º 2 do Código de Processo Civil, estabelece que, na falta de acordo das partes, qualquer tipo de modificação do pedido é legalmente admissível desde que seja o desenvolvimento ou a consequência do pedido primitivo.
3. A doutrina tem defendido que a ampliação está contida virtualmente no pedido inicial, pelo que, pressupõe que, dentro da mesma causa de pedir, a pretensão primitiva se modifica para mais, podendo, no entanto, envolver a formulação de um pedido diverso, desde que tal pedido e o pedido primitivo tenham essencialmente causas de pedir integradas no mesmo complexo de factos.
4. No artigo 582.º n.º 4 do Código de Processo Civil, o legislador adotou a teoria da substanciação para definir o conceito de causa de pedir, segundo a qual, a causa de pedir é o próprio facto jurídico genérico do direito, ou seja, o acontecimento concreto, correspondente a qualquer fattispecie jurídica que a lei admita como criadora de direitos, abstração feita da relação jurídica que lhe corresponde.
5. Deste conceito de causa de pedir resulta que não basta invocar em relação aos mesmos factos um novo fundamento jurídico para se concluir pela alteração da causa de pedir, pois, a causa de pedir nada tem que ver com a qualificação jurídica do facto ou factos submetidos à apreciação do tribunal; a causa de pedir está no facto oferecido pela parte, e não na valoração jurídica que ela entenda atribuir-lhe.
6. A valoração jurídica constitui tão só e apenas uma simples apreciação ou ponto de vista mental, pelo que se a parte ou o tribunal modificar a qualificação ou valoração, nem por isso se dirá que houve uma mudança de causa de pedir, ou seja, a causa petendi não é a norma abstrata da lei invocada pela parte, mas sim o facto que se alega como expressão de vontade concreta da regra legal, pelo que a simples mudança do ponto de vista jurídico, isto é, a invocação de uma norma legal diversa, não significa diversidade de causa de pedir.
7. O tribunal a quo andou, assim, mal ao ter decidido rejeitar a ampliação do pedido efetuada pelo recorrente, na medida em que, diversamente do que consta no despacho recorrido, a causa de pedir alegada no requerimento de injunção e na réplica é a mesma, pois, apesar de ter qualificado juridicamente o acordo celebrado entre ela e a recorrida como uma sociedade irregular, o certo é que, a qualificação efetuada pela recorrente não vincula o Tribunal, tendo este de se limitar a apreciar a factualidade em causa.
8. Se se atender à factualidade alegada no requerimento inicial de injunção, e ao invocado pela recorrida na contestação e reconvenção, dúvidas não existem de que, na réplica, a recorrente se limitou a ampliar, o pedido formulado no requerimento de injunção, tendo por base a mesma causa de pedir, isto é, a celebração de um acordo entre as partes com vista à produção e venda de batas e fatos em tecido técnico.
9. Os presentes autos iniciaram-se com um requerimento de injunção, no qual, a recorrente alegou factos demonstrativos de que final, a condenação desta no pagamento da aludida quantia.
10. Do referido requerimento de injunção, o aludido crédito encontra-se titulado pelas faturas n.º …..20.
11. Da análise das referidas faturas, é também possível concluir que a mesmas dizem respeito a fees de gestão devidos à recorrente por força dos serviços prestados na sequência do acordo celebrado entre as partes.
12. Na oposição com reconvenção deduzida pela X, invocando a celebração de um acordo cujos contornos elencou no artigo 13.º da referida peça processual, a recorrida invocou nada dever à recorrente, alegando, sem a devida justificação ou prova, na verdade, ser credora desta.
13. Na réplica, clarificando os termos do acordo que celebrou com a recorrida, que lhe permitiram apresentar as faturas em dívida, e ampliando o pedido inicial de condenação da R. no pagamento dos fees de gestão acordados, e referentes a outros serviços prestados, a aqui recorrente peticionou igualmente, a condenação da X no pagamento dos fees de gestão que a recorrida lhe devia ter pago se tivesse cumprido integralmente o acordo celebrado com a Y, isto é, pela sua intervenção na produção de 12 milhões de peças, e ainda uma percentagem do valor obtido com a venda das batas e fatos em tecido técnico.
