LEIS COVID
SUSPENSÃO DE PRAZOS PROCESSUAIS
Sumário

I. Quanto aos processos não urgentes, a redação inicial da Lei n.º 1-A/2020 estabeleceu a sujeição destes processos ao regime das férias judiciais, com a consequente suspensão dos prazos processuais.
II. Com a Lei n.º 4-A/2020, foi eliminada do artigo 7.º, n.º 1 a referência à aplicação do regime das férias judiciais, tendo-se determinado de forma expressa a suspensão dos prazos processuais até à cessação da situação excecional provocada pela COVID-19.
III. A nova redação produziu efeitos retroativos a 09-03-2020, com exceção das normas aplicáveis aos processos urgentes, cuja produção de efeitos se iniciou no dia 07-04-2020, data da entrada em vigor da Lei n.º 4-A/2020 (cfr. artigo 6.º da Lei n.º 4-A/2020).
IV. O regime legal do referido artigo 7.º da Lei n.º 1-A/2020 vigorou até 03-06-2020, data da entrada em vigor da Lei n.º 16/2020, de 29 de maio, que revogou o referido artigo 7.º da Lei n.º 1-A/2020 (artigos 8.º e 10.º), colocando termo à suspensão generalizada dos prazos processuais, retomando-se a contagem dos prazos judiciais a partir de 03-06-2020 (inclusive), considerando-se, em cada prazo, o tempo decorrido até à declaração da sua suspensão.

Texto Integral










Acordam na 3ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Coimbra

                RELATÓRIO

                Nos presentes autos, J..., por apenso à execução em que é executado e exequente C..., S.A., veio deduzir embargos de executado.

                A exequente deduziu contestação, sustentando para o efeito que os embargos deduzidos são extemporâneos.

                Foi proferido despacho saneador que julgou extemporâneos os presentes embargos de executado, e, em consequência, determinou que a execução principal apensa prosseguisse ulteriores termos processuais normais.

                Inconformado com o decidido, o executado interpôs recurso, com as seguintes conclusões que se reproduzem:
...
Pelo exposto, os embargos não são extemporâneos, na medida em que foram apresentados antes do termo do prazo, pelo que deverá a sentença recorrida ser revogada e substituída por outra que determine o recebimento dos embargos, por legais e tempestivos, ordenando a normal prossecução dos autos até final. 

                Não foram apresentadas contra-alegações.

                O recurso foi admitido.

                Colhidos os vistos, cumpre decidir.

                OBJETO DO RECURSO

Considerando as conclusões das alegações, as quais delimitam o objeto do recurso sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso, importa decidir se os embargos de executado são ou não extemporâneos.

                FUNDAMENTAÇÃO

                De facto:

                Com interesse para a questão em apreço, consideram-se assentes os seguintes factos:
1. O executado residente em Seia foi citado em 4-03-2020, na pessoa de D...
2. Em 9-03-2020 o executado solicitou apoio judiciário conforme fax que remeteu aos autos de execução, solicitando a interrupção do prazo.
3. Juntou para efeito o recibo de entrega de documentos, onde consta o número deste processo.
4. A notificação de nomeação de patrono foi efetuada no dia 1-04-2020.
5. Os embargos de executado foram deduzidos a 26-06-2020.

                De direito

                Na decisão recorrida fundamentou-se a extemporaneidade dos embargos de executado da seguinte forma na parte que nos interessa”.

                “O prazo para deduzir embargos de executado é de 20 dias, a contar da citação, seja esta efetuada antes ou depois da penhora.

                Da análise dos autos de execução, de que os presentes autos são apensos, resulta que o executado J... foi citado para os termos da execução a 4.03.2020, tendo o aviso de receção sido assinado por D... (cfr. documentos constantes do citius na data de 2020/09/03, a que corresponde as referências ...).

