PROCEDIMENTO EXTRAJUDICIAL DE REGULARIZAÇÃO DE SITUAÇÕES DE INCUMPRIMENTO
PERSI
CLIENTE BANCÁRIO
AÇÃO JUDICIAL
Sumário

I – .A falta de integração obrigatória do cliente bancário no PERSI [aprovado pelo Dec. Lei nº 227/2012, de 25/10], quando reunidos os pressupostos para o efeito, constitui impedimento legal a que a instituição de crédito, credora mutuante, intente ações judiciais tendo em vista a satisfação do seu crédito.
II- Assim como constitui impedimento legal a que a instituição de crédito, credora mutuante, ceda o seu crédito a quem não é uma instituição de crédito.
III – De outro modo, a cedência ou a transmissão poderia importar uma desvirtuação do regime consagrado no Dec. Lei nº 227/2012, de 25/10, na medida em que se a cessionária não for uma instituição de crédito abrangida pelo âmbito de aplicação daquele diploma legal não estaria obrigada a dar cumprimento ao PERSI.
IV – O incumprimento do regime legal da integração obrigatória do cliente bancário no PERSI traduz-se numa falta de condição objetiva de procedibilidade que é enquadrada, com as necessárias adaptações, no regime jurídico das exceções dilatórias (atípicas ou inominadas).
V – As comunicações de integração dos executados no PERSI e de extinção do PERSI têm de ser feitas num suporte duradouro (que inclui uma carta ou um e-mail) – arts. 14º, nº 4 e 17º, nº 3 do dito DL 227/2012, de 25/10 – e não se podem provar com recurso a prova testemunhal (arts. 364º, nº 2 e 393º, nº 1, ambos do C.Civil) exceto se houver um início de prova por escrito (que não seja a própria alegada comunicação.
VI – Acresce que é critério legal, acautelado no art. 607º, nº 5 do n.C.P.Civil, que também é vedado ao juiz declarar provados determinados factos para os quais a lei exija determinada formalidade especial ou por documentos sem que essa exigência legal se mostre satisfeita.

Texto Integral











                                                                                                              Acordam na 2ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Coimbra[1]

                1 – RELATÓRIO

J... e S... vieram, por apenso à execução que lhes move “A..., S.A.”, deduzir a presente oposição mediante embargos de executado.

Alegaram, em apertada síntese, na parte ora relevante, i) a falta de legitimidade da exequente, por não demonstrar que é cessionária dos créditos para com os executados, ii) a ineptidão do r.e., por contradição entre a causa de pedir e o pedido e ininteligibilidade da causa de pedir e iii) a preterição do regime jurídico imperativo que prevê o PARI, tudo nos termos que melhor constam no respetivo articulado e aqui se dão por reproduzidos.

A exequente apresentou contestação, onde alegou, em apertada síntese, também na parte ora relevante, i) que a cessão de créditos foi comunicada aos executados e foi formalizada por escrituras públicas juntas com o r.e., com a transmissão das hipotecas, ii) que o r.e. distingue a qualidade em que os executados são acionados e demonstra a liquidação da obrigação exequenda e iii) que o regime do PERSI não é aplicável à ora exequente, que não é uma instituição de crédito, tudo nos termos que melhor constam no respetivo articulado e aqui se dão por reproduzidos.

Na sequência processual, o Exmo. Juiz de 1ª instância proferiu despacho saneador, através do qual, por entender que o estado dos autos permitia o conhecimento do mérito da oposição, passou a proferir decisão a conhecer do mérito dos Embargos de Executado [nos termos do art. 595º/1/b) nCPC], o que fez em termos de considerar que existe uma situação de um crédito que não é exigível, por incumprimento de norma imperativa, a saber, a da necessária integração do cliente bancário no PERSI e a extinção deste procedimento antes da cedência do correspondente crédito a terceiro e/ou a instauração de execução com base nele, donde, «no caso concreto, por não preenchida a condição objectiva de procedibilidade ou por verificada a excepção dilatória inominada, entende-se que a oposição mediante embargos deverá proceder desde já nessa exacta medida (mas não significando a peticionada absolvição do pedido), com a consequente extinção da execução (art. 732.º, n.º 4, do CPC), ficando prejudicada a apreciação das demais questões.».