14. Tendo por base a mesma realidade factual - a celebração de um acordo para a produção de peças de vestuário destinadas ao tratamento da COVID 19 - no requerimento de injunção e na réplica, a recorrente peticionou a condenação da recorrida no pagamento dos serviços prestados e ainda no pagamento de uma indemnização a título de lucros cessantes, correspondente ao valor que deixou de ganhar com a resolução injustificada do acordo, isto é, os fees de gestão referentes às 12 milhões de peças acordadas produzir, e ainda a percentagem sobre as vendas de todos os fatos e batas em tecido técnico, cuja gestão, de acordo com o convencionado entre as partes, apenas cabia à recorrente, pelo que, dúvidas não existem que os pedidos agora formulados são o desenvolvimento dos pedidos anteriores, os quais, se baseiam na mesma causa de pedir!
15. A ampliação do pedido em causa, é o desenvolvimento do pedido anterior, pois, baseia-se na mesma causa de pedir, e, assim sendo, muito mal andou o tribunal a quo ao ter entendido que ocorreu alteração da causa de pedir e dos pedidos, pois, independentemente da qualificação jurídica que as partes atribuam a determinada realidade, o que releva é a realidade material invocada, que no caso concreto é a mesma: a celebração de um acordo para a produção de batas e fatos em tecido técnico!
16. Mesmo que não se entendesse que a causa de pedir invocada no requerimento de injunção e na réplica é a mesma, ou seja, mesmo que se considerasse que houve uma alteração do pedido e da causa de pedir, o certo é que, tal alteração sempre seria admissível por força do disposto no n.º 6 do artigo 265.º do Código de Processo Civil, norma que expressamente refere ser permitida a modificação simultânea do pedido e da causa de pedir, desde que tal não implique convolação para relação jurídica diversa da controvertida.
17. O conceito de relação jurídica a que alude o n.º 6 do artigo 265.º do Código de Processo Civil é diverso do conceito de causa de pedir traçado no artigo 581.º n.º 4 do mesmo diploma, pois, a lei, ao regular a modificação simultânea do pedido e da causa de pedir, atendeu a um conceito de causa de pedir e a uma noção de objeto de litígio de certo modo semelhante ao traçado pela teoria da individualização, no qual a causa de pedir não respeita aos factos concretos geradores do direito invocado, mas sim à relação jurídica material ou relações jurídicas que legitimam a pretensão.
18. O n.º 6 do artigo 265.º do Código de Processo Civil deve ser interpretado no sentido de possibilitar a modificação simultânea do pedido e da causa de pedir, não só quando algum dos factos que integram a nova causa de pedir coincidem com factos que integram a causa de pedir reconvencional ou fundem exceções deduzidas, mas também quando o novo pedido se reporte a uma relação material dependente ou sucedânea da primeira.
19. No caso concreto, em consequência do mesmo acordo e das obrigações que do mesmo resultaram, a recorrente, além de pretender que lhe seja pago o valor dos fees de gestão acordados pelos serviços prestados, pretende agora que lhe sejam pagos os danos resultantes da cessação indevida daquele acordo.
20. Atentas as circunstâncias de facto e o regime legal vigente, na falta de acordo entre as partes, as pretendidas alterações do pedido e da causa de pedir, terão de ser decorrentes do mesmo contrato, o que se mostra patente e incontornável, ou seja, a relação jurídica originária, atendendo aos fundamentos invocados para suportar as pretensões deduzidas, traduz-se, em suma, no invocado direito da recorrente a ser paga pelos serviços prestados no âmbito do acordo que celebrou com a recorrida, com vista à produção de batas e fatos em tecido técnico, e os novos pedidos continuam a decorrer do único acordo, pelo que, considerando os novos fundamentos invocados para suportar a alteração do pedido e da causa de pedir, há que concluir que não muda o objeto sobre o qual incide o novo pedido e a que respeitam os factos integradores da causa de pedir adicionada.