                Uma vez que o aviso de receção foi assinado por pessoa diversa do executado, ao prazo de defesa acresce uma dilação de 5 dias, nos termos do disposto no artigo 245º, nº 1, al. a) do CPC.

                Por seu lado, dado que o executado reside em Seia, ou seja, fora área da comarca sede deste Tribunal da Guarda onde pende a execução apensa, ao prazo de defesa acresce uma outra dilação de 5 dias, nos termos do disposto no art.º 245º, nº 1, al. b) e nº 4 do CPC.

                Assim, o último dia do prazo para dedução dos embargos de executado seria o dia 02 de abril de 2020, podendo ainda o executado praticar tal ato nos três dias úteis seguintes ao termo do prazo, nos termos do art.º 139º, nº 5, CPC, o que não sucedeu.

                A presente oposição à execução foi apresentada a 16 de junho de 2020[1]. Ou seja, em data muito posterior ao termo do prazo para dedução de embargos de executado e mesmo posterior aos três dias úteis seguintes ao termo do prazo.

                Sublinhe-se que, não obstante ter sido requerido apoio judiciário pelo ora embargante/executado, o certo é que não ocorreu qualquer interrupção do prazo para apresentação dos embargos de executados.

                Com efeito, apenas a junção aos autos de execução pendentes do comprovativo de pedido de apoio judiciário faz interromper o prazo para dedução de oposição em curso, nos termos do disposto no art.º 24º, nº 4, da Lei nº 34/2004, de 29 de julho, com as posteriores alterações.

                Ora, resulta da análise dos autos de execução, que o ora embargante não juntou, como devia, aos autos de execução comprovativo do pedido de apoio judiciário, limitando-se a juntar um requerimento a informar a sua pretensão.

                No sentido de que apenas a junção aos autos do comprovativo do pedido de apoio judiciário faz interromper o prazo em curso, não bastando a mera formulação do requerimento de apoio judiciário nos serviços de segurança social, veja-se o Acórdão da Relação do Porto de 23.01.2007, Proc. nº 0627162, disponível em www.dgsi.pt.

                Acresce que a informação proveniente do SINOA, junta aos autos no dia 01 de abril de 2020, a informar da nomeação do patrono, não tem a virtualidade de interromper o prazo.

                (…).

                Ao que se deixa exposto, acresce ainda notar que a Lei nº 4-A/2020, de 19.03.2020, que estipulou medidas excecionais e temporárias de resposta à situação epidemiológica provocada pelo coronavírus SARS-CoV-2 e da doença COVID, também não tem aplicação ao caso sub judice, tendo conta que tal lei entrou em vigor no dia 7 de abril de 2020, ou seja em data posterior ao prazo legal para dedução de embargos de executado, cfr. artigo 11º do citado diploma legal.

                (…)

                É, assim, manifesto que os presentes embargos de executado foram deduzidos fora do prazo legal”.

                Sustenta em síntese o recorrente que os embargos deduzidos em 26-06-2020 não são extemporâneos, já que em 9-03-2020 juntou comprovativo de entrega do pedido apresentado na Segurança, o único que lhe entregue por aqueles serviços, pelo que não tendo ainda decorrido os prazos de dilação (5 + 5), o prazo em curso interrompe-se na totalidade. E sendo a nomeação de patrono de 1 de abril, o prazo para deduzir oposição terminava somente a 2 de julho de 2020, dado que a que a contagem dos prazos esteve suspensa desde 9 de março e até 3 de junho, por força da Lei 4-A/2020, de Abril.

                Vejamos:

                Em resultado da situação de emergência de saúde pública de âmbito internacional, declarada pela Organização Mundial de Saúde, no dia 30 de janeiro de 2020, bem como à classificação do vírus SARS-CoV-2 como uma pandemia, no dia 11 de março de 2020 e à situação de calamidade pública, que motivou a declaração de diversos e sucessivos estados de emergência (o primeiro dos quais pelo Decreto do Presidente da República n.º 14-A/2020, de 18 de março), foram introduzidas no ordenamento jurídico diversas alterações, de exceção e com carácter temporário, em vários diplomas legais, por forma a adaptar o quadro normativo ao novo status quo e às exigências particulares que, a especial situação que se vivenciava, foi impondo ao longo do tempo.

