REGIME DE PERMANÊNCIA NA HABITAÇÃO
TRÂNSITO EM JULGADO
ALTERAÇÃO
INEXEQUIBILIDADE
Sumário

Perante o trânsito em julgado de sentença que impôs, ainda que com preterição do pressuposto formal traduzido na prestação de consentimento do arguido e a falta de solicitação à Direcção-Geral de Reinserção Social da informação prevista nos artigos 7.º, n.º 2, e 19.º da Lei n.º 33/2010, de 02-09, a pena de substituição de cumprimento da pena de prisão em regime de permanência na habitação, com fiscalização por meios técnicos de controlo à distância, cabe ao tribunal da condenação implementar a dita pena, apenas a podendo alterar nos casos previstos na lei, onde não se insere o fundamento, do despacho recorrido, consistente na sua inexequibilidade.

Texto Integral






Acórdão deliberado em conferência na 5ª seção criminal do Tribunal da Relação de Coimbra

1. Relatório

C. interpôs recurso da decisão proferida no processo sumário n.º 222/20.8PBCBR, do Juízo Local Criminal de Coimbra (J2), Comarca de Coimbra, que determinou o cumprimento em estabelecimento prisional da pena de prisão de 6 meses em que foi condenada, e que deveria cumprir na sua residência, com fiscalização por meios de controlo à distância, conforme determinado na sentença proferida.

1.1. Decisão recorrida (que se transcreve integralmente):

“C. foi condenada por sentença transitada em julgado em 02-07-2020 pela prática em autoria material, na forma consumada, de um crime de furto simples previsto e punível pelo artigo 203.º, n.º 1, do Código Penal na pena de seis (6) meses de prisão, tendo sido determinada a substituição da pena de prisão de 6 meses de prisão por igual período em regime de permanência na habitação, a cumprir na residência da arguida, nos termos do art.º 43.º, n.ºs 1, al. a), e 2, do Código Penal, com fiscalização por meios técnicos de controlo à distância, com autorização para sair de casa pelo tempo estritamente necessário para consultas ou tratamentos médicos antecipadamente comunicados e justificados perante os serviços de reinserção social e para diligências processuais para as quais se encontre regularmente notificada.

Esta substituição da pena de prisão ficou, todavia, condicionada ao consentimento exigido pelo artigo 4.º da Lei n.º 33/2010, de 02 de setembro (alterada pela Lei n.º 94/2017, de 23 de agosto), que regula a aplicação dos meios técnicos de controlo à distância (vigilância eletrónica), posto que condicionada a parecer favorável da DGRSP no ulterior relatório a realizar que sempre implicaria que fosse fornecido tal consentimento.

A Digna Magistrada do Ministério Público pugnou pelo cumprimento efetivo da prisão em meio prisional por não se mostrarem preenchidos os requisitos formais da aplicação do regime de permanência na habitação, sendo tecnicamente inviável a sua aplicação.

Facultado o exercício do contraditório a defesa veio pugnar no sentido do indeferimento do promovido pelo Ministério Público, entendendo que se devia ainda oficiar de novo junto do DIAP de Localidade 1 e das forças policiais para que indicassem qualquer morada da arguida bem como diligência processual recente, tendo em vista que a mesma fosse localizada e conduzida a Tribunal para ser ouvida em diligência ou, em alternativa, prestasse ou não tal consentimento a lavrar em auto/termo.

Cumpre apreciar e decidir.

Como é sabido a lei prevê um regime híbrido, relativamente ao regime de permanência na habitação (doravante RPH), de previsão de uma pena de substituição e também de forma de execução da pena de prisão. O RPH, a aplicar em fase da condenação, se o julgador optar por esta como pena de substituição se as razões e finalidades de execução da pena se mostrarem, através dela, realizadas. O mesmo poderá suceder se o arguido em sede de cumprimento da pena pretender ver substituída a pena de prisão pela de RPH, uma vez que se mostrem verificados os mesmos pressupostos de realização de execução das penas. Quer o arguido, que ainda não tenha sido condenado, caso em que esperará ou requererá a substituição da prisão por RPH, a decidir pelo tribunal da condenação, nos termos do art.º 43º CP, quer após condenação em que não tenha ainda iniciado o cumprimento da pena, nos termos do art.º 371º-A CPP, quer no caso de, tendo sido o RPH, o regime escolhido em sede de condenação, se verifique alguma das circunstâncias previstas no art.º 44º CP, deverá o tribunal da condenação apreciar e decidir da substituição de uma pena de prisão não superior a 2 anos por este regime, assim como da eventual verificação dos pressupostos de revogação do mesmo, nos termos do art.º 44º C.Penal. Em todas estas situações há que fazer apelo à natureza deste regime, enquanto pena de substituição.