21. Uma vez que a relação jurídica não é diversa da relação jurídica resultante da modificação simultânea da causa de pedir e do pedido, e, porque a requerida modificação simultânea da causa de pedir e do pedido, se enquadra na previsão legal que a possibilita, por não implicar convolação para relação jurídica diversa da originariamente controvertida, sempre a pretensão da recorrente teria de ser admitida, ao contrário do que, infundadamente, foi decidido no despacho objeto de impugnação.
22. O entendimento defendido pela recorrente nunca conduziria à verificação da exceção dilatória de incompetência absoluta do tribunal, em razão da matéria, nos termos do disposto no artigo 96.º a) do Código de Processo Civil, conforme se refere no despacho de que se recorre, pois, apesar de ter alegado que constituiu uma sociedade com a R., isto é, embora tenha qualificado juridicamente a relação que manteve com a X como uma relação societária irregular, o certo é que, no seu pedido, em parte alguma, a A. solicitou ao Tribunal o reconhecimento da inexistência ou a declaração de nulidade daquele contrato societário celebrado de forma verbal e consensual.
23. Não se pode confundir a inexistência ou a nulidade de um contrato de sociedade com a nulidade da própria sociedade, na medida em que, uma sociedade e um contrato comercial encerram situações bem distintas, quer em termos práticos, quer em termos jurídicos, pelo que, sendo certo que, a competência material do Tribunal de Comércio se limita às ações de declaração de inexistência, de nulidade e anulação do contrato de sociedade, e não às ações de declaração de existência de uma sociedade e/ou nulidade da sociedade, dúvidas não existem de que o Tribunal de Comércio nunca seria competente, pois, conforme já se referiu, a recorrente peticionou, no que aqui releva, a condenação da R. a pagar-lhe os fees de gestão fixados para a produção das batas e fatos em tecido técnico, e a consequente percentagem sobre as vendas efetuadas em virtude do acordo que celebrou com a A..
24. De acordo com o artigo 128.º da LOSJ, os Tribunais de Comércio, enquanto tribunais de competência especializada, são competentes para preparar e julgar as ações de declaração de inexistência, nulidade e anulação do contrato de sociedade, e as ações relativas ao exercício de direitos sociais, pelo que, tendo em conta que a determinação da competência em razão da matéria deve ser decidida em função da pretensão formulada e da factualidade descrita na petição inicial (e neste caso, na réplica) resta-nos concluir que, no caso concreto, não estamos na presença de uma ação cuja competência pertença ao Tribunal de Comércio, pois, reitera-se, além de não ter proposto a ação que deu origem a estes autos na qualidade de sócia, a A. limitou-se a qualificar a relação que manteve com a R. no âmbito de uma sociedade irregular, esclarecendo que, foi celebrado verbalmente um contrato de sociedade, sem observância da forma legalmente prescrita, sendo ainda certo que, no pedido formulado não colocou ao Tribunal qualquer pedido de reconhecimento da existência do contrato de sociedade comercial, e não peticionou igualmente que fosse declarada a validade do contrato de sociedade em virtude de não ter sido reduzido a escrito, e, por isso, a decisão sob censura do Tribunal a quo não poderia ocupar-se de tal questão, na medida em que a mesma não foi suscitada pelas partes.
25. O interesse em agir é considerado um pressuposto inominado, sem consagração legal no Código de Processo Civil, pois, no artigo 577.º apenas são elencadas, mas não de forma exaustiva, as exceções dilatórias, pois, é considerado um pressuposto relativo às partes, um pressuposto geral, por ser exigido na generalidade dos processos, e um pressuposto positivo, o interesse em agir deve estar sempre presente, pois, só assim será possível proferir a decisão de mérito.
26. Na opinião de Miguel Teixeira de Sousa, podemos afirmar que existe uma correlatividade no interesse em agir do autor com o interesse em agir do réu, ou seja, quando se encontra preenchido o interesse em agir do autor, encontrar-se-á preenchido o interesse em agir do réu.