Assim, logo em 19 de março de 2020 foi publicada a Lei n.º 1-A/2020 que, ratificando os efeitos do Decreto-Lei n.º 10-A/2020, de 13 de março veio aprovar diversas medidas excecionais e temporárias de resposta à situação epidemiológica provocada pelo coronavírus SARS -CoV -2, agente causador da doença COVID -19.

No artigo 7.º dessa Lei n.º 1-A/2020 estatuíam-se diversas regras sobre os “prazos e diligências”, designadamente a praticar nos tribunais judiciais.

1— Sem prejuízo do disposto nos números seguintes, aos atos processuais e procedimentais que devam ser praticados no âmbito dos processos e procedimentos, que corram termos nos tribunais judiciais, tribunais administrativos e fiscais, Tribunal Constitucional, Tribunal de Contas e demais órgãos jurisdicionais, tribunais arbitrais, Ministério Público, julgados de paz, entidades de resolução alternativa de litígios e órgãos de execução fiscal, aplica-se o regime das férias judiciais até à cessação da situação excecional de prevenção, contenção, mitigação e tratamento da infeção epidemiológica por SARS -CoV -2 e da doença COVID -19, conforme determinada pela autoridade nacional de saúde pública.

2— O regime previsto no presente artigo cessa em data a definir por decreto-lei, no qual se declara o termo da situação excecional.

3—A situação excecional constitui igualmente causa de suspensão dos prazos de prescrição e de caducidade relativos a todos os tipos de processos e procedimentos.

4—O disposto no número anterior prevalece sobre quaisquer regimes que estabeleçam prazos máximos imperativos de prescrição ou caducidade, sendo os mesmos alargados pelo período de tempo em que vigorar a situação excecional.

5—Nos processos urgentes os prazos suspendem-se, salvo nas circunstâncias previstas nos n.ºs 8 e 9.

6—O disposto no presente artigo aplica -se ainda, com as necessárias adaptações, a: a)-Procedimentos que corram termos em cartórios notariais e conservatórias;

b)- Procedimentos contraordenacionais, sancionatórios e disciplinares, e respetivos atos e diligências que corram termos em serviços da administração direta, indireta, regional e autárquica, e demais entidades administrativas, designadamente entidades administrativas independentes, incluindo o Banco de Portugal e a Comissão do Mercado de Valores Mobiliários;

c)-Prazos administrativos e tributários que corram a favor de particulares.

7—Os prazos tributários a que se refere a alínea c) do número anterior dizem respeito apenas aos atos de interposição de impugnação judicial, reclamação graciosa, recurso hierárquico, ou outros procedimentos de idêntica natureza, bem como aos prazos para a prática de atos no âmbito dos mesmos procedimentos tributários.

8— Sempre que tecnicamente viável, é admitida a prática de quaisquer atos processuais e procedimentais através de meios de comunicação à distância adequados, designadamente por teleconferência ou videochamada.

9—No âmbito do presente artigo, realizam-se apenas presencialmente os atos e diligências urgentes em que estejam em causa direitos fundamentais, nomeadamente diligências processuais relativas a menores em risco ou a processos tutelares educativos de natureza urgente, diligências e julgamentos de arguidos presos, desde que a sua realização não implique a presença de um número de pessoas superior ao previsto pelas recomendações das autoridades de saúde e de acordo com as orientações fixadas pelos conselhos superiores competentes.

10—São suspensas as ações de despejo, os procedimentos especiais de despejo e os processos para entrega de coisa imóvel arrendada, quando o arrendatário, por força da decisão judicial final a proferir, possa ser colocado em situação de fragilidade por falta de habitação própria.