Inconformado com essa decisão que conheceu do mérito da causa, apresentou a Exequente/Embargada recurso de apelação contra a mesma, terminando as suas alegações com as seguintes conclusões:

...

Apresentaram os Executados/Embargantes as suas contra-alegações, no final das quais pugnaram no sentido de ser negado provimento ao recurso, devendo, em consequência, ser mantida a decisão recorrida, o que se traduziu nas seguintes conclusões:

                ...

                Colhidos os vistos e nada obstando ao conhecimento do objeto do recurso, cumpre apreciar e decidir.

                2 – QUESTÕES A DECIDIR, tendo em conta o objecto do recurso delimitado pela Recorrente nas conclusões das suas alegações (arts. 635º, nº4 e 639º, ambos do n.C.P.Civil), por ordem lógica e sem prejuízo do conhecimento de questões de conhecimento oficioso (cf. art. 608º, nº2, “in fine” do mesmo n.C.P.Civil), face ao que é possível detectar o seguinte:

- desacerto da decisão de julgar que a instauração do procedimento extrajudicial de regularização do incumprimento contra os devedores, por banda da instituição de crédito credora [“PERSI”], constitui um regime obrigatório, cujo incumprimento acarreta o impedimento legal a que sejam instauradas ações judiciais (nomeadamente executivas) tendo em vista a satisfação do crédito [falta de condição objetiva de procedibilidade], nomeadamente quando a atual detentora do crédito, por via da cessão de créditos por parte da instituição de crédito originária, é uma Sociedade de Titularização de Créditos [“STC”].

                3 – FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

Para além do que resulta do relatório antecedente, importa ter em conta os factos que se entendeu poderem ser considerados já como “provados” (e como tal foram alinhados na decisão recorrida), a saber:

«1.º Mediante escritura pública denominada “transferência”, outorgada em 30/07/2001, que se encontra anexa ao r.e. e aqui se dá por integralmente reproduzida, entre o mais, a “ C ... ” concedeu ao ora executado J... um empréstimo da quantia de Esc.: 12.286.184$00, importância da qual se confessou devedor e se obrigou a reembolsar em prestações mensais, com a constituição de hipoteca sobre o imóvel ali melhor identificado, nos termos que ali e no documento complementar constam e aqui se dão por reproduzidos

2.º Mediante documento escrito denominado “Adicional a contrato de mútuo com hipoteca”, datado de 30/01/2007, que se encontra anexa ao r.e. e aqui se dá por integralmente reproduzida, a “ C ... ” e o ora executado J..., acordaram alterar o “contrato” referido em 1.º nos termos que ali constam e aqui se dão por reproduzidos.

3.º Mediante documento escrito denominado “Adicional a contrato de mútuo com hipoteca”, datado de 09/10/2012, que se encontra anexa à contestação e aqui se dá por integralmente reproduzida, a “ C ... ” e o ora executado J..., com assinatura da executada, acordaram alterar o “contrato” referido em 1.º nos termos que ali constam e aqui se dão por reproduzidos.

4.º Mediante escritura pública denominada “mútuo com hipoteca”, outorgada em 14/02/2007, que se encontra anexa ao r.e. e aqui se dá por integralmente reproduzida, entre o mais, a “ C ... ” concedeu aos ora executados J... e S... um empréstimo da quantia de 45.000€, importância da qual se confessaram devedores e se obrigaram a reembolsar em prestações mensais, com a constituição de hipoteca sobre o imóvel ali melhor identificado, nos termos que ali e no documento complementar constam e aqui se dão por reproduzidos.

5.º Mediante título denominado “mútuo com hipoteca”, outorgado em 28/08/2014, que se encontra anexo ao r.e. e aqui se dá por integralmente reproduzida, entre o mais, a “ C ... ” concedeu aos ora executados J... e S... um empréstimo da quantia de 7.500€, importância da qual se confessaram devedores e se obrigaram a reembolsar em prestações mensais, com a constituição de hipoteca sobre o imóvel ali melhor identificado, nos termos que ali e no anexo constam e aqui se dão por reproduzidos.