27. A recorrente reconvinda tem interesse em recorrer à tutela judiciária para proteger o seu direito subjetivo, trazido pela matéria alegada em sede reconvencional, alegando que o mesmo foi violado ou ameaçado pelo réu demandado, obtendo assim uma certa vantagem, então, a recorrente enquanto reconvinda terá igualmente interesse em se opor à vantagem que a recorrida reconvinte pretende obter através da tutela judiciária do pedido reconvencional e que lhe traz uma certa vantagem.
28. Sendo o interesse em agir, um pressuposto processual, relativo a ambas as partes, quando preenchido, fica o mesmo cumprido integralmente para o autor e para o réu, ou seja, pela particularidade deste pressuposto em causa, quando se encontra preenchido pelo demandante da ação, que pretende obter uma vantagem, a tutela do seu direito subjetivo, encontra-demandado, contudo, não podemos confundir o interesse processual com o interesse substancial, pois, o interesse em agir é um interesse secundário e instrumental ao interesse substancial, que é um interesse primário.
29. O interesse processual surge na necessidade em obter do processo a proteção do interesse substancial, pelo que pressupõe a lesão de tal interesse e a idoneidade da providência requerida para a sua reintegração ou tanto quanto possível integral satisfação, pois, o que se pretende é assegurar a utilidade da sentença e já não a sua eficácia, podemos dizer que a utilidade da sentença é o que é pretendido com a exigibilidade do pressuposto do interesse em agir.
30. O interesse em agir é, assim, aferido em função da necessidade do resultado, ou seja, quando o direito subjetivo que o autor veio trazer na ação, necessita de tutela jurisdicional, por ter sido violado, ou em risco de ser violado, pelo réu, sendo que esta aferição se realiza objetivamente perante o direito subjetivo alegado pelo autor.
31. Poderá ainda ser aferida em função da adequação do meio processual, exige-se que a ação instaurada seja o meio processual adequado para obter tutela jurisdicional, sendo que é apreciada também em função da sua rapidez, simplicidade e economia.
32. O meio processual é aferido quanto à rapidez e economia do processo, caso exista um processo menos moroso e mais económico do que aquele que o autor escolheu para tutelar o seu direito subjetivo, então existe falta de interesse em agir, aliás, como resulta da situação em que o autor, intenta uma ação de simples apreciação, quando lhe é possível propor uma ação condenatória.
33. No caso em apreço, a R. ora recorrida, para exercer o seu direito de defesa, recorreu à contestação, tendo ainda na sua peça processual formulado pedidos contra a A. recorrente com utilização da figura da reconvenção, que, como se sabe, tem por finalidade a formulação pelo réu de um pedido contra o autor, que não seja mera defesa, pelo que, não estaremos perante um pedido reconvencional, quando o réu apenas pretende negar o que foi alegado pelo autor, pedindo a improcedência da ação.
34. Quando o réu deduz reconvenção contra o autor, passa a existir uma nova ação dentro do mesmo processo, pois, esta, traduz-se num cruzamento de ações, ou seja, a ação proposta pelo autor contra o réu, cruza-se com outra ação proposta por este contra aquele, pelo que, tendo a recorrida optado por apresentar a referida reconvenção, ao invés de intentar uma nova ação, permitiu que a recorrente exercesse o seu direito de defesa, esclarecendo os factos por ela alegados em sede reconvencional.
35. A admissibilidade da reconvenção, dá-se maioritariamente por razões de economia processual, sendo que, é conveniente que o réu faça o pedido dentro de uma ação já existente, caso o pedido dele tenha conexão com o objeto apresentado pelo autor, ou mesmo com a defesa deduzida por ele, na medida em que, podendo ser apresentado um pedido dentro de uma ação existente, aproveitando as provas já produzidas pelo autor, evita-se a morosidade de uma ação autónoma e ainda o congestionamento dos tribunais, sucedendo o mesmo para o A., que não tendo ficado satisfeito com a apresentação de um pedido reconvencional por parte do réu, resolve a situação pendente com o réu, evitando ter de ser chamado para uma ação autónoma, com os gastos que isso lhe irá acarretar, como por exemplo a constituição de mandatário, que se for pela via reconvencional este já estará constituído, ainda relativo a custas, e também maior morosidade.