Revertendo ao caso em apreço, após várias tentativas de contacto com a condenada, por parte da DGRSP, as mesmas relevaram-se infrutíferas, pelo que foram oficiadas a GNR de Localidade 2 e a PSP de Localidade 1 no sentido de apurar o seu atual paradeiro.

Tanto a DGRSP como a GNR de Localidade 2, nas deslocações feita à residência onde a arguida declarou viver (TIR) confirmaram que a mesma, já ali não era vista há algum tempo, desconhecendo a sua irmã onde residiria, e até suspeitando que pudesse ser nas ruas da baixa de Localidade 1.

Foram determinadas, por despacho de 28.07.2020 (ref. citius ...), e realizadas várias diligências pelo tribunal, no sentido de notificar a arguida, para comparecer nos serviços da DGRSP, e indicar o local, compatível com as exigências da vigilância eletrónica, onde pretendesse cumprir a pena a que foi condenada, assim prestando consentimento.

Ora, a arguida foi pessoalmente notificada da referida informação da DGRSP (ref. citius ..., de 13.07) e do despacho precedente através de oficio datado de 15.07.2020 – cfr. informação da PSP inserta na ref. citius ..., de 10.08. Todavia, a arguida, não obstante, a notificação que lhe foi feita em 01.08.2020, não se deslocou aqueles Serviços nos termos e para os efeitos determinados no despacho de 15.07.2020, não se apresentou nas instalações da DGRSP (cfr. informação 22.09.2020, ref. 5974662), não prestou consentimento, colaboração, antes, outrossim, quedando-se em silêncio.

Com vista à tentativa de localização da arguida foram realizadas inúmeras diligências, designadamente foi pesquisado o paradeiro do arguido nas habituais bases de dados, incluindo a da Direcção-Geral dos Serviços Prisionais, SNS, à DGCI e à EDP, com inserção dos seus dados de identificação no SIS, que se requisitasse CRC e prints com indicação dos processos onde se encontre na mesma posição processual, nos juízos criminais e no DIAP de Localidade 1 - cfr. 83374308, de 28.07, 83384975, de 29.7.

Da informação da Segurança social inserta na ref. citius ..., de 29.07 constata-se que a arguida não trabalha desde julho de 2019, sendo que de acordo com a informação da Repartição de Finanças não entrega declarações fiscais desde o ano de 2010 (ref. citius ..., de 29.7).

Das pesquisas da ficha de reclusos (cfr. ref. citius ..., de 29.07, 83937917, de 26.10 e 84726020, de 10.02) constata-se que a arguida está em liberdade desde 18.12.2018.

Da lista de processos pendentes (cfr. ref. citius ....) decorre que a morada indicada pela arguida terá sido sempre “Rua …..”, a mesma que consta também em todas as bases de dados consultadas (cfr. designadamente, e entre o mais, as do registo civil ref. citius ...., de 29.07, e até da administração de saúde consultada eletronicamente no proc. 1235/19.8PCCBR [o âmbito do qual a arguida foi recentemente submetida a julgamento (05.01.2021)], ref. citius ..., de 12.02).

Também a Cáritas Diocesana informou que a arguida se encontrava com paradeiro incerto, recorrendo por vezes, de forma muito inconstante à Equipa de (…), no (…) (ref. citius ..., de 21.08), todavia a PSP de Localidade 1, em cumprimento de Mandados veio informar que a arguida não foi aí localizada, e que a própria instituição (…), sita no (…) não tem conhecimento do paradeiro da arguida há vários meses (ref. citius ..., de 5.1).

Pelos fundamentos expostos, as diligências tendo em vista a obtenção do consentimento da condenada (ainda que condicionado na sentença condenatória) não pode ser vista em termos absolutos, sem quaisquer restrições.

Basta pensar na hipótese, verificada nos autos, de a condenada se ter ausentado para parte incerta, segundo informações não apenas dos OPC´s, mas também de diversas instituições como a DGRSP, a Cáritas Diocesana de Localidade 1, e a (…) sita no (…).

A entender-se de outro modo ficaria inviabilizada a adequada resposta do sistema punitivo, perante o impedimento tanto da execução da pena de substituição (OPH), como da pena principal (prisão).