6.º Mediante documento escrito denominado “Adicional a contrato de mútuo com hipoteca ...”, datado de 28/08/2014, que se encontra anexa à contestação e aqui se dá por integralmente reproduzida, a “ C ... ” e os ora executados acordaram alterar o “contrato de mútuo com hipoteca” ali identificado nos termos que ali constam e aqui se dão por reproduzidos.

7.º Mediante escritura pública outorgada em 27/12/2018, que se encontra anexa ao r.e. e aqui se dá por integralmente reproduzida, entre o mais, a “ C ... ” declarou ceder os créditos identificados no documento complementar, onde se incluem os empréstimos reportados aos documentos referidos em 1.º a 6.º, a “M... Finance DAC”, que declarou aceitar.

8.º Mediante escritura pública outorgada em 12/04/2019, que se encontra anexa ao r.e. e aqui se dá por integralmente reproduzida, entre o mais, a “M... Finance DAC” declarou ceder os créditos identificados no documento complementar, onde se incluem os empréstimos reportados aos documentos referidos em 1.º a 6.º, a A..., S.A., que declarou aceitar.

9.º Mostra-se inscrita a favor da ora exequente a transmissão de crédito, por cessão, referente às hipotecas voluntárias inscritas a favor de “ C ... ” e, depois, “M... Finance DAC”, a que se referem os documentos referidos em 1.º a 6.º.

10.º Os executados, que são trabalhadores por conta de outrem, não tendo destinado o dinheiro emprestado a qualquer sua prática comercial, que não exercem, antes à construção e melhoramentos na sua casa de morada de família, deixaram de efectuar o pagamento das prestações mensais a que se obrigaram nos documentos referidos em 1.º a 6.º, em data não concretamente assente, não anterior a 2017 e que se verificava há mais de 30 dias pelo menos à data de 27/12/2018.

11.º O requerimento executivo tem data de 05/05/2020 e os executados foram citados em 26/08/2020, data da assinatura do A/R pelo próprio e por terceiro, respectivamente, após penhora do imóvel a que respeitam as hipotecas referidas em 9.º.».

                4 – FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO

Incorreção da decisão de julgar que a instauração do procedimento extrajudicial de regularização do incumprimento contra os devedores, por banda da instituição de crédito credora [“PERSI”], constitui um regime obrigatório, cujo incumprimento acarreta o impedimento legal a que sejam instauradas ações judiciais (nomeadamente executivas) tendo em vista a satisfação do crédito [falta de condição objetiva de procedibilidade], nomeadamente quando a atual detentora do crédito, por via da cessão de créditos por parte da instituição de crédito originária, é uma Sociedade de Titularização de Créditos [“STC”]:

Que dizer?

Será correta a decisão do Tribunal a quo assente no entendimento de que existe uma situação de um crédito que não é exigível, por incumprimento de norma imperativa, a saber, a da necessária integração do cliente bancário no PERSI e a extinção deste procedimento antes da cedência do correspondente crédito a terceiro e/ou a instauração de execução com base nele, donde, «no caso concreto, por não preenchida a condição objectiva de procedibilidade ou por verificada a excepção dilatória inominada, entende-se que a oposição mediante embargos deverá proceder desde já nessa exacta medida (mas não significando a peticionada absolvição do pedido), com a consequente extinção da execução (art. 732.º, n.º 4, do CPC), ficando prejudicada a apreciação das demais questões.»?

Em nosso entender – e releve-se o juízo antecipatório! – não pode deixar de ser sancionado o entendimento perfilhado na decisão recorrida, na medida em que apreciou corretamente a situação.

Aliás, salvo o devido respeito, ao não ter sido expressa e especificamente impugnada a materialidade dada como “provada”, a decisão é perfeitamente insofismável e corresponde à melhor compreensão sobre a dogmática em questão.