11— Após a data da cessação da situação excecional referida no n.º 1, a Assembleia da República procede à adaptação, em diploma próprio, dos períodos de férias judiciais a vigorar em 2020”.

Procurando superar as críticas que foram surgindo, este artigo 7.º veio a ser alterado pela Lei n.º 4-A/2020, de 06 de abril (art.º 2.º) passando, desde então, a ter a seguinte redação:

“Artigo 7.º

[...]

1- Sem prejuízo do disposto nos números seguintes, todos os prazos para a prática de atos processuais e procedimentais que devam ser praticados no âmbito dos processos e procedimentos que corram termos nos tribunais judiciais, tribunais administrativos e fiscais, Tribunal Constitucional, Tribunal de Contas e demais órgãos jurisdicionais, tribunais arbitrais, Ministério Público, julgados de paz, entidades de resolução alternativa de litígios e órgãos de execução fiscal ficam suspensos até à cessação da situação excecional de prevenção, contenção, mitigação e tratamento da infeção epidemiológica por SARS-CoV-2 e da doença COVID-19, a decretar nos termos do número seguinte.

2 - ...

3 - ...

4 - ...

5 - O disposto no n.º 1 não obsta:

a)- À tramitação dos processos e à prática de atos presenciais e não presenciais não urgentes quando todas as partes entendam ter condições para assegurar a sua prática através das plataformas informáticas que possibilitam a sua realização por via eletrónica ou através de meios de comunicação à distância adequados, designadamente teleconferência, videochamada ou outro equivalente;

b)- A que seja proferida decisão final nos processos em relação aos quais o tribunal e demais entidades entendam não ser necessária a realização de novas diligências.

6 - Ficam também suspensos:

a)- O prazo de apresentação do devedor à insolvência, previsto no n.º 1 do artigo 18.º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas;

b)- Quaisquer atos a realizar em sede de processo executivo, designadamente os referentes a vendas, concurso de credores, entregas judiciais de imóveis e diligências de penhora e seus atos preparatórios, com exceção daqueles que causem prejuízo grave à subsistência do exequente ou cuja não realização lhe provoque prejuízo irreparável, nos termos previstos no n.º 2 do artigo 137.º do Código de Processo Civil, prejuízo esse que depende de prévia decisão judicial.

7- Os processos urgentes continuam a ser tramitados, sem suspensão ou interrupção de prazos, atos ou diligências, observando-se quanto a estes o seguinte:

a)- Nas diligências que requeiram a presença física das partes, dos seus mandatários ou de outros intervenientes processuais, a prática de quaisquer atos processuais e procedimentais realiza-se através de meios de comunicação à distância adequados, designadamente teleconferência, videochamada ou outro equivalente;

b)- Quando não for possível a realização das diligências que requeiram a presença física das partes, dos seus mandatários ou de outros intervenientes processuais, nos termos da alínea anterior, e esteja em causa a vida, a integridade física, a saúde mental, a liberdade ou a subsistência imediata dos intervenientes, pode realizar-se presencialmente a diligência desde que a mesma não implique a presença de um número de pessoas superior ao previsto pelas recomendações das autoridades de saúde e de acordo com as orientações fixadas pelos conselhos superiores competentes;

c)- Caso não seja possível, nem adequado, assegurar a prática de atos ou a realização de diligências nos termos previstos nas alíneas anteriores, aplica-se também a esses processos o regime de suspensão referido no n.º 1.