36. O tribunal a quo, violou, assim, o disposto no artigo 265.º do Código de Processo Civil.
NESTES TERMOS, e nos melhores de direito que V. Exas. doutamente suprirão, deve o presente recurso ser julgado procedente por provado e, em consequência, ser o despacho recorrido revogado e substituído por outro que admita a ampliação da causa de pedir e pedido apresentada pela recorrente, como aliás é de, DIREITO E DE JUSTIÇA.
Houve contra-alegações nelas se pugnando pela total improcedência da apelação e confirmação da decisão recorrida.
Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
II – OBJECTO DO RECURSO
A – Sendo o objecto do recurso definido pelas conclusões das alegações, impõe-se conhecer das questões colocadas pela recorrente, bem como das que forem do conhecimento oficioso, sem prejuízo daquelas cuja decisão fique prejudicada pela solução dada a outras, importando notar que, em todo o caso, o tribunal não está vinculado a apreciar todos os argumentos apresentados pelas partes para sustentar os seus pontos de vista, atenta a liberdade do julgador na interpretação e aplicação do direito.
B – Deste modo, considerando a delimitação que decorre das conclusões formuladas pela recorrente, cumpre apreciar:
- Se é legalmente admissível a ampliação do pedido e da causa de pedir pretendida pela Requerente/Apelante e requerida pela mesma.
- Se se verifica a excepção dilatória de incompetência absoluta do tribunal, em razão da matéria.
III – FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO
Com interesse para o presente recurso há a considerar a factualidade constante do relatório supra.
IV – FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO
Da alteração do pedido e da causa de pedir
Cumpre saber se é legalmente admissível a ampliação do pedido e da causa de pedir pretendida pela Requerente/Apelante e requerida pela mesma.
O Artigo 260.º do Código de Processo Civil, sob a epígrafe - Princípio da estabilidade da instância, prevê que citado o réu, a instância deve manter-se a mesma quanto às pessoas, ao pedido e à causa de pedir, salvas as possibilidades de modificação consignadas na lei.
Decorre assim que, além dos efeitos substantivos ou de direito material, a citação do réu produz diversos efeitos processuais, como sejam a constituição da excepção da litispendência, a inadmissibilidade da propositura pelo réu de acção contra o autor com o mesmo objecto e a estabilidade dos elementos essenciais (subjectivos e objectivos) da causa (cfr. art. 564º do CPC).
Uma causa identifica-se pelos seus três elementos essenciais: sujeitos – as partes (elemento sujectivo), o pedido, isto é, a pretensão de tutela jurisdicional formulada pelo autor, e a causa de pedir, que consiste nos factos concretos que servem de suporte jurídico à pretensão deduzida (estes últimos, elementos objectivos).
O acto da citação previsto no art. 219º do CPC torna estáveis os referidos elementos essenciais de uma instância.
O princípio da estabilidade da instância, obstando à livre modificabilidade dos elementos essenciais da causa, visa evitar prejuízos para o regular andamento do processo e a afastar dificuldades ou impossibilidades para a actividade do tribunal na administração da justiça (3), não lhe sendo alheia, certamente, a ideia de garantir um processo justo e equitativo, com integral respeito pelo princípio do contraditório, e de alcançar a prolação de decisão em prazo célere no prazo razoável previsto no art. 6º, nº 1 do CPC.
Porém, o princípio da estabilidade da instância comporta desvios ou excepções, as quais se encontram taxativamente previstas na lei (arts. 260º e 564º, b) do CPC). Assim, as alterações ou modificações da instância (subjectiva e/ou objectiva) só são admissíveis nas hipóteses de modificação previstas na lei.
Decorre do exposto que qualquer pretensão com vista a alterar os elementos da instância que não se circunscreva às hipóteses legal e taxativamente previstas, seja cominada com indeferimento.