Senão vejamos.

Está em causa o incumprimento de escrituras de “mútuo” em data «(…) não anterior a 2017 e que se verificava há mais de 30 dias pelo menos à data de 27/12/2018» [cf. facto dado como “provado” sob “10º”], do que decorre que era incontornavelmente aplicável à situação o regime instaurado pelo PERSI (aprovado pelo Decreto-Lei nº 227/2012, de 25 de Outubro), isto é, integração dos clientes bancários, que eram os Executados aqui Embargantes, nesse regime[2].

Integração essa que deveria ter sido operada pela instituição bancária credora originária, a “ C ... ”.

Na verdade, o Decreto-Lei nº 227/2012, de 25 de Outubro, veio instituir o Plano de Ação para o Risco de Incumprimento (PARI) e regulamentar o Procedimento Extrajudicial de Regularização de Situações de Incumprimento (PERSI) como uma forma de promover a concessão responsável de crédito pelas instituições financeiras.

De referir que está vertido no preâmbulo do diploma que «a concessão responsável de crédito constitui um dos importantes princípios de conduta para a actuação das instituições de crédito. A crise económica e financeira que afeta a maioria dos países europeus veio reforçar a importância de uma actuação prudente, correcta e transparente das referidas entidades em todas as fases das relações de crédito estabelecidas com os seus clientes enquanto consumidores na acepção dada pela Lei de Defesa do Consumidor, aprovada pela Lei nº 24/96, de 31 de Julho, alterada pelo Decreto-Lei nº 67/2003, de 8 de Abril».

Ademais, no referido preâmbulo pode ler-se que se institui um «Procedimento Extrajudicial de Regularização de Situações de Incumprimento (PERSI), no âmbito do qual as instituições de crédito devem aferir da natureza pontual ou duradoura do incumprimento registado, avaliar a capacidade financeira do consumidor e, sempre que tal seja viável, apresentar propostas de regularização adequadas à situação financeira, objectivos e necessidades do consumidor».

Ora o regime em discussão entrou em vigor no dia 1 de Janeiro de 2013, face ao consignado no art. 40º do Decreto-Lei nº 227/2012, de 25 de Outubro, sendo que o artigo 1º desse mesmo diploma estabelece os princípios e as regras a observar pelas instituições de crédito, destacando-se, a este propósito, «a regularização extrajudicial das situações de incumprimento das obrigações de reembolso do capital ou de pagamento de juros remuneratórios por parte dos clientes bancários, respeitantes aos contratos de crédito referidos no nº 1 do artigo seguinte».

Em acréscimo, o artigo 2º, nº1, alínea b), integra os contratos de crédito garantidos por hipoteca sobre bem imóvel na esfera de previsão do PERSI. Esta opção visa, entre outros aspectos, (i) restringir dentro dos clientes bancários aqueles que poderiam beneficiar do PARI/PERSI e em (ii) afastar do âmbito de aplicação do diploma aqueles que, apesar de estabelecerem relações com uma instituição de crédito, não se colocaram, nessa relação, na posição de credor de uma específica prestação.

Acresce ainda que o citado Decreto-Lei nº 227/2012, de 25 de Outubro, no artigo 18º, sob a epígrafe garantias do cliente bancário, dispõe que:
«1 – No período compreendido entre a data de integração do cliente bancário no PERSI e a extinção deste procedimento, a instituição de crédito está impedida de:

a) Resolver o contrato de crédito com fundamento em incumprimento;

b) Intentar acções judiciais tendo em vista a satisfação do seu crédito;

c) Ceder a terceiro uma parte ou a totalidade do crédito; ou

d) Transmitir a terceiro a sua posição contratual.

2 – Sem prejuízo do disposto nas alíneas b), c) e d) do número anterior, a instituição de crédito pode:

a) Fazer uso de procedimentos cautelares adequados a assegurar a efectividade do seu direito de crédito;

b) Ceder créditos para efeitos de titularização; ou

c) Ceder créditos ou transmitir a sua posição contratual a outra instituição de crédito.