Ora, nos autos, resulta vítreo que, não obstante, a arguida tivesse tido conhecimento pessoal da informação da DGRSP (ref. citius ..., de 13.07) e do despacho de 15.07.2020, através de oficio datado de 15.07.2020, através da notificação que lhe foi feita em 01.08.2020, pela PSP (cfr. ref. citius ..., de 10.08) a verdade é que a arguida demonstrou desinteresse e até desdém pela aplicação da condicionada pena de regime de permanência na habitação (RPH), posto que não se deslocou aos Serviços da DGRSP, não prestou consentimento ao regime de permanência na habitação, por qualquer forma, antes, outrossim, quedou-se em silêncio. Acresce que, pese embora tivessem ainda sido designadas três datas para reabertura da audiência com o fim exclusivo de obter o consentimento da arguida para a pena de substituição de regime de permanência na habitação, com fiscalização por meios técnicos de controlo à distância (cfr. ref. citius ..., de 12.10, ref. citius ..., de 2.11, ..., de 4.11, ..., de 14.12, ..., de 05.01.2021), certo é que todas se revelaram sem sucesso, uma vez que a arguida não compareceu voluntariamente, nem foi possível fazê-la comparecer nos termos dos artigos 116º, 254º, nº1, al. b) do CPP e 27º, nº3, al. f) da CRP.

Nestes termos, tendo a substituição da pena de prisão ficado condicionada ao consentimento exigido pelo art. 4º da Lei nº33/2010, de 2.09 na redação da Lei nº94/2017, de 23.08, e ao concomitante parecer favorável da DGRSP, circunstancialismo esse que não se mostra verificado nos autos, não obstante as aturadas diligências encetadas pelo tribunal, a arguida C. deverá/terá de cumprir a pena de 6 (seis) meses de prisão em que foi condenada, o que se ordena.”

1.2. Recurso da arguida (conclusões que se transcrevem integralmente):

«A. A recorrente, quando foi notificada para exercer contraditório, remeteu requerimento, que reproduziu na motivação por ser aplicável, expondo que a única questão a impossibilitar o cumprimento da pena inicialmente determinada prende-se com o consentimento pois que no tocante ao local o signatário tinha conseguido contacto com casas-abrigo e instituições dispostas a acolher a arguida, sendo que a ausência de consentimento é ausência de pronúncia, quer seja ela afirmativa ou negativa dado que não só a arguida foi julgada na ausência como aquando da notificação pessoal da douta sentença não lhe foi peticionado que se pronunciasse e desse o consentimento, não se tendo nem apresentado na DGRSP nem em Tribunal para prestar tal consentimento (não foi possível a sua detenção ou notificação pessoal para comparência em virtude de paradeiro desconhecido);

B. Concorda-se que não pode ficar inviabilizada a adequada resposta do sistema punitivo mas atendendo a que muito possivelmente terá de ter lugar a emissão de mandados de detenção, julga-se que tal futura detenção, ao invés de ser direta para condução ao estabelecimento prisional deveria ser primeiramente para condução a Tribunal para efeitos de prestação ou não do consentimento em falta dado que por não se tratar de uma situação de não prestação de consentimento em virtude de expressa oposição da arguida, julga-se que em nome dos princípios da igualdade, da proporcionalidade, da adequação e da proibição do excesso não poderá ter tratamento igual;

C. O art. 14º da Lei 33/2010 bem como 44º n.os 2 e 3 CP consagram expressamente as situações de revogação de tal regime e a situação dos presentes autos não se mostra aí plasmada, constatando-se que apenas a situação de revogação levará ao cumprimento da pena em estabelecimento prisional (art. 44º n.º 3 CP), mostrando-se a analogia proibida in malam partem e sendo a presente situação ela mesma diversa daquela que resultaria da deliberada e inequívoca oposição e recusa de consentimento, pelo que terá de ter tratamento diferenciado sob pena de violação do princípio da igualdade e entorse constitucional!

D. Tem-se assim por inconstitucional, por violação dos princípios da igualdade, da proporcionalidade, da adequação e da proibição do excesso igualdade, a interpretação do n.º 1 do art. 4º da Lei 33/2010, a dimensão normativa e o entendimento segundo o qual “[C]onsubstancia ausência de consentimento a impedir a aplicação do regime de vigilância eletrónica a conduta de arguida julgada na ausência, que conjuntamente com a notificação pessoal da douta sentença condenatória não foi notificada para prestar ou não o consentimento e que depois acaba por nunca comparecer na DGRSP ou em Tribunal para o prestar, em razão de ser desconhecido o seu paradeiro”;