Nos termos do disposto no art. 265º, nº 1, do Código de Processo Civil, na falta de acordo entre as partes, a causa de pedir só pode ser alterada ou ampliada em consequência de confissão feita pelo Réu e aceita pelo autor, devendo a alteração ou ampliação ser feita no prazo de 10 dias a contar da aceitação.
O nº 2 de tal artigo prevê que a ampliação do pedido pode ser feita até ao encerramento da discussão em 1ª Instancia se a ampliação for o desenvolvimento ou a consequência do pedido primitivo.
Por sua vez, o nº 6 do citado artigo 265º do CPC dispõe que é permitida a modificação simultânea do pedido e da causa de pedir desde que tal não implique convolação para relação jurídica diversa da controvertida.
Nos presentes autos importam as hipóteses de modificação objectiva da instância.
Sobre esta temática seguiremos de perto o entendimento plasmado no Acórdão desta Relação, de 3.12.2020, proc. 1219/19.6T8PRT-A.G1, que tratou aprofundadamente a matéria em causa nestes autos e que, por isso e na parte que aqui interessa, passamos a citar:
“ (…) O ordenamento processual civil alude ao conceito de relação jurídica controvertida (‘relação jurídica controvertida’, no nº 6 do art. 265º do CPC, ‘relação controvertida’, no art. 611º, nº 2 do CPC) sem o definir. Se temos como certo que o conceito deve ser preenchido com elementos aportados pelos elementos essenciais objectivos da acção (pedido e causa de pedir), também temos como seguro que não há uma noção omnivalente de objecto do processo que sirva para dar resposta às questões colocadas pelos diversos institutos, sendo preferível adoptar, relativamente a cada instituto, a noção que melhor lhe quadre ou se lhe ajuste– a lei processual civil recorre a diferentes noções de objecto de litígio e de causa de pedir, adoptando os conceitos mais adequados aos fins próprios de cada instituto, devendo por isso procurar-se, para cada efeito, a solução mais ajustada (causa de pedir referida a factos concretos para efeitos de caso julgado e causa de pedir referida a categorias factuais abstractas no que toca à alteração superveniente da causa de pedir) (14). Entendemos (15) que o ordenamento processual civil, ao regular a modificação simultânea do pedido e da causa de pedir (ao erigir como critério de aferição da admissibilidade da alteração o conceito de ‘relação jurídica controvertida’), atende a um conceito de causa de pedir e a uma noção de objecto do litígio de certo modo semelhante ao traçado pela teoria da individualização (16). A referência do normativo legal que permite a modificação simultânea destes dois elementos essenciais da instância à relação jurídica controvertida, impondo que estes novos elementos respeitem os limites traçados por tal relação, aponta nesse sentido – à identidade suficiente para a convolação interessam menos os factos geradores do direito e ‘mais a relação jurídica material ou relações jurídicas que legitimam a pretensão’; estamos ‘perante um conceito mínimo de causa de pedir: a relação jurídica concreta donde deriva o pedido.’ (17) Trata-se dum ‘conceito mais impreciso e que, por isso, é apenas usado para poder trazer à causa outros objectos processuais, justificados em ganhos de justiça por economia processual.’(18) Apurando o conceito de relação jurídica controvertida – em vista de apurar se a modificação que os autores pretendem operar na causa a respeita (movendo-se no seu âmbito), podendo ser admitida, ou não, devendo ser rejeitada – constata-se que os seus limites, quanto à factualidade, não podem ser buscados no conceito de causa de pedir traçado no art. 581, nº 4 do CPC (aí se consagra, para efeitos de litispendência e caso julgado, a teoria da substanciação). Porque o conceito de causa de pedir, de acordo com a teoria da substanciação, está refém dos factos concretos, correspondentes à fattispecie jurídica que a lei reconhece como criadora de direitos, qualquer modificação factual concreta (modificação da causa de pedir, seja