8- Consideram-se também urgentes, para o efeito referido no número anterior:

a)- Os processos e procedimentos para defesa dos direitos, liberdades e garantias lesados ou ameaçados de lesão por quaisquer providências inconstitucionais ou ilegais, referidas no artigo 6.º da Lei n.º 44/86, de 30 de setembro, na sua redação atual;

b)- O serviço urgente previsto no n.º 1 do artigo 53.º do Decreto-Lei n.º 49/2014, de 27 de março, na sua redação atual;

c)- Os processos, procedimentos, atos e diligências que se revelem necessários a evitar dano irreparável, designadamente os processos relativos a menores em risco ou a processos tutelares educativos de natureza urgente e as diligências e julgamentos de arguidos presos.

9- O disposto nos números anteriores aplica-se, com as necessárias adaptações, aos prazos para a prática de atos em:

a)- [Anterior alínea a) do n.º 6.]

b)-Procedimentos contraordenacionais, sancionatórios e disciplinares, incluindo os atos de impugnação judicial de decisões finais ou interlocutórias, que corram termos em serviços da administração direta, indireta, regional e autárquica, e demais entidades administrativas, designadamente entidades administrativas independentes, incluindo a Autoridade da Concorrência, a Autoridade de Supervisão de Seguros e Fundos de Pensões, o Banco de Portugal e a Comissão do Mercado de Valores Mobiliários, bem como os que corram termos em associações públicas profissionais;

c)- Procedimentos administrativos e tributários no que respeita à prática de atos por particulares.

10- A suspensão dos prazos em procedimentos tributários, referida na alínea c) do número anterior, abrange apenas os atos de interposição de impugnação judicial, reclamação graciosa, recurso hierárquico, ou outros procedimentos de idêntica natureza, bem como os atos processuais ou procedimentais subsequentes àqueles.

11-Durante a situação excecional referida no n.º 1, são suspensas as ações de despejo, os procedimentos especiais de despejo e os processos para entrega de coisa imóvel arrendada, quando o arrendatário, por força da decisão judicial final a proferir, possa ser colocado em situação de fragilidade por falta de habitação própria ou por outra razão social imperiosa.

12- Não são suspensos os prazos relativos à prática de atos realizados exclusivamente por via eletrónica no âmbito das atribuições do Instituto Nacional da Propriedade Industrial, I. P.

13- (Anterior n.º 11.)”.

Quanto aos processos não urgentes, a redação inicial da Lei n.º 1-A/2020 estabelecia a sujeição destes processos ao regime das férias judiciais, com a consequente suspensão dos prazos processuais. Com a Lei n.º 4-A/2020, foi eliminada do artigo 7.º, n.º 1 a referência à aplicação do regime das férias judiciais, tendo-se determinado de forma expressa a suspensão dos prazos processuais até à cessação da situação excecional provocada pela COVID-19. No entanto, o número 5 do artigo 7.º veio estabelecer que a referida suspensão dos prazos não obstava à tramitação dos processos e à prática de atos processuais presenciais e não presenciais através das plataformas informáticas que possibilitam a sua realização por via eletrónica ou através de meios de comunicação à distância adequados (designadamente, teleconferência, videochamada ou outros), contanto que todas as partes entendessem ter condições para assegurar a sua prática por essas vias.

Quanto aos processos urgentes, a versão originária da Lei n.º 1-A/2020 havia determinado a suspensão dos prazos, ainda que com algumas exceções. Com a Lei n.º 4-A/2020 optou o legislador, diversamente, no sentido de que os processos urgentes continuassem a ser tramitados, sem suspensão ou interrupção de prazos, atos ou diligências (cfr. n.º 7 do referido artigo 7.º).

A nova redação produziu efeitos retroativos a 09-03-2020, com exceção das normas aplicáveis aos processos urgentes, cuja produção de efeitos se iniciou no dia 07-04-2020, data da entrada em vigor da Lei n.º 4-A/2020 (cfr. artigo 6.º da Lei n.º 4-A/2020).