E. É disforme à lei fundamental, por violação dos princípios da igualdade, da proporcionalidade, da adequação e da proibição do excesso igualdade, a interpretação do art. 14º da Lei 33/2010, a dimensão normativa e o entendimento segundo o qual “[C]onsubstancia fundamento de revogação do regime de vigilância eletrónica a conduta de arguida julgada na ausência, que conjuntamente com a notificação pessoal da douta sentença condenatória não foi notificada para prestar ou não o consentimento e que depois acaba por nunca comparecer na DGRSP ou em Tribunal para o prestar, em razão de ser desconhecido o seu paradeiro”;

F. É inconstitucional, por violação dos princípios da igualdade, da proporcionalidade, da adequação e da proibição do excesso igualdade, a interpretação do art. 44º n.º 2 CP, a dimensão normativa e o entendimento segundo o qual “[C]onsubstancia fundamento de revogação do regime de vigilância eletrónica a conduta de arguida julgada na ausência, que conjuntamente com a notificação pessoal da douta sentença condenatória não foi notificada para prestar ou não o consentimento e que depois acaba por nunca comparecer na DGRSP ou em Tribunal para o prestar, em razão de ser desconhecido o seu paradeiro”;

G. Normas jurídicas violadas: maxime arts. 4º e 14º da Lei 33/2010; arts. 42º, 43º e 44º CP; arts. 13º n.º 2, 18º, 27º n.º 4, 30º n.º 4, 32º n.os 1 e 5, 110º n.º 1, 202º n.os 1, 2 e 3, 204º e 205º CRP; art. 412º n.os 1 e 2 CPC. Princípios violados e erroneamente aplicados: maxime in dubio pro reo, da materialidade decisória, da interpretação jurídica, da preferência por pena não privativa da liberdade, da culpa, da legalidade, da igualdade, da proporcionalidade, da adequação e da proibição do excesso bem como inerentes aos fins das penas.»

1.3. Resposta do Ministério Público (conclusões):

«A arguida não foi encontrada na morada que indicou nos autos.

Apesar disso, não veio apresentar alteração da sua morada.

Não se sabe o seu paradeiro.

Por isso, não foi viável a sua detenção no sentido de ser ouvida.

Ao que tudo indica vive na rua, em sítio que se desconhece.

Assim, é manifesto que não estão reunidas as condições para cumprimento da pena de prisão em regime de permanência na habitação com fiscalização por meios técnicos de controlo à distância.»

1.1. No parecer do Ministério Público nesta Relação, conclui-se pela manutenção da decisão recorrida.

2. Conhecimento do recurso

Encontra-se o objeto do recurso limitado pelas conclusões apresentadas pelo recorrente. São as conclusões da motivação que delimitam o âmbito do recurso, pelo que se ficam aquém, a parte da motivação que não consta das conclusões não é considerada, e se forem além também não são consideradas, porque a motivação das mesmas é inexistente (v. Germano Marques da Silva, Direito Processual Penal Português, vol. 3, 2015, págs. 335-336).

O objeto do presente recurso resume-se às seguintes questões:

a) Saber se o tribunal deve ordenar a detenção da arguida para efeitos de prestação do consentimento em falta; e

b) Inconstitucionalidade dos arts. 4º, n.º 1, da Lei n.º 33/2010, e 44º, n.º 2, do Código Penal.

Conhecendo:

Com relevo para a decisão, temos o seguinte historial de atos processuais:

 5.3.2020: Julgamento efetuado na ausência da arguida, notificada por PD (morada do TIR); e

 Sentença, onde consta o seguinte:

«Em conformidade com o preceito da al. a) do n.º 1 do art.º 43.º do Cód. Penal, a pena de prisão aplicada em medida não superior a dois anos pode, se o condenado consentir, ser executada em regime de permanência na habitação, com fiscalização por meios técnicos de controlo à distância, sempre que o Tribunal concluir que esta forma de cumprimento realiza de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.

Ora, na situação sub judice, atendendo à natureza do crime em causa, pese embora o anterior cumprimento de pena de prisão, tomando em consideração a sua atual suficiente inserção social e visto o lapso temporal, entretanto, decorrido desde a última condenação, afigura-se que a execução da prisão em regime de permanência na habitação permitirá, por um lado, a reafirmação, perante a comunidade, dos valores jurídicos postos em causa, por outro, a integração do arguido, sem o contacto com o meio prisional.

Estão, ademais, reunidos os pressupostos para utilização de meios técnicos de controlo à distância na fiscalização do cumprimento da pena de prisão em regime de permanência na habitação – art.ºs 1.º, al. b), 2.º, 3.º, 4.º, 7.º, e 19.º, da Lei 33/2010, de 02/09- condicionada ao parecer favorável da DGRSP no ulterior relatório a realizar.»