3 – Caso a instituição de crédito ceda o crédito ou transmita a sua posição contratual nos termos previstos na alínea c) do número anterior, a instituição de crédito cessionária está obrigada a prosseguir com o PERSI, retomando este procedimento na fase em que o mesmo se encontrava à data da cessão do crédito ou da transmissão da posição contratual.

4 ‐ Antes de decorrido o prazo de 15 dias a contar da comunicação da extinção do PERSI, a instituição de crédito está impedida de praticar os actos previstos nos números anteriores, no caso de contratos previstos na alínea a) do nº 1 do artigo 2º, e em que a extinção do referido procedimento tenha por fundamento a alínea c) do nº 1 ou as alíneas c), f) e g) do nº 2 todas do artigo anterior». [sublinhados nossos]

Dito de outra forma: a falta de integração obrigatória do cliente bancário no PERSI, quando reunidos os pressupostos para o efeito, constitui impedimento legal a que a instituição de crédito, credora mutuante, intente ações judiciais tendo em vista a satisfação do seu crédito, pelo que, sendo a integração de cliente bancário no PERSI, obrigatória (quando verificados os seus pressupostos), a ação judicial destinada a satisfazer o crédito, só poderá ser intentada pela instituição de crédito contra o cliente bancário, devedor mutuário, após a extinção do PERSI [cfr. citado art. 18º, nº1, al. b) do Decreto-Lei nº 227/2012], sendo certo que a dita falta de integração no PERSI, pela instituição de crédito, constitui violação de normas de carácter imperativo, que configuram, também, exceções dilatórias atípicas ou inominadas, por falta de pressuposto (antecedente) da instauração da ação.

O que tudo serve para dizer que quando a dita “ C ... ” efetuou a cessão dos seus créditos, mediante escritura pública outorgada em 27/12/2018 [cf. facto dado como “provado” sob “7º”], a “M... Finance DAC”, já estava em inobservância desse regime imperativo.

Inobservância essa que persistiu e perdurou quando a referida “M... Finance DAC” efetuou a cessão desses mesmos créditos, mediante escritura pública outorgada em 12/04/2019 [cf. facto dado como “provado” sob “8º”], à Exequente aqui Embargada/recorrida “A..., S.A.”.

Face ao que não poderia ter sido instaurada, como foi, a execução contra os Executados aqui recorridos, em 5/05/2020 [cf. facto dado como “provado” sob “11º”], concretamente por incumprimento de norma imperativa, a qual constitui, do ponto de vista adjetivo uma condição objetiva de procedibilidade, vício esse que encaixa no regime jurídico das exceções dilatórias (ainda que seja de natureza atípica).

Neste sentido se pronuncia, cremos que nemine discrepante, a jurisprudência que tal questão tem apreciado.[3]

E nem se argumente – como faz a Exequente/embargada/recorrente nas suas alegações recursivas – que não lhe foi facultado fazer a prova, designadamente por testemunhas, de que a instituição bancária “ C ... ” havia cumprido as formalidades do PERSI.

É que, como doutamente sublinhado pelos Executados/Embargantes/Recorridos nas respetivas contra-alegações, «competindo à Embargada/Recorrente a prova do envio das cartas para a integração dos Embargantes no PERSI, essa prova teria de ser efectuada documentalmente, não sendo admissível a prova testemunhal; essa prova documental não foi feita pela Embargada, pelo que seria inócuo o seu propósito de o tentar fazer testemunhalmente em audiência».

Na verdade, como já foi sublinhado em arestos jurisprudenciais no concernente a este concreto particular, «As comunicações de integração dos executados no PERSI e de extinção do PERSI têm de ser feitas num suporte duradouro (que inclui uma carta ou um e-mail) – arts. 14/4 e 17/3 do DL 227/2012, de 25/10, e não se podem provar com recurso a prova testemunhal (arts. 364/2 e 393/1, ambos do CC) excepto se houver um início de prova por escrito (que não seja a própria alegada comunicação).»[4]

Na mesma linha de entendimento, já foi sublinhado que «As comunicações de integração dos executados no PERSI e de extinção do PERSI têm de ser feitas num suporte duradouro (que inclui uma carta ou um e-mail), conforme ressalta da leitura dos artigos 14º, nº 4 e 17º, nº 3, do DL 227/2012, de 25/10.»[5].