                O regime legal do referido artigo 7.º da Lei n.º 1-A/2020 vigorou até 03-06-2020, data da entrada em vigor da Lei n.º 16/2020, de 29 de maio, que revogou o referido artigo 7.º da Lei n.º 1-A/2020 (artigos 8.º e 10.º), colocando termo à suspensão generalizada dos prazos processuais, retomando-se a contagem dos prazos judiciais a partir de 03-06-2020 (inclusive), considerando-se, em cada prazo, o tempo decorrido até à declaração da sua suspensão.[2]

                Conforme se escreveu no Caderno do CEJ[3] “Importando ter presente, para a compreensão global do regime, que a Lei n.º 1-A/2020, de 19 de março, estabelece (artigo 2.º) que o conteúdo do Decreto-Lei n.º 10-A/2020, de 13 de março, constitui sua parte integrante.

Para além de integrar o conteúdo do precedente Decreto-Lei – e assim, para o que aqui releva, o teor dos respetivos artigos 14.º e 15.º, que compõem capítulo consagrado aos Atos e diligências processuais e procedimentais –, a Lei n.º 1-A/2020 procedeu à ratificação dos respetivos efeitos (artigo 1.º, alínea a)) e determinou a coincidência da produção de efeitos de ambos os diplomas (artigos 2.º, parte final, e 10.º) – ou seja, fixando o início de tal produção de efeitos, no que respeita à matéria ora em análise, a 9 de março.

É o que decorre da análise do artigo 37.º do Decreto-Lei n.º 10-A/2020, de 13 de março –preceito que contém diferenciadas datas de produção de efeitos, sendo que 9 de março de 2020 se reporta ao contido nos artigos 14.º a 16.º do Decreto-Lei n.º 10-A/2020, de 13 de março, que, como já vimos, englobam o capítulo consagrado aos Atos e diligências processuais e procedimentais.

Nesta matéria, pois, conclui-se que a Lei n.º 1-A/2020, de 19 de março, produz efeitos desde 9 de março. De todo o modo, a Lei n.º 4-A/2020, de 6 de abril, que alterou quer a Lei n.º 1-A/2020 quer o Decreto-Lei n.º 10-A/2020, veio explicitamente estabelecer, a título de norma interpretativa, que o artigo 10.º da Lei n.º 1-A/2020, de 19 de março, deve ser interpretado no sentido de ser considerada a data de 9 de março de 2020 (...) como a data de início de produção de efeitos das disposições do artigo 7.º da Lei n.º 1-A/2020, de 19 de março.

Por outro lado, e no que respeita à redação introduzida ao artigo 7.º da Lei n.º 1-A/2020, de 19 de março, pela Lei n.º 4-A/2020, de 6 de abril, há que ter também em consideração como data de início de produção de efeitos desta nova redação o dia 9 de março de 2020, no que respeita aos processos não urgentes (cf. artigo 6.º, n.º 2, da Lei n.º 4-A/2020)”.

                Em face destes normativos, decorre que o prazo de 30 dias (20[4] + 5[5] + 5[6]) correu da seguinte forma:

                -4 dias (4-03-2020 a 8-03-2020);

                -Suspenso (9-03-2020 a 2-06-2020) (artigo 6º, nº 2 da Lei n.º 4-A/2020, de 6 de abril[7]);

                -23 dias (3-06-2020 a 26-06-2020) (artigo 10º da Lei nº 16/2020, de 29 de maio[8]).

                Constatamos assim que os presentes embargos de executado foram deduzidos dentro do prazo, e como tal, são tempestivos, pelo que se impõe a revogação da decisão recorrida.

                                                                                              x

                Fica assim prejudicado a questão de saber se interrompeu ou não o prazo com a junção dos autos do fax de 9.03.2021, que juntou recibo de entrega de documentos na Segurança Social.

                                                                                              x

                As custas ficam a cargo da apelada, já que a circunstância de não ter contra-alegado no recurso interposto pela parte contrária, que foi julgado procedente, não exclui a sua responsabilidade pelo pagamento das custas respetivas[9].