por ampliação ou alteração) representará sempre aportar à instância uma outra fattispecie jurídica geradora de direitos, diversa da anterior. Por isso, aceitar que a causa de pedir (e sendo certo que esta nova causa de pedir terá de respeitar, assim como a originária, os requisitos exigidos pela teoria da substanciação – arts. 186º, nº 2, a), 552º, nº 1, d), 576º, nº 2, 577º, b) e 581º, nº 4, todos do CPC) pode ser modificada (seja por ampliação, seja por alteração) sem que isso represente a convolação para uma relação jurídica diversa, implica também, forçosamente, aceitar que o conceito legal de relação jurídica diversa não convoca a noção de causa de pedir resultante da teoria da substanciação – e que tal conceito de relação jurídica controvertida é mais amplo que o conceito de causa de pedir talhado pela teoria da substanciação, pois que uma mesma relação jurídica comporta várias causas de pedir (a modificação desta não implicará que se modifique aquela) (19). O conceito mais adequado de causa de pedir para operar o instituto da modificação objectiva da instância (designadamente da alteração da causa de pedir) é, pois, como acima referido, o conceito mínimo de causa de pedir (em tudo semelhante ao da teoria da individualização). Não cumprirá, pois, atender aos factos concretos geradores do direito invocado mas sim à relação jurídica material ou relações jurídicas que legitimam a pretensão (o pedido) – o elemento identificador de tal elemento da causa de pedir (quando em causa estiver decidir questão concernente à modificação objectiva da instância) não será aportado pelos factos concretos, mas pela relação jurídica que valida a pretensão, ainda que haja excepções, como nas situações em que a causa de pedir genética do direito seja ela própria configuradora ou individualizadora do próprio direito: assim, se numa acção de reivindicação, a causa de pedir será o direito de propriedade em si próprio, dado que tal direito é o mesmo qualquer que seja a sua fonte (não já os factos concretos geradores do direito, como na teoria da substanciação), já numa acção obrigacional, por contraponto, a causa de pedir genética do direito é individualizadora do próprio direito, pois a relação de crédito fundada num determinado contrato não é a mesma que a emergente doutro (20). – (sublinhado nosso) Importa ainda considerar que a relação jurídica controvertida não fica definida nem estabelecida sem ponderação da pretensão deduzida, que aporta ao conceito o objecto da pretensão (o outro elemento objectivo da instância) – existindo entre esses dois elementos objectivos definidores da instância uma relação de funcionalidade reversiva (pois a pretensão de tutela jurisdicional formulada pelo autor é corolário da causa de pedir, dos fundamentos invocados como seu suporte e este suporte não tem interesse senão reportado à pretensão que lhe dá significado e relevo), certo é também que em determinados casos a pretensão (o pedido – tutela jurídica pretendida) vai ainda buscar à causa de pedir a referência identificadora. Esta ligação reversiva entre os dois elementos objectivos da instância tem importância fundamental na conformação da relação jurídica controvertida em acções destinadas a efectivar a responsabilidade civil extracontratual – a pretensão de tutela jurisdicional consistirá, em regra, na formulação dum pedido de condenação em quantia certa (ou mesmo ilíquida), destinado a reparar os danos sofridos; todavia, tal pretensão terá por forçosa referência (só assim se identificando, para efeitos de caso julgado) a causa de pedir que a suporta, mormente os concretos danos sofridos com o facto gerador da responsabilidade (a este ligados por nexo de causalidade adequada). Aquele pedido indemnizatório não pode identificar-se senão por referência aos concretos danos, ligados estes ao facto ilícito (este por necessário à procedência da acção) – ou seja, o pedido não se identifica senão por referência ao concreto facto ilícito.