Acresce que é critério legal, acautelado no art. 607º, nº 5 do n.C.P.Civil, que  também é vedado ao juiz declarar provados determinados factos para os quais a lei exija determinada formalidade especial ou por documentos sem que essa exigência legal se mostre satisfeita.

Igualmente não procede o argumento de que sendo ela Exequente/embargada/recorrente uma Sociedade de Titularização de Créditos [“STC”] não lhe seria aplicável o dito regime do PERSI.

É certo que decorre do figurino legal que o mesmo é apenas diretamente aplicável às instituições de crédito.

Sucede que – como bem se sublinhou na decisão recorrida! – representaria uma fraude à lei não considerar que existia nessa circunstância um impedimento legal a que a instituição de crédito, credora mutuante, cedesse o seu crédito a quem não era uma instituição de crédito, na medida em que frustraria por completo os objetivos que presidiriam à consagração daquele especial regime.  

A este propósito, e para uma situação com paralelismo com a dos autos [“cessão sucessiva”], já foi doutamente sustentado o seguinte:

«Por outro lado, no período compreendido entre a data de integração do cliente bancário no PERSI e a extinção deste procedimento, a instituição de crédito está impedida de ceder a terceiro uma parte ou a totalidade do crédito [al. c)] ou transmitir a terceiro a sua posição contratual [al. d)].

Porém, nos termos do n.º 2 do citado normativo, a instituição de crédito pode ceder créditos para efeitos de titularização [al. b)] ou ceder créditos ou transmitir a sua posição contratual a outra instituição de crédito [al. c)]; neste último caso, sendo exigível que a cessionária seja outra instituição de crédito, “fica esta obrigada a prosseguir com o PERSI, retomando este procedimento na fase em que o mesmo se encontrava à data da cessão do crédito ou da transmissão da posição contratual” (n.º 3).

A razão de ser desta última exceção – permitir a cedência ou a transmissão do crédito de cliente bancário integrado em PERSI –, justifica-se desde que seja possível dar continuidade à aplicação do referido procedimento – o que poderá ser vantajoso em situações em que o cliente bancário consiga melhores condições com outra instituição de crédito –, pois caso contrário a cedência ou a transmissão poderia importar uma desvirtuação do regime, na medida em que se o cessionário não for uma instituição de crédito abrangida pelo âmbito de aplicação do Regime Geral não estaria obrigado a dar cumprimento ao PERSI (10). Ora, a nosso ver, também nesta parte são de acolher as considerações e a conclusão firmadas na decisão apelada, no sentido de que “a entidade bancária não podia ter cedido o crédito dos autos à exequente sem ter previamente cumprido as exigências legais, não podendo a ora exequente escudar-se na circunstância de não ser uma entidade de crédito para, desde modo, evitar que sejam cumpridas as exigências legais, não se descortinando em que medida a missiva que foi remetida pelo embargante à embargada (mencionada em 21º dos factos provados) consubstancia uma renúncia ao cumprimento das formalidades legais”.

                Com efeito, de outro modo estaria encontrada uma via expedita para as instituições de crédito se subtraírem à obrigatória sujeição ao regime decorrente do Dec. Lei n.º 227/2012, bastando para o efeito que, em violação do estatuído no citado diploma legal, se abstivessem de integrar obrigatoriamente o cliente bancário no PERSI e cedessem o seu crédito a um terceiro que não é uma instituição de crédito, o que permitiria que este (cessionário) não ficasse sujeito às proibições ou impedimentos elencados no art. 18º e pudesse obter de imediato a satisfação do crédito cedido, sendo-lhe, por isso, lícito, sem quaisquer restrições, resolver de imediato o contrato de crédito com fundamento em incumprimento (art. 18.º, n.º 1, al. a)), intentar ações judiciais contra o mutuário, tendo em vista a satisfação dos respetivos créditos (al. b)), ceder a terceiros uma parte ou a totalidade do crédito em causa (al. c)) ou transmitir a terceiro a sua posição contratual (al. d)).