 E na parte decisória:

“1-Condenar a arguida C. pela prática em autoria material, na forma consumada, de um crime de furto simples previsto e punível pelo artigo 203.º, n.º 1, do Código Penal na pena de seis (6) meses de prisão.

2. Mais determino que a prisão seja executada em regime de permanência na habitação, na residência da arguida supra identificada, nos termos do art.º 43.º, n.ºs 1, al. a), e 2, do Código Penal, com recurso a vigilância eletrónica, imediatamente após trânsito em julgado da sentença e quando instalados os pertinentes meios técnicos necessários.

3. Atento o disposto nos art.ºs 43.º, n.º 2, do Código Penal, 7.º, n.º 4, e 11.º, n.º 1, da Lei 33/2010, de 02/09, autorizo ausências da condenada do local do cumprimento da pena, pelo período de tempo estritamente necessário à comparência em:

a) Consultas ou tratamentos médicos antecipadamente comunicados e justificados perante os serviços de reinserção social;

b) Diligências processuais para as quais se encontre regularmente notificado. (…).

Após trânsito em julgado: (…)

b) Comunique aos serviços de reinserção social, nos termos e para os efeitos do disposto no art.º 19.º, n.º 2, da Lei 33/2010, de 02/09.»

 21.5.2020: notificação da sentença à arguida através da PSP de Localidade 1;

 13.7.2020: informação da DGRSP de não instalação do equipamento de vigilância eletrónica, com a seguinte fundamentação:

«Com vista a dar cumprimento ao ordenado, após várias tentativas de contacto telefónico com a condenada (….), sem sucesso, foi contactada a GNR de Localidade 2 no sentido de apurar o seu atual paradeiro. Segundo este OPC a condenada já não é vista no local de residência há mais de um mês, desconhecendo onde estará a viver presentemente. Na deslocação feita à residência onde anteriormente vivia, pudemos constatar que a condenada já ali não reside há algum tempo, tendo uma sua irmã referido que ela, muito provavelmente, se encontre numa situação de “sem abrigo”, desconhecendo o local onde viverá nessa situação, mas suspeitando que possa ser nas ruas da baixa de Localidade 1. Neste contexto não foram instalados os equipamentos de vigilância eletrónica, aguardando-se que o Tribunal diga o que entender por conveniente.»

 15.7.2020: despacho a ordenar a notificação da arguida para “em 8 dias, comparecer naqueles serviços e indicar o local, compatível com as exigências da vigilância eletrónica, onde pretende cumprir a pena a que foi condenada sob pena de vir a ser alterado o modo de execução da mesma pelo tribunal competente (cfr. arts. 470º, nº 1 do Código de Processo Penal e 138º, nº4, al. l) do CEPMPL)”

 22.9.2020: informação da DGRSP – “até ao momento, não há conhecimento que a condenada se tenha dirigido a esta Equipa de Vigilância Eletrónica (VE) de Localidade 1 com vista a indicar o local, compatível com as exigências da VE, onde pudesse vir a cumprir a pena de prisão, em regime de permanência na habitação, em que foi condenada.”

 12.10.2020: designado o dia 2.11.2020 para tomada de declarações à arguida no sentido de prestar os esclarecimentos necessários para implementar ou não a execução da pena de prisão e RPH.

 2.11.2020: ata de audição da arguida, a que esta não compareceu (notificada por PD); designado o dia 24.11 para o mesmo efeito, e ordenada a emissão de mandados de detenção para comparência da arguida;

 24.11.2020: ata de audição, sem que a arguida tenha comparecido; designada nova data (14.12), e emitidos mandados de detenção;

 14.12.2020: ata de audição, sem que a arguida tenha sido detida, por não ter sido encontrada pelo OPC; designada nova data e emitidos novos mandados de detenção e condução;

 5.1.2021: ata de audição da arguida, que não compareceu nem foi detida, por não ter sido encontrada.

 14.1.2021: Promoção do Ministério Público – “Apesar dos aturados esforços nesse sentido até ao momento não foi possível instalar os meios técnicos necessários para cumprimento da dita pena de substituição. Na verdade, a arguida não reside na morada por si indicada, desconhece-se o seu paradeiro e, ao que tudo indica, segundo o apurado junto de uma sua irmã, reside na rua (sem abrigo).  Assim, não se mostram preenchidos os requisitos formais da aplicação do regime de permanência na habitação, sendo tecnicamente inviável, promovo se determine o cumprimento efetivo da prisão em meio prisional – cfr. ac. do TRP de 12.02.2020 proferido no processo 119/19.4PTPRT.P1.”