Vale por dizer que em acção destinada a efectivar a responsabilidade civil extracontratual, o objecto da causa (a relação controvertida) não se identifica senão através do facto ilícito, sendo este o alicerce dos danos (estes ligados àquele por nexo de causalidade) a cuja reparação tende a pretensão formulada. Ao contrário do que acontece em acção de reivindicação onde a causa de pedir (no conceito a ponderar para o efeito) será o direito de propriedade em si próprio, independentemente do modo de aquisição (esse direito é o mesmo qualquer que seja a sua fonte, qualquer que seja o modo de aquisição) – ainda que em tais acções, para se apurar da relação jurídica, seja ainda necessário atender ao objecto (à coisa) sobre que incide tal direito e que constitui, também, objecto do pedido –, nas acções destinadas a efectivar a responsabilidade civil extracontratual, à semelhança do que acontece nas acções obrigacionais (nestas terá de atender-se, para identificar a relação material controvertida, ao concreto contrato celebrado – pois que o direito em causa está geneticamente relacionado com esse contrato, tendo a aquisição do direito como fonte exclusiva tal concreto contrato), o objecto da causa (a relação controvertida) será identificado através do facto ilícito concreto onde entroncam os demais elementos da obrigação de indemnizar (e que com aquele, conforma a complexa causa de pedir destas acções) que suportam o pedido – o direito à indemnização surge jurídico-geneticamente daquele facto ilícito, não podendo ser suportado por outro (no sentido de que se for outro facto jurídico, o direito indemnizatório a exercer será outro).” (sublinhado nosso).
Feita esta longa, mas pertinente, citação e reconduzindo-nos ao caso vertente, temos que a presente acção apresenta como relação jurídica controvertida inicial um contrato de fornecimento de bens e serviços alegadamente celebrado entre a Autora e Ré, na qual a Autora se estribou para deduzir o pedido correspondente ao preço dos bens e serviços alegadamente prestados pela autora à Ré que deu origem à emissão das duas facturas que a autora deu à injunção.
Assim, nestes autos, a relação jurídica controvertida (para efeitos de apreciar se a factualidade supervenientemente alegada nela se contém) tem como ponto essencial de referência identificadora o alegado contrato.
Ora, a autora em sede de alteração do pedido e da causa de pedir, peticiona o pagamento da quantia de 2 264 548, 92 euros, referentes a fees de gestão, que nada têm que ver com o contrato de prestação de bens e serviços em que estruturou a injunção, mas com um contrato de contornos bem diversos, consubstanciado num agora alegado contrato de sociedade, mais concretamente de uma sociedade irregular, que teria por objeto a actividade de produção e comercialização de fatos e batas de proteção num volume global de 12 milhões de peças, contrato esse que lhe teria gerado uma expectativa de ganho de fees de gestão no valor que agora reclama da Reconvinte, fundando ainda a autora essa pretensão no facto da Ré ter cindido unilateralmente essa sociedade.
Resulta ainda dos autos que in casu inexiste acordo entre as partes sobre a pretendida alteração do pedido e da causa de pedir.
Podemos, pois, concluir que a factualidade supervenientemente alegada para fundamentar a pretendida alteração da causa de pedir e do pedido reporta-se a outro contrato, pelo que estará em causa diversa relação jurídica. O que vale por dizer que, a alteração da causa de pedir efectuada pela autora na réplica não se contém nos limites da relação controvertida inicial, constituindo convolação para relação jurídica diversa.
Além disso, conforme nota o tribunal a quo, o próprio pedido nada tem que ver com o pedido primitivo porque não corresponde ao preço de serviços alegadamente prestados, mas a uma indemnização por força da frustração das expectativas de obtenção de um ganho relativo a fees de gestão por serviços não prestados pela autora.
Deste modo, o novo pedido de 2 264 548, 92 euros, não configura uma mera ampliação do pedido primitivo, já que entronca numa relação jurídica controvertida diversa da inicial.
Por todo o exposto, somos a concluir que a alteração do pedido e da causa de pedir em apreço nos autos não é processualmente admissível, de harmonia com o disposto nos art. 260º e 265º do CPC, pelo que improcedem nesta parte as conclusões da apelação.
Relativamente às demais questões suscitadas no recurso, as mesmas afiguram-se-nos prejudicadas na sua apreciação, ante o supra exposto, nos termos do art. 608º, nº 2, do CPC.
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DECISÃO
Face ao exposto, acordam os juízes desta Relação em julgar totalmente improcedente a apelação, confirmando-se a decisão recorrida.
Custas pela Recorrente.