Tal representaria, fácil é de ver, uma autêntica fraude à lei, na medida em que frustraria por completo os objetivos que presidiriam à consagração daquele especial regime que visa tutelar as situações dos clientes bancários que se encontrem em mora relativamente ao cumprimento de obrigações decorrentes de contratos de crédito, solução essa que deve ser rejeitada.»[6]

Por outro lado, também não vislumbramos como dar acolhimento ao argumento da mesma Exequente/embargada/recorrente no sentido de que é de equiparar/ assimilar as atuações extrajudiciais do Banco e da própria “STC” (Sociedade de Titularização de Créditos), ao procedimento imperativo previsto no PERSI.

Neste sentido, sustenta a mesma nas alegações recursivas que «(…) o cumprimento dos princípios subjacente ao PERSI, encontra-se no caso em concreto, cumprido» e que «(…) foi dado cumprimento ao âmbito de aplicação do Decreto-Lei 227/2012, de 25/10» [sublinhados nossos]

Salvo o devido respeito, como e por que modo?

Não seguramente através de qualquer “renegociação” que não resulta minimamente dos factos “provados”…

Atente-se que resultou provado que o incumprimento apenas ocorreu durante o ano de 2017!

Sendo certo que não foi alegado nem muito menos resultou provado que tivessem decorrido quaisquer negociações/diálogo/informação entre as partes, ou sequer qualquer análise das propostas dos Executados por ela Exequente (nem vice-versa)!

Diferente foi a alegação oportunamente feita na contestação no sentido de que, por duas vezes, «foi concedido um período de carência de capital e reestruturação de dívida» [cf. arts. 38º e 39º desse articulado].

Posto que tal não implica nem pressupõe lógica e necessariamente um qualquer “incumprimento”, nem que neste contexto tivesse havido “negociações”.  

Assim, merece-nos inteiro acolhimento o sustentado nas contra-alegações da Exequente/embargada quando aludiu a que «Pelo que, não valerá a pena o esforço da Embargada a tentar demonstrar que neste caso concreto os Embargantes foram integrados numa “espécie” de PERSI informal, quando tal situação não está prevista nem merece protecção legal»…

Finalmente, e na sequência lógica do já vindo de dizer, a invocação/sustentação pelos Executados/Embargantes da integração obrigatória/necessária dos mesmos no PERSI, não redunda num abuso de direito por parte destes.

Isto porque, tanto quanto resulta dos factos “provados”, eles apenas incumpriram o pagamento dos mútuos a partir de 2017, não tendo sido integrados desde então em qualquer mecanismo financeiro reabilitativo.

A esta luz, e face à factualidade “provada”, quando o PERSI entrou em vigor [em 1 de janeiro de 2013], não se pode dizer que o PERSI seria uma simples repetição inútil daquilo que já tivesse sido feito mesmo sem ele.

Termos em que, sem necessidade de maiores considerações, por se verificar a falta da condição objetiva de procedibilidade aludida, falta essa impossível de ultrapassar, a execução não podia ser requerida e impõe-se que não prossiga, nada havendo assim que censurar à decisão recorrida que isso mesmo decidiu.

Donde, não vislumbramos de todo como não sancionar a decisão recorrida.

O que tudo serve para dizer que se conclui pelo pleno acerto da decisão recorrida que deu procedência ao dito fundamento de Oposição à Execução por Embargos de Executado.

                                                                               *

5 – SÍNTESE CONCLUSIVA

I – .A falta de integração obrigatória do cliente bancário no PERSI [aprovado pelo Dec. Lei nº 227/2012, de 25/10], quando reunidos os pressupostos para o efeito, constitui impedimento legal a que a instituição de crédito, credora mutuante, intente ações judiciais tendo em vista a satisfação do seu crédito.