 28.1.2021: Exercício do contraditório pelo Exmo. Defensor da arguida:

«Não está em causa a instalação dos meios técnicos necessários para cumprimento da pena mas sim, algo anterior a essa fase e à qual ainda tão-pouco se chegou, por falta de um requisito/pressuposto prévio.

De facto, o que falta primeiramente é obter a concordância da arguida e só depois se colocará a questão de tal instalação bem como do local e cumprimento de tal pena doutamente decidida pelo Tribunal.

O signatário, enquanto defensor da mesma, encetou contactos com algumas instituições e julga ter encontrado uma que a acolherá durante a execução de tal pena com vigilância eletrónica.

Todavia, não consegue é contactar a arguida, pois nunca a viu nem foi contactado por esta ou qualquer sua familiar.

Julga-se assim que tão-pouco a jurisprudência citada tem aplicação in casu pois que não está em causa, para já e ainda, qualquer inviabilidade técnica de execução de tal pena, estando nós ex ante…

Deverá assim ser oficiado junto do DIAP de Localidade 1 bem como das forças policiais da cidade no sentido de indicarem qualquer morada da arguida bem como diligência processual recente, tendo em vista que a mesma seja localizada e conduzida a Tribunal para tal diligência ou, em alternativa, preste ou não tal consentimento a lavrar em auto/termo.

Assim, julga-se que importará fundamentalmente que a mesma seja localizada e detida para comparecer à diligência, de prestação (ou não) de consentimento e depois então equacionar o eventual cumprimento da pena de prisão em meio prisional.

Ou em alternativa que seja localizada e seja lavrado termo de tal autorização/consentimento.»

 9.2.2021: despacho a ordenar a junção de CRC e print da base de dados atualizado, referentes à arguida;

 15.2.2021: despacho recorrido;

 7.5.2021: notificação do despacho recorrido à arguida/recorrente, pela PSP, constando como residência “sem-abrigo”.

Estabelece o art. 43º, n.º 1, do Código Penal:

“Sempre que o tribunal concluir que por este meio se realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da execução da pena de prisão e o condenado nisso consentir, são executadas em regime de permanência na habitação, com fiscalização por meios técnicos de controlo à distância:

a) A pena de prisão efetiva não superior a dois anos;

b) A pena de prisão efetiva não superior a dois anos resultante do desconto previsto nos artigos 80º a 82º;

c) A pena de prisão não superior a dois anos, em caso de revogação de pena não privativa da liberdade ou de não pagamento da multa previsto no n.º 2 do artigo 45º.”

Esta norma foi introduzida pela Lei n.º 94/2017, de 23 de agosto, que eliminou as penas de prisão substitutivas. Na verdade, da exposição de motivos da Proposta de Lei nº 90/XIII, do Governo, extrai-se que o cumprimento da pena de prisão inferior a 2 anos em regime de permanência na habitação visou substituir as penas de substituição que implicavam o cumprimento de penas de curta duração, como a prisão por dias livres e o regime de semidetenção, em casos de baixo risco (sic). Assim, consta da exposição de motivos: “Não obstante, o procedimento atual em matéria de aplicação de penas à pequena criminalidade não é substancialmente alterado. O juiz continuará a proceder a uma dupla operação. Verificado que tem perante si um crime provado e concretamente punido com pena de prisão até dois anos, começará por determinar se é adequada e suficiente às finalidades da punição alguma pena de substituição (multa, suspensão da execução, trabalho a favor da comunidade) ou se é necessário aplicar a pena de prisão. Nesta última hipótese, ficam à sua disposição duas possibilidades de execução, pela ordem seguinte: ou em regime de permanência na habitação, ou dentro dos muros da prisão, em regime contínuo.”.

Resulta daqui que o cumprimento da pena de prisão inferior a 2 anos em regime de permanência na habitação é uma verdadeira pena de substituição, em sentido próprio: tem um caráter não institucional, sendo cumprida em liberdade, e pressupõe a prévia determinação da medida da pena de prisão, que substitui, constituindo uma forma de combater a pena de prisão (cf. Maria João Antunes, Penas e Medidas de Segurança, págs. 30-31).

Posto isto,

A Lei n.º 33/2010, de 2 de setembro, veio regular a utilização de meios técnicos de controlo à distância, nomeadamente para efeitos da execução da pena de prisão em regime de permanência na habitação, prevista nos artigos 43º e 44º do Código Penal – art. 1º, al. b), da referida Lei.

Ora, enquanto o art. 43º do Código Penal se refere a uma pena de substituição, que apenas pode ser aplicada em sentença, o art. 44º do mesmo Código alude a um regime de execução da pena, e não a uma pena de substituição. No caso, interessa o regime estabelecido no art. 43º, que foi aplicado na sentença como pena de substituição da pena de prisão.