                Sumário (artigo 663º, nº 7, do CPC):
I. Quanto aos processos não urgentes, a redação inicial da Lei n.º 1-A/2020 estabeleceu ia a sujeição destes processos ao regime das férias judiciais, com a consequente suspensão dos prazos processuais.
II. Com a Lei n.º 4-A/2020, foi eliminada do artigo 7.º, n.º 1 a referência à aplicação do regime das férias judiciais, tendo-se determinado de forma expressa a suspensão dos prazos processuais até à cessação da situação excecional provocada pela COVID-19.
III. A nova redação produziu efeitos retroativos a 09-03-2020, com exceção das normas aplicáveis aos processos urgentes, cuja produção de efeitos se iniciou no dia 07-04-2020, data da entrada em vigor da Lei n.º 4-A/2020 (cfr. artigo 6.º da Lei n.º 4-A/2020).
IV. O regime legal do referido artigo 7.º da Lei n.º 1-A/2020 vigorou até 03-06-2020, data da entrada em vigor da Lei n.º 16/2020, de 29 de maio, que revogou o referido artigo 7.º da Lei n.º 1-A/2020 (artigos 8.º e 10.º), colocando termo à suspensão generalizada dos prazos processuais, retomando-se a contagem dos prazos judiciais a partir de 03-06-2020 (inclusive), considerando-se, em cada prazo, o tempo decorrido até à declaração da sua suspensão.

                DECISÃO

                Com fundamento no atrás exposto, acorda-se em julgar procedente a apelação, com a consequente, revogação da decisão recorrida.

                Custas pela apelada.

                                                                                                              Coimbra, 15 de dezembro de 2021

                Mário Rodrigues da Silva- relator

                Cristina Neves- adjunta

               Jaime Ferreira- adjunto




[1] Por lapso material é mencionada a data de 16 de junho de 2020, em vez de 26 de junho de 2020.
[2] Cf. entre outros os Acórdãos do TRL, de 1-07-2021, proc. 90/21.2T8OER.L1-2, relator Carlos Castelo Branco e de 9-09-2021, proc. 2706-20.9T8SNT.L1-2., relator Maria José Mouro e do TRE, de 25-03-2021, proc. 114/19.3T8RMR.E1, relator Francisco Matos, publicados em www.dgsi.pt.
[3] Caderno Especial do CEJ, Estado de Emergência- Covid 19 implicações na Justiça, Abril de 2020,  11.1    Algumas questões face à legislação aprovada no contexto da Pandemia Covid 19-Jurisdição Civil, Comercial e Processual Civil, p. 290.
[4] Artigo 728º, nº 1 do CPC: “O executado pode opor-se à execução por embargos no prazo de 20 dias a contar da citação”.
[5] Artigo 245º, nº 1, al. a) do CPC: “Ao prazo de defesa do citando acresce uma dilação de cinco dias quando a citação tenha sido realizada em pessoa diversa do réu, nos termos do artigo 228º e 2 e 4 do artigo 232º.
[6] Artigo 245º, nº 1, al. b) do CPC: “Ao prazo de defesa do citando acresce uma dilação de cinco dias quando o réu tenha sido citado fora da área da comarca sede do tribunal onde pende a ação, sem prejuízo do disposto no número seguinte”.
[7] O artigo 7.º da Lei n.º 1 -A/2020, de 19 de março, na redação introduzida pela presente lei, produz os seus efeitos a 9 de março de 2020, com exceção das normas aplicáveis aos processos urgentes e do disposto no seu n.º 12, que só produzem efeitos na data da entrada em vigor da
presente lei.
[8] A presente lei entra em vigor no quinto dia seguinte ao da sua publicação.
[9] SALVADOR DA COSTA, Responsabilidade pelas custas no recurso julgado procedente sem contra-alegação do recorrido, https://drive.google.com/file/d/1AUCq7fmuDEcJjTOH7adY2whdoybrxrEY/view.