II- Assim como constitui impedimento legal a que a instituição de crédito, credora mutuante, ceda o seu crédito a quem não é uma instituição de crédito.

III – De outro modo, a cedência ou a transmissão poderia importar uma desvirtuação do regime consagrado no Dec. Lei nº 227/2012, de 25/10, na medida em que se a cessionária não for uma instituição de crédito abrangida pelo âmbito de aplicação daquele diploma legal não estaria obrigada a dar cumprimento ao PERSI.

IV – O incumprimento do regime legal da integração obrigatória do cliente bancário no PERSI traduz-se numa falta de condição objetiva de procedibilidade que é enquadrada, com as necessárias adaptações, no regime jurídico das exceções dilatórias (atípicas ou inominadas).

V – As comunicações de integração dos executados no PERSI e de extinção do PERSI têm de ser feitas num suporte duradouro (que inclui uma carta ou um e-mail) – arts. 14º, nº4 e 17º, nº3 do dito DL 227/2012, de 25/10 –  e não se podem provar com recurso a prova testemunhal (arts. 364º, nº2 e 393º, nº1, ambos do C.Civil) exceto se houver um início de prova por escrito (que não seja a própria alegada comunicação.

VI – Acresce que é critério legal, acautelado no art. 607º, nº 5 do n.C.P.Civil, que  também é vedado ao juiz declarar provados determinados factos para os quais a lei exija determinada formalidade especial ou por documentos sem que essa exigência legal se mostre satisfeita.

                                                                                              *

6 – DISPOSITIVO

Pelo exposto, decide-se a final julgar totalmente improcedente o recurso, com a consequente manutenção da decisão recorrida.

Custas pela Exequente/embargada/recorrente.

Coimbra, 15 de Dezembro de 2021  

                                                       Luís Filipe Cravo

                                                      Fernando Monteiro

                                                   António Carvalho Martins


***


[1] Relator: Des. Luís Cravo
  1º Adjunto: Des. Fernando Monteiro
  2º Adjunto: Des. Carvalho Martins
[2] Neste sentido expresso o acórdão do TRL de 8.10.2020, proferido no proc. nº 14235/15.8T8LRS-A.L1-6, acessível em www.dgsi.pt, sendo certo que o DL 227/2012 entrou em vigor no dia 01/01/2013 (art. 40º) e o seu art. 39º impôs que fossem automaticamente integrados no PERSI e sujeitos às disposições do presente diploma os clientes bancários que, à data de entrada em vigor do presente diploma, se encontrem em mora relativamente ao cumprimento de obrigações decorrentes de contratos de crédito que permaneçam em vigor, desde que o vencimento das obrigações em causa tenha ocorrido há mais de 30 dias, ficando a instituição de crédito obrigada, nos 15 dias subsequentes à entrada em vigor do diploma, a informar os clientes bancários da sua integração no PERSI, nos termos previstos no nº 4 do art. 14º.


[3] Vg. o acórdão do TRE de 6.10.2016, proferido no proc. nº 4956/14.8T8ENT-A.E1, o acórdão do TRG de 30.01.2020, proferido no proc. nº 5520/18.8T8VNF-A.G1, o acórdão do TRE de 21.05.2020, proferido no proc. nº 715/16.1T8ENT-B.E1, e o acórdão do TRL de 8.10.2020, proferido no proc. nº 14235/15.8T8LRS-A.L1-6, todos eles acessíveis em www.dgsi.pt, e sendo, aliás, os dois primeiros doutamente citados na decisão recorrida.
[4] Citámos agora o acórdão do TRL de 7.06.2018, proferido no proc. nº 144/13.9TCFUN-A-2, acessível em www.dgsi.pt/jtrl.
[5] Assim no acórdão do TRE de 21.05.2020, proferido no proc. nº 715/16.1T8ENT-B.E1, este já citado na precedente nota [4].
[6] Cf. acórdão do TRG de 30.01.2020, proferido no proc. nº 5520/18.8T8VNF-A.G1, também ele já citado na precedente nota [4].