A aplicação do regime de permanência na habitação tem pressupostos formais, um dos quais o consentimento do condenado – arts. 43º, n.º 1, do Código Penal, e 4º, n.ºs 1 e 7, da Lei n.º 33/2010.

No entanto, no caso dos autos, a pena de substituição foi aplicada sem que previamente fosse obtido o consentimento da arguida, que nem compareceu na audiência de julgamento.

A sentença é totalmente omissa no tocante a este requisito formal e prévio à substituição da pena de prisão pela pena prevista no art. 43º do Código Penal.

Não se encontra prevista na lei qualquer consequência para a não prestação prévia do consentimento do condenado, desde logo por se tratar de um pressuposto prévio para a aplicação da pena em causa (como sucede com a PTFC).

Na fundamentação da sentença – que não na sua parte decisória – refere-se, de facto, que a execução da pena fica condicionada a parecer favorável da DGRSP, no ulterior relatório a realizar. Na verdade, o art. 7º, n.º 2, da Lei n.º 33/2010 afirma que “O juiz solicita prévia informação aos serviços de reinserção social sobre a situação pessoal, familiar, laboral e social do arguido ou condenado, e da sua compatibilidade com as exigências da vigilância eletrónica e os sistemas tecnológicos a utilizar”. E o n.º 1 do art. 19º: “Se do processo não resultar a informação necessária para a execução da pena de prisão em regime de permanência na habitação, referida na alínea b) do artigo 1º, o tribunal solicita aos serviços de reinserção social a informação prévia prevista no n.º 2 do artigo 7º, a elaborar no prazo de sete dias úteis”.

Porém, não foi solicitada esta informação â DGRSP, sendo certo que se trata de diligência prévia à aplicação da pena substitutiva em causa, nem a mesmo foi ordenada para ser executada posteriormente à prolação da sentença.

Limitou-se a sentença, tornada definitiva, a determinar a comunicação aos serviços de reinserção social, nos termos e para os efeitos do disposto no art.º 19.º, n.º 2, da Lei 33/2010, ou seja, para procederem à instalação dos equipamentos de vigilância eletrónica no prazo máximo de 48 horas.

Decorre do que se vem referindo que a pena de substituição foi indevidamente aplicada, porque não se mostrava preenchido um dos pressupostos formais da sua aplicabilidade: o consentimento da arguida - conforme, e bem, refere o Exmo. Defensor da arguida na peça recursiva. No entanto, e relativamente a esse ponto, a questão está ultrapassada, por força do caso julgado.

Na verdade, a sentença proferida não foi objeto de recurso, com a mesma se tendo conformado quer a arguida, quer o Ministério Público – tendo-se assim tornado definitiva por força do caso julgado, instituto fundamental em qualquer Estado de Direito Democrático para garantir a segurança jurídica.

Foi após a tentativa de instalação efetuada pela DGRSP que o tribunal soube não se encontrar a arguida naquela residência – morada do TIR -, e que certamente vaguearia pela baixa de Localidade 1, como “sem-abrigo”.

Mais: efetuadas diversas tentativas para a localizar, e para a ouvir em declarações com vista a suprir esse pressuposto, tal não foi possível.

Nesta sequência, a decisão recorrida imputa à arguida o ónus de procurar os serviços de reinserção social para prestar o seu consentimento à pena aplicada, uma vez que não foi possível a execução dos mandados de detenção para assegurar a sua comparência nas datas (3) agendadas para a sua audição.

Salvo o devido respeito, erra a decisão recorrida quando afirma que a aplicação da pena ficou condicionada ao consentimento da arguida: não ficou, desde logo por não constar da própria sentença em lugar algum, nem podia ficar, pois a aplicação da pena substitutiva em causa exige tal consentimento como pressuposto prévio à sua aplicação, como se disse.

E uma coisa é certa: não há aplicação condicionada de penas de natureza criminal. As penas são aplicadas e executadas, e poderão ser revogadas, mas dentro dos condicionalismos expressamente previstos na lei.

Impõe-se neste particular uma nota: a audiência de julgamento teve lugar na ausência da arguida, e a sentença foi lida de imediato, não tendo o tribunal procedido a qualquer diligência reputada como necessária para a determinação da sanção, nos termos dos arts. 369º a 371º do Código de Processo Penal – que estabelecem o denominado sistema de cèsure: em primeiro lugar, decide-se a culpa, e só depois a pena, podendo o tribunal ordenar a produção de prova suplementar para decidir sobre a pena concreta a aplicar, ou a sua eventual substituição. Salvo o devido respeito, seria este o momento adequado à obtenção quer do consentimento da arguida, quer da confirmação das condições da habitação para cumprimento da pena de substituição.

O tribunal a quo não o fez.

Resulta do que se vem referindo que, aplicada que se encontra a pena de substituição, o tribunal a quo só a poderá alterar através da sua revogação, a ser decidida verificados que se mostrem os pressupostos previstos na lei.

O art. 14º da Lei n.º 33/2010, com a epígrafe revogação da vigilância eletrónica, estabelece o seguinte:

Sem prejuízo do disposto no Código Penal, no Código de Processo Penal e no Código da Execução das Penas e Medidas Privativas da Liberdade, a decisão que fixa a vigilância eletrónica é revogada quando:

a) O arguido ou condenado revogar o consentimento;

b) O arguido ou condenado danificar o equipamento de monotorização, com intenção de impedir ou dificultar a vigilância, ou, por qualquer forma, iludir os serviços de vigilância ou se eximir a esta;

c) O arguido ou condenado violar gravemente os deveres a que está sujeito.

A al. a) transcrita pressupõe uma anterior prestação do consentimento, não sendo de todo aplicável ao caso de ausência pura e simples do consentimento prévio do arguido. Na verdade, referindo-se a lei a uma revogação do consentimento, tem de se ter presente que revogar significa “tirar o efeito a”, ou “fazer com que deixe de vigorar”, o que pressupõe uma vigência anterior.

O Código de Processo Penal nada prevê relativamente à execução da pena prevista no art. 43º do Código Penal.

No Código Penal, estatui o art. 44º, n.ºs 2 e 3:

2- O tribunal revoga o regime de permanência na habitação se o condenado:

a) Infringir grosseira ou repetidamente as regras de conduta, o disposto no plano de reinserção social ou os deveres decorrentes do regime de execução da pena de prisão;

b) Cometer crime pelo qual venha a ser condenado e revelar que as finalidades que estavam na base do regime de permanência na habitação não puderam, por meio dele, ser alcançadas;

c) For sujeito a medida de coação de prisão preventiva.

3- A revogação determina a execução da pena de prisão ainda não cumprida em estabelecimento prisional.

Resulta do exposto que a revogação do regime de permanência na habitação pressupõe, por princípio, que o mesmo se encontre em execução.

Certo é que a decisão recorrida não procede à revogação da pena de substituição aplicada, limitando-se a determinar o cumprimento da pena principal por se não mostrarem verificados os requisitos exigidos pelos arts. 4º e 7º, n.º 2, da Lei n.º 33/2010.

Não se trata aqui de situação semelhante à revogação da suspensão da execução da pena de prisão, em que o tribunal tem de ouvir o condenado previamente à revogação da pena de substituição, sob pena de nulidade (art. 495º, n.º 2, do Código de Processo Penal) – podendo proceder-se à revogação caso se extraia que o tribunal envidou todos os esforços para ouvir o condenado, dando-lhe todas as oportunidades de defesa, e que a diligência prevista no art. 495º, n.º 2, do Código de Processo Penal não teve lugar por causa exclusivamente imputável ao próprio condenado.

Ora, tendo a sentença transitado em julgado, e a condenação assumido uma natureza definitiva, ao tribunal encontra-se vedado o poder de decidir uma alteração da pena aplicada através de despacho posteriormente proferido. As condições necessárias à sua implementação tinham de ser apuradas em fase anterior à decisão proferida em sentença, não podendo em momento posterior a pena ser alterada por despacho com o fundamento pura e simples da sua inexequibilidade.

Pelo que se mostra inadmissível e ofensivo do caso julgado o despacho proferido, impondo-se a sua revogação.

Perante uma decisão definitiva de aplicação da pena de substituição de cumprimento da pena de prisão em regime de permanência na habitação, cabe ao tribunal implementá-la, apenas a podendo alterar nos casos previstos na lei.

Incumbindo ao tribunal proceder às diligências necessárias à execução da pena aplicada, terá de agir em conformidade com o por si decidido.

Procederá, nesta exata medida, o recurso interposto – tornando-se inútil o conhecimento das invocadas inconstitucionalidades.


*

3. Decisão

Nos termos expostos, na procedência do recurso, revoga-se a decisão recorrida, determinando-se que o tribunal diligencie pela execução da pena de substituição aplicada à recorrente.

Sem tributação.

Coimbra, 15 de dezembro de 2021

Ana Carolina Cardoso (relatora – processei e revi)

João Novais (adjunto)